Percepção do racismo no Rio de Janeiro
Introdução
Este artigo analisa os resultados de uma pesquisa de opinião realizada pelo
Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e Núcleo de
Pesquisas, Informações e Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense
(DATAUFF), de 28 de janeiro a 13 de abril de 2000, sobre relações raciais no
Rio de Janeiro. A partir daí, aponta as limitações de uma abordagem
individualista do racismo, as dificuldades enfrentadas por pesquisas empíricas
voltadas para a mensuração do preconceito racial, e sugere alguns temas que
poderiam ser incluídos na agenda dos estudos sobre o racismo no Brasil.
A pesquisa CEAP-DATAUFF se constituiu numa ampla pesquisa domiciliar realizada
em todo o Estado do Rio de Janeiro, distribuída nas regiões amostrais do
município do Rio de Janeiro, região metropolitana e interior do estado,
perfazendo um total de 1.172 entrevistas. Deste total de entrevistados, 48,2%
eram homens e 51,8% eram mulheres. A amostra era composta por 34,5% de pardos,
seguida por 27,4% de brancos, 26,7% de pretos, 2,7% de amarelos e 8,8% de
indígenas.1 Quanto ao grau de instrução dos entrevistados, 19,6% eram
analfabetos ou possuíam o primário incompleto, 29,2 % possuíam o primário
completo ou o 1o Grau incompleto; 21,5% possuíam 1o Grau completo ou o 2o Grau
incompleto; 24,5% possuíam o 2o Grau completo ou o Superior incompleto, apenas
5,2% Superior completo.
Um conjunto amplo de temas foi investigado pelo CEAP-DATAUFF, buscando não
somente mensurar o preconceito racial no Rio de Janeiro, mas também abordando
outros temas presentes na atual agenda de debate sobre relações raciais no
Brasil, tais como: identidade racial, percepção sobre os determinantes da
situação do negro no Brasil, desigualdade racial, casamento inter-racial,
mestiçagem, voto étnico, outros preconceitos na sociedade contra pobres,
favelados, mulheres,nordestinos e homossexuais, aspirações sociais segundo raça
e posicionamento da população fluminense frente às propostas de implantação de
políticas de ação afirmativa.
Seria impossível tratar de todos estes temas no escopo deste trabalho e em
vista disso selecionamos alguns tópicos que consideramos importantes no debate
atual sobre o racismo no Brasil. O primeiro deles trata da identificação do
preconceito racial existente na população: foram incluídas perguntas no
questionário, provavelmente, com essa finalidade, e como estratégia de análise
das respostas oferecidas a essas perguntas optamos por construir um índice de
preconceito racial. Como mostraremos adiante, os resultados parecem indicar
que, em geral, o preconceito racial é baixo ou inexistente na população do
Estado do Rio de Janeiro. O otimismo dessa conclusão é deslocado se notarmos
que quando se trata da percepção da existência do racismo, os resultados são
completamente distintos: a análise das respostas oferecidas mostra que, em
geral, existe uma alta percepção da existência do racismo na sociedade. Antes
de dar continuidade à análise desses resultados, vale ressaltar que na
identificação do preconceito racial o que está em questão é a maneira como os
indivíduos vêem a si mesmos, enquanto na análise da percepção do racismo é o
modo como os indivíduos vêem a sociedade em geral. Esse descompasso entre a
autopercepção ' via de regra como um indivíduo sem preconceito racial ' e a
percepção acerca da sociedade ' onde se reconhece que existe racismo ' já foi
objeto de análise em outras pesquisas sobre as atitudes raciais no Brasil, mas
continua sendo uma questão mal compreendida ou não resolvida (Schwarcz, 1996;
Turra & Venturi, 1995).
Cabe destacar que nesse texto nos propomos a analisar uma parte do banco de
dados resultante da pesquisa CEAP-DATAUFF, mas não participamos da formulação
das perguntas e da preparação do questionário. Portanto, ao recorrermos à
construção dos índices de preconceito racial e de percepção do racismo
enfrentamos o desafio de selecionar perguntas para compor tais índices que não
foram incluídas no questionário com esta finalidade. Lançamos mão de tal
estratégia de análise dos resultados da pesquisa com o objetivo de tecer
algumas considerações críticas em relação à abordagem do racismo que durante
décadas tem utilizado definições operacionais focalizadas exclusivamente nas
atitudes e atos individuais, o que contribuiu decisivamente para a
popularização de definições que fazem referência imediata ao preconceito e à
discriminação quando se trata de refletir sobre o racismo. O contraponto disso
é a dificuldade persistente de pensar o racismo como associado às relações de
poder e à desigualdade (e dissociado do ódio), o que tem impactos diretos sobre
o apoio da população às políticas visando à promoção da igualdade racial no
Brasil.
Ao longo desse texto discutiremos inicialmente alguns tópicos relacionados às
definição e identificação do preconceito racial, analisando os resultados para
as perguntas consideradas isoladamente e como parte do índice de preconceito
racial. Em seguida, discutiremos as questões relacionadas com a percepção do
racismo, novamente analisando as perguntas isoladamente e como parte do índice
de percepção do racismo. Mais adiante veremos como esses resultados se alteram
quando incluímos na análise algumas variáveis sócio-demográficas importantes
(como cor, gênero, idade e grau de instrução) e tratamos das preferências da
população em termos de estratégias anti-racistas (como as políticas
compensatórias). Na conclusão, discutiremos algumas questões suscitadas ao
longo da apresentação dos resultados.
