Museus brasileiros e política cultural
Introdução
A maior parte dos museus mineiros parece estar empobrecida. As
construções estão muitas vezes em um estado de conservação precário e
as exposições "fora de época", oferecendo pouca informação
contextual. Poucos museus fornecem detalhes sobre a natureza,
objetivo e origem das suas coleções. As etiquetas são pouco
freqüentes e limitadas a uma nota batida à máquina dando o título e,
às vezes, a data e procedência do objeto (Dickenson, 1994).
Ao longo da década de 1970, foram correntes as críticas, oriundas dos mais
diversos campos do saber, aos museus. Dizia-se que os museus representavam os
lugares das histórias oficiais, do autoritarismo das elites ou ainda das
sociedades sem história. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de
massa, diagnosticava-se o seu desaparecimento. Segundo um dos diretores do
Museu Britânico, a imagem de sua instituição na época era a de uma instituição
poeirenta, atrasada, repleta de múmias decadentes e mármores sem sentido
(Wilson, 1989). Atualmente, observamos o que muitos denominam como sendo a era
dos museus e, embora o papel desempenhado por eles ainda seja criticado,
principalmente por aqueles que têm ressalvas à indústria cultural, é notório o
sucesso dos museus junto ao público e crescente o número de análises que o
consideram um espaço dinâmico e criador de narrativas culturais múltiplas,
capazes de atender a um público diferenciado (MacDonald, 1996).
Ao analisar as transformações das últimas décadas, Huyssen ressalta que,
talvez, pela primeira vez na história, o museu, em seu sentido mais amplo,
tenha assumido o lugar do filho favorito entre as instituições culturais. O
museu, como espaço da preservação da cultura das elites e do discurso oficial,
teria sido substituído por uma instituição que se abre aos meios de comunicação
de massa e ao grande público. O autor oferece-nos um diagnóstico da
transformação do papel social dos museus em sociedades contemporâneas e abre um
leque de possibilidades e desdobramentos às práticas expositivas (Huyssen,
1995). Mas o que sabemos nós sobre os museus brasileiros?
No Brasil, observamos, na última década, uma série de estudos importantes que
nos fornecem análises instigantes sobre a constituição dos museus no século
XIX, sua relação com as instituições acadêmicas e seu papel na constituição da
nação (Schwarcz, 1993; Abreu, 1996; Gonçalves, 1996; Lopes, 1997; Santos, 2000;
Williams, 2001). Alguns estudos têm sido produzidos pelos próprios
profissionais de museus que, incorporando as contribuições das ciências
sociais, procuram compreender o papel desempenhado pelos museus no mundo
contemporâneo (Bezerra, 1993; Chuva, 1995; Chagas, 2001). Ainda são poucos os
estudos, no entanto, que procuram relacionar as práticas desenvolvidas pelos
museus a transformações recentes, como enfraquecimento de políticas públicas,
fortalecimento do liberalismo econômico e consolidação de um mercado
transnacional (Arantes, 1991; Almeida, 1991). Aqueles que analisam os processos
de mundialização, globalização ou mesmo de formação de contextos pós-coloniais
destacam as mudanças ocorridas nas esferas da economia, da política, do
trabalho e mesmo da cultura, mas ainda não incluíram os museus brasileiros como
parte desses processos. A contribuição existente é composta, em grande parte,
de análises pontuais sobre determinado tipo de museu, ou práticas específicas.
Nelas, os museus brasileiros estão longe de serem caracterizados como
instituições culturais de grande sucesso. Alguns observam a indiferença do
público diante das modificações implementadas nos museus e do conteúdo
simbólico dos objetos, que deveriam representar valores e práticas consolidados
socialmente (Santos, 1992). Outros enfatizam a situação precária dos museus que
não apresentam condições de montar exposições atrativas ao público (Dickenson,
1994) e outros ainda os problemas relacionados ao público (Almeida, 2002).
O objetivo deste artigo é dar alguns passos na tentativa de consolidar uma
análise de práticas, estruturas e processos presentes entre os museus
brasileiros, tendo em vista as transformações por que passa a sociedade
brasileira. Essas reflexões envolvem necessariamente a relação dos museus com o
Estado e com o mercado. No Brasil, há uma forte tendência a se privilegiar nos
estudos das questões nacionais as suas especificidades constituintes, sejam
elas nacionais, regionais, sejam locais. Há quase uma rejeição obsessiva a
estudos que entrelaçam questões nacionais a estruturas e processos mais amplos.
A análise desenvolvida aqui de certa forma transgride essa regra, pois embora
considere fundamental a constituição singular e histórica dos museus
brasileiros, também incorpora elementos intrínsecos ao campo específico da
museologia, que rompem fronteiras nacionais, assim como transformações nas
esferas econômicas, políticas e sociais, que também não se restringem ao
cenário nacional.
Antes de iniciarmos a análise proposta, um esclarecimento precisa ser dado
sobre os dados utilizados neste trabalho. Há hoje um número superior a 1.200
museus no país e o levantamento do número, tipo e práticas desenvolvidas por
eles requer um aparato institucional especializado. Apesar de mais de 80% dos
museus brasileiros serem ainda instituições públicas, nós não encontramos na
esfera governamental, no âmbito municipal, estadual ou federal, nem
levantamento de dados sobre os museus existentes, nem estudos ou avaliações
sobre as práticas desenvolvidas por eles. Exceção seja feita ao Sistema
Estadual de Museus do Rio Grande do Sul que tem realizado um esforço
significativo nesse sentido. De qualquer forma, em termos nacionais a fonte de
dados mais completa sobre museus brasileiros no momento é aquela que foi
disponibilizada ao público pela Comissão do Patrimônio Cultural, da
Universidade do Estado de São Paulo (CPC/USP).1
A precariedade e a irregularidade dos dados relativos a atividades
desenvolvidas pelos museus no Brasil também têm sido apontadas por
investigações históricas, em que os autores estão interessados em reconstituir
o papel dos museus em contextos anteriores (Williams, 2001). Os dados
existentes em relação tanto ao passado como ao presente são, portanto,
fragmentados e incompletos, o que dificulta análises sobre o tema. Em relação
às diferenças regionais, por exemplo, muito não pode ser afirmado por falta de
dados.2
As dificuldades aqui apresentadas não são casuais, como veremos a seguir elas
expressam em parte a precariedade de um campo cultural que ainda procura
caminhos para garantir sua legitimidade junto à sociedade brasileira. Mas é
importante ressaltar que a falta de dados relativa aos museus fez com que
apenas algumas hipóteses explicativas e correlações começassem a ser esboçadas;
iniciativa esta que foi desenvolvida em cinco etapas.
