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BrBRHUHu0101-546X2002000200005

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National varietyBr
Year2002
SourceScielo

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Sertanejos e pessoas republicanas: livres de cor em Castro e Guaratuba (1801- 1835)

A historiografia da América portuguesa postulou dois destinos básicos no tecido social para libertos e não-brancos livres.1 Em uma primeira abordagem, pensa-se em uma inserção inescapável dos mesmos em relações de dependência promovidas por mega-atores senhoriais. Livres pobres, incapazes de atividade econômica autônoma, teriam sua inserção na vida social ditada pelas necessidades políticas de agroexportadores dominantes. No segundo caso, a tônica é dada pela proliferação de alianças e de formas insuspeitadas de solidariedade, tendo em vista a reunião de esforços para a sobrevivência, com autonomia, em meio à pobreza. A noção-chave, neste caso, é a de campesinato.

A primeira das interpretações acima enraizou-se, na historiografia, em dois modelos básicos. De um lado, na tradicional concepção de marginalização. O essencial, neste caso, é a dedução de sua condição a partir da categoria de "desnecessidade econômica". Inacessível o mercado, apenas a instrumentalização política de sua propensão à violência os inseriria no tecido social. Este modelo é excessivamente centrado na agroexportação, e portanto se permite atribuir a posição de marginais àqueles que não exportavam (A posição clássica desta visão é a de Franco, 1974).

De outro lado, estudos que se libertaram da ênfase excessiva na agroexportação instauraram um posicionamento ambíguo no debate. Alguns chamaram a atenção para a dinâmica interna das diversas regiões coloniais e para a centralidade dos cultivos voltados ao abastecimento. Outros, contudo, puseram em circulação argumentos que problematizaram o manejo da categoria campesinato, por enfatizarem a presença de um mercado de terras, ou então a vigência de formas de arrendamento como centrais mesmo em áreas de cultivos de abastecimento. As políticas do Estado português e do nascente Império brasileiro, aliadas a motivos basicamente militares a vizinhança de grupos indígenas, as disputas de fronteiras políticas, ou mesmo a presença de mocambos e quilombos teriam conferido à liderança das elites locais um papel vital na ocupação de áreas novas, produzindo mecanismos de concentração do acesso à terra.2 O impacto deste tipo de constatação sobre o problema da autonomia e da dependência dos livres pobres e portanto sobre as análises a respeito de libertos e não- brancos livres é ambíguo. Em alguns casos, pode levar a que se construam visões do tipo campesinato "abaixo de cão".3 Em outros, como no de Hebe Mattos, que, ao estudar Campos dos Goitacazes identificou fenômenos localizados de assentamento de pobres com base em arrendamentos, foi possível chamar a atenção para o fato de que, mesmo arrendando, livres pobres puderam manter uma condição de relativa autonomia em seu acesso a atividades produtivas, para o que a proteção legal da propriedade de benfeitorias deve ter contribuído bastante (Castro, 1995, cap. 4).

, no entanto, outra concepção, tendente esta a enfatizar mais as constatações relativas à existência, na ordem colonial, de um autônomo e visível, embora pauperizado, campesinato. Neste caso, pensa-se em algum grau de eficácia de estratégias voltadas para o estabelecimento autônomo sobre a terra, lançando mão de trabalho familiar. Em termos estruturais, a condição de existência deste campesinato autônomo residiria no caráter relativamente aberto da fronteira agrária, permitindo a autonomia sem excessivas restrições por parte de elites que se candidatassem a monopolizar o fator terra.4 Neste trabalho, entretanto, estudam-se negros livres e libertos e alguns padrões inscritos em sua presença nas partes meridionais da capitania/província de São Paulo. Qual a relação entre ambas as questões? O fato de este artigo - los por tema poderia, à primeira vista, parecer uma substancialização de categorias raciais, como se a cor atribuída a algumas pessoas as transformasse imediatamente em um grupo social, dotado de consciência de si e de capacidade (e vontade) de ação coletiva. Isto não deve ser pressuposto, sobretudo em virtude do fato de que a diferenciação social era considerável no interior do grupo, por vezes no interior de uma mesma área. Mas uma série de questões para cujas respostas o estudo dos livres de cor pode contribuir muito. Em outros termos, não-brancos livres são aqui pensados, acima de tudo, como uma estratégia de pesquisa.

Se a fronteira agrária tiver retido um caráter aberto, ela terá recebido impactos fortes da chegadas de migrantes internos pobres. A presença de não- brancos livres é decisiva quanto a isso. Quanto a processos de acumulação, e em termos medianos, os seus eram os piores pontos de partida. Afinal, próximos ou distantes, todos eram descendentes de escravos. Além disso, e ainda pondo o acento sobre o fato de descenderem de cativos, livres de cor foram filhos da mobilidade social instituída em meio à condição subordinada na sociedade. Uma forma específica de mobilidade a alforria retirara do cativeiro os próprios atores considerados, ou então ancestrais seus. Por isso os livres de cor são estratégicos na pesquisa. Se a fronteira agrária tiver sido receptiva a eles e às suas formas de mobilidade social, dificilmente se poderá afirmar que um mercado de terras, caso existente, tenha monopolizado decisivamente o acesso à terra.

Por outro lado, os estudos de História Social nos últimos tempos se vêm mostrando insatisfeitos com um centramento excessivo em posições sociais. Eles vêm chamando a atenção para a análise de processos, estratégias e trajetórias, rompendo com imagens estáticas de atores sociais (Revel, 1998, passim).

Neste trabalho, a perspectiva processual não aparece no tratamento dos dados, mas antes na estratégia mais ampla que motivou a escolha dos casos estudados.

Observam-se aqui os não-brancos livres de Castro e Guaratuba, duas localidades do que hoje constitui o Paraná. É interessante comparar as duas vilas porque, não obstante suas diferenças, ambas atraíam migrantes livres de cor. Houve um fluxo migratório marcado e relativamente constante levando não-brancos livres a buscarem assentar-se nelas. Assim, representavam dois tipos diferentes de atração, dando margem a compreender destinos em parte auto-atribuídos por não- brancos livres. Em outros termos, como os dois lugares eram muito diferentes entre si e, ainda assim, atraíam massas comparáveis de não-brancos livres, observar os modos diversos como estes grupos se assentavam nos destinos de seus processos migratórios informa muito a respeito de suas estratégias de sobrevivência e de mobilidade.

Embora as versões que viam nos livres pobres marginais e desclassificados tenham sido preponderantes, algum tempo que novas questões vêm sendo inseridas na temática dos livres de cor no Brasil Colonial e do século XIX.