1. Preconceito, discriminação e desigualdade racial no Brasil
Desde os anos 1930 o preconceito e a discriminação raciais têm sido objetos de
análise dos cientistas sociais, especialmente para pensar seus impactos na
dinâmica das relações sociais em sociedades multirraciais e multiétnicas,
marcadas por desigualdades raciais e representações negativas contra um ou mais
grupos, como por exemplo: o preconceito contra os afrodescendentes nos Estados
Unidos e no Brasil. Segundo Jones, o "preconceito é uma atitude negativa, com
relação a um grupo ou pessoa, baseando-se num processo de comparação social em
que o grupo do indivíduo é considerado como o ponto positivo de referência"
(1973:3). Tal atitude negativa seria necessária para que houvesse algum
referente positivo para comparação, sendo que o julgamento negativo e prévio
dos membros de uma raça, uma religião ou dos ocupantes de qualquer outro papel
significativo, seria mantido apesar de fatos que o contradiriam.
De acordo com Jones, o interesse pela investigação sobre o preconceito
constituiu o campo dos estudos sobre as atitudes raciais, estimulando
cientistas sociais e psicólogos a produzirem definições operacionais do
conceito. Um dos primeiros resultados desse esforço conduziu à definição hoje
considerada clássica (ou tradicional) segundo a qual a presença de estereótipos
e de distância social eram os principais indicadores do preconceito racial. O
estudo dos estereótipos foi uma das primeiras incursões experimentais feitas
pelos psicólogos sociais no estudo do preconceito durante os anos 1930,
especialmente aqueles inspirados nos trabalhos da Escola de Chicago. Em termos
empíricos, isto se traduziu na realização de pesquisas com base em entrevistas
que estimulavam os entrevistados a julgar/opinar sobre os estereótipos
regularmente atribuídos aos vários grupos da sociedade, e se posicionar sobre a
distância social em relação a indivíduos pertencentes a estes grupos.
Na década de 1950, tendo em vista o holocausto, bem como as reflexões sobre os
horrores que o ódio racial podem causar numa sociedade, os pesquisadores sobre
relações raciais passaram a se preocupar não apenas em mensurar o preconceito
racial mas, sobretudo, em descobrir estratégias para combatê-lo. Neste cenário,
o Brasil aparecia como um objeto de estudo interessante, uma vez que, diferente
do que acontecia nos Estados Unidos, na África do Sul e alguns países europeus,
era visto como um país onde parecia existir um "paraíso racial". Durante as
décadas de 1940, 1950 e 1960 foram realizados no Brasil os primeiros estudos
sobre o preconceito racial e, segundo Guimarães, "os estudiosos observaram a
distância social entre brancos e negros, medida pela escala de Bogardus,
recolheram ditos e ditados racistas, observaram limites na interação entre
brancos e negros, documentaram as dificuldades de ascensão social
experimentadas por pretos e mulatos" (1999:90), em regiões diferentes do país.2
Os resultados de algumas destas pesquisas evidenciaram que existia um abismo
entre as posições normativas, de adesão aos valores igualitários, aceitos pela
maioria dos entrevistados e as posições quanto à aplicação prática desses
princípios. Isso ficou evidenciado na recusa à maior proximidade social,
demonstrada nas respostas sobre comportamento hipotético, por exemplo, na
situação de casamento: a maioria esmagadora dos entrevistados afirmava que não
casaria com "negro" ou "mulato" (Bastide, 1956; Bastide & Van Den Berghe,
1957). Os autores consideraram um paradoxo que existisse adesão às normas
democráticas, isto é, aceitação da igualdade de oportunidades para "negros" e
"brancos", e que, por outro lado, fosse alto o grau de estereotipia negativa e
de segregação nas relações pessoais, e que houvesse uma adesão quase total à
endogamia. Essa ambivalência, para eles, constituía o "dilema brasileiro".3
Este conjunto de investigações contribuiu para a maior visibilização da
existência do preconceito racial e forneceu subsídios para as denúncias da
democracia racial brasileira como um mito. Um dos mais importantes estudos
nesta áea foi realizado por Florestan Fernandes e Roger Bastide em São Paulo,
como parte do ciclo da UNESCO. Fernandes concluiu que os brasileiros não
evitavam, mas tinham vergonha de ter preconceito, e o fato de que se
considerava "feio" admitir a discriminação e não o ato de discriminar se
explicava pelo "preconceito de não ter preconceito". Nesta forma particular de
racismo, que Fernandes (1972) chamava também de "preconceito retroativo", não
se mostrava ou não se falava sobre algo que se reconhecia existir, as
hierarquias ficavam cristalizadas e intocadas enquanto na aparência o que se
mostrava era a amabilidade. Bastide destacou que o fato de não existirem
manifestações abertas de preconceito racial, e do fator racial ser disfarçado
pelo fator classe, se explicava pela interferência do mito da democracia
racial. Em vista disso, as barreiras encontradas pelo negro eram dissimuladas
por um verdadeiro ritual de polidez amável que acentuava em lugar de fazer
desaparecer a distância social (Bastide & Fernandes, 1959). Oracy Nogueira
inovou ao defender que no Brasil existia um tipo diferente de preconceito
racial ' o "preconceito de marca" ' que não se confundia com o tipo de
preconceito racial dos Estados Unidos ' o "preconceito de origem". Segundo ele,
o preconceito de marca não implicava "uma exclusão ou segregação incondicional
dos membros do grupo discriminado, e sim uma preterição dos mesmos quando em
competição, em igualdade de outras condições, com indivíduos do grupo
discriminador" (Nogueira, 1998:243). Nogueira mostrou que no Brasil "a cor
branca facilita a ascensão social, porém não a garante por si mesma; de outro
lado, a cor escura implica antes uma preterição social que uma exclusão
incondicional de seu portador" (ibidem:167).
