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BrBRHUHu0101-33002009000100004

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National varietyBr
Year2009
SourceScielo

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FHC: o intelectual como político

O SENSO DA REALIDADE E O JUÍZO POLÍTICO Fernando Henrique em livro recente, Cartas a um jovem político, publicado em 2006, no qual destila didaticamente a sua experiência e reflete sobre os temas de interesse "para quem queira entrar no vasto mundo da política", registra: "Eu me sinto mais professor e intelectual do que político, no sentido que se atribui normalmente à palavra "político"1. É certo que ele não é, como diz pertinentemente, um político no sentido mais usual do termo como foram, por exemplo, Campos Sales, Rodrigues Alves, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, eminentes e qualificados antecessores seus na presidência da República. No entanto, não é menos verdade que se trata de homem público cuja trajetória, no conjunto, é das mais bem-sucedidas - e das mais bem-sucedidas no exercício de atividades medularmente políticas, como são as do prócer partidário, senador, ministro das Relações Exteriores e da Fazenda, presidente da República por dois mandatos, democraticamente eleito pela maioria de um grande eleitorado em primeiro turno. Nesse sentido é um caso singularíssimo na história brasileira, e pouco freqüente no cenário internacional: o de um grande intelectual, de forte e reconhecida presença no mundo universitário do país e do exterior, que não foi apenas influente no espaço público da vida nacional, mas exerceu efetivamente o poder na cúpula do sistema político de um país da escala e complexidade do Brasil, de 1995 a 2002. Por isso o seu percurso convida a uma reflexão sobre o tema dos intelectuais e o poder.

O tema dos intelectuais e do poder não é importante apenas porque os intelectuais apreciam a discussão em torno desse assunto e as controvérsias que suscita. É importante porque a atividade intelectual de produção, discussão e transmissão de idéias é muito necessária para a ação política nas sociedades contemporâneas. Com efeito, essas se caracterizam por sua complexidade; constante mudança; democratização impulsionada pelo grande número; globalização que internaliza o mundo na vida dos países e pela presença da mídia no cotidiano das nações. As sociedades contemporâneas requerem, assim, tanto princípios, valores e diretrizes que apontem rumos nas incertezas das transformações, como saber técnico apto a prover conhecimentos-meios necessários para traduzir os rumos apontados e os valores escolhidos em políticas públicas viáveis.

O primeiro tipo de conhecimento, como diz FHC com um camoniano saber de experiências feito, requer visão global, ou seja, a capacidade "de entender o conjunto das coisas" e a competência estratégica para perceber o que está aberto "para as possibilidades do futuro". É isto que permite ao bom político aprender "a navegar e saber caminhar entre escolhas, sempre atento à meteorologia" e sem "perder o rumo"2. O segundo tipo opera o relacionamento entre meios disponíveis e fins desejáveis. Daí, para um político, a importância, por exemplo, da economia - "porque a economia predomina nos acontecimentos e nas sensações da sociedade", como aponta FHC3 -, dos preceitos da administração e da capacidade de dominar e saber lidar com a lógica dos meios de comunicação (televisão, rádio, imprensa escrita), pois, em especial no Executivo, num país como o Brasil contemporâneo, a vida democrática passa pela política de massa, e política de massa "significa a mídia"4.

As atividades intelectuais podem se traduzir ou não em influência na vida social, econômica e política de uma sociedade, e os intelectuais, na medida em que estão interessados na vida política, nela podem desempenhar distintos papéis, ligados à avaliação que fazem da sua própria responsabilidade e, sobretudo, da aceitação mais ampla, pela sociedade, do exercício desses papéis.

Esquematicamente e valendo-me com liberdade das indicações de Bobbio em livro instigante e abrangente sobre o tema5 - e sem entrar na discussão sobre "verdadeiros" e "falsos intelectuais" ou na elaboração do tipo ideal de intelectual - creio que, descritivamente, cabe registrar que os intelectuais podem fazer a crítica do poder, podem legitimar o poder, podem assessorar o poder e podem - o que é mais raro - exercer o poder.

A crítica do poder tornou-se usual com o processo histórico da modernidade, que levou à desconcentração e à descentralização do poder ideológico. É a expressão política com fundamento no "uso público da razão", para falar com Kant do exercício da liberdade de opinião voltada contra os abusos do poder. A postura da crítica em face do poder adquiriu força a partir da tradição filosófica oriunda do "Iluminismo" do século XVIII. Tem muito a ver com o inconformismo, por vezes radical, perante os males da sociedade. Na vertente animada pela moralidade da discussão pública, representa a idéia-força de independência, mas não indiferença dos intelectuais em relação à política, lastreada na autonomia relativa da cultura em relação à política.

Inversamente, os intelectuais podem legitimar o poder, ao sustentá-lo perante a opinião pública, explicitando as razões e destacando as realizações do governo.

Neste caso, os intelectuais, seja em função de interesses mais circunscritos, seja à luz de convicções mais abrangentes, exercem funções de porta-vozes do poder perante a sociedade. São os "intelectuais orgânicos" de um governo, para valer-me da formulação de Gramsci destituída de seus pressupostos marxistas.

Também está ao alcance dos intelectuais assessorar o poder, ou seja, agir mais diretamente sobre ele, exercendo influência e por vezes assumindo responsabilidades públicas em múltiplas tarefas necessárias para a gestão governamental nas sociedades contemporâneas. Neste caso, a base e a fonte da influência normalmente é o domínio dos conhecimentos-meios - o mandarinato do saber técnico - em campos como, por exemplo, a economia e o direito, ou, hoje em dia, da capacidade dos "marqueteiros" de lidar com os meios de comunicação.

Finalmente, os intelectuais podem assumir e exercer, a título próprio, as responsabilidades do poder.

No seu percurso de homem público, FHC desempenhou todos estes papéis. Foi crítico do poder, foi legitimador do poder, foi conselheiro do poder e exerceu o poder. Se os três primeiros papéis são razoavelmente usuais na vida dos intelectuais com interesse pela política, o último é pouco freqüente. É pouco freqüente porque normalmente , por parte deles, uma razoável dose de imperícia no trato da realidade política. Dela é uma ilustração Rui Barbosa que, com preeminência pública e envergadura intelectual, exerceu na vida política brasileira uma magistratura de influência, mas não logrou alcançar a presidência da República que almejava e que disputou em duas ocasiões. Esta imperícia não caracterizou a trajetória de FHC. Daí o caráter paradigmático de sua atuação, pois foram os seus recursos de intelectual que contribuíram para a sua perícia, como vou procurar, a seguir, explorar.

II O potencial de imperícia dos intelectuais no trato da realidade política mereceu uma sugestiva apreciação de Afonso Arinos - ele mesmo um intelectual na política - quando nas suas memórias evocou a trajetória de San Tiago Dantas por ocasião do seu falecimento em 1964. San Tiago Dantas teve, na vida política brasileira, como deputado, ministro do Exterior e da Fazenda, e importante liderança política, um luminoso e irradiante poder de raciocinar, instrumentado e lastreado numa cultura sólida e abrangente. Entretanto, não conseguiu levar a bom termo nem o controle da inflação, nem as lúcidas reformas da sociedade brasileira que propôs. Não logrou, igualmente, o respaldo do Congresso para ser, na vigência do parlamentarismo, primeiro-ministro, e não conseguiu, posteriormente, evitar com suas iniciativas a queda do governo Goulart, que trouxe a implantação de um regime autoritário-militar em nosso país. Penso que o próprio San Tiago Dantas diria sobre este assunto, para valer-me de uma frase de seu ensaio sobre Cairu, anterior à fase decisiva da atuação política, evocado por Marcílio Marques Moreira no prefácio à segunda edição de Figuras do Direito: "Está fora do alcance da vontade humana o que permite ao homem transfundir na história a força operativa do seu pensamento"6.

Entende Afonso Arinos que, no caso, mais que tudo a falha "de uma inteligência política super lúcida, como a de San Tiago é que, abandonado ao seu próprio movimento e distanciado da sensibilidade, tende invencivelmente a sobrepor, ao que é, aquilo que deve ser". Se, continua Afonso Arinos, no campo do Direito, no qual sublinho, San Tiago destacou-se como grande advogado e jurista, o ponto de partida é a prevalência da lógica do dever-ser das normas, em "política não se pode atingir ao dever-ser senão pelo que é". Ora, San Tiago Dantas foi incapaz de empreender com pleno sucesso a incursão pela via da política - pedregosa, muitas vezes pantanosa, freqüentemente irracional. Nas palavras de Afonso Arinos, tomava "pelo real o que não era propriamente fantasia, mas aparência criada pelo raciocínio. Criava uma realidade lógica que pretendia tomar como vital"7.