Marvin Harris deu ênfase ao lugar na vida social que os padrões migratórios portugueses (ou uma então suposta ausência de tais padrões) lhes conferiram (Harris, 1967). Herbert Klein (1978) chamou a atenção para sua pujança demográfica, constatação que recebeu forte fundamentação dos estudos de Dauril Alden a respeito da população brasileira no final do século XVIII (Alden, 1963). Stuart Schwartz inseriu referências aos não-brancos livres em suas postulações a respeito da emergência de um campesinato no Brasil da segunda metade do século XVIII (Schwartz, 1996:71). No interior da historiografia brasileira apareceram estudos enfatizando diversas formas de ajuda mútua vigentes entre libertos, para além dos laços de dependência pessoal em relação a ex-senhores ou outros potentados (Oliveira, 1988). Observaram-se padrões inscritos em sua presença no campo do Sudeste brasileiro nos séculos XVIII e XIX, levando à ênfase no assentamento camponês, ligado sem problemas à premência dos laços familiares, mas articulado de forma mais surpreendente com a mobilidade geográfica (Lima, 2000b resume bibliografia a este respeito). Tal movimentação geográfica, inclusive, levou muitos deles a assentarem-se em áreas de parca presença escrava, criando situações nas quais, no final do século XVIII, populações não-brancas livres superavam em número os contingentes escravos com os quais conviviam. Este foi freqüentemente o caso nas partes meridionais da América portuguesa, e notadamente das localidades que hoje constituem o Paraná (Lima, 2000b; Balhana, [1972] mostrou que, em 1822, a população não-branca livre do Paraná era substancialmente maior que a respectiva população escrava). Estudaram-se formas de mobilidade social e seus limites a partir da análise de alianças matrimoniais (Lima, 2000a). Foram dados passos decisivos na direção de compreender as semelhanças e diferenças entre seus comportamentos no campo, conforme regiões diversas, em confronto com os de outros grupos, chegando-se à conclusão de que seu estatuto não diferiria de modo marcante frente aos de brancos pobres (Klein & Paiva, 1996).

Historiadores também definiram padrões em suas tendências migratórias, aclarando que espraiavam-se pelo território da América portuguesa como uma mancha de óleo. Em processos de migração que podiam levar diversas gerações, partiam de seus locais de procedência normalmente com forte concentração de população escrava dirigindo-se ao longo de grandes intervalos para áreas com poucos escravos, mas com terra disponível, o que induzia a que seus números absolutos em áreas centrais fossem grandes, enquanto sua participação na população destes mesmos lugares era pequena. Por outro lado, tanto em áreas novas, quanto em locais abandonados pela agroexportação, seus números absolutos podiam até mesmo ser pequenos, mas sua participação na população era, comparativamente, muito grande (Karasch, 1998; Gomes, 1993; Lima, 2000b). As estimativas de Alden quanto à populacão brasileira no início do século XIX são muito esclarecedoras quanto a isso (cf. Alden, 1999:535). O tipo de local que se estuda aqui é o ponto de chegada de muitos destes processos migratórios, de mobilidade ascendente e de estabelecimento familiar na busca da autonomia.

Alden (ibidem) estimou que a população não-branca livre na capitania de São Paulo era cerca de 60% maior que o contingente escravo no início do século XIX.

Isso por si constitui indício de desvinculação entre ambos os contingentes, ou seja, de que os livres de cor da capitania não descendiam dos cativos locais, tendo sido, em vez disso, imigrantes. A isso se podem acrescentar dados qualitativos sugerindo que faltava, na capitania, aquilo que poderia ser considerado um "elo" entre as dinâmicas das populações escrava e livre de cor, vale dizer, um robusto grupo de libertos. De fato, autoridades locais indicavam que um tal grupo não existia nas dimensões que seria de se esperar. Em 1797, por exemplo, o governador Antonio Manuel de Mello Castro e Mendonça respondia a correspondência vinda de Lisboa a respeito de terços dos Henriques. Escrevia ele que tais formações não existiam na capitania de São Paulo, dado haver nela "muito poucos pretos forros".5 Comparam-se duas localidades muito diversas nas partes meridionais da capitania de São Paulo, para em seguida lidar com algumas informações dispersas relativas ao conjunto da capitania, a fim de entrever, em termos qualitativos, alguns impactos da questão, assim como a percepção que se tinha a seu respeito. Como se verá, Guaratuba era marcada por participação muito forte dos negros e pardos livres e libertos na população, mas também na chefia de domicílios, tornando- se, quantitativamente ao menos, um povoado negro livre. Castro, de outra parte, mostrava presenças relativas muito mais modestas dos não-brancos livres em ambos os universos. É fundamental notar que, embora Castro tivesse participação menor dos não-brancos livres na população, a vila atraía imigrantes livres de cor em números absolutos ainda maiores que os mostrados por Guaratuba.

Resumindo: em Guaratuba, participação muito forte de um pequeno contingente não-branco livre; em Castro, participação pequena na população de um muito grande contingente de imigrantes livres de cor. O padrão de Guaratuba se associava a uma ampla oferta de terras com poucas possibilidades de acumulação, em virtude da pobreza local. O de Castro apontava para maiores oportunidades de acumulação, mas em um ambiente no qual livres de cor tinham que disputar fatores e oportunidades com uma massa mais importante de brancos.

Nenhuma das duas localidades esteve diretamente ligada ao mercado externo.

Guaratuba produzia proporcionalmente muito peixe e muita farinha de mandioca, mas as condições para o acesso dessa produção ao mercado eram remotas, embora elas existissem. Isto configurava uma situação acesso ao mercado efetivo, mas fortemente estrangulado que, à sua maneira, reproduzia aquilo que foi conceituado como "mercado restrito", bastante afim a práticas da ordem da especulação e do monopólio (Kula, s/d.; Fragoso, 1993; Florentino, 1997). Castro esteve muito envolvida com as rotas de transporte do gado meridional para os mercados do Sudeste, para além de uma forte produção local de gado e de alimentos, com mais chances que a de Guaratuba no sentido de participar de circuitos mercantilizados da vida social. Observar, com base em listas nominativas de habitantes, o tamanho das maiores escravarias de ambas as localidades em 1782 e 1832 (Guaratuba) e 1776 e 1835 (Castro) ajuda a visualizar suas diferenças. A maior escravaria de Guaratuba em 1782 pôde até ser maior que a mais avultada de Castro em 1776. O sargento-mor Francisco José (sobrenome ilegível) tinha naquela vila e naquele ano, 15 cativos, ao passo que, na Castro de 1776, a maior escravaria era a do guarda-mor Francisco José de Andrade, com 12 escravos. Mas tudo isso mudara substancialmente na década de 1830.

A maior escravaria de Guaratuba em 1832 era a de Crispim Antonio de Miranda, que possuía então 31 cativos. Na Castro de 1835, por outro lado, foi possível localizar 13 escravarias com mais de trinta cativos, a maior delas a fazenda do Capão Alto de Nossa Senhora do Carmo, composta por 99 escravos.

Além disso, ambas as localidades eram recentes. Guaratuba foi fundada em 1771, em meio a esforços pombalinos para garantir a defesa das partes meridionais da América portuguesa, tendo em vista ataques espanhóis. Castro, embora área de ocupação mais antiga, tinha, ainda no final da década de 1770, população rarefeita, fazendo parte do termo da vila de Curitiba. Destacou-se enquanto municipalidade autônoma em 1789. Mas, embora ambas as municipalidades fossem de fundação recente, seus destinos foram bastante diversos.

Entre 1782 e 1832, a população escrava de Guaratuba passou de 30 para 151, multiplicando-se por cinco. O desempenho de Castro foi diferente. Em 1776, havia 221 escravos nesta vila. Em 1835, o contingente cativo local saltara para 1.833, tendo, portanto, aumentado mais de oito vezes.6 Estes números fazem mais sentido quando comparados com os das respectivas populações livres.