Rompendo com a teorização que era utilizada nessa época nos Estados Unidos,
estes autores rejeitaram o modelo que considerava o preconceito racial como um
fenômeno individual e de fundo psicológico, ocasionado pelo ódio e pela
ignorância, e que seria distinto da discriminação racial; esta, sim, vista como
manifestação do racismo. Estes autores afirmaram que o preconceito racial não
poderia ser dissociado das relações de dominação existentes entre os grupos
presentes na sociedade brasileira. Essa trilha interpretativa foi seguida por
inúmeros pesquisadores que ao longo das décadas de 1980 e 1990 documentaram a
existência de desigualdades raciais no Brasil.4
No entanto, a grande preocupação dos estudos realizados entre os anos 1940 e
1960 com a identificação do preconceito e da discriminação raciais,
compartilhada por organizações anti-racistas voltadas para a denúncia da
democracia racial como um mito, contribuiu para que se popularizasse uma
concepção do racismo restrita à dimensão individual. Apesar disso, a constante
divulgação dos resultados de pesquisas que comprovam que as desigualdades
raciais são persistentes no Brasil, seja por iniciativa de organizações anti-
racistas, de órgãos oficiais ou dos meios de comunicação, ao longo das décadas
de 1980 e 1990, bem como a implementação de projetos e políticas de ação
afirmativa, a partir da segunda metade da década de 1990, têm tido como
resultado a crescente visibilidade de outra concepção do racismo associada à
estrutura desigual de acesso às oportunidades. Certamente, estas mudanças irão
repercutir na agenda das pesquisas sobre as atitudes raciais, com a tendência
que estas deixem de se limitar ao estudo dos temas que preocuparam os estudos
clássicos ' como a identificação do preconceito e da discriminação ', passando
a incluir outros temas importantes como os distintos modos de percepção do
racismo, as explanações para a desigualdade, as preferências em termos de
políticas anti-racistas e as explanações para tais preferências. Tais mudanças
são coerentes com o lugar central que a desigualdade racial tem ocupado no
debate atual sobre o racismo e, principalmente, sobre o anti-acismo na
sociedade brasileira.
2. O preconceito racial no Estado do Rio de Janeiro
Algumas perguntas que foram incluídas no questionário utilizado na pesquisa
realizada pelo CEAP-DATAUFF no Rio de Janeiro testaram a adesão dos
entrevistados às definições estereotipadas dos negros e o desejo de manutenção
de distância social, e é com base nas respostas oferecidas a essas perguntas
que faremos algumas afirmações acerca do grau de preconceito racial da
população fluminense identificado nessa pesquisa. Além disso, analisaremos as
respostas dadas à pergunta direta sobre a admissão do preconceito racial por
parte dos indivíduos.
Quanto aos estereótipos, os resultados mostraram que, em sua maior parte, os
entrevistados discordaram daquelas afirmações que revelavam associações
explicitamente negativas aos negros, como podemos verificar nos seguintes
exemplos:
P18 ' Os negros são menos esforçados do que os brancos.
. 86,6% discordaram totalmente ou em parte;
. 13,4% concordaram totalmente ou em parte;
P48 ' Tem poucos negros na política porque: 1) os negros não gostam
de política; 2) existe preconceito contra os negros; 3) os negros não
têm capacidade para fazer política.
. 92,6% escolheram as opções 1 ou 2;
. 7,4% escolheram a opção 3;
P56.1 ' Negros não têm capacidade para Medicina, Odontologia, etc.
. 92,2% discordaram totalmente ou em parte;
. 7,8% concordaram totalmente ou em parte;
P56.3 ' Negros não gostam de Medicina, Odontologia porque pedem
esforço maior nos estudos.
. 80,9% discordaram totalmente ou em parte;
. 19,1% concordaram totalmente ou em parte.
Quanto à distância social o resultado foi semelhante, ou seja, a maioria dos
entrevistados mostrou-se favorável à aproximação social com os negros, como se
pode observar nos resultados para a seguinte pergunta:
P32 ' Você se importaria de ter um chefe negro: 1) sim 2) não 9) NS/
NR.
. 96,7% responderam não;
.3,3% responderam sim.
A admissão do preconceito racial foi testada através da seguinte pergunta:
P58 ' Você se considera, em relação aos negros, uma pessoa que: 1)
Não tem nenhum preconceito de cor 2) Tem um pouco 3) Tem muito.
. 87,5% dos entrevistados escolheram a opção 1;
.12,5% escolheram as opções 2 ou 3.