Numa reflexão mais geral sobre este tema, observou Isaiah Berlin que a suspeita que cerca os intelectuais na política provém da aspiração que freqüentemente os motiva confiar no resultado benéfico de aplicar diretamente à realidade viva conclusões obtidas numa esfera teórica. Com efeito, a crença numa chave teórica que enseja o conhecimento da realidade freqüentemente leva, diz Isaiah Berlin, à perda do senso da realidade, pois a teoria busca o geral, e a percepção política requer captar as características próprias e as diferenças específicas que singularizam a conjuntura de uma dada situação. A política requer uma sabedoria prática que identifica na realidade as especificidades do que pode e do que não pode resultar. É, assim, uma perícia, uma competência que pode beneficiar-se do conhecimento mas requer, antes de mais nada, compreensão, que a experiência favorece. Em síntese, um raio-X teórico não assegura por si o diagnóstico para a ação concreta, assim como o conhecimento da botânica não faz um bom jardineiro8. É nesse sentido que Camões adverte, recomendando ao soberano português: Tomai conselho de experimentados, Que viram largos anos, largos meses, Que, posto que em cientes muito cabe, Mais em particular o experto sabe.

[Os Lusíadas, X, 152] ao tempo em que fazia a crítica do poder constituído, FHC tinha clareza sobre os desafios do juízo político apontados por Isaiah Berlin, autor que ele evoca nas suas Cartas a um jovem político9 e também em A arte da política: a história que vivi, igualmente publicado em 2006, e que é um extenso relato da sua vida política e do seu governo permeado por inúmeras digressões teóricas10.

Registro, a título de depoimento, que as reflexões de Isaiah Berlin sobre as peculiaridades do juízo político foram, em muitas ocasiões, objeto do nosso diálogo durante o seu período presidencial. Em 1978, discutindo o papel do intelectual na política, FHC observou: "O risco do intelectual é sempre o risco dele pensar que é demiurgo, que ele substitui o real". "Pensa que sabe o que deve ser feito - e não ouve nada". Por isso "o intelectual não pode pensar que ele comanda, que vai dar a palavra de ordem"; "o que ele pode fazer é articular o debate, fazer aflorar o que está na sociedade". Registrava, na sua postura crítica: "O intelectual tem que ousar enfrentar certas questões. Sem provocação: não intelectual que não faça um pouco de subversão - no sentido de que altera a ordem das coisas". Apontava que cabia ao intelectual, numa pedagogia de dimensão popular, "ensinar e aprender", e comentando os trabalhos do Cebrap sobre as condições de vida em São Paulo, afirmava: "quem faz pesquisa, como eu, o quanto não sabe"11.

Esta postura de FHC como intelectual no exercício militante do papel de crítico do poder vigente no Brasil na época do regime autoritário-militar é congruente com o que tinha sido a sua identidade de acadêmico pesquisador, de sólida formação sociológica. Desde a sua tese de doutorado, publicada em 1962, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, passando pelo mais conhecido Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil, de 1964, e com maior abrangência no livro de grande ressonância, escrito em parceria com Enzo Faletto, publicado em português em 1970, Dependência e desenvolvimento na América Latina, a tônica de FHC foi pesquisar e refletir sobre a interação entre o geral das determinações e o específico, dentro dos quais se inserem situações particulares com suas articulações próprias. Daí a clareza da advertência do prefácio a Dependência e desenvolvimento na América Latina: "falar da América Latina sem especificar dentro dela as diferenças de estrutura e de história constitui um equívoco teórico de conseqüências práticas perigosas"12.

Em síntese, FHC empenhou-se, também no plano acadêmico, em não incidir no risco da pesquisa divorciada do senso da realidade. Tal empenho preparou-o para lidar politicamente com a dialética da interação entre logos e pragma. Para isso, no meu entender, muito ajudou o pluralismo das leituras que norteou a sua formação sociológica na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Estas leituras incluíam Durkheim, Max Weber, Marx, os funcionalistas como Talcott Parsons e Merton e passavam por Dilthey - que, realço eu, foi quem destacou o papel da compreensão como algo distinto da explicação nas ciências humanas, Simmel, o sociólogo da sutileza analítica, e Mannheim, que elaborou uma sociologia do conhecimento e tratou da latitude mediadora que ela oferece para o posicionamento dos intelectuais. Estas leituras, por sua vez, foram sendo absorvidas pela diversidade do magistério e dos interesses intelectuais e de pesquisa de seus grandes professores, a começar por Florestan Fernandes, mas também Roger Bastide e Antonio Candido13.

O pluralismo desse lastro acadêmico instigou FHC na sua prática política a ir aprendendo com a experiência, na acepção etimológica do termo, de experiri, testar, ensaiar, pôr à prova. Da experiência ele se valeu intelectualmente na sua reflexão política, pois, na linha do que apontou Hannah Arendt, deu-se conta de que numa época de universais fugidios, rupturas e descontinuidades, a relação entre o próprio pensamento e os incidentes da experiência viva é o único ingrediente que nos pode servir de baliza norteadora14. Foi essa baliza que contribuiu para a sua perícia política, em associação com os atributos de sua personalidade. Entre eles, o que os gregos qualificavam de anquinoia - a agilidade e a rapidez da inteligência - e o dom de gentes, o people skills no trato com as pessoas, facetas configuradoras de uma liderança que foi se afirmando desde o tempo da Universidade.

A passagem da perícia no trato concreto da vida política para o conhecimento da política foi um dos temas de Hannah Arendt. Com efeito, empreendeu, na sua reflexão, uma crítica à tradição da filosofia política a partir de Platão, em que se observa uma espécie de dualismo ontológico que hierarquiza, separando, de um lado, o mundo do Ser e da Verdade e, de outro, o mando do Fenômeno e da Aparência. Para essa tradição, nas suas múltiplas vertentes, todos os fenômenos são vistos como epifenômenos. Por isso podem ser apreendidos como a expressão de algum universal. Daí o risco da análise que, ao se distanciar do concreto, perde o que Isaiah Berlin qualificou como senso da realidade. É por este motivo que Hannah Arendt tinha especial apreço por autores como Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville, os founding fathers da Revolução Americana, como Jefferson, Madison, Adams que, em contraste com a tradição dos autores de filosofia política, escreveram sobre a política não "de fora", mas "de dentro", articulando suas experiências básicas15.

Registro, neste sentido de apreço intelectual pelos que escreveram "de dentro" sobre a política, que em FHC Maquiavel, Montesquieu e Tocqueville são referências importantes na discussão de temas como virtu e fortuna, ética na política e a qualidade da percepção, em meio à experiência política, da movimentação dos atores que impulsionam o desenrolar dos fatos em A arte da política: a história que vivi16.

Um dos grandes méritos de FHC, que adquiriu densidade própria por obra da experiência na presidência da República, é, na linha do recomendado por Hannah Arendt, o de ter refletido com muita qualidade sobre a política "de dentro" e não "de fora". É justamente sobre esta reflexão "de dentro", mais do que numa avaliação detida do seu governo, que me concentrarei neste texto. Para isso, tomarei como base o livro O presidente segundo o sociólogo, livro muito singular na bibliografia brasileira, pois articula uma análise da política elaborada no calor do exercício do poder.

O PRESIDENTE SEGUNDO O SOCIÓLOGO III O presidente segundo o sociólogo é fruto de uma abrangente entrevista concedida ao destacado e qualificado jornalista e escritor Roberto Pompeu de Toledo.

Publicado em 1998, portanto antes da bem-sucedida eleição para o segundo mandato presidencial de FHC. Resultou de entrevistas realizadas entre 27 de outubro e 20 de novembro de 1997, somando vinte horas de gravação. O texto, preparado pelo entrevistador, foi previamente submetido a FHC com duas condições: (i) a da aceitabilidade de reparos de erros factuais ou de infidelidade ao seu pensamento, e (ii) a de que questões de outra natureza, eventualmente levantadas pelo entrevistado, seriam objeto de negociação com o entrevistador que se reservava o direito de não acatá-las. Registra Roberto Pompeu de Toledo que as intervenções foram mínimas e em consonância com as "regras do jogo", anteriormente estipuladas17.

Como expõe no prefácio, Pompeu de Toledo entende que a aposta de FHC neste livro foi a aposta política no ato de explicar18. O ato de explicar e o desejo de ser compreendido são inerentes à condição de professor, e foi esta preocupação que FHC, no exercício da presidência, transpôs para o espaço público. Esta preocupação é congruente com sua formação e prévia experiência acadêmica, assim como com sua postura em prol de uma pedagogia de dimensão popular, advogada quando fazia a crítica do poder19. Não foi desta maneira que, na presidência, operou politicamente Getúlio Vargas, que no seu Diário pontuou: "gosto mais de ser interpretado do que de me explicar"20.

A aposta política de FHC na transparência democrática da explicação contrapõe- se, assim, ao cultivo de um certo mistério enigmático que caracterizou Getúlio Vargas. Fernando Henrique também não atuou na política "com a distância e o silêncio"21 de Mitterrand ou De Gaulle, nem seguiu a recomendação do never complain and never explain de outro homem público de sucesso, Benjamin Disraeli22, que se construiu politicamente como uma esfinge. Com efeito, FHC não explica, mas segundo Roberto Pompeu de Toledo "não raro se queixa de que não é compreendido"23. Assim, se o livro, como afirma o entrevistador, é a expressão da dimensão visceralmente política do entrevistado24, é o intelectual FHC que, ao se explicar, explicita as características do seu ser político.