Em primeiro lugar, procurou-se mostrar, embora resumidamente, uma visão geral
sobre a constituição histórica e social dos museus brasileiros, observando que
este processo envolve aspectos específicos da nação e outros que se referem à
relação entre nações. O segundo passo foi analisar a distribuição desigual dos
museus brasileiros, por região, ao longo dos anos, fato este que é mantido e
mesmo ampliado nas últimas décadas. A partir desta análise também foi possível
traçar algumas correlações entre os perfis dos museus brasileiros e o
desenvolvimento cultural e econômico do país.
A seguir, procurou-se analisar o grande crescimento do número de museus a
partir dos anos de 1980, fenômeno este observado não só no Brasil, mas também
em diversas partes do mundo. Uma das características apontadas pela nova
museologia corrente, que tem se fortalecido em diversos países nas últimas
décadas, diz respeito à preocupação crescente em responder às expectativas do
público e oferecer práticas interativas como alternativa aos discursos
fechados. O que acontece no Brasil? A partir de dados quantitativos disponíveis
e de uma pesquisa realizada a partir da observação participante do público de
três grandes museus brasileiros ' Museu Nacional, Museu Paulista e Museu da
República ', algumas considerações foram traçadas sobre as práticas
desenvolvidas por esses museus em relação a seu público. Finalmente, argumenta-
se que a compreensão da relação entre museus e público também requer
informações sobre o processo de legitimação das instituições museais junto aos
diversos setores da população brasileira, o que implica considerarmos políticas
culturais desenvolvidas pelo Estado em relação ao sistema de museus existente
no país.
Museus brasileiros sob uma perspectiva histórica
Um conjunto considerável de estudos tem apontado a forte relação entre museus e
a formação dos Estados nacionais (Gillis, 1994; Evans e Boswell, 1999). Alguns
deles, influenciados pelo trabalho de Foucault, apontam a maneira pela qual os
museus, assim como outras instituições públicas abertas ao público, foram
capazes de ordenar, civilizar e disciplinar grandes setores da população.
Apontam ainda que essas instituições foram importantes para a consolidação do
conhecimento enciclopédico (Bennett, 1995; Duncan, 1995). O primeiro grande
museu nacional criado no Brasil pode ser compreendido como sendo parte desse
contexto. Em 1818, D. João VI criou no Brasil o Museu Imperial, um museu de
história natural que tinha um grande intercâmbio com os grandes museus de
história natural estabelecidos na Europa. Após a República, ele passou a ser
denominado Museu Nacional. Este primeiro museu brasileiro de história natural
seguiu os critérios da universalidade do conhecimento, também presentes entre
os grandes museus de história natural que se consolidavam na Europa (Lopes,
1997).
No final do século XIX, o Brasil tinha aproximadamente dez museus, e, com
exceção do Museu Naval e Oceanográfico (1868) e do Museu da Academia Nacional
de Medicina (1898), todos os demais tinham alguma relação com as práticas
classificatórias dos elementos encontrados na natureza. Além do Museu Nacional,
os outros dois grandes museus brasileiros eram o Museu Paulista (1895) e o
Museu Goeldi (1866). Todos os três foram constituídos como museus de história
natural. Há, contudo, tanto aspectos comuns como especificidades a serem
consideradas em relação aos museus brasileiros. Embora também houvesse
importantes museus de história natural na Europa, os grandes museus nacionais
não eram aqueles que mostravam a flora e a fauna de cada nação, ou mesmo do
mundo, mas as riquezas culturais de cada Império. No Brasil, o Museu Nacional
era o museu que guardava a riqueza natural, inicialmente, do Império, e, mais
tarde, da República. O perfil deste museu indicava a importância dos recursos
naturais para o novo Estado que se consolidava e a relação de desigualdade na
constituição de perfis nacionais (Santos, 2000). Em países com herança
arqueológica pré-Colombiana, como México, Peru, Bolívia e Guatemala, museus de
arqueologia tornaram-se os mais importantes de cada nação.
Os museus latino-americanos podem ser compreendidos como parte das narrativas
nacionais constituídas a partir de regimes de poder que entrelaçavam de forma
desigual antigas metrópoles e suas colônias (Pratt, 1999; Mignolo, 2000).
Também em relação à constituição das nações latino-americanas é preciso
considerar que o Brasil ocupou um lugar cujas especificidades precisam ser bem
demarcadas. Se houve uma tendência nos países que declaravam a independência
das matrizes colonialistas em criar um conjunto de símbolos que lhes desse
autonomia por meio da ruptura radical com a antiga metrópole (Lowenthal, 1976),
no Brasil, esses símbolos criados após a declaração da Independência marcaram a
singularidade do Império, ou seja, um novo Estado que não procurava a ruptura
radical com Portugal.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao caráter acadêmico dos museus de
história natural no Brasil. São muitos os relatos de época que nos mostram que
esses museus, durante o Império, estiveram mais voltados para a pesquisa do que
para o grande público (apud Santos, 2000). Não há estudos sobre o público
desses museus durante a República Velha, mas a grande virada dada pelos museus
europeus após a migração dos estudiosos das ciências naturais para as
universidades, quando grandes dioramas e modelos explicativos passaram a
priorizar o grande público, não parece ter sido a regra no Brasil. A
distribuição desigual e hierárquica de renda e educação no país também é um
fator importante a ser contemplado para compreendermos o porquê de os museus
permanecerem voltados para um público mais seleto de interessados. No Brasil,
diferentemente de outros países, a função principal do museu dificilmente
poderia ser associada à imposição de práticas disciplinares sobre amplos
setores da população, pois o caráter de grande escala das visitações não parece
ter sido uma característica a ser destacada nos museus.