Evidencia-se aqui que a maioria dos entrevistados se considera isenta de
preconceito racial e tem uma auto-avaliação bastante positiva em relação a essa
questão, e esse resultado é coerente com as respostas que foram oferecidas às
perguntas sobre estereótipos e distância social.
Uma última questão poderia ser acrescida a esse conjunto e trata da legislação
anti-racista em vigor:
P29: Pena de 1 a 3 anos para crimes de racismo: 1) Dura demais; 2)
Justa; 3) Leve; 9) NS/NR.
. 83,1% consideraram a pena prevista na lei em vigor justa ou leve;
.16,9% a consideraram dura demais.
Tomando estas seis perguntas como itens para compor um índice de preconceito
racial, temos um resultado que é, no mínimo, curioso para aqueles que estudam e
denunciam o racismo brasileiro. Utilizando uma escala de cinco (5) pontos, que
vai do mínimo (0) até o máximo (5), temos que:
Analisando a Tabela_1 observamos que não há uma distribuição equilibrada de
respostas, sendo que 62,7% dos entrevistados se mostraram totalmente isentos de
preconceito racial. Diante desse resultado consideramos que seria inadequado
até mesmo levar adiante a análise, apresentando cruzamentos com algumas
variáveis sócio-demográficas, pois quaisquer interpretações que
desenvolvêssemos estariam apoiadas em bases muito frágeis e sujeitas, portanto,
a distorções.
Como interpretar um resultado como esse, principalmente, se levarmos em conta
que as desigualdades raciais existem e têm aumentado nas duas últimas décadas,
e que a estigmatização racial ' seja através dos insultos, piadas ou
representações negativamente estereotipadas ' continua presente no cotidiano
dos brasileiros? Tal resultado convida antes de tudo à reflexão sobre o tipo de
instrumento utilizado na pesquisa ' o questionário ', o modo como este foi
construído ' a escolha dos temas e a formulação das perguntas ', e a estratégia
de análise que utilizamos. Em relação a esse último ponto, caberia perguntar se
não chegaríamos a outra conclusão caso tivéssemos construído o índice de
preconceito racial de outra forma, ou seja, utilizando itens diferentes
daqueles que escolhemos, ou recorrendo ao uso de outros materiais de apoio.
Provavelmente sim, mas o problema principal ao nosso ver não está na construção
de uma medida melhor ou mais refinada do preconceito racial, embora sejam
válidas as iniciativas feitas nesta direção, como a pesquisa realizada por
Almeida, Young & Pinto no Município do Rio de Janeiro (2002). Em outras
palavras, é preciso levar em conta que existem formas distintas de
estigmatização com base na idéia de raça, mais ou menos verbalizadas, mais ou
menos explícitas, e que variam de um contexto para outro, e as estratégias de
análise quantitativa que têm sido mais utilizadas nos surveys atitudinais
talvez sejam mais adequadas para o estudo da estigmatização quando esta ocorre
de forma explícita e direta.
No caso brasileiro é sabido que a etiqueta de relações raciais vigente na
sociedade desaprova as manifestações flagrantes de estigmatização com base em
distinções de cor. Neste sentido, seria mesmo de se esperar que não houvesse
concordância da maior parte da população com frases explicitamente racistas
como as que foram incluídas no questionário utilizado nessa pesquisa.5 Esta
dificuldade de obter comprovação através de pesquisas empíricas da existência
de estigmatização racial tem sido encontrada até mesmo em países como os
Estados Unidos, onde a segregação chegou a ser legalmente sancionada e eram
comuns os insultos verbais e, até mesmo, as agressões físicas contra os
descendentes de africanos. Nas pesquisas realizadas recentemente sobre as
atitudes raciais neste país é cada vez maior a discordância da população com
frases que expressam estereótipos negativos associados aos negros, ao tempo que
tem crescido também o apoio ao fim da segregação racial que continua existindo
informalmente.6 Não queremos, com isto, dizer que os descendentes de africanos
deixaram de ser vistos e representados de modo negativamente estereotipado,
seja no Brasil ou nos Estados Unidos, mas que a população tem demonstrado ter
conhecimento de que é socialmente reprovável fazê-lo, e isto se reflete na
escolha das opções de resposta apresentadas em surveys como o que foi realizado
pelo CEAP-DATAUFF. Embora seja impossível afirmar que estas atitudes
individuais se refletirão em comportamentos não discriminatórios contra os
indivíduos que aparentam ter ascendência africana, é digno de nota que os
entrevistados buscam se mostrar afinados com os valores anti-racistas que têm
sido difundidos na sociedade, tentando evitar parecer que são racistas, fatos
que não ocorriam há algumas décadas atrás.