Nas 357 páginas do livro, instigado pelas relevantes questões suscitadas pelo entrevistador, FHC, ao explicar e, desse modo, revelar o político, enfrenta o desafio de ser analista observador - o sociólogo - de uma realidade na qual, como presidente, era ator político protagônico. Na avaliação do que resulta deste desafio o leitor beneficia-se da qualidade do texto de Pompeu de Toledo, que escoimou a informalidade da linguagem oral para transformá-la num discurso escrito. Foi fiel na sua transposição ao estilo, aos métodos explanatórios, ao vocabulário e ao ritmo do entrevistado25. Em síntese, no livro ressoa com clareza inequívoca a identidade da voz de FHC, como posso testemunhar tendo sido seu interlocutor e amigo no correr dos anos, desde o tempo em que, ainda estudante universitário, acompanhei a pesquisa do Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil.

No seu explicar presidencial, o professor FHC enfrenta o desafio intelectual representado pela dialética da complementaridade entre teoria e prática, pensamento e ação, razão e vontade, que constituem as grandes dicotomias configuradoras do tema das relações entre os intelectuais e o poder. É na reflexão sobre o como, no exercício do poder por um intelectual opera esta dialética de complementaridade que reside o cerne da discussão de FHC sobre a política vista "de dentro" e não "de fora". Na lida com estas dicotomias observo que não é epistemologicamente fácil ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de análise. Trata-se de um desafio que pressupõe um dédoublement fonctionnel, para valer-me, por analogia, de um conceito dos internacionalistas sobre a atuação dos Estados tanto como criadores quanto aplicadores das normas do direito internacional. No caso, este desdobramento funcional significa o esforço de articular um distanciamento crítico-reflexivo, vinculado ao mesmo tempo aos acontecimentos da conjuntura do dia-a-dia ou, em outras palavras, o empenho em ser, ao modo de Raymond Aron, de quem FHC foi aluno na França, um qualificado expectador engajado de maneira a mais objetiva possível na análise dos limites e possibilidades da ação26; que, diferentemente de Aron, a ação é a própria e não a de terceiros.

A postura de Fernando Henrique como observador-intelectual da ação de seu próprio governo não é ocasional. A publicação de O presidente segundo o sociólogo não deve ser entendida como apenas um esforço para transmitir uma mensagem política na antevéspera da disputa eleitoral do segundo mandato presidencial. Esta postura correspondeu à sua maneira de ser no exercício do poder. Disso posso dar o meu testemunho como Embaixador e Ministro de Estado no seu período presidencial, pois foi esta a minha experiência, em despachos e diálogos no trato objetivo dos assuntos governamentais.

Sobre esta maneira de ser de FHC, no poder e fora dele, lembro o que dizia, no Sermão da Sexagésima, o padre Antonio Vieira: "O pregador de pregar o seu e não o alheio" e, explicando por que Davi não aceitou as armas que lhe ofereceu Saul para combater o gigante Golias, afirma: "Com as armas alheias ninguém pode vencer, ainda que seja Davi. As armas de Saul servem a Saul, e as de Davi a Davi [...]. Pregador que peleja com as armas alheias não hajais medo que derrube gigante"27. Foi por isso que FHC, na arena política, pelejou com as suas armas - as de professor e intelectual - e não, por exemplo, com as de Getúlio, que incluíam o cultivo de um certo mistério.

Observo que o cultivo de certo mistério por parte de Getúlio propiciava uma latitude compatível com a sua maneira de ser e com uma leitura do mundo e da ação política, que articula numa passagem do seu Diário. Nela registra uma conversa com o filho Lutero e, recordando suas preocupações e anseios de juventude de encontrar na ciência ou na filosofia uma fórmula explicativa da vida e do mundo, dava a sua própria interpretação da teoria de Darwin: "vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos - vencer é adaptar-se... adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação: adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar"28. No adaptar-se getuliano, ser interpretado dava latitude mais funcional para a ação do que o explicar-se.

IV FHC no exercício da presidência dialogava a seu modo e não à maneira de Getúlio com os colegas intelectuais que não exerciam funções públicas. Dessas conversas deflui uma das diferenças entre a análise "de dentro" e a "de fora". Isto transparece num comentário sobre suas dificuldades com os intelectuais, colegas de academia, na discussão a respeito do porquê de não se levar adiante e executar tais ou quais objetivos. Dizia ele que a cobrança freqüentemente resultava do fato de não conhecerem ou conviverem com as engrenagens do poder.

Assim, pondera: "Política é o caminho, não é o objetivo. É preciso ter objetivo, mas o político não é quem tem objetivo, é quem constrói o caminho"29.

A relação entre o objetivo e o caminho passa pelo juízo político, pelo senso de realidade que permite avaliar, numa dada conjuntura, o que pode ou não pode resultar, para relembrar a análise de Isaiah Berlin30, evocada por FHC nas Cartas a um jovem político e na A arte da política31. A propósito do juízo político, Hannah Arendt sublinha que o pensar, o querer e o julgar são três faculdades distintas que, no seu pluralismo, regem a mente. Na discussão sobre o juízo, como faculdade distinta do pensar e do querer, lembra que, para Marx, o que une a teoria e a prática é a crítica - e seguramente muitos intelectuais brasileiros, no exercício do papel de críticos do poder, partem na sua análise do governo FHC dessa perspectiva, quando avaliam a relação objetivo-caminho. Ao contrapor-se a Marx, observa Hannah Arendt que, para Kant, o que liga a teoria à prática é o juízo. Desta colocação kantiana, parte para afirmar que o juízo político não é um juízo determinante, do tipo que se caracteriza pela subsunção de um caso particular a uma dada regra. É um juízo do tipo reflexivo, examinado por Kant na Crítica do juízo, que opera na situação na qual o particular está dado, cabendo ao juízo buscar a sua regra. O juízo político opera, assim, a mediação entre o particular e os universais fugidios32. É para isso que FHC aponta ao falar do caminho na especificidade das situações, sem perder o horizonte do seu significado geral, ou seja, o objetivo.

Acredito que um dos aspectos da imperícia dos intelectuais no trato da política, apontada no início deste texto, é imaginar que o juízo político seja determinante e que seja possível subsumir a realidade à chave das categorias universais, operacionalizando juízos determinantes na realidade pelo querer.

Neste desequilíbrio entre pensar, querer e julgar não incidiu FHC na sua análise e vivência da política, "de dentro" e não "de fora", e esta é uma das razões porque, na sua prática, foi um intelectual bem-sucedido como político.

Em O presidente segundo o sociólogo, FHC está em sintonia com Hannah Arendt quanto ao juízo político ser reflexivo. Assim, sobre a inadequação de juízos determinantes, diz: "A dinâmica da história não se pela imposição dos universais sobre os locais, nem com a explosão dos universais que se contrapõem aos locais. Existem formas de inter-relação"33. Perceber estas formas pressupõe um juízo reflexivo que, segundo Hannah Arendt, requer o senso de comunidade, que permite alargar a mente e ir além do cunho intransitivo do sensus privatus34, no qual muitas vezes incidem os intelectuais na política. É para a importância desse senso de realidade, realçado por Isaiah Berlin, que FHC recorre quando reflete sobre o caminho e o objetivo, ao afirmar que o juízo político requer "uma sensibilidade, como dizem os franceses, à tous les azimuts"35.

V Em Cartas a um jovem político, reiterando o que permeia O presidente segundo o sociólogo, FHC afirma que se considera de esquerda, ressalvando que não é de uma velha esquerda, socialista ou comunista, mas de uma esquerda moderna e democrática, que guarda do passado a bandeira de igualdade voltada para tornar as pessoas, as classes e os povos menos desiguais sem abrir mão do valor fundamental da liberdade. Esta esquerda aposta não no Estado, mas também na ação pública da sociedade civil - comunidades, ONGs etc. -, "para corrigir as desigualdades que o predomínio absoluto do mercado acaba produzindo e reproduzindo"36.

É por esse motivo que FHC, no capítulo 4 de O presidente segundo o sociólogo, ao tratar do objetivo e do caminho no exercício do poder e na sua perspectiva de esquerda, reflete sobre a mudança. Repensa as leituras marxistas e funcionalistas da mudança para, sem deixar de levar em conta as contribuições que trazem, explorar o que chama a "teoria dos curtos-circuitos", articulada pela primeira vez no discurso, em Nova Deli, de transmissão da presidência da Associação Internacional de Sociologia, que ocupou entre 1982 e 1986.

Exemplifica, neste capítulo, a mudança provocada pela comoção que percorre todos os segmentos da sociedade, com a sensibilidade do que observou na França de maio de 1968; na Polônia, nos anos de 1980, quando começava o movimento operário liderado por Lech Walesa, e na União Soviética, quando da fermentação que antecipou a ascensão de Gorbatchev e as reformulações que encetou. Quanto à vida política brasileira, ancora a teoria do curto-circuito na análise do movimento das Diretas-Já, que considera a faísca que promoveu a desagregação final do regime militar.