Em 1922, Gustavo Barroso, ao criar o Museu Histórico Nacional, foi responsável
pelo estabelecimento de um marco que anunciava uma nova era de museus nacionais
no Brasil. O acervo deixava de ser constituído por elementos da natureza e
passava a ser de objetos que representassem a história da nação. Esta,
entretanto, privilegiou o legado da elite brasileira, assim como seus feitos
históricos, mantendo à parte a participação popular. A homenagem à tradição e
ao Império serviu também de base ao discurso nacionalista conservador e
elitista que Barroso vinha defendendo há alguns anos. Como conseqüência, a
grande maioria da população ficou simplesmente do lado de fora do museu
(Williams, 2001, p. 149). Em 1922, também era inaugurada no Museu do Ipiranga
uma seção de História. Sob direção de Affonso de Taunay, o Museu do Ipiranga
desviava-se da ênfase que fora dada nos primeiros anos às ciências naturais,
passando a priorizar coleções relacionadas à história de São Paulo.3 Mas foi
ainda Barroso que exerceu papel importante na configuração dos demais museus.
Ele foi o responsável pela criação do Curso de Museus, que, entre 1932 e 1970,
formou técnicos para todo o país. A ideologia patriótica, hierárquica,
romântica, anticosmopolita e conservadora de Barroso manteve-se presente na
criação, em 1934, da Inspetoria dos Monumentos Nacionais.
O modelo implantado por Barroso conviveu em certa medida com o dos modernistas
que orientaram e dirigiram o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), criado em 1937.4 Tal como Barroso, o ministro Gustavo
Capanema compreendeu a preservação do patrimônio como parte da construção do
Estado e de formação da nação. A nova política de preservação do patrimônio
continuou a priorizar os vínculos com fatos e personagens históricos que
representassem a nação, como defendia Barroso, mas desenvolveu uma concepção
distinta do que seria relevante para a nação: novos eventos históricos e heróis
foram priorizados e passou-se a dar ênfase ao rigor da pesquisa no tratamento
histórico e cultural da nação.
A institucionalização da proteção do patrimônio histórico e artístico nacional
ficou a cargo de Mário de Andrade e de Rodrigo Mello Franco de Andrade. O
primeiro foi o responsável por projetar a criação do Serviço do Patrimônio
Artístico Nacional (SPAN), procurando juntar o popular ao erudito, valorizando
os aspectos da cultura considerados até então menos nobres; e o segundo foi o
diretor do SPHAN por trinta anos, do momento de sua fundação até 1967.
Procurava-se instituir coleções nacionais capazes de sustentar a diversidade
cultural do país. Nas palavras de Bomeny, "uma elástica e inesgotável
capacidade de inclusão orienta a concepção de patrimônio de Mário de Andrade"
(Bomeny, 1995, p. 18).
Os modernistas mineiros valorizaram a herança barroca do estado de Minas Gerais
como elemento genuinamente nacional. A política de preservação do patrimônio
cultural tombou inúmeros prédios e sítios históricos e criou um grande número
de museus. Entre eles, o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro; o
Museu das Missões, no Rio Grande do Sul; e os Museus da Inconfidência e do
Ouro, em Minas Gerais. Os primeiros museus de Arte Sacra no Brasil datam desse
período. Os museus brasileiros modificaram e diversificaram suas narrativas,
abandonando antigos heróis nacionais e erigindo representantes mais populares
da nação.
Segundo Williams, os museus criados após 1945 não eram mais tão nacionalistas
como aqueles do período Vargas (Williams, 2001, p. 191) e, embora mantivessem à
margem os setores menos privilegiados da nação, eles ofereciam novas
oportunidades em termos de visitação, patronato cultural e formação de classe.
No campo da arte, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter um
conjunto de importantes museus e uma Bienal capazes de aglutinar um acervo
significativo de obras de arte nacionais e estrangeiras, clássicas e
contemporâneas. Destacam-se o Museu de Belas Artes, estabelecido em 1937, o de
Arte de São Paulo (MASP), 1947, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1948,
majorando seu prestígio com a organização das bienais internacionais a partir
de 1951,5 e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1948. É interessante
notar que os três últimos museus foram fundados entre 1946 e 1948 e fazem parte
do restritíssimo número de museus fortemente beneficiados pelo investimento
privado. No período pós-guerra, a presença de empresários estrangeiros e dos
poderosos grupos da imprensa que se formavam, como Estado de São Paulo e
Diários Associados, foi responsável pelo investimento privado em museus de arte
não só no eixo São Paulo-Rio de Janeiro, mas também em Campinas, Pernambuco e
Paraíba.
Não há muitos dados disponíveis sobre as transformações ocorridas nos museus
brasileiros no período pós-guerra. Mas alguns dados sobre a organização dos
museus na esfera internacional podem nos oferecer algumas sugestões sobre
algumas medidas implementadas por órgãos públicos federais. Em 1946, reunindo
representantes de 147 países, foi criado o Conselho Internacional de Museus
(ICOM), uma organização não governamental que mantém relações formais com a
Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). O
ICOM tem definido desde então linhas mestras que exercem alguma influência
sobre as práticas desenvolvidas pelos profissionais de museus. O Brasil faz
parte do Conselho Internacional de Museus desde sua criação, participando da
construção de definições e metas específicas a serem alcançadas.
A partir da definição básica de museu como instituição permanente, que adquire,
conserva, pesquisa, transmite e expõe testemunhos materiais do homem e do seu
meio ambiente, diversos adendos foram realizados, ampliando a diversidade do
que se compreendia por museu, assim como seus vínculos e responsabilidades em
relação à sociedade. Atualmente podem ser consideradas instituições museais não
só monumentos, jardins botânicos e zoológicos, aquários, galerias, centros
científicos, planetários, reservas naturais, como também centros culturais,
práticas culturais capazes de preservar legados intangíveis e atividades
criativas do mundo digital.
Além disso, se observamos as diversas resoluções adotadas pelas conferências
gerais, podemos constatar que o papel a ser atribuído aos museus tem sido
objeto de grandes debates. Nas décadas de 1950 e 1960, a grande ênfase era dada
à conservação das coleções e ao papel educacional dos museus. Eles, entretanto,
entraram em crise na década de 1970, quando se passou a criticá-los como
instrumentos de veiculação de discursos oficiais, e, então, novas propostas de
intervenção na sociedade surgiram. Segundo Hughes de Varine, a mesa-redonda
organizada pela Unesco em cooperação com o ICOM, em Santiago de Chile, em 1972,
pode ser considerada um marco que estabelece as fronteiras entre a museologia
das coleções e aquela que concebe o museu como instrumento de desenvolvimento
social:
Os museólogos latino-americanos presentes [...] tomaram consciência
de que não conheciam as cidades onde habitavam, onde trabalhavam,
onde haviam educado seus filhos. [...] Em Bogotá, como em Quito, eles
estavam "sentados" sobre toneladas de outro pré-colombiano; no Brasil
ou na Argentina, eles eram responsáveis pelas coleções de Belas Artes
ou de espécimes científicos; no México, o público era constituído
mais por turistas "gringos" que por índios, cuja herança estava
representada na sala (Varine, 1995, p. 18).