Em 1776, havia, na parte de Curitiba designada como freguesia de Santana de Yapó (que posteriormente passaria a constituir o município de Castro), 1.046 habitantes livres. Em 1835, passara a 5.754, tendo, portanto, ocorrido uma multiplicação por mais que cinco do contingente não-escravo de Castro. A população livre de Guaratuba teve evolução semelhante entre 1782 e 1832. No primeiro ano, havia 201 residentes livres em Guaratuba, número que, em 1832, passou a 892. Isto representou uma multiplicação por pouco menos que cinco. Em outras palavras, entre cerca de 1780 e a década de 1830, as populações livre e escrava de Guaratuba e a população livre de Castro aumentaram cerca de cinco vezes. Mas, entre 1776 e 1835, o contingente escravo de Castro multiplicou-se por oito. Tem-se então que a população escrava de Castro teve um dinamismo muito maior que a de Guaratuba, o que demonstra o impacto de condições melhores de acesso ao mercado interno por parte da vila do planalto.

Passo, assim, a observar os dados a respeito da presença destes negros e pardos na população livre, para o que remeto à Tabela_1. Ambos os locais estavam em processo de crescimento entre o final do século XVIII e o início do seguinte.

Em ligação com isso, ambos recebiam forte contingente de migrantes negros e pardos, mas livres. Observando, na tabela, as porcentagens entre parênteses na quarta coluna, vê-se que tais números expressam a participação, dentre os cabeças de domicílio livres de cor, daqueles que nasceram fora das localidades estudadas. Ou seja, as porcentagens correspondem aos imigrantes não-brancos que lograram estabelecer domicílios autônomos. As duas vilas mostram um impacto forte, mas decrescente, dos imigrantes entre os livres de cor que chefiavam fogos. Em Guaratuba, os imigrantes eram mais de quatro quintos deles em 1801, descendo para metade em 1832. Em Castro, os migrantes internos dentre os cabeças de domicílio foram dois terços dos livres de cor chefes de fogo em 1804, descendo para um quarto em 1835. Como se observa, a participação dos imigrantes entre os cabeças de fogo livres de cor era decrescente, mas não apontava para uma saturação, pois um quarto de imigrantes ainda é uma proporção significativa. A menor proporção foi a alcançada em Castro, onde ainda assim os migrantes internos tinham, ainda em 1835, participação substancial entre os cabeças de domicílio não-brancos.

Vê-se na tabela que a participação de livres de cor na população livre era muito grande, em ambos os locais. Em Castro, os não-brancos livres foram, ao longo de todo o período, cerca de um quarto ou pouco mais da população livre, enquanto, em Guaratuba, sua participação na população livre era assombrosa, oscilando ao redor dos três quartos.

Como vem sendo pressuposto aqui, a participação dos livres de cor entre os chefes de fogo é mais importante para o argumento que sua presença relativa na população, pois o primeiro indicador nos deixa mais próximos da autonomia do campesinato. Isso sentido à constatação de que a presença relativa dos domicílios chefiados por livres de cor em ambos os locais era próxima à sua presença relativa na população, embora ligeiramente menor, de modo que eram grandes as chances de autonomia. Em Castro, seus fogos abarcavam entre um quinto e um quarto do conjunto dos domicílios, ao passo que, em Guaratuba, a proporção correspondente era de entre dois terços e três quartos. Eles eram muitos e muito presentes nos dois locais, mas muito mais em Guaratuba que em Castro.

Um parâmetro melhor ainda para medi-lo é a proporção da população não-branca livre frente ao contingente cativo.7 Em Castro, os livres de cor sempre constituíram um contingente apenas ligeiramente menor que a população escrava.

Isto, para uma área em que a presença escrava em grandes números era relativamente recente, é muito. Os livres de cor locais certamente não eram descendentes de cativos presentes anteriormente na área. Eram, nitidamente, imigrantes, ou descendentes muito próximos de migrantes internos. Assim, não se deve reter uma imagem de condenação ao imobilismo em situações de dependência.

Tendo ficado evidente que eram migrantes, fica também evidenciado que ali estavam por responderem a estímulos provenientes da disponibilidade de terra.

Tudo fica ainda mais evidente em Guaratuba. Em 1801, os livres de cor eram entre sete e oito vezes mais numerosos que os escravos locais. Em 1820, havia cerca de cinco livres de cor para cada escravo. Em 1832, os não-brancos livres eram mais de quatro vezes mais numerosos que os cativos de Guaratuba. A população escrava local, em confronto com a massa de livres de cor que vivia ali, pode ser considerada insignificante.

Os dados até aqui expressos mostram que ambas as áreas eram locais de ocupação recente, com terra livre apta a atrair imigrantes que na época se definiam como negros e pardos, por definição, pobres. Mas isso era mais evidente e impactante em Guaratuba que em Castro. A pobreza local era, para parâmetros coevos, realmente impressionante: durante o meio século estendido entre 1782 e 1832, os escravos em Guaratuba quase nunca chegaram a constituir 15% da população total, tendo às vezes ficado um pouco abaixo dos 10%. a população cativa de Castro oscilou entre um quarto e um quinto do contingente total da vila no período.

O caso de Guaratuba era realmente muito específico. Esta ínfima e isolada vila litorânea, conforme se viu, foi instituída por razões de defesa, sem que seu sítio se mostrasse fundamentalmente atrativo antes disso. Inaugurado o povoamento, no entanto, a vila torna-se um povoado negro, e, ao menos quantitativamente, este termo era mais apropriado ali que na maior parte da América portuguesa. Isso pode ser visto através das porcentagens dos não- brancos no total da população livre e na participação dos fogos chefiados por eles no conjunto dos domicílios locais. Os livres de cor eram pouco mais de três quartos da população livre local. Além disso, chefiavam autonomamente algo próximo também de três quartos dos fogos de Guaratuba. Embora houvesse no local uma pequena elite escravista branca, tratava-se de um povoado negro, de fato.

Se isso fica claro quando se observa a participação dos livres de cor de um modo estático, tratar a questão de maneira dinâmica enriquece ainda mais a percepção. Observa-se que Guaratuba permitia mais que Castro uma evolução mais regular tanto da população não-branca livre quanto da quantidade de fogos chefiados por eles. A movimentação dos números entre 1804 e 1816, no caso de Castro, e entre 1805 e 1817, quanto a Guaratuba, esclarece este ponto. Entre 1804 e 1816, tanto a população livre de cor quanto o número de domicílios que ela encabeçava reduziram-se em Castro. No tocante a Guaratuba, a história foi inteiramente outra. Os dados de 1817, comparados aos de 1805, tornam a confirmar a trajetória regularmente ascendente da população livre de cor e dos fogos chefiados por essas pessoas. Prosseguia o processo de crescimento de ambos os indicadores, mostrando que tais grupos encontravam melhores possibilidades de estabelecimento autônomo na localidade litorânea que na do planalto.

Incluir a década de 1830 neste tipo de raciocínio novamente ilustra bem o ponto. O desempenho de Castro, neste caso, como que compensa travejamentos anteriores. O número de não brancos livres em 1835 é quase o dobro do observado em 1816, e o de domicílios chefiados por eles cresceu em mais de 100%. O que teria ocorrido entre um e outro momento? O que facultou à experiência de Castro tornar-se tão semelhante à de Guaratuba? Como hipótese bastante plausível, sugere-se que a circunstância propiciadora de tal mudança de desempenho em Castro foi a abertura de novas áreas de ocupação a Sudoeste do centro da vila, no bojo da conquista a indígenas da área que, mais tarde, viria a tornar-se a vila de Guarapuava. Em 1835, as áreas novas incorporadas à criação de gado no planalto recebiam a denominação de Sexto Distrito de Castro. O que se entrevê aqui é a circunstância de que novas áreas teriam desafogado a oferta de terras no núcleo originário da vila, da mesma maneira que teriam oferecido aos pobres locais e imigrantes novos pontos de ocupação.