Outro aspecto a considerar é que as relações sociais no Brasil são
predominantemente vividas (e interpretadas) sob o prisma das relações de classe
e interpessoais. Uma evidência disso é que na pesquisa CEAP-DATAUFF a proporção
daqueles que admitem que já se sentiram discriminados por condição financeira
(31%) é quase o dobro da proporção dos que afirmam que já se sentiram
discriminados por sua cor ou raça (16%), e o triplo da proporção dos que já se
sentiram discriminados por questões de gênero (10,8%).7 Outra evidência nessa
direção é que quando se trata de atribuições para as desigualdades raciais
existe um senso comum bastante arraigado em torno da idéia de que o fator
explicativo mais importante é o econômico. Através de uma pesquisa de caráter
etnográfico, realizada numa cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro,
Twine (1998) analisou os argumentos utilizados para explicar a desigualdade
racial, recorrendo à estratégia de perguntar aos moradores como se explicaria o
fato de a elite da cidade ser "branca", e, segundo os resultados, de várias
formas a desigualdade racial foi negada. O argumento de classe foi o mais
citado, ora associado à escravidão, ora relacionado à exploração de classe e à
reestruturação econômica. Em outra pesquisa realizada entre estudantes
universitários da cidade de São Paulo, chegamos a resultados semelhantes no que
diz respeito à utilização mais freqüente dos argumentos econômicos como
justificativa para as desvantagens educacionais dos negros, especificamente, no
acesso ao ensino superior (Barreto, 2003).
Como já foi dito, os resultados das pesquisas realizadas no Brasil nas décadas
de 1940 e 1950 mostraram que os entrevistados não se mostravam constrangidos em
afirmar os estereótipos negativos em relação aos negros, pois estes eram
revelados nas entrevistas que foram realizadas em várias regiões do país. Os
resultados obtidos em pesquisas recentes, como esta que foi realizada no Rio de
Janeiro, mostram que ocorreram mudanças significativas nesse cenário. Na
pesquisa de alcance nacional realizada pelo Instituto Datafolha, em 1995, e que
teve como objetivo principal mensurar o preconceito racial existente no Brasil,
a conclusão foi que apenas uma pequena parcela da população revelava ter um
grau alto de preconceito racial e que a maioria apresentava um grau baixo ou
médio. Estes dados levaram os responsáveis pela pesquisa a afirmar que no
Brasil existia o "racismo cordial" (Turra & Venturi, 1995).
É digno de nota que outra pesquisa recente realizada no município do Rio de
Janeiro apresenta resultados divergentes, ou seja, segundo os autores foi
possível revelar que o preconceito de cor é forte e bem arraigado (Almeida et
alii, 2002). Neste caso, o uso de fotos foi associado às perguntas formuladas
pelos pesquisadores, sendo possível avaliar com mais precisão como as
atribuições variam com o gradiente de cor.
3. A percepção do racismo
O fato de que a percepção do racismo esteja sendo objeto de estudo no Brasil se
reveste de maior importância diante da tradição que marcou o período da década
de 1930 até a década de 1970 de não colocar em discurso a questão do racismo,
algo que era parte da posição anti-racialista que se tornou quase oficial nesse
período. O próprio fato de que estejam sendo realizadas pesquisas que fazem a
população falar ou produzir discursos sobre o racismo no Brasil indica que
existem mudanças em curso na regra tácita que recomendava não falar sobre esse
assunto, pelo menos em público e fora dos espaços reservados da casa. Em suma,
embora o racismo ainda possa ser considerado um tema sensível no Brasil, não há
dúvida de que tem se criado uma corrente de opinião pública em torno do tema,
fato que se deve, entre outras coisas, às mobilizações lideradas por
organizações anti-racistas que surgiram nas duas últimas décadas do século
passado.
Para fins de análise dessa questão vamos considerar que o reconhecimento de que
os negros em geral são objeto de preconceito e/ou discriminação racial indica
que há percepção do racismo. Isto significa dizer que é necessário que haja,
por um lado, reconhecimento da existência de estereótipos negativos associados
aos negros e de mecanismos de manutenção da distância social dos brancos em
relação aos negros, e, por outro lado, que estes encontram barreiras à ascensão
social e recebem tratamento diferenciado na sociedade brasileira. Vamos
analisar os resultados para um conjunto de perguntas que abordaram esses temas
e que consideramos adequadas para compor um índice de percepção do racismo.
Para testar a crença na democracia racial, selecionamos as seguintes perguntas:
P14 ' Acha que no Brasil os negros e os brancos: 1) Convivem bem; 2)
Existem alguns problemas de convivência; 3) Existem muitos problemas
de convivência
. 78,6% escolheram as opções 2 ou 3;
. 21,4% escolheram a opção 1.
P18D ' A discriminação racial impede que os negros consigam bons
empregos e melhorem de vida: 1) concordo muito; 2) concordo pouco; 3)
discordo pouco; 4) discordo muito.
. 82,2% escolheram as opções 1 ou 2;
.17,8% escolheram as opções 3 ou 4.
P47.3 ' Ser negro para um candidato que quer se eleger: 1) Atrapalha
muito; 2) Atrapalha um pouco; 3) Não atrapalha.
. 60,9% escolheram as opções 1 ou 2;
.39,1% escolheram a opção 3.
A percepção sobre a existência do preconceito e discriminação foi tratada,
ainda, através de pergunta direta, como a seguinte:
P8.3 ' O Preconceito contra negros. 1) Muito; 2) Pouco; 3) Nenhum.
. 74,1% escolheram a opção 1;
. 25,9% escolheram as opções 2 ou 3.
P 56.4 ' O sistema educacional discrimina os negros: 1) concordo
muito; 2) concordo pouco; 3) discordo pouco; 4) discordo muito.