A transferência de foco das coleções para a comunicação e para a necessidade do
visitante, neste período, tem sido ressaltada por diversos autores (Lumley,
1988; Hooper-Greenhill, 1996). Conceitos como os de museu integral, patrimônio
global e ecomuseu entraram para o campo de preocupações dos profissionais de
museu. Em países europeus e norte-americanos, os debates dos anos de 1970
parecem ter influenciado uma nova diretriz teórica, mais tarde consolidada e
conhecida como nova museologia, que apresenta aspectos associados às
democracias liberais consolidadas nesses países.
A partir da década de 1970, as novas práticas desenvolvidas nos museus
priorizam o respeito à diversidade cultural, a integração dos museus às
diversas realidades locais e a defesa do patrimônio cultural de minorias
étnicas e povos carentes. Mais do que isso, os museus modificaram a relação
cotidiana entre profissionais de museus, exposições e público. A tarefa
educativa passou a ser compreendida a partir do diálogo com o público e de
práticas interativas. Objetos, práticas e costumes passaram a estar
subordinados a uma resposta mais ativa do público. As narrativas produzidas
tornaram-se temas de debate que fazem parte da agenda política contemporânea.
No Brasil, o discurso desenvolvimentista foi incorporado, por exemplo, por
dirigentes de museus históricos, que passaram a substituir antigos discursos
enaltecedores de heróis e feitos históricos por aqueles mais próximos da nova
historiografia (Santos, 1992). A crise dos anos de 1970 de certa forma foi
superada. Quando observamos o crescimento dos museus ao longo do século XX, o
aspecto a ser destacado é que a maior parte deles, isto é, 81,24% dos museus
atualmente existentes, foi criada apenas nas últimas quatro décadas (Figura_1),
sendo que o grande aumento do número de museus ocorreu nos anos de 1980, com
uma queda desse crescimento na década seguinte.
O número cada vez maior de museus a partir dos anos de 1980 não foi uma
peculiaridade brasileira. Esse fenômeno foi analisado em diversas regiões do
mundo como sendo uma resposta a demandas mais localizadas e como parte de um
movimento que tornou mais diversificado o processo de preservação do passado.
Em 1991, German Vittae, responsável pelos museus locais na França, diagnosticou
o grande crescimento do número de museus em pequenas cidades na França. Segundo
ele, os franceses passaram a procurar as fontes patrimoniais que permitissem a
afirmação de seu passado. O aumento dos museus locais representaria a abertura
de lugares de convívio, dando espaço tanto para o fortalecimento de auto-estima
e criatividade, como para manifestações solidárias (Ministère de la Culture et
de la Communication, 1991, p. 71).
Observamos na última década uma grande transformação no perfil dos museus
europeus e norte-americanos, que se multiplicaram, democratizaram seus
discursos e abriram suas portas para um público bem maior. Não seria exagerado
afirmar que os museus, entre as instituições culturais contemporâneas, foram
aqueles que melhor se adaptaram ao mundo atual. Entretanto, enquanto para
alguns autores vivemos hoje um momento de democratização dos processos de
preservação da memória, para outros, o mundo contemporâneo é o da fragmentação
cultural.
Poderíamos compreender o boom dos museus na década de 1980 tanto a partir de um
processo de comercialização das narrativas e dos elementos simbólicos
preservados pelos museus, que passaram a captar grandes investimentos e atrair
um número considerável de visitantes, como a partir do fortalecimento de
demandas específicas e locais, que diversificaram uma memória anteriormente
calcada em narrativas nacionalistas autoritárias. A esse respeito, é necessário
que se faça estudos mais aprofundados, com acesso a dados quantitativos e
qualitativos, para que possamos compreender melhor o crescimento do número de
museus no Brasil nas últimas décadas.
Ainda assim, podemos afirmar que as transformações ocorridas no Brasil como nos
demais países latino-americanos parecem não ter tido tanto sucesso como nos
países mais desenvolvidos economicamente. Em 1992, conforme assinalado por
profissionais da área na Declaração de Caracas, os museus latino-americanos
continuavam em crise, carentes de recursos financeiros e de uma política
cultural coerente.
[...] na América Latina os museus, geralmente, não são conscientes da
potencialidade de sua linguagem e de seus recursos de comunicação, e
muitos não conhecem as motivações, interesses e necessidades da
comunidade em que estão inseridos, nem seus códigos de valores e
significados (Araújo, 1995, p. 40)
Nas seções seguintes, procuraremos analisar alguns dados relativos à
localização geográfica dos novos museus criados no Brasil, tipos de
investimentos realizados e público alcançado.
Diferenças regionais e sociais
Com base nos dados da Comissão do Patrimônio Cultural, da Universidade do
Estado de São Paulo (CPC/USP), de 1997, foram construídos dois gráficos sobre a
distribuição de museus pelos estados do Brasil. Eles indicam que não só há uma
concentração das instituições que preservam a memória nas regiões Sul e Sudeste
(Figura_2), mas que esse padrão de desenvolvimento se intensifica nas últimas
décadas (Figura_1). Outro item considerado foi a concentração populacional. Não
há uma correlação linear entre a concentração populacional nas regiões Sul e
Sudeste e número de museus. Quando medimos o número de museus em relação às
populações de cada estado, observamos que a Região Sul, muito menos populosa do
que a Região Nordeste, tem índices grandes de concentração de museus (Figura
3).
A distribuição dessas instituições parece obedecer prioritariamente o critério
do poder financeiro e cultural. As regiões que têm o maior número de museus '
Sudeste e Sul 'detêm respectivamente 59,4% e 15,9% do PIB do país. Também são
os estados destas regiões que têm menor taxa de analfabetismo e maior índice de
urbanização (IBGE, 1997). Entre as análises sobre museus, têm recebido bastante
destaque aquelas influenciadas pelas pesquisas de Bourdieu e sua equipe (cf.