Na dinâmica da mudança por obra do curto-circuito existe espaço para a criatividade das "artes da política", na medida em que os atores políticos se dão conta do seu potencial de oportunidades. Dessas oportunidades, comenta FHC, valeu-se Mario Soares na Revolução dos Cravos em Portugal e Helmut Kohl, ao promover rapidamente a reunificação da Alemanha no bojo do curto-circuito da queda do muro de Berlim37. Foi um juízo político desse tipo que fez Franco Montoro, então governador de São Paulo, insistir na realização, em 25 de janeiro de 1984, do Comício da , que deu início ao ímpeto da mencionada campanha das Diretas-Já38.

Sobre as artes da política, FHC muito aprendeu na estreita convivência com Franco Montoro e Ulysses Guimarães - homens públicos mencionados com freqüência em O presidente segundo o sociólogo com os quais trabalhou a partir do momento em que deu início à sua efetiva militância política. Em Franco Montoro, soube apreciar a abertura que este empreendeu como governador de São Paulo em direção à sociedade civil, com o intuito de fomentar a igualdade e a mudança, e em geral as coisas nas quais acreditava, sempre movido pelo senso dos valores. Em contraste com o mundo acadêmico, que preza a inovação, Montoro lhe mostrou a importância da repetição da mensagem - a identidade do discurso - como expressão de lealdade em relação aos eleitores39. Ulysses Guimarães, que qualificou como ator de primeira ordem e o contraponto do regime autoritário, mostrou-lhe em sua prática as peculiaridades do tempo na política, que não é o tempo mais abstrato dos intelectuais. FHC faz uma referência ao que Ulysses dizia sobre a importância do tempo da conversa política e menciona uma das suas frases na qual, criticando a impaciência e evocando Joaquim Nabuco, afirmava: "o tempo não perdoa o que se faz sem ele"40.

Neste contexto, analisando a política "de dentro", FHC aponta que não cabe ser no mundo da política nem o profeta que afirma a sua verdade, nem o político que fica na conversa. Para promover a mudança é necessário combinar um sentido de direção - o objetivo - com a capacidade de pavimentar o caminho: "A responsabilidade do político é fazer as coisas andarem..., saber como se faz para as coisas andarem. E então é preciso ter paciência"41.

Paciência não quer dizer imobilidade, assim como o adaptar-se getuliano não significava conformismo. Dizia Ulysses Guimarães: "Todo político tem seu Rubicão. Atravessa-o, e se consagra, ou estaca na margem com medo e se liquida"42. FHC atravessou o Rubicão, pela primeira vez, quando se candidatou em 1978 ao Senado, dando-se conta que o processo de redemocratização brasileira abria espaço para ele ser um ator político diferente do usual. Atravessou para valer o Rubicão quando aceitou ser ministro da Fazenda do governo Itamar Franco numa situação difícil, quando: "Ninguém acreditava que fosse possível acabar com a inflação num governo de transição e com o Congresso em pandarecos por causa do escândalo da Comissão de Orçamento"43. Unindo a teoria à prática, com base num juízo reflexivo, percebeu que a sociedade brasileira estava cansada da inflação, das desigualdades e incertezas que promove e que seria possível catalisar o curto-circuito para pôr fim à cultura e à política inflacionária44.

Como explica no Capítulo 5, teve clareza quanto ao objetivo, pavimentou o caminho político e instrumentou a ação reunindo uma equipe qualificada, que vinha pensando os conhecimentos-meios para lidar com o problema à luz das falhas e dos insucessos dos planos prévios de estabilização - entre eles, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Winston Fritsch, André Lara Rezende, Pedro Malan e Pérsio Arida45. Seguiu, nesse sentido, o que subseqüentemente recomendou em Cartas a um jovem político, ou seja, que na política moderna o político bem- sucedido é o que consegue, com autoconfiança, juntar pessoas de talento46. Como ministro da Fazenda não impôs surpresas e, como político-professor, dirigiu-se diretamente à sociedade para "explicar tudo exaustivamente", todos os dias, pelo rádio e pela televisão47. O êxito do Plano Real acabou sendo a base da sua eleição para a presidência da República.

Em síntese, virtu e fortuna, de que falava Maquiavel, conjugaram-se para propiciar o novo, confirmando uma frase de Proudhon citada por Hannah Arendt: "A fecundidade do inesperado excede de longe a prudência do estadista", aduzindo: "E ainda mais claramente os cálculos dos peritos"48. Daí a sabedoria da frase de Guimarães Rosa, o grande escritor que FHC evoca ao falar do caminho, tendo em mente as Veredas no Grande Sertão da política49: "o poder, aos tombos dos dados, emana do inesperado"50. É esta frase que explica o título de suas memórias publicadas em 2006, The accidental president of Brazil: a memoir51. É por isso que FHC afirma: "Em política sempre o inesperado - aliás esta é a situação normal, não a exceção. Uma das marcas básicas do homem público competente é lidar bem com o não previsto"52.

Nas inúmeras entrevistas que fiz com Juscelino Kubitschek para elaborar minha tese de doutorado sobre o Programa de Metas, ao referir-se ao antecedente das metas que estabeleceu e levou adiante como governador de Minas Gerais, antes de chegar à presidência, dizia que o vitorioso não muda de método. FHC foi politicamente bem-sucedido na condução do Plano Real, que o levou à presidência, porque o explicou exaustivamente à sociedade brasileira. Isto, em sua experiência, confirmou sua convicção de professor nas virtudes da explicação e ajuda na elucidação da aposta política no ato de explicar, que permeia O presidente segundo o sociólogo e o seu percurso no espaço público.

Se a paciência e a capacidade de não exasperar-se são necessárias para a ação política, tais características constituem um ingrediente de mudança, diz FHC, se o ator político tiver uma visão - o "discurso geral" e o "sentido da História"53. O presidente segundo o sociólogo explicita e articula tal visão, muito consciente de que isto exige um "quadro mental" que permita contextualizar a informação fragmentada oriunda do mundo complexo em que vivemos54. É no âmbito deste "quadro mental", de uma sensibilidade em todas as direções, que interagem o pensar do intelectual - o sociólogo - e o julgar da conjuntura do presidente.

VI FHC é um scholar que pensou e pesquisou a realidade brasileira, estudou os problemas mundiais e associa a sua experiência política na reflexão articulada em O presidente segundo o sociólogo. Sabe que a sociedade brasileira, em função da sua história, é uma mistura própria de hierarquia e mobilidade55. Afirma, no decorrer do livro, a exigência de abrir espaço para oportunidades voltadas para atender aos imperativos da inclusão social. Realça as virtudes da democracia e, numa leitura de político político-militante, registra que "os políticos têm um comportamento, para com os pobres, diferente da classe dominante", pois deles não têm medo e deles necessitam para ter votos56. , no conservadorismo brasileiro, menos uma "direita política" e mais um "atraso de cabeça e de costumes" que pode ser qualificado como prática social conservadora, com mais horror à igualdade do que à inclusão. Afasta-se nitidamente do neoliberalismo, uma vez que essa perspectiva não tem compromisso fundamental com a mudança social. Registra a diferença entre a demanda da igualdade e da inclusão, que podem ir numa mesma direção, mas não representam o mesmo tipo de demanda.

Registra, por fim, a prioridade da inclusão, avaliando, como sociólogo na condição de presidente, que o acordo político na questão da inclusão é mais fácil57.

Numa discussão histórica sobre seus antecessores na presidência, FHC chama a atenção para dois eixos da agenda brasileira, o da democracia e o do desenvolvimento, e afirma, com base nos seus valores: "o desenvolvimento tem que vir com democracia e com incorporação"58. Daí a importância que atribuiu, no seu governo, às políticas públicas de educação e saúde que, sem o tradicional assistencialismo, criaram uma rede de proteção social, para fazer mais para quem precisa mais, do que são exemplos a Bolsa-Escola, a Bolsa- Alimentação e o programa de erradicação do trabalho infantil.

Também neste campo, como no da economia, reuniu pessoas de talento, com sensibilidade e domínio dos conhecimentos-meios para promover a mudança.

Ajudou-o nesta tarefa Vilmar Faria, seu dedicado colaborador e assessor no Palácio do Planalto, e é de justiça realçar o papel inspirador de Ruth Cardoso que, com seu conhecimento dos movimentos sociais no Brasil, contribuiu para a concepção de uma rede social de proteção voltada para o empowerment da cidadania. Nesse contexto, no qual atuaram vários de seus correligionários do PSDB - entre eles Paulo Renato de Souza no Ministério da Educação e José Serra no Ministério da Saúde -, cabe lembrar a avaliação social-democrata que fez de seu partido. FHC entende que ao PSDB cabia combinar o mercado e um Estado eficiente e, por isso, desinflado; estar no centro olhando para a esquerda e valer-se da porosidade e plasticidade da sociedade brasileira para promover a mudança59.

O Brasil está no mundo e para pensar o que isto significava para o país em termos de mudança o intelectual FHC tinha, no exercício da presidência, um diversificado e relevante repertório. Nisto cabe incluir o ter estudado e lecionado no exterior; a experiência do exílio; a do trabalho na Cepal - que ampliou a sua percepção das realidades da América Latina e ensejou a convivência e o diálogo com Raul Prébisch, Anibal Pinto e José Medina Echevarria, além de inseri-lo numa rede de contatos com intelectuais e profissionais de diversos países e distintas formações, entre eles Allain Touraine e Albert O. Hirschman60. Esta base se adensou no trato, como senador, de temas da política internacional do Brasil como, por exemplo, a dívida externa e a sua negociação, e se aprofundou no exercício, no âmbito do Poder Executivo, das funções e das responsabilidades de chanceler e ministro da Fazenda.