Observar a presença de livres de cor nesta área nova Guarapuava ajuda a perceber a dinâmica inaugurada por sua abertura. Faço-o com base em listas nominativas para os anos de 1828 e 1835 (destacando Guarapuava dos dados vistos a respeito de Castro como um todo).

Em 1828, havia 249 habitantes livres na parte de Castro que se tornaria posteriormente Guarapuava. Destas 249 pessoas livres, 123, ou quase 50%, não eram brancas. Esta porcentagem constituía quase o dobro da proporção dos livres de cor no conjunto da vila de Castro ao longo do intervalo estudado (que foi de 1/4, aproximadamente). No caso específico de Guarapuava, a possibilidade dos não-brancos livres encabeçarem seus próprios domicílios também era maior que nas outras áreas da vila. Em toda Castro, os domicílios de livres de cor eram menos que um quarto do total, como foi visto. Na área de Guarapuava, diversamente, os fogos de não-brancos eram quase 2/5 (39%).8 Quando, na lista de 1835, se isola o 6o distrito de Castro (Guarapuava), observa-se que os números absolutos de livres de cor e de seus domicílios haviam crescido muito em relação a 1828. Por outro lado, repetia-se a situação de que as proporções de não-brancos livres na população livre e de seus domicílios no interior do universo dos fogos continuavam a ser muito maiores que no restante da vila de Castro. Na Guarapuava de 1835, havia, dentre 467 habitantes livres (índios excluídos), 214 livres de cor, perfazendo uma proporção de 45,8%. Os 72 fogos encabeçados por estes últimos, além disso, constituíam 48,6% dos 148 domicílios do distrito. Lembro que, segundo a Tabela 1, as proporções respectivas para o conjunto da vila de Castro eram de 26,3% e 27,5%. Terras novas abriam o local para a chegada de mais imigrantes de cor.

Vê-se, então, que a parte de ocupação mais recente de Castro era aquela que tinha proporcionalmente mais livres de cor. Tudo, portanto, é muito consistente com a possibilidade, acima aventada, de que a abertura de Guarapuava como área nova de Castro a partir, grosso modo, dos anos 1820 levou a participação dos não-brancos na vida da vila a assumir uma dinâmica parecida com a observada em Guaratuba. Isto replica, na pequena escala, o que se vem observando quanto ao conjunto da América portuguesa: áreas com terra livre não cobiçada pelas atividades agroexportadoras atraíam uma pequena mas proporcionalmente importante nuvem de migrantes livres de cor (Lima, 2000b).

A última coluna da Tabela_1 destina-se a um indicador muitíssimo tosco embora útil a respeito das possibilidades de livres de cor alcançarem autonomia como camponeses. ficou expresso que o resultado da divisão do número de livres de cor pelo de domicílios encabeçados pelos mesmos não-brancos livres indica mais do que descreve. Não estima, portanto, o tamanho médios dos domicílios. A divisão mencionada serve apenas como indicador das chances de estabelecimento autônomo de livres de cor, e o faz por permitir comparações, tanto no tempo quanto no espaço. No povoado de negros livres Guaratuba , como se na Tabela_1, a razão entre o número de livres de cor e o número de domicílios chefiados por eles é sistematicamente menor que a vigente em Castro. Digamos que, em Guaratuba, uma proporção muito maior de livres de cor adultos chefiava seus próprios domicílios. Isto condiz com a constatação de que Guaratuba mostrava-se mais nitidamente um povoado de negros e pardos livres. Maior proporção deles conseguia instituir seus fogos autônomos. Nesta vila, em 1805, havia menos que seis livres de cor para cada domicílio chefiado por eles. na Castro de 1804 havia mais que sete livres de cor para cada fogo autônomo de não-branco livre.

A Guaratuba de 1816 mostrava uma relação de 5,1. Castro, em 1816, a tinha de 6,6. As chances de estabelecimento negro autônomo continuavam a mostrar-se maiores no litoral que no planalto. Quanto à década de 1830, os desempenhos de ambas as localidades se aproximaram, embora ainda se mostrassem um tanto mais favoráveis em Guaratuba. A aproximação das relações vigentes nas duas vilas, inclusive, teve o sentido de uma maior aproximação dos dados de Castro em relação aos de Guaratuba, e não o contrário. Castro se aproximou mais da situação de poder conceder maior autonomia a seus habitantes livres de cor.

Como se viu, deu-se, durante a década de 1820, um fenômeno capaz de explicar esta acolhida mais favorável de Castro a imigrantes não-brancos livres, e tal fenômeno foi a abertura de áreas novas, arrancadas a índios, no que viria mais tarde a constituir o município de Guarapuava.

Assim, as duas vilas se diferenciaram marcadamente quanto à questão aqui tratada durante a maior parte do período estudado, mas aproximaram-se vivamente ao final do intervalo. Guaratuba foi, durante quase todo o primeiro terço do século XIX, mais receptiva à autonomia dos livres de cor. Mas a disponibilidade de terras novas em Castro teve, ao final do intervalo tratado, efeito parecido.

Como se na Tabela_1, as duas vilas apresentaram uma razão decrescente entre o contingente livre de cor e o número de fogos por eles chefiados. Isto significa que ambas as localidades foram progressivamente receptivas a fogos autônomos dos não-brancos livres. Mas as evoluções quanto a isso foram bastante diferentes em Castro e Guaratuba. Nesta última vila, a receptividade à autonomia cresceu continuamente, sem percalços. A população não-branca livre crescia continuamente, ao passo que o número de fogos de não-brancos o fazia também de modo contínuo em proporções ainda mais elevadas.

Em Castro, tudo foi mais acidentado. A razão habitantes/fogos não-brancos livres decresceu entre 1804 e 1816. Mas não eram os fogos que estavam aumentando de número. Era a população não-branca livre ou seja, a capacidade de atrair imigrantes deste tipo que estava diminuindo. Entre 1816 e 1835, por outro lado, tudo mudou. A população livre de cor voltou a crescer. Mas o número de seus fogos autônomos aumentou mais ainda. O litoral, definitivamente, era mais receptivo à autonomia de negros e pardos livres. Mais que a contraposição entre litoral e planalto, no entanto, o que se deve levar em conta são as diferenças entre as condições que se verificavam nas duas vilas. A pobreza de Guaratuba permitia que migrantes chegassem e fossem bem recebidos sem muitos problemas, e de modo contínuo. Permitia também que os filhos de libertos e livres de cor se estabelecessem autonomamente quase que somente ao sabor do fato de atingirem as idades em que isso era socialmente esperado. A pobreza local não criava muitos motivos para a disputa por fatores. Em Castro, diversamente, essa história de autonomia do campesinato e de estabelecimento de filhos em domicílios que lhes pertencessem sofria oscilações mais intensas. O mercado, suas flutuações e a história específica da fronteira agrária no local, se de todo não eliminavam a abertura para os não-brancos livres, ao menos faziam flutuar bruscamente o impacto da necessidade de disputar fatores (Barros, 1997, também chama a atenção para o fato de que contar a história da fronteira em um dado local pressupõe observar as oscilações conjunturais).