. 58,4% escolheram as opções 1 ou 2;
. 41,6% escolheram as opções 3 ou 4.
A pergunta seguinte testou o reconhecimento de que existem estereótipos
negativos associados aos negros:
P48 ' Tem poucos negros na política porque: 1) Os negros não gostam
de política; 2) Existe preconceito contra os negros; 3) Os negros não
têm capacidade de fazer política.
. 77,5% dos entrevistados escolheram a opção 2;
. 22,5% escolheram as opções 1 e 3.
Sobre a distância social, selecionamos as seguintes perguntas:
P31 ' Quanto a ter um chefe negro a maioria das pessoas: 1) Se
importaria com isso; 2) Não daria importância para a cor do seu
chefe.
.51,7% escolheram a opção 1;
.48,3% escolheram a opção 2.
P33 'Se um parente próximo casasse com uma pessoa negra, a maioria
das pessoas brancas: 1) Não se importaria com isso; 2) Não gostaria.
. 60,5% escolheram a opção 2;
. 39,5% escolheram a opção 1.
Tomando estas oito perguntas como itens para compor um índice de percepção do
racismo, temos um resultado bastante diferente daquele obtido no índice
anterior, com uma distribuição das respostas muito mais equilibrada e com um
amplo reconhecimento da população do Estado do Rio de Janeiro quanto à
existência de racismo contra os negros (94%). Dentro de uma escala de zero (0)
a oito (8), onde zero representa nenhuma percepção do racismo e oito representa
o máximo de percepção do racismo, temos a seguinte distribuição:
Considerando que de 0 a 2 pontos existe baixa percepção do racismo, de 3 a 5
pontos média percepção e de 6 a 8 pontos alta percepção, temos a seguinte
distribuição:
O próximo passo na análise é identificar como varia a percepção do racismo de
acordo com a cor, gênero, grau de instrução e idade. De maneira geral,
observamos que são os negros, as mulheres, os jovens e as pessoas com instrução
de nível médio que o fazem com maior intensidade.8
Em relação à cor, conforme exposto nas Tabelas_4 e 5, o que se observa é que
existe um gradiente de percepção do racismo que acompanha o gradiente de cor,
de maneira que se considerarmos o subgrupo formado por aqueles que têm alta
percepção do racismo vemos que é maior a proporção de "pretos", seguidos de
perto por "pardos" e "indígenas", vindo então os "amarelos" e, por último, os
"brancos". Isto significa que, quanto mais "escuro" o indivíduo, maiores são as
chances de ele identificar a existência de racismo no Brasil. De modo inverso,
considerando aqueles que têm baixa percepção do racismo, é maior a proporção de
"brancos", seguido por "pardos", "indígenas" e, por último, os "pretos". Vale
ressaltar que, embora não exista uma oposição total entre a percepção de
"brancos" e "negros" (considerando aqui o resultado do somatório de "pretos" e
"pardos"), a cor é uma variável que interfere na intensidade com que o racismo
é percebido. Em outras palavras, "brancos" e "negros" têm percepções distintas,
mas não opostas, do racismo. Além disso, existem graus de percepção distintos
também entre os "negros", ou seja, os "pretos" apontam existir mais racismo do
que os "pardos". Este resultado pode ser explicado pelas próprias
características do racismo brasileiro que, sem excluir todos os negros em todas
as situações, pretere alguns deles em determinadas situações e sob certas
condições. A maior percepção do racismo entre os negros que apresentam
características físicas africanas mais evidentes ocorre, provavelmente, porque
eles o experimentam com mais intensidade no cotidiano, ou porque há maior
reconhecimento, entre eles, de que este é um problema que afeta o grupo. No
caso dos brancos, a menor percepção do racismo pode estar ligada ao fato de que
eles se sentem, com mais freqüência, numa sociedade racialmente neutra ou
imaginam que este é um problema que afeta menos os negros.9
As Tabelas_6 e 7 mostram que as mulheres têm uma percepção mais aguçada do
racismo que os homens, sobretudo as mulheres negras, reforçando a idéia que a
percepção da existência do racismo parece ser mediada pela perspectiva de
gênero. É provável que a maior convivência com as vicissitudes impostas pelo
sexismo e racismo nas suas relações de trabalho, convívio social e poder,
contribua para que entre as mulheres o racismo seja percebido com mais
intensidade do que entre os homens.10
Observando-se as Tabelas_8 e 9 é possível afirmar que se mantém uma relação
direta entre instrução formal e percepção do racismo, com exceção do subgrupo
que tem curso Superior completo. Isto fica mais evidente quando se considera
aqueles que demonstram baixa percepção do racismo: entre os analfabetos, a
proporção é de 18% e cai para 10,9% entre aqueles com 1º Grau incompleto, para
8% entre aqueles com 2º Grau incompleto e para 7,7% entre aqueles com Superior
incompleto; então, a proporção se eleva para 20% entre aqueles que têm curso
Superior completo. Surpreendentemente, observa-se que os indivíduos sem
instrução e os indivíduos com instrução superior apresentam padrões semelhantes
de distribuição no índice de percepção do racismo.11
Por fim, a idade também aparece como uma variável mediadora da percepção do
racismo na população fluminense. As Tabelas_10 e 11 mostram que existe uma
relação inversa entre idade e percepção do racismo. É provável que isto reflita
o fato de que as gerações mais jovens estão sendo socializadas em ambientes
mais democráticos, tendo acesso a um nível de escolaridade mais elevado e
demonstrando menor tolerância à existência de relações desiguais que já estão
cristalizadas na sociedade.