O "quadro mental" com o qual FHC lidou, graças à informação haurida nessas múltiplas experiências, para pensar o impacto da globalização que no seu governo interiorizava, com novas características, o mundo no Brasil está ligado aos seus estudos e pesquisas como sociólogo sobre dependência e desenvolvimento. Neles apontou a internacionalização dos mercados e discutiu a industrialização na periferia, que rearranjou o sistema produtivo com alterações nas relações sociais de produção e que, transformando a dinâmica entre o "interno" e o "externo", criou novas formas de vinculação do país com o exterior61.

É por esta razão que FHC contesta a veracidade da frase largamente veiculada pela mídia: "Esqueçam o que eu escrevi". Ele a contesta com inteira propriedade não porque não esqueceu o que escreveu, mas também porque não é uma verdade factual. Como relata, estive presente no almoço em que alegou-se que ela teria sido proferida. É uma alteração corrompida da resposta a uma pergunta que lhe fiz, a que ele respondeu nos seguintes termos: "Celso, você que escreve tanto, sabe que, muitas vezes, quando se está numa função pública e vai se ver o que escreveu, conclui-se que não é bem assim"62. Com isso, o que ele estava dizendo, e posso dar o meu testemunho como seu interlocutor naquele momento e em tantos outros, é que a reflexão não é fixa e imutável, mas passa por ajustes - não por denegações - em função da evolução das circunstâncias e do tempo.

É preciso "exercitar o seu raciocínio para o que está adiante", diz FHC63. Foi o que sempre fez no passado, antes da presidência. São exemplos os ensaios sobre as teorias do desenvolvimento, recolhidas em As idéias e seu lugar64, que repassam os temas da teoria da dependência, anteriormente formulada, e os problemas da simplificação do seu uso. É o que continua fazendo, na pós- presidência, como se comprova pela leitura do denso artigo de 2007 "Caminhos novos? Reflexões sobre alguns desafios da globalização"65.

Não é por outra razão que, com argúcia e precisão, Francisco Weffort, no discurso de saudação por ocasião da outorga a Fernando Henrique do título de Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, proferido em 15 de maio de 1992, ao traçar o perfil da personalidade intelectual de FHC e discutir a trajetória da sua obra, qualificou-o como o sociólogo das relações in fieri, das formações in the making, das "relações cambiantes", delle cose a fare, que entende que "o dever do intelectual é tanto o do engajamento quanto o da lucidez da análise"66. É isso, que radica na sua obra e na sua personalidade intelectual, que o predispôs, em O presidente segundo o sociólogo, por meio do desdobramento funcional acima mencionado, a ser um empenhado analista-observador da sua própria ação.

A frase - "esqueçam o que eu escrevi" - apesar de inventada, "pegou", circulou e continua perseguindo FHC até hoje, mesmo depois de ele ter deixado a presidência67, pois se tornou uma arma de combate político à eticidade da sua atuação. Ela é um excelente exemplo de como dois temas, traição e deserção, cercam, como aponta Bobbio, a recorrente controvérsia sobre a ética dos intelectuais na vida pública, distorcendo a relação entre a política e a cultura, quando o patrulhamento ideológico transforma a cultura em instrumento de denuncismo da ação político-partidária. Trair, segundo Bobbio, significa passar para o lado inimigo e servir à parte errada; desertar significa abandonar os amigos e não servir à parte justa68.

No combate ideológico, movido contra FHC pelos seus opositores de esquerda, a frase serviu para apontar que ele teria traído seus ideais para servir os poderosos ou, mais brandamente, desertado da batalha em prol das causas justas.

O uso que se fez desta frase inventada e não de outra deriva da peculiaridade de FHC ser um intelectual na política. Não serviria, como frase inventada, para o combate político que a seu tempo foi movido contra Campos Sales, Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Ela é, no entanto, no plano geral, a expressão daquilo que ocorre com os que se dispõem a atuar na esfera pública, onde é freqüente a desqualificação. A desqualificação, cabe lembrar, é o procedimento mediante o qual, na confrontação política, busca-se deliberadamente minar a integridade e a legitimidade do adversário. Visa-se, com isto, provocar para machucar. Isto requer, de quem enfrenta esse tipo de situação, a virtude forte da coragem, o sentimento de suas próprias forças para levar adiante, com firmeza de espírito, as suas escolhas, enfrentando os perigos e suportando os labores, como dizia Cícero69. Na explicação da acrimônia, que muitas vezes permeou no Brasil a crítica de intelectuais a FHC, na qual também detecto ressentimento, cabe lembrar a sabedoria do velho provérbio português: "Não montanha sem nevoeiro, nem mérito sem calúnia".

Ao pensar a inserção internacional do Brasil e as possibilidades de mudança, o intelectual FHC discute, no Capítulo 6, com extraordinária argúcia, a diluição entre o "interno" e o "externo" que, com a globalização, se aprofundou e assumiu novas formas, distintas daquelas que operavam quando escreveu Dependência e desenvolvimento na América Latina. Registra o papel da comunicação instantânea que altera o impacto do tempo no dia-a-dia dos países; aponta como o processo de interligação dos mercados se viu aguçado na década de 1990 pela aceleração dos fluxos financeiros, no âmbito do qual "o virtual passou a comandar o real"70; pondera a erosão da possibilidade de desenvolvimento em relativo isolamento, ao modo do que caracterizou o processo de substituição de importações; sublinha também o impacto da globalização para a governabilidade dos países, dadas as limitações do Estado nacional - mesmo para países de dimensão continental como o Brasil; avalia, assim, como um significativo número de temas da agenda brasileira passa pelo seu encaminhamento no plano global. ressaltando, em conseqüência, o potencial da vulnerabilidade nacional propiciada pelas interdependências geradas pela globalização71.

Este "quadro mental" foi o ponto de partida para o juízo reflexivo de FHC sobre os rumos a serem dados à política externa no seu governo. Concluiu que construir a autonomia pela distância, como se buscou fazer no período da Guerra Fria, não era o meio de ampliar o controle da sociedade brasileira sobre o seu destino, mesmo sendo a tendência natural de um país continental mais voltado para olhar a si próprio72. Traçou como caminho perseguir a autonomia pela participação, ou seja, internacionalizar para não ser internacionalizado, como indicou Giorgio Napolitano, dirigente comunista italiano e atualmente presidente da Itália, em fórmula que FHC cita e da qual se valeu no debate político interno sobre a globalização, afirmando: "O problema não é saber quem é globalizado ou não. É se vamos ser vítimas cegas da globalização ou se teremos uma política para a globalização"73. Daí o juízo sobre a sua responsabilidade como Presidente, no sentido de "tentar assegurar para o Brasil um lugar na mesa de negociações", num sistema internacional em transformação, no qual "os países mais fortes não têm mais a facilidade de outrora para impor sua ordem"74.

Para FHC, é claro que no sistema político brasileiro o presidente tem um papel central no processo decisório75 em função do seu poder de iniciativa que não é de natureza burocrática. A diplomacia presidencial que executou, dada a relação que analisou entre o "interno" e o "externo" é expressão disso. Representa uma articulação entre a sua ação política interna e a sua política externa. Foi um investimento no soft power do alcance internacional da credibilidade de suas políticas públicas - entre elas a estabilidade da moeda, a responsabilidade fiscal, as redes de proteção social, a importância atribuída aos direitos humanos e ao meio-ambiente - voltado para obter, nos diversos tabuleiros diplomáticos, o lugar devido ao Brasil nas mesas de negociações. Teve como um de seus componentes, dada a importância da palavra na ação diplomática, a vis atractiva da sua capacidade de explicar e persuadir para promover mudanças. É, portanto, também neste campo, uma aposta política do intelectual na razão76, no ato de explicar, temperado com o paciente senso da realidade e lastreado nas realizações concretas do seu governo na gestão de um país de escala continental como o Brasil, com peso no âmbito internacional.

Em matéria de política externa, também cabe lembrar que da vida acadêmica de FHC e de seus contatos com intelectuais como Gino Germani e Torcuato Di Tella adveio uma relação fácil com os argentinos e a convicção de que o Brasil deveria manter uma relação próxima com a Argentina, numa época em que essa idéia não era generalizada77. Da sua experiência na Cepal e do seu conhecimento da América Latina surgiu a concepção de que este conceito é muito amplo e que "do ponto de vista da organização do nosso espaço econômico, temos que pensar em América do Sul"78, que é o contexto da nossa vizinhança. Daí, e com base no que viveu como chanceler, o impulso que deu ao Sul como América do Sul e o juízo sobre o papel do Brasil como fator de organização do espaço sul- americano79, num mundo que, na década de 1990, simultaneamente se globalizava e se regionalizava. Por isso, lastreado no entendimento argentino-brasileiro, respaldou vigorosamente o Mercosul, nele identificando potencial de ser o pilotis de sustentação de todo o edifício sócio-político-econômico da América Meridional80.