Bourdieu e Darbel, 1969). Esses pesquisadores mostram que os museus de arte na
França deveriam ser considerados instituições detentoras de capital cultural,
capital este disputado entre os diversos setores da população e utilizado na
reprodução e na manutenção de hierarquias sociais. A associação feita por
Bourdieu entre disputa por capital simbólico e obtenção de prestígio sem dúvida
oferece uma boa explicação para a concentração dos museus nas regiões mais
ricas do país.
Observando, entretanto, a Figura_3, podemos perceber que, no Brasil, o
desenvolvimento econômico de cada região e a associação entre museu e capital
cultural não podem ser considerados os únicos elementos a explicar a
concentração de museus em uma determinada região. O Rio de Janeiro, estado que
possui o segundo maior PIB do país e um acervo cultural importante por ter sido
capital federal durante longo período, não apresenta a maior concentração de
museus. Tampouco São Paulo, que tem o maior PIB do país e tem um investimento
em museus de arte sem competidores nos outros estados. Os estados que
apresentam um maior número de museus por habitante são Minas Gerais, Rio Grande
do Sul, Paraná e Santa Catarina. É necessário, portanto, analisarmos outros
elementos capazes de influenciar a multiplicação do número de museus nas
últimas décadas, especialmente no que tange ao desenvolvimento histórico e
cultural de cada região.
Infelizmente, não há dados suficientes para que possamos caracterizar uma
situação mais precisa do funcionamento dos museus nestes estados.
Trabalharemos, portanto, com os dados disponíveis com o intuito de apresentar
algumas tentativas de interpretação da situação atual por que passam os museus
no país. Em relação a Minas Gerais, por exemplo, o primeiro fator a ser
considerado é que o número maior de museus que foi listado pode ser resultado
do retorno mais eficiente de questionários, devido a um acordo específico
realizado entre a CPC e a Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais.
Ainda assim, pode-se considerar que mesmo que haja uma margem de erro, esta
dificilmente seria suficiente para explicar o grande número de museus em Minas
Gerais.
Há um estudo interessante que analisa o desenvolvimento histórico dos museus em
Minas Gerais e tenta traçar seu perfil, embora não lide com dados estatísticos,
comparativos, nem tenha como foco a distribuição dos museus no estado
(Dickenson, 1994).6 De qualquer forma, esse estudo assinala corretamente que
são os museus de arte sacra que cumprem o papel de destaque entre os museus
mineiros. Como vimos, a concentração de museus em Minas poderia ser explicada
pela política de preservação do SPHAN, que valorizou os monumentos relacionados
ao período colonial e à arte barroca concentrados em Minas Gerais.
Entretanto, também nesse estado o aumento do número de museus ocorreu após a
política preservacionista dos modernistas. Os dados mostram que 77,86% dos
museus foram criados a partir de 1960 e 35,11%, a partir de 1988. Além disso,
constata-se que crescimento foi progressivo e descentralizado. Dos 46 museus
criados após 1988, apenas quatro se localizam em Belo Horizonte (8,69%). Esses
dados indicam que pequenos museus foram criados por autoridades locais. As
prefeituras de Lagoa Santa, Pouso Alegre, Bom Jesus, Divinópolis, Machado,
Miraí e muitas outras pequenas cidades abriram seus museus. A Constituição de
1988, ao possibilitar uma maior autonomia dos governos municipais, certamente
exerceu um papel importante a esse respeito. Ainda que estudos qualitativos
fossem desejáveis para melhor caracterizar os novos museus municipais,
acreditamos ser possível afirmar que em sua grande maioria trata-se de pequenas
instituições que agregam objetos que, de alguma forma, dão destaque ao
município no contexto nacional. De um modo geral, apresentam um acervo
eclético, constituído de objetos de personagens locais, dos processos de
colonização, de minérios ou mesmo da arte já consagrada como sendo nacional,
seja ela erudita, seja popular.
Nos estados do Sul, observamos o maior número de museus proporcionalmente ao
número de habitantes (Figura_3). Em Santa Catarina, 74,36% dos museus
existentes foram criados nas últimas três décadas. Desses, apenas 15,38%
localizam-se em Florianópolis. Há também um aumento do número de museus criados
por empresas privadas. O padrão de crescimento no Rio Grande do Sul e no Paraná
acompanham o modelo descrito, ou seja, o de multiplicação acelerada de museus
locais nas três últimas décadas, subsidiados por governos estaduais e
municipais, como também crescimento do número de museus sustentados por capital
privado.
Seria interessante observar o comportamento deste padrão de descentralização e
investimentos privados nos demais estados do Brasil. Entretanto, somente
existem esses dados para o estado do Rio de Janeiro (Braga, 2002), onde o
crescimento do número de museus apresenta características diferentes. Comparado
com o índice nacional, não houve neste estado um aumento significativo nas
últimas décadas (59,37%). Além disso, a grande maioria dos museus criados nas
últimas quatro décadas ainda se concentra na capital (79,49%). Ademais, o
crescimento não está associado a iniciativas municipais, mas o padrão se
confirma com relação à elevação dos índices de investimento privado. Enquanto
no período de 1960 a 1979 os museus criados foram majoritariamente financiados
por órgãos públicos, federais ou estaduais, no período subseqüente, isto é,
entre 1980 e 2000, um número bem maior foi resultado de iniciativa privada
(Tabela_1).
O Museu Internacional de Arte Naïf, o Museu H. Stern, o Museu Amsterdam Sauer
ou mesmo o Museu Casa do Pontal (arte popular) são instituições privadas,
localizadas na capital do estado e que atendem os setores de maior poder
aquisitivo da população. Além disso, embora não tenhamos dados estatísticos
sobre a forma de financiamento atual de todos os museus do Rio de Janeiro,
algumas entrevistas com diretores dos grandes museus nacionais indicaram, por
exemplo, que no Museu Histórico Nacional aproximadamente metade de seu
orçamento provém, atualmente, de empresas privadas.
Contudo, apesar da grande concentração de museus na capital, há algumas
transformações importantes decorrentes das práticas desenvolvidas nas últimas
décadas, qual sejam, maior diversificação e pluralidade da apropriação de bens
simbólicos. A criação do EcoMuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro, em 1983,
foi uma iniciativa de moradores do bairro periférico de Santa Cruz, e surgiu a
partir de demandas locais. Outro aspecto a ser ressaltado é que a temática
histórica e nacionalista, que ainda predominava nos museus do estado entre 1960
e 1980 (Museu da República, Museu do Primeiro Reinado, Museu Villa-Lobos), vem
sendo diversificada nas últimas décadas.