4. Conclusões
Os resultados do survey realizado pelo CEAP-DATAUFF no Rio de Janeiro confirmam
o que vem sendo apontado por outras pesquisas sobre atitudes raciais: os
brasileiros se consideram isentos de preconceito racial, mas afirmam a
existência de racismo na sociedade, entendido como preconceito e discriminação
racial. Isso leva a crer que, tomando de empréstimo as palavras de Schwarcz,
"todo brasileiro se sente como uma ilha de democracia racial, cercado de
racistas por todos os lados" (1996:155).12 Se é verdade que continua a existir
no Brasil esse "racismo indizível", isso coloca dificuldades tanto para a
pesquisa científica quanto para a ação política e sugere que o mais urgente é
entender os processos de estigmatização a que estão sujeitos os brasileiros de
ascendência africana, processos estes que talvez não se deixem identificar
facilmente através de entrevistas estruturadas e de questionários, que são os
instrumentos mais largamente utilizados nos surveysatitudinais. Nesta direção,
uma contribuição importante tem sido dada, por exemplo, pelos estudos
realizados sobre o racismo nos meios de comunicação, pois nestes casos as
fontes principais utilizadas não são os depoimentos individuais, mas sim os
produtos veiculados nos meios de comunicação e que circulam no mercado
editorial. Através destas formas de discurso (nem sempre verbal) a existência
dos estereótipos negativos associados aos brasileiros que têm ascendência
africana é facilmente comprovada, revelando algo que dificilmente aparece nos
depoimentos e entrevistas (cf. Araújo, 2000).
Embora seja um fato sociologicamente importante que os brasileiros evitem
expressar verbalmente o que entendem ser preconceito racial, o fato de que os
brancos continuam tendo acesso privilegiado às oportunidades sociais convida à
reflexão sobre os limites das concepções que vêem o racismo apenas como
resultado de atitudes e atos individuais, sem atentar para a dinâmica
estrutural que extrapola essa dimensão individual. Em termos de políticas, a
questão que imediatamente se coloca é que embora seja necessário o compromisso
individual com a recusa do preconceito e da discriminação esse compromisso não
é suficiente para alterar a estrutura racialmente desigual da sociedade
brasileira.
O fato de que os brasileiros neguem que sejam "racistas", e que mesmo os negros
neguem que tenham sofrido discriminação racial, não é algo que pode ser
considerado novo. A maior novidade é o reconhecimento público de que o racismo
é um problema presente na sociedade brasileira, fato que, segundo Guimarães
(1998), depende da interação de pelo menos três agentes principais: os
movimentos sociais em prol da cidadania, o discurso dos intelectuais,
principalmente os cientistas sociais, e a opinião pública internacional. As
evidências de que a maioria da população brasileira, embora com graus
diferenciados, percebe a existência do racismo suscita novas questões no debate
teórico sobre as atitudes raciais.
Nas definições que estão sendo popularizadas o racismo tem sido entendido como
sinônimo de preconceito e discriminação, e não mais como sinônimo de
segregação. Estamos diante, portanto, da percepção do "racismo de atitude", mas
restaria analisar até que ponto há percepção do "racismo de sistema" (ou
"racismo institucional"). Isso é muito importante tendo em vista que a mudança
das atitudes individuais ' no sentido de menor verbalização dos estereótipos
negativos associados aos negros e de maior aceitação da proximidade social '
não tem sido acompanhada da diminuição das desigualdades raciais que
continuaram a crescer durante as décadas de 1980 e 1990. Nesse novo contexto, é
crucial que compreendamos melhor a relação existente entre as atitudes
individuais e a dinâmica estrutural, evitando o reducionismo individualista ou
estruturalista.
Acreditamos que os resultados da análise que apresentamos neste texto
exemplificam bem algumas das dificuldades enfrentadas pelas pesquisas empíricas
voltadas para a mensuração do preconceito ou discriminação raciais, que já têm
sido destacadas por diversos autores (Elias, 2000; Goldberg, 1990). No entanto,
acreditamos que outros temas permanecem pouco explorados nos estudos sobre o
racismo no Brasil, como as explanações para as desigualdades, as preferências
em termos de políticas raciais e as explanações para tais preferências. A
pesquisa realizada pelo CEAP-DATAUFF avançou um pouco nesta direção ao incluir
perguntas sobre o apoio a diferentes propostas de ação afirmativa. Isto é algo
importante e reflete a ampliação do debate sobre o tema na sociedade, seja por
iniciativa de organizações anti-racistas, de pesquisadores, ou de agências
governamentais.13 Uma análise preliminar revela que: i) ainda é grande o
desconhecimento sobre as políticas de ação afirmativa; ii) e que entre aqueles
que já ouviram falar do assunto, as opiniões estão divididas. A pesquisa CEAP-
DATAUFF aponta que 60% dos entrevistados não tinham ouvido falar sobre os
projetos que previam a reserva de vagas para os negros nas universidades e no
mercado de trabalho, e que existe uma tendência de apoio às políticas que
franqueiam o acesso de negros às universidades públicas e à participação em
comerciais de TV ' respectivamente 55,8% e 63,8%. Ao contrário do que se
poderia esperar, não foi possível identificar uma correlação positiva entre
percepção do racismo e apoio à implementação de políticas de ação afirmativa,
fato que sugere a necessidade de investigar que outros fatores estariam
influenciando as preferências dos entrevistados.