VII O sociólogo FHC, que no seu período de crítico do poder afirmava que cabia ao intelectual, articulando o debate, "fazer aflorar aquilo que está na sociedade"81, seguiu essa orientação no exercício da presidência. Assim, ampliou coerentemente a agenda governamental, para nela incluir e encaminhar temas subjacentes à sociedade brasileira, como raça e classes, negros, índios, MST e reforma agrária. Também, em consonância com as aspirações trazidas pela redemocratização e a memória política do arbítrio do regime autoritário, impulsionou uma inovadora e abrangente política de direitos humanos. Nesta matéria contou com a colaboração de José Gregori e com a experiência e a rede de contatos que trouxe para o governo, proveniente da luta em prol dos Direitos Humanos nos períodos difíceis do regime militar.

O sociólogo como presidente teve, igualmente, a sensibilidade para discutir as "políticas da vida" - violência, trânsito nos centros urbanos, meio-ambiente - e para identificar a dimensão mais ampla de segurança pública que transita por drogas, lavagem de dinheiro e contrabando82.

Na dupla condição de politólogo analista e de político experiente, FHC explicita em O presidente segundo o sociólogo o quebra-cabeças do equilíbrio federativo no Brasil e o que isto representa como obstáculo às reformas tributária, política e do Judiciário83. Tem clareza sobre a relevância das reformas do Estado nas suas funções econômicas e sociais, que são meios para a mudança e, por isso mesmo, objetivos do seu governo. Ao mesmo tempo, está atento às resistências expressivas a estas reformas84.

Está ciente de que governava democraticamente sob o reinado da mídia e que o ator político e os fatos que produz exigem uma sintonia com ela85. FHC mostra como a mídia na democracia brasileira é parte do jogo do poder, disputando parcelas do poder com o Executivo, com o Congresso e com o setor econômico- produtivo, buscando e exercendo influência nos mercados, na sociedade e na cultura86. Sabe o papel dos boatos - este "ente invisível e impalpável, que fala como um homem, está em toda parte e em nenhuma, que ninguém donde surge, nem onde se esconde", como dizia Machado de Assis87. Percebe como a imprensa antecipa fatos porque está antenada e reconhece a inutilidade política dos desmentidos88. No desafio do trato com a mídia, e de acordo com a sua maneira de ser, o intelectual FHC, como presidente, aposta na sua capacidade de explicar e de jogar com a possibilidade da compreensão por meio da ampliação do entendimento89.

VIII No juízo político sobre as relações entre o caminho e os objetivos, FHC empreende, em O presidente segundo o sociólogo, uma análise "de dentro" sobre os desafios da governabilidade democrática. Tais desafios passam pelo estresse da desproporção entre as demandas que surgem cada vez em maior número da sociedade civil e a dificuldade que o sistema político tem para satisfazê-las em função da crise fiscal do Estado contemporâneo que não tem o poder e os recursos suficientes para tempestivamente solucionar, na procura do "bem comum", todos os problemas coletivos90. Desse estresse - que é um dado explicativo das privatizações - provêm empecilhos e resistências a uma apropriada reordenação do Estado. Esses problemas estão relatados no Capítulo 7 de A arte da política, no qual aponta como, durante o segundo mandato, logrou uma importante vitória com a aprovação da lei de responsabilidade fiscal, que foi um avanço no controle do direcionamento dos gastos públicos e na organização orçamentária do país, que a estabilização da moeda, por meio do Plano Real, impôs como uma exigência de racionalidade91.

Os desafios da governabilidade passam igualmente pelas vulnerabilidades provenientes da globalização, em especial a instabilidade dos fluxos financeiros e das pressões especulativas92, as quais FHC teve que enfrentar concretamente durante seu governo. Nem por isso, em meio à crise asiática "que derrubou ações, quebrou bancos e espalhou incertezas", deixou de conceder, como analista observador de seu governo, as entrevistas que deram origem a O presidente segundo o sociólogo, como relata no prefácio Roberto Pompeu de Toledo93. A isso tudo se somam os próprios desafios internos da governabilidade democrática num país complexo, de escala continental e de diferenças regionais como o Brasil, que tem uma estrutura federativa.

O intelectual e o político conjugam-se na avaliação de que, no Brasil, os partidos não são a alavanca, mas, sim, uma das alavancas do processo político.

FHC mostra que a sociedade civil brasileira se tornou mais forte, ressaltando por isso o seu papel na demanda e na sustentação de reformas94. Não foi por acaso, mas uma expressão da sua justa avaliação, que o assim chamado terceiro setor cresceu muito em nosso país a partir do seu governo. É por esta razão que no Brasil de hoje, segundo FHC, as oportunidades de participação política não se circunscrevem aos partidos e às eleições, mas encontram caminhos "em entidades locais, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos, igrejas, movimentos sociais"95.

O intelectual FHC avalia, analisando a história do Brasil, que os partidos não são fortes, mas que o Congresso, como instituição, tem força própria - uma força que deriva do seu funcionamento, que se estende com poucas interrupções na vida política brasileira, desde a Independência. Daí a relevância do Congresso para a governabilidade, como assinala o político FHC, com base na sua destacada experiência parlamentar. Por isso discute a especificidade da lógica do processo decisório no Congresso96e realça: "quem foi deputado ou senador, sabe o quanto se aprende no Congresso", aprendizado no qual, convivendo com os seus pares, adquirem-se "requisitos necessários para influenciar, para liderar, para decidir"97.

Na sua leitura da vida política brasileira, FHC recolhe a lição do papel crucial das alianças políticas, pois a alternativa às alianças é, ou queda - como Jânio e Collor - ou o golpe, pela intervenção dos militares98. Daí a importância que atribui às alianças, que foram fundamentais na sua eleição e que, no exercício da presidência, se revelaram indispensáveis tanto para a microgovernabilidade dos apoios como para a macrogovernabilidade dos objetivos.

Vale a pena lembrar que o intelectual FHC foi sempre um leitor atento de Joaquim Nabuco. Prefaciou a edição chilena de 1999 de Balmaceda, estudo pioneiro de governabilidade na América Latina. No prefácio lembra que a crise da presidência Balmaceda no Chile teve, como desenlace, a ditadura, e aponta que os ciclos de instabilidade democrática na região estão ligados à fragmentação do sistema partidário, à estrutura oligárquica do poder, ao militarismo e ao populismo99.

Na sua reflexão sobre os caminhos e os objetivos de um governo, FHC evoca as idéias de Albert O. Hirschman sobre as possibilidades de ação - saída, voz ou lealdade - e conclui: "ou você cai fora do jogo, ou tenta mudar o jogo, ou se submete"100. Hirschman, amigo e referência intelectual de FHC, é um arguto estudioso da interação entre economia e política e faz a defesa da "paixão pelo possível" na promoção da mudança101. É a paixão pelo possível que FHC evocou, discorrendo sobre a nova agenda sociológica da América Latina no discurso pronunciado em 6 de julho de 1995, ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade Central da Venezuela102. É a paixão do possível que o anima a mudar o jogo político a fim de promover o caminho para a mudança.

No trato concreto da "paixão pelo possível", adquiriram grande dimensão, no exercício da presidência, as qualidades de liderança de FHC. "A liderança genuinamente democrática - diz ele- está indissoluvelmente ligada à capacidade de simbolizar e transmitir mensagens e, portanto, o que no fundo é a mesma coisa, à virtude de enxergar e propor à sociedade um caminho que seja aceito pelos liderados, ainda que de forma momentânea"103. Esta capacidade de iniciativa para encontrar, com apoio majoritário, um curso comum de ação, tem dois componentes básicos, como indicou, no plano mais geral, Bertrand de Jouvenel, ao examinar o princípio do movimento e o princípio da ordem no trato da busca do bem comum. O componente dux inova, transforma e, por isso, freqüentemente desestabiliza; o componente rex pacifica e harmoniza e, por vezes, imobiliza104. Todo líder bem-sucedido associa de maneira própria esses dois componentes, ora se alternando, ora prevalecendo um deles.

Churchill, como dux combativo, foi fundamental para a Grã-Bretanha enfrentar a Segunda Guerra Mundial. Roosevelt mesclava dux e rex - convicção e circunstância, no dizer de FHC - e, desta maneira, para lidar com a recessão dos anos de 1930, implantou, no plano interno, o New Deal e conduziu os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Churchill e Roosevelt são exemplos de lideranças corajosas mencionadas em Cartas a um jovem político105. De Gaulle foi um dux no reposicionamento da França na Europa e no mundo, bem-sucedido neste seu componente de liderança por conta, como lembra FHC, da identidade que logrou alcançar entre a sua pessoa e o sentimento francês de sua história106.

A qualidade da liderança e o senso da realidade são dados importantes na discussão da governabilidade. FHC observa, avaliando Trotski e Lênin: Nunca fui trotskista na vida, nunca tive entusiasmo por suas idéias.

Mas Trotski era pessoa de generosidade. Era um espírito empolgante.