Hebe Mattos, ao observar as análises a respeito do campesinato, chamou a atenção para uma oscilação das concepções nelas presentes ao longo do par autonomia/subordinação. Em um extremo, o campesinato é entendido através da ênfase no trabalho familiar, no acesso à terra e na autonomia na gestão de suas atividades. No outro extremo, a percepção de que aquela autonomia "se faria sempre em relação a uma ordem ou grupo dominante", capaz de subordinar e extrair excedentes da produção camponesa (Mattos, 2001:333, ênfase no original). O que os dados construídos para a comparação entre Castro e Guaratuba sugerem é que, mesmo em áreas novas, aquela oscilação, para além da historiografia, descreve variedades efetivas de existência camponesa na América portuguesa Mattos acrescenta, segundo minha leitura, que um movimento no interior do eixo autonomia/subordinação conta parte substancial da história do campesinato no Brasil, com a autonomia prevalecendo durante a vigência da escravidão, tendo-se dado um trânsito para maior aproximação com o extremo subordinação a partir do final do século XIX (ibidem:340ss). Em geral, permanecia-se, nos dois lugares, mais próximo do extremo autonomia do espectro de possibilidades. Mas o caso de Castro mostrava flutuações que podiam, circunstancialmente, complicar o quadro.

, no entanto, mais elementos a destacar quanto à razão habitantes/fogos. Como ficou visto, a razão habitantes/fogos não-brancos livres sempre diminuiu em ambas as áreas. Vale dizer que a capacidade de autonomizar-se da referida população tendeu sempre a crescer ao longo dos processos de formação e crescimento das duas vilas. Interpreto isso como sinal de que, no geral, a estabilidade e as possibilidades de autonomia deste campesinato negro tenderam, em ambas as localidades e, de modo geral, durante o período considerado,9 a aumentar. Assim se entende a forte chegada de imigrantes não-brancos livres no local. Assim se entendem também alguns dados postos à disposição pela historiografia. Para citar apenas um, lembre-se que a população das áreas que viriam a conformar o Paraná era composta, no início da década de 1820, por um contingente não-branco livre uma vez e meia maior que a população escrava (Balhana, 1972). Áreas como esta, portanto, atraíam fortemente grandes contingentes de livres de cor. O fato de tal atração se ter exercido sempre, e de ter mesmo crescido ao longo do meio século estendido entre 1780 e 1830, grosso modo, mostra a substancial participação dos não-brancos livres no estabelecimento da agricultura e da pecuária em partes importantes do que hoje constitui o Paraná.

Retomando a questão que deu início a este trabalho, se houve uma tal contribuição de negros e pardos livres ao povoamento de Castro e Guaratuba, fica-se com muito mais conforto para afirmar que as condições da fronteira agrária eram bastante receptivas ao migrante pobre. Isso conduz a que as conclusões deste estudo sejam mais afins à terceira das concepções resumidas na introdução. O fato de terras novas ou não tão novas assim não serem de interesse imediato para a agroexportação tornava-as receptivas à presença de livres pobres, representados exemplarmente neste trabalho pelos livres de cor migrantes. Terras novas receptivas constituíam a especificidade do sexto distrito de Castro (Guarapuava). Terras receptivas não tão novas assim resumem o caso de Guaratuba, que, com mais de cinqüenta anos de estabelecimento, continuava abrigando um número cada vez maior de não-brancos livres e, mais caracteristicamente, uma quantidade crescente de domicílios autônomos chefiados por eles. Mas o caso de Castro mostra que o problema do acesso à terra podia ter soluções extremamente cambiantes, subsistindo o fato de que não se precisava esperar pela agroexportação para que, ocasionalmente, um mercado de terras se formasse.

Por outro lado, ficou muito clara a pujança e a estabilidade da presença, em situação de autonomia, de não-brancos livres nas partes meridionais da capitania/província de São Paulo no final do século XVIII e na primeira metade do seguinte. Um caso ocorrido em Guaratuba ajuda a dimensionar o impacto disso em termos sociais e políticos. Em 1797, a população de Guaratuba se reuniu para queixar-se pelo fato de o vigário local ter pretendido cobrar dos paroquianos um tostão, a título de ordenado. A Câmara local, diante disso, fez com que viessem "a sua presença as pessoas republicanasdesta Vila e os mais antigos da criação da mesma etc" (ênfases minhas). Lavrada ata contendo repúdio ao ato do padre, foi ela assinada pelos oficiais da edilidade e por mais 31 moradores (as tais "pessoas republicanas"). O confronto desta lista com os dados da lista nominativa de 1798 é surpreendente. Foram localizados no censo 24 dos que assinaram a ata. Apenas quatro eram referidos como brancos, sendo que dois não chefiavam domicílios, um era cabeça de fogo e não possuía escravos e o último branco era proprietário de dois cativos. Todas as outras vinte "pessoas republicanas" (mais de 80% do total dos "republicanos") eram referidas, em 1798, como mulatos que, embora não possuíssem escravos, chefiavam os domicílios onde residiam.10 O que se neste caso é que seu número lhes dava voz na municipalidade, e mesmo alguma respeitabilidade, expressa na designação de "mulatos" como "pessoas republicanas". Sendo alguns deles os "mais antigos da criação" da vila, os mecanismos de organização corporativa os englobavam.

Era possível, dado o modelo hierárquico que enformava a concepção de sociedade, sua inclusão subordinada.

Embora não se conheça o resultado dessa contenda, ela mostra o quanto a ampla circulação de livres de cor pelo tecido social, do mesmo modo que seu número impactava a vida social em São Paulo. Pode ser encontrada uma longa série de referências deste tipo, o que impõe que se observe um pouco da situação vigente na área mais ampla da capitania de São Paulo. Um relato da década de 1820 mostra não a forte tendência à movimentação dos descendentes, por vezes próximos, de libertos, como também a circunstância de que esta movimentação podia estar ligada a estratégias familiares. Na sessão de 20 de outubro de 1825 do Conselho da Presidência da Província de São Paulo, foi discutido um requerimento de Ignacio, Bento, Escolastica e Jozé, "filhos, os trez primeiros de Bento, e o quarto Neto, por ser filho da terceira Supplicante, Vicencia, e Benedicta filhas de Francisca". Em 1781, Benta e Francisca haviam obtido escritura de liberdade, sob a condição de ficarem "sempre agregada[s] a seus Senhores", enquanto estes vivessem. O requerimento ia no sentido de que "esta condição personalíssima não devia transcender a seus filhos, nascidos de ventre livre, e como tais também livres". Em outros termos, parece ter sido questionada pelos ex-senhores a liberdade de movimentos dos filhos tidos pelas forras após a manumissão. Mas é muito significativo o fato de que o contestado pelos ex-proprietários era a liberdade de movimentos, e não a condição jurídica dos que descendiam de seus ex- escravos. Isso pode mostrar até que ponto a movimentação geográfica constituía uma tendência. Em parecer, Francisco Ignacio de Souza Queiroz opinou que "a condição de as escravas libertas servirem a quem lhes deu a liberdade não transcende aos filhos delas, de que se não cogitou, quando se passou a escritura. uma cláusula expressa, de que tendo filhos, fossem estes sujeitos à mesma condição, podia desfazer a regra geral, de que nasce livre o filho de mulher livre".11 O essencial a ressaltar, no entanto, prende-se à insistência em mover-se, em migrar. Aliás, não deve passar desapercebido algo que constituía mais que um detalhe: é possível que quem desejasse migrar e enfrentasse constrangimentos institucionais fosse uma família, aliás extensa.