Apesar da escassez de dados comparativos entre regiões, podemos afirmar que,
primeiro, houve um crescimento acelerado no número de museus municipais, em
Minas Gerais; segundo, uma menor descentralização no Rio de Janeiro, embora
acompanhada de maior pluralidade temática e aumento de iniciativas privadas; e,
terceiro, uma descentralização dos museus paralelamente ao aumento de
investimentos privados, nos estados do Sul. Em contrapartida, Bahia, Pará e
Maranhão têm o menor número de museus por habitantes. A Bahia, embora tenha se
destacado como pólo de referência dos movimentos de fortalecimento da
identidade negra, é um estado de poucos museus. Em suma, os museus brasileiros
concentram-se nas regiões Sul e Sudeste, foram em sua maioria criados
recentemente, estão distribuídos pelos municípios e é significativo o
crescimento do investimento privado nessas instituições. Esse padrão é
compatível com o descrito em diversos países, onde ocorreu a descentralização.
Contudo, ainda não temos estudos qualitativos que nos forneçam instrumentos
para melhor avaliarmos se o crescimento do número de museus reflete interesses
econômicos, políticas locais clientelistas ou, ainda, iniciativas de diversas
comunidades em preservar sua memória. Essas iniciativas revelam sobretudo as
condições de organização, a disputa por reconhecimento e o fortalecimento de
auto-estima como um processo de negociação de narrativas constituídas de que
participam diversos setores da sociedade (MacDonald e Fyfe, 1996).
Os museus e seu público
Um dos dados mais simples utilizados para avaliar o desempenho dos museus diz
respeito a seu público. Segundo Almeida,
[...] nos últimos 25 anos, na Europa e América do Norte, houve um
grande aumento do número de pesquisas de público de museus, passando
de enquetes demográficas para estudos de comportamento,
personalidade, referências, reações e assimilações (Almeida, 1995, p.
325).
Ainda, segundo esta autora, as exposições recentes baseiam-se no processo de
comunicação e os profissionais têm aprimorado suas pesquisas sobre o perfil e
as expectativas do público visitante. Os museus hoje são instrumentos que
educam a partir da interação do visitante com o meio ambiente e por intermédio
da utilização de instrumentos dinâmicos e plurais. Enfatizam-se o potencial
multidimensional da visita e os processos afetivos e sensório-motores,
evitando-se disposições lineares, factuais e hierarquizadas. Além disso, faz
parte de práticas desenvolvidas nos museus a observação constante da resposta
do visitante aos estímulos apresentados. Como situar os museus brasileiros em
relação a essas práticas? Procuram eles atender as demandas da população? Quais
as práticas desenvolvidas?
No Brasil, não sabemos quantos são os museus, qual o acervo predominante, a
natureza jurídica da instituição, nem mesmo a data da criação. Tampouco temos
dados sobre público, objetivos traçados e resultados obtidos de grande parte
dos museus. Apesar de haver uma tradição de educação patrimonial no Brasil, e
de alguns museus, principalmente os de ciência, estarem incorporando novas
abordagens interativas com o público, estas ainda são práticas negligenciadas
pela maioria dos museus brasileiros. Almeida, por meio de levantamento
bibliográfico cuidadoso, destaca os poucos estudos sobre o comportamento do
público no Brasil, e chama atenção para o fato de que esses trabalhos não
produziram novas exposições, políticas culturais ou mesmo modificações nas
exposições anteriores, apontando a descontinuidade das mesmas (Almeida, 1995,
pp. 325-327).
Entre os museus que recebem, hoje, mais visitantes no Brasil estão o Museu
Paulista e o Museu Butantã, em São Paulo, o Museu da Inconfidência, em Minas
Gerais, e o Museu Imperial, no Rio de Janeiro. Esses museus recebem entre 200 a
300 mil visitantes por ano. Os grandes museus nacionais de países europeus e
norte-americanos recebem de 2 a 6 milhões de visitantes por ano, sendo uma das
atividades culturais de maior sucesso na disputa de público. O Museu do Louvre,
por exemplo, recebe mais ou menos o mesmo número de visitantes que a torre
Eiffel (Tabela_2).
Evidentemente que não podemos considerar esses números em termos absolutos e
comparar o número de visitantes do Louvre ou do British Museum com o do MAM ou
do Museu Nacional. Esses grandes museus europeus e norte-americanos agregaram
obras de arte e tesouros incalculáveis de diversas partes do mundo durante os
séculos XIX e XX, estão localizados em centros do capital financeiro e mundial,
cuja população tem um poder aquisitivo e demandas culturais muito diferentes
daquelas presentes na população brasileira. Além disso, não podemos levar em
consideração apenas números. Levar o grande público ao museu, ainda que
composto pelos diversos segmentos da população, não significa necessariamente
que se está democratizando a cultura, nem, muito menos, atendendo a demandas de
parcelas maiores da população. Pode-se estar apenas modificando a natureza da
exposição e transformando elementos culturais mais complexos em objetos
estereotipados a serviço apenas de práticas de consumo e distração. No entanto,
a diferença de público é tão grande que merece alguma atenção.
Na França, a relação entre o público visitante e a população mostra que 33% dos
franceses vão ao museu pelo menos uma vez por ano. Somente as salas de cinemas
conseguem atrair um público maior (Ministère de la Culture et de la
Communication, 2000). Na Inglaterra, os índices variam de 29 a 58%. No Canadá,
esse percentual atinge 50%. Nos Estados Unidos, o National Research Centre for
the Arts avaliou que 56% dos norte-americanos visitam um museu de história pelo
menos uma vez por ano (Hooper-Greenhill, 1996, p. 61). Observamos, ainda, uma
preocupação constante por parte tanto dos próprios museus, como das autoridades
governamentais em aumentar o percentual de visitantes. As autoridades francesas
associam a freqüência de 33% à indiferença do público. Por essa razão fomentam-
se debates públicos para buscar soluções nesse sentido. O ex-ministro Jack Lang
declarou inúmeras vezes à imprensa que os museus deveriam abrir suas portar
para o cidadão comum. Na Inglaterra, Matthew Evans, ao assumir a direção do
Museums, Galleries and Libraries Commission, após tomar conhecimento de que a
visita a museus tinha caído em 4%, declarou à imprensa que se o público não ia
a museus que estes fossem às escolas, pubs e lojas e procurassem expor nestes
estabelecimentos seu acervo. E toda essa preocupação se dá a partir de números
que mostram que a visita a museus e galerias tornou-se, entre as práticas
culturais, uma das mais procuradas nesses países. Quais os objetivos traçados
por cada museu brasileiro em relação aos visitantes? Evidentemente não podemos
generalizar, mas é possível descrever aqui o comportamento do público observado
em três museus brasileiros.8
O Museu Nacional, situado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, recebe em
torno de 75 mil visitantes por ano. À primeira vista, grande parte desse
público é constituído por estudantes, mas, segundo entrevistas realizadas com
profissionais e visitantes, constatou-se que se trata sobretudo de alunos das
escolas públicas próximas à Quinta da Boa Vista e de turistas ocasionais de
outros estados do Brasil. Estudantes de escolas privadas ou mesmo de escolas
públicas da zona sul são mais raros. Somente quando são produzidas exposições
temporárias com qualidade técnica elevada é que um público de estudantes de
melhor preparo acadêmico é atraído para o museu.