Era um visionário, como Lênin, e não quero dizer que não fosse capaz de fazer qualquer maldade. Isso é outra coisa. Mas era um visionário com domínio da palavra. Ele tem uma coisa que de vez em quando cito, porque acho muito bonito: "O verdadeiro orador, quando fala, por ele fala a voz de Deus". Isto mostra esse lado a que estou me referindo, ele tem essa empolgação. Não senti isso no Lênin, e sim algo mais metálico, mais frio, mais pai ou avô de Stalin, mesmo107.

O metálico e o frio no trato da política revolucionária garantiram a Lênin e Stalin o poder. Não é fora de propósito sugerir - como fez Hannah Arendt no curso de pós-graduação sobre as experiências políticas do século XX, no qual fui seu aluno em Cornell em 1965 - que a menor sensibilidade sobre o que pode ou não resultar acabaram por transformar Trotski - um exemplo de grande intelectual na política - no profeta desarmado, assassinado no exílio, no México, por um militante stalinista.

Em suma, liderança é um ingrediente crítico na obtenção e na manutenção do poder. Não se manda impunemente como adverte Antonio Candido na abertura do seu texto sobre o Ricardo II de Shakespeare, em que analisa como esta grande peça trata da representação figurada de uma desestruturação do mando. Mandar, observa Antonio Candido, é uma atividade que envolve atos, relações e sentimentos muito complicados. A estrutura do mando pressupõe três elementos: um princípio que o justifica, uma função que o encarna, e uma pessoa que o exerce. Para se exercer, todo mando precisa ser reconhecido como legítimo - daí a importância do princípio e da função -, mas acaba dependendo muito da pessoa que o exerce108. É a pessoa que, pela qualidade de sua liderança, afirma ou compromete o exercício do mando: "um fraco rei faz fraca a forte gente", lembra Camões n'Os Lusíadas (III, 138). Por isso o direito e a literatura medieval elaboraram, na proto-história do tema da governabilidade, o conceito do rex inutilis, do qual um exemplo foi a justificativa da deposição, no século XIII, do Rei Sancho II de Portugal109.

Sobre as vicissitudes do mando, as qualidades e os componentes de liderança referidos por Jouvenel, cabe fazer uma rápida, ainda que simplificada exemplificação com base na história brasileira, que é útil como pano de fundo da reflexão de FHC sobre a governabilidade.

D. Pedro I foi mais dux e assim promoveu a Independência. No entanto, a falta da dimensão rex é um dado da sua abdicação. D. Pedro II foi mais rex e, desse modo, no seu longo reinado, consolidou a unidade nacional - o que não impediu, com a proclamação da República, a sua deposição e a amargura do exílio. Na República, Getúlio Vargas, no seu extenso percurso, com combinatória específica de dux e rex, encaminhou as mudanças que configuraram o Brasil do século XX, mas essas qualidades não evitaram o desenlace da sua carreira com o suicídio no exercício da presidência. Juscelino Kubitschek, com qualidades rex e dux, valeu-se do existente para trazer o novo e promover o desenvolvimento acelerado com estabilidade democrática e tolerância política. Essas qualidades, porém, não inibiram, subseqüentemente, o regime militar a promover a cassação dos seus direitos políticos e a forçar seu exílio. Washington Luis, por ser muito dux e pouco rex favoreceu a Revolução de 30, sua deposição e exílio e o fim da Primeira República. Jânio Quadros teve sucesso eleitoral como dux, mas, por carência da capacidade rex, teve dificuldades de governança. Daí a renúncia que frustrou a sua mensagem de inovação. O componente dux contribuiu para a eleição de Fernando Collor, impulsionou, na sua presidência, a mudança, mas a carência do componente rex foi um dos fatores que favoreceu o processo de impeachment.

FHC, na sua prática presidencial, com convicção democrática, combinou de maneira própria a pacificação e a mudança para assegurar a governabilidade e evitar os riscos maiores do "não se manda impunemente" que a exemplificação acima feita do ocorrido com governantes brasileiros e seus modos de liderança evidencia.

Em O presidente segundo o sociólogo afirma: [...] você não pode deixar de ser afirmativo nas coisas centrais. Se não tiver um discurso geral, não faz nada, não muda. Mas se você tiver o discurso geral, vira profeta ou pregador, e não muda também [...]. Não se pode perder o sentido da história. Quando isso acontece, cai-se na política pequena, na politicagem. Não gosto de politicagem. Eu converso, e gosto de conversa, mas não entro na politicagem, no jogo miúdo. Quero entender o jogo miúdo, mas não para fazer o jogo miúdo, e sim o outro jogo. Agora, se eu contar com todos os que fazem o jogo miúdo, não ando, porque é a maioria110.

Até com o carcereiro convém conversar, para não deixar o adversário longe, diz FHC, lembrando a lição de seu pai que, por razões políticas, foi preso em várias ocasiões111.

A tarefa do intelectual, como lembra Bobbio, é a de agitar idéias, levantar problemas, elaborar programas ou teorias gerais. A tarefa do político é a de tomar decisões112. Governar é escolher, como dizia lapidarmente Mendès-France.

Tomar decisões bem-sucedidas, na dicotomia caminho/objetivo, passa por buscar atingir o que deve ser pelo que é, relembrando Afonso Arinos na passagem mencionada no início deste texto. Por isso o dever-ser do componente dux requer um juízo reflexivo sobre o quanto é necessário do componente rex das alianças.

FHC, como um intelectual na política, na sua análise de governabilidade, avalia, com senso de realidade, que a qualidade do pensar e o voluntarismo do querer não permitem cortar revolucionariamente os nós que emperram o desenvolvimento e comprometem as legítimas aspirações de justiça do país. É preciso desatá-los democraticamente. Para desatá-los é necessário o juízo reflexivo, que é um juízo conjetural, sobre o como promover a mudança por intermédio da arte da convivência humana que constitui a política num sistema democrático.

É esta a aposta, baseada no pressuposto de que "a reforma permanente é um ideal razoável. A revolução permanente, não"113, que permeia a análise "de dentro" da política defendida por FHC no exercício do poder e nas páginas de O presidente segundo o sociólogo. Ele a explica, como intelectual, examinando a enorme complexidade que o circundou no exercício da presidência, conferindo à complexidade, como político, uma configuração inteligível e articulada, voltada para legitimar sua ação e liderança presidencial.

Na aposta reformista, na qual juntou o pensar, o querer e o julgar, cabe lembrar a avaliação que faz, em A arte da política, do 18 Brumário de Marx e das Lembranças de 1848 de Tocqueville. Ambos foram escritos no calor da hora, sem a perspectiva do tempo e, no meu modo de ver, são paradigmas analíticos subjacentes à tessitura intelectual de O presidente segundo o sociólogo.

Marx, no 18 Brumário, aponta FHC, "constrói um modelo cujas propriedades e diferentes formas de reação estuda como em um laboratório; e depois aplica estas observações para interpretar o que ocorre empiricamente". Desse modo, como observador crítico, explica o grande movimento das estruturas da sociedade. FHC reconhece a importância deste explicar, mas ressalva que tem "mais pendor para ver como as estruturas se formam pela ação das pessoas". Por isso considera que o bom contraponto analítico de 18 Brumário é Lembranças de 1848 de Tocqueville. Sem endossar a visão geral deste, admira como, sem prejuízo de sua condição de ator governamental, ele teve a "capacidade de entender o desenrolar dos fatos de 1848", analisando, no esmiuçar da narrativa do dia-a-dia, a compreensão das "ações, pensamentos e omissões dos distintos atores" - dos que se moviam na cúpula aos sans-culotte casualmente encontrados nas barricadas de Paris114.

Explicar e compreender interrelacionam-se. Remetem, no plano do conhecimento, a processos distintos, porém complementares, relevantes para o entendimento da história. O explicar está voltado para a investigação das grandes forças que moldam os eventos. O compreender, realçado por Dilthey, liga-se a experiências vividas que, recriadas e objetivadas pela mente humana, oferecem conexões de sentido. Estas ensejam percepções válidas na medida em que estão apropriadamente inseridas no contexto do movimento histórico.

Ao analisar a política do século XX, Hannah Arendt realça a importância epistemológica da compreensão como um processo complexo, em constante variação, diferente porém vinculado à informação correta e ao conhecimento científico, mas indispensável para se chegar, pelo entendimento, a um acordo com a realidade. Ela também, escrevendo sobre Dilthey, aponta que logrou, à maneira do que diz Goethe (Fausto II, vv. 11292-293), evocado por Hofmannsthal, olhar o distante e observar o perto115.

Explicar e compreender para julgar o potencial da ação política são constitutivos do enredo substantivo de O presidente segundo o sociólogo. Nele se imbricam, numa dialética de complementaridade, tanto o olhar devidamente distanciado, voltado para explicar as forças que moldam os eventos quanto observar o perto da especificidade de como, no exercício da presidência, lidou com essas forças.

Isaiah Berlin entende que o intelectual é a pessoa que quer que as idéias sejam tão interessantes quanto possível e acredita no interesse que para ele têm as idéias que discute116. À luz do que expus neste texto, penso que não cabe dúvida que as razões e os argumentos de FHC são os de um intelectual na acepção de Isaiah Berlin. A sua mescla própria de explicar e de compreender revela, de maneira inequívoca, seu gosto e empenho na discussão das idéias, ao pensar em profundidade a política no calor do exercício do poder.