Em sendo essa a situação, o caso pode estar ilustrando, e de maneira muito intensa, o quanto a movimentação soía reter forte relação com o encaminhamento de estratégias de reprodução familiar.

Essa questão da percepção da movimentação e da autonomia dos livres de cor no fim do século XVIII pode ser acompanhada também através das atitudes dos governadores da capitania. Aquele fenômeno lhes parecia novo e importante, e lidar com ele era algo que lhes estava a exigir até uma certa dose de imaginação institucional.

Em 1804, o governador da então capitania de São Paulo raciocinava sobre o modo como lidar com um regimento de milícias composto por proporção aparentemente grande de "mulatos". Defendia que o primeiro ajudante de tal regimento devia ter a patente de capitão, recebendo soldos dos de ajudante, como providência para lidar com o fato de não serem brancos: "porque sendo os Oficiais deste Corpo Mulatos, nenhum Oficial de honra nele quer servir para não ser mandado por um deles na falta dos respectivos Oficiais maiores".12 A estratificação social evocando a cor atribuída se mostra com clareza no caso, expressa na repugnância de oficiais reputados por brancos por, eventualmente, poderem ter que receber ordens de ajudantes designados como mulatos. No entanto, transparece igualmente do texto do governador a circunstância de pessoas designadas como mulatas participarem de instituições nas quais, embora segregados em regimentos específicos, estivessem fortemente envolvidos com questões de prestígio. Dois anos depois disso, o general Horta voltava a referir-se a regimento formado por "mulatos". Tratava do décimo primeiro regimento da capitania, "chamado dos Úteis". "Esse Corpo é composto de Mulatos Forros", e no governo anterior se formaram três ou quatro "Companhias avulsas, a que meu antecessor ajuntou outras de novo para completar o Regimento".13 Horta não gostava nada do fato de que os por ele considerados "homens abjetos, e de uma tão inferior qualidade [...] cinjam uma banda, e entrem na roda da mais Oficialidade", levando em conta haver "homens brancos em quem se podem prover os Postos de Alferes, Tenentes e Capitães". E perguntava: "Como pode na verdade lisonjear- se um homem de bem, que serve o estado" com patentes militares se ele puder ver "condecorado, com igual Patente, e honras um Mulato Alfaiate, ou Sapateiro, outro que ele conheceu Escravo, e finalmente outro que ainda que forro é casado com uma Negra Cativa, como são de ordinário os que atualmente servem neste Corpo?"14 Novamente a rejeição de qualquer inversão da hierarquização sócio-racial. Mas se nota igualmente, e mais uma vez, uma linguagem de competição por prestígio cercando não-brancos livres, incluindo os que mantinham relações tão próximas com a comunidade escrava a ponto de casarem com cativas. Além disso, é possível que a definição de "mulato" do governador escondesse uma forte diferenciação social daqueles assim referidos.

Em outro ofício de 1804, o mesmo governador fazia referência a mais um destino possível de não-branco livre na capitania de São Paulo, destino este que o alçaria a vôos ainda mais altos. Tratava-se do requerimento de um tal Francisco de Sales Fernandes, solicitando o posto de secretário de um dos regimentos regulares da capitania. Na época do antecessor do general Horta, Fernandes havia sido ocupado "em várias escritas pertencentes à Secretaria de Governo". Mas o governador Horta julgava-o "um homem conhecidamente Mulato, sem Caráter, ou qualidade alguma que o autorize". Sugeria que Fernandes tinha vindo "fugitivamente de Minas para esta Cidade", onde teria mesmo cometido crimes e falsificações. Horta foi de parecer que o pleito do "Mulato" não devia ser atendido, mas o que interessa aqui é detectar mais uma estratégia de não-brancos livres sendo encaminhada. Nesse caso, um percurso claramente aristocrático era aquilo que Fernandes tentava trilhar, e ele era um dos migrantes internos aos quais este artigo vem se referindo. Se algo como essa estratégia podia chegar até a documentação oficial, tratava-se certamente de coisa ainda mais difundida na vida quotidiana, sendo, portanto, mais um caso a justificar a ênfase que vem sendo posta na enorme capacidade de circulação autônoma de não-brancos livres na capitania de São Paulo de finais do século XVIII e início do seguinte.

O quadro produzia mesmo medidas de enquadramento hierárquico dos não-brancos livres15. Em abril de 1798, o governador Castro e Mendonça escrevia ao Secretário de Estado a respeito de Itu e seu distrito. Dado, escrevia, o "grande número de homens Mestiços, e libertos", julgou "conveniente ao Real Serviço, formar desta gente um Regimento de Milícias de Infantaria", ao qual dar-se-ia o nome de Regimento dos Sertanejos. De saída, observe-se que a denominação projetada traía uma percepção muito condensada de sua dispersão geográfica. Mendonça objetivava "ter em respeito os sertões daquela vizinhança", além de "domesticar, e fazer sociáveis estes homens sujeitando-os à disciplina de seus respectivos Cabos". Assim eles poderiam mesmo ser "de grande importância na ocasião de algum rompimento de guerra", tanto mais quanto ali vinha "desembarcar a Estrada do Sul, ou Curitiba".16 É certo, porém, que as despesas aparentemente necessárias assustaram a Coroa, que não aprovou o plano.

Informado, Mendonça tornou a tocar no assunto, e nessa ocasião mudou um pouco a ênfase na descrição de quem pretendia recrutar, embora tornasse a referir questões de interesse para o presente argumento. Essa segunda referência do governador aos Sertanejos apareceu em ofício de janeiro de 1800, e reformulava os acentos da carta anterior ao expor que pretendia recrutar "homens de toda a qualidade", e não mais apenas não-brancos livres. Queria-os, e esse é o reforço do que se afirmava mais acima, "capazes de entrarem no sertão por viverem em bastante proximidade dele". Novamente mostrava dar grande importância à percepção de sua dispersão e de sua movimentação geográfica.

Estes fragmentos de documentação oficial sobre livres de cor em São Paulo têm oscilado entre uma percepção dos mesmos que os punha nos escalões mais baixos da hierarquia dos homens livres e momentos de claro reconhecimento de que sua circulação no tecido social pautava-se pela autonomia que, no limite, podia mesmo diferenciá-los socialmente de uma maneira insuspeitada. Foram vistos tanto casos de profunda subordinação dos livres de cor, quanto situações nas quais alcançavam, ou julgavam possível alcançar, posições de prestígio na sociedade. Essa relativamente forte diferenciação social dos não-brancos livres condizia com a autonomia em que foi surpreendida sua movimentação. Não é de se estranhar, assim, que uma avaliação a respeito dos mestres pedreiros e carpinteiros da capitania, em 1804, pusesse em jogo um pouco disso tudo. Franca e Horta sugeria que São Paulo, diferentemente do Rio de Janeiro e da Bahia, não possuía mestres de peso. Os existentes seriam todos "Mestres de jornal", indicando condição subordinada no interior do artesanato. O "Comum deles trabalham [sic] como Oficiais, sendo pela maior parte Mulatos, e Pretos, de maneira que nem uma pequena Casa se faz aqui de empreitada", dizia, ligando cor atribuída e posição inferiorizada. Mas Horta também avaliava a posse de escravos pelos mesmos e, se bem é verdade que o governador achava poucos os escravos de artífices, ainda assim se via obrigado a reconhecer que eventualmente os artesãos mulatos e negros da capitania os possuíam. Eles tinham "quando muito [...] um até dois Escravos próprios do seu ofício".17 Até mesmo uma visão dogmaticamente hierarquizante dos livres de cor deixava entrever a percepção de sua diferenciação social. A autonomia inscrita em seu modo de circular no tecido social era a raiz disso tudo.