Um dos problemas apontados pelos visitantes foi o mau estado de conservação do
acervo. O museu, realmente, conta com sérios problemas de conservação tanto do
acervo como do próprio prédio, que foi o palácio imperial. Sanitários
encontram-se deteriorados; há falta de bebedouros, cafés e locais para o
público se sentar; vitrines e salas apresentam pouca preservação e limpeza;
legendas, sinalização e folhetos explicativos inexistem; e, por fim, os guia,
quando disponíveis, estão mal preparados.9 Devido às dimensões do acervo do
Museu Nacional, e do próprio palácio que o abriga, a conservação do prédio e do
acervo depende de grandes investimentos, difíceis de serem obtidos. O Museu
localiza-se no interior de um parque que, por sua vez, também precisa de
investimentos de modo a proporcionar segurança e lazer para o público. A
situação precária das exposições do Museu Nacional justifica e fortalece, em
grande medida, a associação que os moradores da cidade fazem entre museu e
coisa velha (Chagas, 1987).
Outro problema do Museu Nacional diz respeito à falta de profissionais
apropriados. Em 1999, muitos dos módulos em exposição datavam de cinqüenta anos
atrás. A maioria de seus profissionais têm fortes vínculos com a pesquisa
acadêmica, uma vez que o museu faz parte da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Em contrapartida, há um número reduzido de profissionais responsáveis
pelo estudo dos objetos a serem expostos, pela avaliação do público e pela
análise de questões museográficas. Os profissionais entrevistados foram
incapazes de dizer até mesmo quais eram os objetos em exposição. Há, sem
dúvida, uma tentativa, por parte dos diretores, de implementar mudanças nesse
sentido, reorganizando o acervo, modernizando os módulos expositivos,
reconstruindo narrativas e ampliando o diálogo com o público. Mas, vítima de um
círculo vicioso, o museu carece de público, profissionais adequados e
investimento.
Diferentemente do Museu Nacional, o Museu Paulista obteve recentemente apoio
financeiro não só da Universidade de São Paulo (USP), como também de empresas
paulistas. Conseguiu, com isso, fazer obras e melhorias no prédio, reorganizar
e ampliar o acervo, contratar profissionais e multiplicar o número de
exposições temporárias. As exposições permanentes procuram mostrar a vida
cotidiana na cidade de São Paulo, estimulando uma postura crítica em relação a
discursos mistificadores, etnocêntricos, nacionalistas e com pretensões à
universalidade (Bezerra, 1993). Contudo, em entrevistas, diversos profissionais
da instituição, declararam que não havia políticas traçadas para aumentar o
número de visitantes no Museu, já que se tratava, como justificativa, de um dos
museus mais visitados do Brasil. A afirmação é absolutamente verdadeira, mas se
considerarmos que São Paulo tem aproximadamente 15 milhões de habitantes, e é
uma das regiões mais ricas do país, com grau elevado de urbanização, resta
perguntar por que muitos profissionais se contentam, hoje, com o número de 260
mil visitantes por ano. Isso se torna mais preocupante quando os dados mostram
que, em 1955, o museu recebeu 280 mil visitantes. Além disso, ainda com base em
entrevistas realizadas no Museu Paulista, constatamos que a maior visitação do
museu ocorre no feriado de 7 de Setembro, quando pessoas da periferia da cidade
procuram lazer principalmente nos jardins do museu.
Uma outra questão a ser investigada no Museu Paulista é o significado que ele
tem para seus visitantes. Independentemente das diversas narrativas construídas
no interior do museu, que substituíram antigos discursos comemorativos, ele
continua a ser compreendido pelo público como o monumento que celebra o "grito
do Ipiranga", e, portanto, visitado sobretudo na data da proclamação da
Independência. Os moradores de São Paulo não parecem conhecer sua nova proposta
' o prédio continua sendo associado à antiga moradia de D. Pedro I ou de sua
amante, função que nunca teve.
A terceira instituição a ser considerada é o Museu da República, no Rio de
Janeiro, que tem se modernizado, passando por importantes reformas realizadas
com um financiamento substantivo. As exposições atuais procuram se afastar do
enaltecimento a Getúlio Vargas, narrando a história republicana de uma nova
maneira, o que inclui, por exemplo, objetos da cultura popular. Além disso, o
museu delineou já há alguns anos uma política significativa de aproximação com
a comunidade local e tem obtido sucesso nesse sentido. O parque do museu é uma
área de lazer importante, localizada no Catete, um bairro da zona sul, e recebe
em torno de 900 mil visitantes por mês. O Museu da República incorporou em seu
espaço sala de cinema, livraria, restaurante, auditórios para debates e
palestras e passou a promover eventos ao ar livre. Certamente o público do
museu aumentou na última década, mas isso com base nos parâmetros apresentados
anteriormente para os demais museus.