[1] Cardoso, Fernando Henrique. Cartas a um jovem político. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 73.

[2] Ibidem, pp. 7, 45, 47, 70, 169.

[3] Ibidem, p. 78.

[4] Ibidem, p. 60.

[5] Bobbio, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea.Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora da Unesp, 1997, pp. 67-189.

[6] Dantas, San Tiago. Figuras do Direito.2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 10-11.

[7] Arinos de Melo Franco, Afonso. A escalada: memórias.Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1965, pp. 262-63.

[8] Berlin, Isaiah. The sense of reality.Londres: Chatto and Windus, 1996, pp.

5, 19, 23-24, 32, 35, 45, 52.

[9] Cardoso, op. cit., p. 109.

[10] Idem. A arte da política: a história que vivi.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, pp. 46-49.

[11] Idem. Democracia para mudar (30 horas de entrevista).Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, pp. 25-26, 28.

[12] Cardoso e Faletto, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação socio-lógica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 7.

[13] Cf. Bastos, Elide Rugai e outros. Conversas com sociólogos brasileiros.

São Paulo: Editora 34, 2006, pp. 68-70; Cardoso. "Ciência e política. In: A utopia viável: trajetória intelectual de Fernando Henrique Cardoso.Brasília, Presidência da República, 1995, pp. 20-21.

[14] Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro.Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 41.

[15] Cf. Parekh, Bhikhu. Hannah Arendt and the search for a new political Philosophy.New Jersey: Humanities Press, 1981, pp. 1-19.

[16] Cardoso, A arte da política,op. cit., pp. 25, 43-49.

[17] Cardoso e Pompeu de Toledo, Roberto. O presidente segundo o sociólogo. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, pp. 7-8, 10.

[18] Ibidem, p. 11.

[19] Cardoso, Democracia para mudar,op. cit., p. 25.

[20] Vargas, Getúlio. Diário. São Paulo/Rio de Janeiro: Siciliano/Fundação Getúlio Vargas, 1995, vol. 2 (1937-1942), p. 209.

[21] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 112.

[22] Disraeli, Benjamin. The sayings of Disraeli (ed. Robert Blake). Londres: Duckworth, 1992, p. 34.

[23] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 11.

[24] Ibidem, pp. 11-12.

[25] Ibidem, p. 9.

[26] Aron, Raymond. Le spectateur engagé (entretiens avec Jean-Louis Missika e Dominique Wölton).Paris: Gallimard, 1981, pp. 189, 298-319.

[27] Vieira, Antonio. Sermões (org. Eugenio Gomes). 11ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1992, pp. 140-41.

[28] Vargas, op. cit., vol. 1 (1930-1936), pp. 486-87.

[29] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 306.

[30] Berlin, op. cit., pp. 40-53.

[31] Cardoso, Cartas a um jovem político,p. 109; A arte da política,pp. 48-49.

[32] Arendt. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Trad. Antonio Abranches, Cesar Augusto de Almeida e Helena Martins. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Editora da UFRJ, 1992, pp. 361-382; ibidem, Lições sobre a filosofia política de Kant.Trad. André Duarte. ed., Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, pp. 39, 73-84.

[33] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 98.

[34] Arendt, Lições sobre a filosofia...,op. cit., p. 73.

[35] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 58.

[36] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., pp. 89-91.

[37] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 104-117, 112-113, [38] Ibidem, pp. 58-60.

[39] Ibidem, pp. 21, 58, 331, 344.

[40] Ibidem, pp. 188, 345; cf. Guimarães, Ulysses. Rompendo o cerco.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 24.

[41] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 346-347.

[42] Guimarães, op. cit., p. 17.

[43] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 67.

[44] Ibidem, pp. 58-64.

[45] Ibidem, pp. 66-67, 69.

[46] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., pp. 48-49.

[47] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 72.

[48] Arendt, Hannah Crises da República.Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 97 [49] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 346.

[50] Guimarães Rosa, João. Tutaméia: terceiras estórias. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, p. 52.

[51] Cardoso e Winter, Brian.The accidental president of Brazil: a memoir. Nova York, Public Affairs, 2006.

[52] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 182.

[53] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 346-47.

[54] Ibidem, p. 166.

[55] Ibidem, pp. 25-26.

[56] Ibidem, p. 27.

[57] Ibidem, pp. 37, 212-13.

[58] Ibidem, p. 338.

[59] Ibidem, pp. 211-13.

[60] Cardoso, "Ciência e política". In: A utopia viável, op. cit., p. 21.

[61] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 82-83.

[62] Ibidem, p. 172.

[63] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 45.

[64] Cardoso. As idéias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1980.

[65] Cardoso. "Caminhos novos? Reflexões sobre alguns desafios da globalização". Política Externa,vol. 16, 2, 2007, pp. 9-24.

[66] Weffort, Francisco. "O intelectual das identidades complexas". In: A utopia viável,op. cit., pp. 10, 13, 15, 17.

[67] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 189.

[68] Bobbio, op. cit., p. 77; Ibidem, Política e cultura.2ª ed. Torino: Einaudi, 1977, pp. 15-48.

[69] Cf. Comte-Sponville, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Trad.

Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 51-67.

[70] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 84 [71] Ibidem, pp. 85-88.

[72] Ibidem, p. 91.

[73] Ibidem, p. 229.

[74] Ibidem, p. 89.

[75] Ibidem, p. 237.

[76] Ibidem, p. 90.

[77] Ibidem, p. 119.

[78] Ibidem, p. 130.

[79] Ibidem, p. 91.

[80] Ibidem, p. 127.

[81] Idem. Democracia para mudar,op. cit., p. 26.

[82] Cf. Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., caps. 9, 10, 19, 23.

[83] Ibidem, caps. 17, 18.

[84] Ibidem, caps. 14, 20, 21, 22.

[85] Ibidem, p. 166.

[86] Ibidem, p. 171.

[87] Machado de Assis, Joaquim Maria. "Comentário da Semana", 14de janeiro de 1862. In: Obra Completa. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008, vol. 4, p.

150.

[88] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 171, 179.

[89] Ibidem, p. 170.

[90] cf. Bobbio. "A crise da democracia e a lição dos clássicos". Arquivos do Ministério da Justiça,ano 40, 170, 1987, pp. 35-37.

[91] Cardoso, A arte da política,op. cit., pp. 489-92.

[92] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 85-86.

[93] Ibidem, pp. 7-8.

[94] Ibidem, pp. 242-43.

[95] Idem. Cartas a um jovem político,op. cit., p. 14.

[96] Cardoso e Pompeu de Toledo, op., cit., pp. 237-38.

[97] Cardoso, Cartas a um jovem político,op. cit., p. 58.

[98] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 40.

[99] Cardoso. "Prefácio a Joaquim Nabuco". In: Nabuco, Joaquim. Balmaceda.

Santiago do Chile: Editora Universitária, 1999, pp. 9-11.

[100] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., p. 104.

[101] Hirschman, Albert O. A Bias for Hope: essays on development and Latin America.New Haven, Yale University Press, 1971, pp. 26-37.

[102] Cardoso, "A nova agenda sociológica da América Latina". A utopia viável,op cit., p. 36.

[103] Idem, A arte da política,op. cit., p. 73.

[104] Cf. Jouvenel, Bertrand de. Sovereignty: an inquiry into the Political Good.Trad. J. F. Huntington. Chicago, Chicago University Press, 1957, cap. 3; Pierce, Roy. Contemporary French political thought.Londres: Oxford University Press, 1966, cap. 7.

[105] Cardoso, Cartas a um jovem político, op. cit., pp. 29-34.

[106] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 112-114.

[107] Ibidem, pp. 109-110.

[108] Candido, Antonio. "A culpa dos reis: mando e transgressão no 'Ricardo II'". In: Novaes, Adauto (org.). Ética.São Paulo: Cia. das Letras, 1992, pp.

87-89.

[109] Cf. Peters, Edward. The Shadow king: rex inutilis in medieval law and literature. New Haven: Yale University Press, 1970, cap. 4; Oliveira Marques, A. H. de. Breve história de Portugal.2ª ed. Lisboa: Presença, 1996, pp. 43-44.

[110] Cardoso e Pompeu de Toledo, op. cit., pp. 346-47 [111] Ibidem, p. 342.

[112] Bobbio, Os intelectuais e o poder,op. cit., pp. 82-83.

[113] Cf. Bobbio. "Reformismo, socialismo, igualdade". Novos Estudos - Cebrap, 19, 1987, p. 17.

[114] Cardoso, A arte da política,op. cit., p. 25.

[115] Cf. Dilthey, Wilhelm. Pattern and meaning in history: thoughts on history and society.Nova York: Harper Torchbooks, 1961; Arendt.

Compreender: formação, exílio, totalitarismo: ensaios.Trad. Denise Bottmann.

São Paulo/Belo Horizonte: Cia. das Letras/Editora da UFMG, 2008, pp. 330-346, 167-168.

[116] Berlin, Isaiah e Jahanbegloo, Ramin. Conversations with Isaiah Berlin.

Nova York, Scribner's, 1991, p. 24.


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