O problema da difusão dos não-brancos com autonomia é uma questão inteira ainda por averiguar mais detidamente. Os resultados expressos mais acima contribuem nesta direção, mas não se deve pensar que os casos de Castro e Guaratuba constituíram situações específicas e isoladas. A situação em Curitiba era semelhante à de Castro, embora as proporções fossem um pouco menores. Nela, em 1797, os fogos encabeçados por libertos e livres de cor constituíam quase um quinto (19,7%) do total de domicílios.18 Na vila de São Paulo dos anos de 1765 e 1767, os domicílios chefiados por libertos e livres de cor alcançavam pouco mais de 10%.19 Isso não chega nem perto dos dados de Guaratuba. Mas não se deve esquecer que, na vila de São Paulo da década de 1760, a passagem da escravidão indígena para a africana era relativamente recente (Monteiro, 1994). Em Guaratuba simplesmente não havia acontecido tal passagem, pois a formação da vila foi fenômeno posterior à referida transição nas áreas do planalto de ocupação mais antiga, como Curitiba (a transição em Curitiba pode ser periodizada a partir de Schwartz, 1996:145).

Ainda assim, a comparação indica uma periodização, sugerindo que o fim do século XVIII é um balizamento seguro para a explosão da presença negra livre nas partes meridionais da América portuguesa.

Outro exemplo nessa direção, desta vez mais meridional no interior da capitania, é o de Jacupiranga, que, em 1836, ainda era parte da municipalidade de Iguape, correspondendo a dois de seus "quarteirões". Era área de ocupação recente, datando esta do final do século XVIII e do início do seguinte. A novidade do estabelecimento ali pode ser aquilatada pela definição dos marcos usados pelo recenseador para referir os limites do segundo dos quarteirões que viriam a constituir Jacupiranga. O quarteirão n. 15 de Iguape localizava-se no rio Jacupiranga, iniciando na Barra do Capinzal e indo "rio acima até o último morador" (Almeida, 1949:46). Era, portanto área estratégica para estudarem-se não-brancos livres. Na área de Jacupiranga, havia, em 1836, 31 domicílios encabeçados por livres de cor, sendo que apenas um provinha de fora de Iguape, tendo migrado de São Francisco (ibidem:42-52.

Esta obra contém uma transcrição da lista nominativa de Jacupiranga para o ano mencionado, transcrição esta que serviu de base para as aproximações feitas aqui). Tratava-se, então, de área que comportava a imigração de não-brancos provenientes de pequenas distâncias, em busca de terra, mostrando, também por , a enorme difusão do fenômeno que estudei mais de perto em relação a Castro e Guaratuba. Aqueles 31 domicílios constituíam 49% dos fogos dos dois quarteirões de Iguape que viriam a dar origem a Jacupiranga. Olhando tudo mais de perto, tem-se uma imagem ainda mais vívida da proliferação de não-brancos livres e autônomos no local. No quarteirão mais novo (o tal demarcado com indo até o "último morador"), a participação dos fogos autônomos de livres de cor era de mais que metade (54%). É grande a semelhança com o que foi visto sobre o caso de Castro e Guaratuba. As áreas mais recentemente abertas de uma dada vila representavam fortíssimos impulsos para a proliferação de negros e pardos livres.

Jacupiranga fazia parte de uma área que, ainda em 1798, as autoridades da capitania afirmavam possuir terrenos cobertos de matos, indicando possibilidade de ocupação. A explicação do governador para esta característica era também significativa para os propósitos deste trabalho: "falta de habitantes, ou talvez [...] pobreza dos que vivem nesta Capitania".20 Curitiba, São Paulo e a parte de Iguape que viria a constituir Jacupiranga replicam com especificidades e ajudam a periodizar o fenômeno que foi o objeto deste artigo. A dinâmica daquele fenômeno em Castro e Guaratuba permitiu avançar na percepção de suas condições e de seu sentido. No final do século XVIII e no início do seguinte, os não-brancos livres da capitania/província de São Paulo expandiam seu número e firmavam no tecido social a visibilidade de sua muito intensa movimentação geográfica em busca de terra e de autonomia, o que chegava ao ponto de impactar a percepção da sociedade retida por elites locais e administradores coloniais.

Ficam indicadas perguntas relativas a como tudo isso acabou. Para citar apenas um exemplo, um trabalho sobre libertos e modo de vida camponês em São Paulo na segunda metade do século XIX os viu assentando-se apenas mediante autorização senhorial, além de ter chamado a atenção para as fortes ameaças, também partidas do alto, sob as quais eles precisavam labutar (Machado, 1993). Por outro lado, um trabalho sobre compadrio entre livres de cor em Curitiba entre 1850 e 1852 mostrou terem sido muito incomuns, entre os padrinhos de seus filhos, tanto os com títulos que indicassem posição social elevada, quanto repetições de nomes de padrinhos, as quais indicariam, caso existentes, que a patronagem teria tido um peso muito forte em seu modo de vida. Padrinhos de crianças livres de cor parecem ter sido, de um modo geral, vizinhos e/ou parentes, dado que se mostra consistente com o que se defende aqui a respeito da prevalência da autonomia entre os não-brancos livres da área que hoje constitui o Paraná (Sandim, 2000). Além disso, outro trabalho recente forneceu um testemunho qualitativo importante sobre a proliferação, na área do atual Paraná, de migrantes internos livres de cor em momentos mais próximos de meados do século XIX. Uma escrava fugida de Guarapuava em meados do século XIX deslocou-se para e estabeleceu-se em Campo Largo, localidade próxima a Curitiba. O curioso e inesperado reside em que ela logrou, durante cerca de um ano, fazer-se passar por liberta, até que finalmente foi descoberta (a isso se seguiu um caso de filicídio, analisado com detalhe em Araújo [2000], sendo este o trabalho donde se retiraram as informações sobre a fugitiva). Muitas vezes se chama a atenção para o intenso risco que libertos corriam de serem capturados em virtude de serem tidos por escravos. O caso daquela mulher representava o inverso. Muitas vezes também se enfatiza que em ambiente urbano seria comum escravos se fazerem passar por livres. Mas ela o fez em área nitidamente rural, tanto assim que posicionou-se como "agregada" (Araújo, 2000). Desse modo, todo um programa de pesquisas fica sugerido para compreender como se passou da situação antes descrita para a apontada quanto ao final do século.

Além disso, o modo como se concebem as relações sociais na área deve ser repensado a partir do que se viu aqui. Isso porque nem tudo que unia livres de cor e potentados locais era dependência pessoal. Os padrões de ocupação também podem ser revistos, pois a vida rural da América portuguesa se mostra, mais uma vez, muito mais variada e complexa que o indicado pela noção de exclusividade da grande propriedade (embora não se negue a centralidade desta última), sobretudo em situação de povoamento ralo como o que caracterizava a área estudada.