Notas
1. A pesquisa aplicou dois modelos de classificação de cor para identificar os
entrevistados. O objetivo era, de um lado, investigar a política de identidade
racial entre a população do Estado do Rio de Janeiro e, de outro lado, testar a
acuidade da metodologia de classificação segundo cor e raça utilizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ' IBGE nos seus levantamentos
censitários. No primeiro método, o entrevistador indicava a cor do entrevistado
considerando a classificação do IBGE, cujas categorias são: branco, preto,
pardo, amarelo e indígena. Neste levantamento contou-se: 42,8% de brancos,
40,4% de pardos, 16,2% de pretos, 0,5% de indígenas e 0,2% de amarelos. No
segundo método, o próprio entrevistado foi solicitado a escolher uma das opções
utilizadas pelo IBGE. Para fins de nossas análises neste trabalho utilizamos o
segundo modelo, buscando, dessa forma, não somente evitar algum viés que
porventura tivesse ocorrido na produção do dado por parte do entrevistador, mas
objetivando trabalhar com evidências empíricas que permitissem comparações com
outros estudos. A título de referência, segundo o Censo 2000, o Estado do Rio
de Janeiro tem 14.391.282 habitantes. Entre os que responderam ao quesito
"cor", 53,9% são brancos, 33,7% pardos, 10,9% pretos e menos de 1% amarelos e
indígenas. A respeito do debate sobre as classificações da cor no Brasil, ver
Piza (2000), Petruccelli (2002), Guimarães (1999), Sansone (1996) e Silva
(1994).
2. Ver a esse respeito Nogueira (1942); Bicudo (1947); Willems (1949); Morse
(1953); Bastide (1956); Bastide & Fernandes (1959); Bastide & Van den
Berghe (1957); Cardoso & Ianni (1960).
3. Essa pesquisa foi realizada como parte do ciclo de estudos da UNESCO, por
Lucila Hermann, nos anos 1950. Foram aplicados questionários a uma amostra
intencional formada por 580 estudantes "brancos", de cinco colégios de São
Paulo.
4. Para atualizações em torno do tema da desigualdade racial ver Henriques
(2001) e Silva (2000).
5. A literatura que trata dos estudos atitudinais discute a existência do
"efeito da desejabilidade social", que provoca um viés no sentido de favorecer
a escolha das opções que indicam concordância com as normas socialmente
aceitas. Alguns estudos experimentais têm mostrado que esse efeito é mais
acentuado quando se trata de "temas sensíveis" (uso de drogas, AIDS,
sexualidade, racismo etc.) e afeta especialmente o segmento da população que
tem nível de escolaridade mais elevado (Dovidio & Fazio, 1992).
6. Ver a este respeito Sears, Sidanius & Bobo (2000); Schuman, Charlotte
& Bobo (1997) e Sigelman & Welch (1991).
7. Visto por outro ângulo, isto quer dizer que 89,2% dos entrevistados
afirmaram que nunca sofreram com o sexismo, 84% afirmaram que nunca se sentiram
discriminados devido a fatores raciais e 69% afirmaram que jamais depararam com
a discriminação de classe.
8. Tratando da percepção da discriminação racial, uma pesquisa de base amostral
realizada em 1986, em São Paulo, mostrou que, apesar de no plano genérico, dos
"direitos", se afirmar a existência da igualdade entre "negros" e "brancos",
quando eram colocadas situações mais específicas, como o tratamento policial,
havia reconhecimento da existência de discriminação racial. Este reconhecimento
ocorria, independente da cor, e crescia com a renda e o grau de instrução
(Hasenbalg & Silva, 1993).
9. Ver, a respeito, Piza (2000).
10. Num estudo sobre o preconceito e a discriminação racial com base nas
queixas de ofensas e tratamento desigual dos negros no Brasil, Guimarães notou
que as mulheres eram mais queixosas que os homens, bem como que a discriminação
racial tende a ocorrer "entre pessoas de status de classe assimétrico, ou
ocupando posições assimétricas de poder" (Guimarães, 1998:57).
11. Esta aproximação também tem sido apontada em pesquisas sobre valores e
atitudes políticas (Araújo et alii, 2000).
12. Em pesquisa realizada com estudantes universitários de São Paulo, Schwarcz
chegou aos seguintes resultados: diante da pergunta "Você tem preconceito?" 97%
dos estudantes entrevistados respondeu "Não"; diante da pergunta "Você conhece
alguém que tenha preconceito?" 98% respondeu "sim". Embora a pesquisa não
permita saber de que maneira o preconceito racial foi definido pelos
entrevistados, fica evidente que o racismo é visto sempre como algo que atinge
o outro, e do qual o próprio indivíduo está livre.
13. Ver a esse respeito, Silva (2002), Moehlecke (2000), Fry (2000), Guimarães
(1999), Reis (1997) e DaMatta (1997).