As concepções correntes sobre relações comunitárias e hierarquia social também devem ser revistas. O contingente dos livres de cor não era em absoluto socialmente plano. Para além de seu número e de sua dispersão, a autonomia perceptível no modo como se assentavam na terra estratificava-os de maneira aparentemente intensa. Isso, além de complicar as percepções correntes de hierarquia social, deve ser enfatizado porque faz esperar uma variedade muito grande nos tipos de interação em que puderam envolver-se.21 Tudo, enfim, nos encaminha a repensar as relações sociais, os padrões de ocupação, as relações comunitárias e a própria hierarquia social no Centro-Sul da América portuguesa.

Notas 1.

boas razões para usar a expressão "não-brancos livres", conforme isso é feito repetidamente neste texto. A primeira delas liga-se a que ela é preferível a "livres de cor" embora esta última também seja eventualmente utilizada, inclusive no título , por constituir esta última tradução direta do "colored freemen" norte-americano, podendo, portanto, fazer esquecer as diferenças vigentes entre as situações do Sul escravista dos Estados Unidos e da América portuguesa. "Não-brancos livres" também é melhor que algo como "negros e pardos livres", pois é preciso problematizar a perspectiva de que estas categorias constituam uma classificação. Nos lugares estudados Castro e Guaratuba não se alterava a cor atribuída a determinadas pessoas, como também variavam os critérios vigentes nas listas nominativas, de modo que, em alguns anos, havia tanto pardos quanto negros em Guaratuba, ao passo que, em outros, todos eram descritos como pardos. Além do mais, ocorria freqüentemente em um dos lugares Castro o emprego simultâneo, para pessoas diferentes, das categorias "pardo" e "mulato", criando problemas importantes de classificação.

2.

Da importante bibliografia que referenda este posicionamento da questão cito, em particular, Silva (1990), Linhares e Silva (1999, cap. III) e Barros (1997).

3.

A expressão aparece em um artigo de Mintz (1978:31), embora inserta em argumento diferente. Ali, Mintz discute criticamente as análises que embutem no conceito mesmo de campesinato uma visão exageradamente centrada, segundo ele, na concepção de expropriação de excedentes produzidos no trabalho camponês por parte de outros grupos sociais.

4.

Encontram-se posições como esta em Fragoso & Florentino (1993), Faria (1994) e Lima (1997).

5.

Cf. o ofício de 21 de novembro de 1797 ao Conselho Ultramarino em Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, São Paulo, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v. 29, p. 43. Nas citações de textos de época presentes neste artigo, atualizo a grafia e mantenho pontuação e maiúsculas.

6.

Os dados relativos a Castro em 1776 provêm do trabalho de Moraes Lima (2000).

As informações relativas a Guaratuba em 1782 e 1832, assim como as relacionadas a Castro em 1835, resultaram de consulta direta às listas nominativas respectivas, em cópias microfilmadas dos originais depositados no Arquivo Público do Estado de São Paulo.

7.

Os contingentes escravos de Castro e Guaratuba não constam da Tabela_1. Eles podem ser consultados em Costa e Gutiérrez (1985), bem como nas listas nominativas e mapas de população respectivos.

8.

Observe-se que, nesse conjunto de dados a respeito de Guarapuava, foram omitidos os índios. Isso se deveu ao objetivo de comparar a situação de Guarapuava com a do restante do município de Castro, onde não havia fortes concentrações indígenas, a julgar pelas listas nominativas. Deveu-se também ao fato de se ter, necessariamente, que diferenciar a situação dos caingangues frente à dos não-brancos livres que estudo aqui. Quanto àquele grupo, vide Takatuzi (2000). O material relativo a 1828 foi tabulado a partir de Arquivo Público do Estado de São Paulo. Listas de habitantes de Castro, 1828(Foi consultada cópia microfilmada pertencente ao Departamento de História da UFPR).

Sobre a ocupação de Guarapuava é importante consultar Marcondes e Abreu (1991).

9.

foram vistas as oscilações que isso teve na mercantilizada vila de Castro.

10.

A referência quanto à lista nominativa de 1798 pode ser encontrada na tabela incluída no texto. A ata de 1797, com a lista dos que a assinaram, foi reproduzida por um historiador de Guaratuba, Joaquim da Silva Mafra (1952:64- 6).

11.

Cf. Atas do Conselho da Presidência da Província de São Paulo, anos de 1824- 1829. In: Documentos Interessantes..., v. 86, 1961, pp. 66-7.

12.

Cf. Ofícios do General Horta aos Vice-Reis e Ministros, 1802-1808. In: Documentos Interessantes... v. 94, 1990, p. 132 (Ofício ao Visconde de Anadia, de 30 de junho de 1804).

13.

Em 19 de agosto de 1797, de fato, Antonio Manuel de Mello Castro e Mendonça escrevia em ofício haver então "três Companhias Avulsas de homens pardos, de que agora mandei alistar o número conveniente para deles formar um regimento". Cartas de Antonio Manuel de Mello Castro e Mendonça dirigidas a D. Rodrigo de Souza Coutinho, Secretário de Estado. In: Documentos Interessantes..., v. 29, p. 13. Tudo indica que a proliferação de livres de cor em São Paulo era tratada como novidade, exigindo novas providências, conforme fica exemplificado pelos intentos de organização dos mesmos em termos militares, processo este que envolveu, no mínimo, tanto Castro e Mendonça quanto Franca e Horta.

14.

Idem, p. 170 (Ofício ao Visconde de Anadia, de 25 de junho de 1806).

15.

Silva (1999) também enfatiza posturas de controle social especificamente voltadas para não-brancos livres no final do século XVIII, embora se trate de interpretação muito diversa daquela que se encaminha aqui, sem contar que o ambiente pernambucano era profundamente diferente do da capitania de São Paulo, como é sabido.

16.

Vide o ofício de 26 de abril de 1798 ao Secretário de Estado. In: Documentos Interessantes..., v. 29, p. 61.

17.

Idem, p. 219 (Ofício a Luiz de Vasconcelos, de 26 de outubro de 1804).

18.

Cf. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Listas de habitantes de Curitiba, 1797. Foi consultada cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR.

19.

Cf. Recenseamentos (1765-1767). In:Documentos Interessantes...., 1937, v.

LXII.

20.

Ofício de 25 de abril de 1798 do general Antonio Manuel de Mello Castro e Mendonça ao Secretário de Estado. In: Documentos Interessantes.... v. 29, p.

56. A constatação relativa à sobrevivência de matas chega a incluir a área de Guaratuba. Idem, p. 58.

21.

Pensar nos escravos ajuda a compreendê-lo, à medida que os horizontes destes últimos devem ter sido muito afetados pela espessura do contingente de livres de cor na capitania, sendo tal termo "espessura" empregado aqui com dois significados. Justifica-se porque os descendentes de escravos constituíam segmento muito mais numeroso que o dos próprios cativos. Isso, como foi visto, indica que não eram descendentes dos escravos locais, mas sugere também que um segmento com o qual cativos interagiam cotidianamente apresentava forte eficácia (quanto a estabelecer-se na terra, sobretudo) em meio a uma fluidez muito grande. Mas o termo indica também que a autonomia tranqüila em que eles foram surpreendidos neste trabalho estratificava internamente os livres de cor da capitania/província, sugerindo forte variedade nas interações entre eles e os cativos locais.


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