Segundo um estudo estatístico realizado em 1999 pela Escola Nacional de
Ciências Estatísticas (Ence), 59% dos visitantes do Museu da República recebem
mais de dez salários mínimos por mês, isto é, a maior parte dos visitantes
encontra-se entre os 24,6% mais ricos da população brasileira. Se considerarmos
o grau de escolaridade, a exclusão é maior: 62% dos visitantes têm ensino
superior, o que corresponde apenas a 8,9% da população. Em relação à ocupação
dos visitantes, a maior incidência é de estudantes e professores (35,9%). Além
disso, a partir de depoimentos fornecidos pelos próprios profissionais do
museu, chegamos à conclusão de que o museu continua sendo, em grande medida,
reconhecido pela população por ter sido o Palácio do Catete, local em que
Getúlio Vargas se suicidou. Apesar dos investimentos e das iniciativas no
sentido de abrir as portas do museu e seu entorno para a população, o Museu da
República continua com um público bastante seleto. Independentemente dos
objetivos traçados e das novas narrativas criadas, observa-se que os visitantes
ainda associam majoritariamente o museu a casa onde Getúlio se suicidou.
O que podemos apontar em relação às práticas desenvolvidas nesses três museus é
que, apesar de situações bem distintas no que diz respeito a investimento,
práticas expositivas e estado de conservação, observamos um distanciamento
muito grande entre cada uma dessas instituições e o público. Como analisamos,
os museus contemporâneos em geral têm se dedicado às pesquisas sobre
comunicação e público, reformulando a partir daí os projetos a serem traçados.
Além disso, avaliações contínuas propiciam um aprimoramento das práticas
desenvolvidas (Lumley, 1988; Hooper-Greenhill, 1996). Entretanto, no Brasil,
não sabemos dizer nem mesmo qual a proporção da população que vai a museus.
Também não há dados comparativos entre a visitação de museus e outras
atividades culturais. Nos três estudos de caso, os resultados não são muito
alentadores. No Museu Nacional, não há investimentos nem estudos sistemáticos
sobre o público, e a procura ao Museu está muito abaixo do que poderíamos
esperar, dada a amplitude de seu acervo, sua localização e seu significado
histórico. No Museu Paulista, há investimentos e estudos sobre o público, mas
ainda observa-se uma procura limitada e sem muita relação com os novos
objetivos traçados por seus profissionais. No Museu da República, observamos
investimentos, estudos sobre o público, diversificação de atividades, mas,
ainda assim, os resultados não mostram um padrão de visitação alternativo em
relação aos demais. Os problemas relacionados à legitimidade dos museus
brasileiros, portanto, envolvem outras questões, analisadas na seção seguinte.
Políticas Culturais: autonomia administrativa, Estado e mercado
Diversos autores têm apontado que as práticas culturais na América Latina,
diferentemente dos países europeus e norte-americanos, não se constituíram em
uma esfera autônoma, permanecendo fortemente ligadas ao poder público (Franco,
1970; Candido, 1985; Ortiz, 1988). O aspecto central do conceito de autonomia
está na emergência de um universo regulado por um aparato de legitimação de um
discurso próprio (Ortiz, 2002). É possível observar, entretanto, diferenças
significativas na forma pela qual esses campos foram organizados. Vejamos
inicialmente o caso na Inglaterra.
Segundo o depoimento de um dos diretores do Museu Britânico (Wilson, 1989), o
corpo diretor do museu (Board of Trustees) é escolhido a partir do
comprometimento de alguns profissionais com os objetivos declarados e as metas
propostas para a instituição. Seus membros não são remunerados no exercício do
mandato e não podem ter qualquer vínculo econômico com a instituição. Eles
escolhem e nomeiam curadores e demais profissionais do museu e têm a
responsabilidade de encaminhar as atividades desenvolvidas segundo critérios
próprios ao campo estabelecido. O principal poder deliberativo está concentrado
na mão de pares, legitimados pelo conhecimento notório e comprometimento com os
objetivos estabelecidos pela instituição de preservar os valores mais caros à
nação. Como há um aparato institucional legitimado socialmente, ele tem o poder
de defender os interesses da instituição ante as pressões políticas,
comerciais, da imprensa e mesmo da opinião pública (Idem, ibidem). O processo
de avaliação do desempenho de cada museu que faz parte do sistema é
razoavelmente transparente, constante e bem recebido pelas diversas
instituições. Na Inglaterra, há um órgão governamental, o Conselho de Museus,
Bibliotecas e Arquivos (MLAC), que levanta dados e publica estudos estatísticos
sobre as diversas atividades desenvolvidas pelos museus, seus méritos e pontos
fracos, sejam eles públicos, sejam privados (Museums & Galleries
Commission, 1998, 1999). Os investimentos públicos e privados baseiam-se nos
critérios de avaliação.
Na França, a presença do Estado como elaborador de políticas culturais de apoio
e avaliação dos museus é bem mais forte do que na Inglaterra. Ainda assim,
podemos dizer que há um compromisso das instituições culturais francesas com
objetivos traçados por elas próprias e que as práticas desenvolvidas nos museus
convivem ou se impõem a interesses políticos alheios ao campo cultural. Também
aqui, observa-se um sistema de avaliação contínuo de práticas desenvolvidas e
resultados obtidos pelas diversas instituições. O Departamento de Informação e
Comunicação, do Ministério da Cultura e da Comunicação, congrega um número de
profissionais reconhecidos pelos profissionais de museus e pela população em
geral e publica regularmente uma grande quantidade de avaliações, análises e
estudos qualitativos e quantitativos sobre a performance das práticas culturais
(Dubois, 1999; Ministère de la Culture et de la Communication, 1991, 2000).
Embora seja o Estado que regulamenta e avalia grande parte das atividades
desenvolvidas, estas são acompanhadas de perto por pesquisadores, intelectuais
e pelo público em geral.
Os museus norte-americanos são mais susceptíveis tanto às pressões do poder
econômico, isto é, de fundações, de pessoas físicas e de grupos organizados que
doam somas significativas ' por exemplo, as Associações de Amigos do Museu
(AAM) ', como da opinião pública. Mas também eles têm conseguido legitimar um
discurso próprio e garantir certa autonomia em relação a grupos financiadores,
à mídia e a pressões diversas. Estudos sobre os museus norte-americanos mostram
que eles se comportam como uma esfera pública aberta, em que diversos
interesses são negociados. A produção de exposições tem sido analisada como
sendo resultado de verdadeiras "guerras culturais". Segundo um dos
profissionais do Museu Nacional da História da América (The National Museum of
American History), essa instituição passou a incorporar objetos que faziam
parte de comédias televisivas, e aproximar-se da história do cotidiano, a
partir de um processo conflituoso em que diversos setores da sociedade se
posicionaram no sentido de construir alternativas à intenção dos membros
contribuintes de manter o museu como símbolo da história tecnológica e militar
da nação (Hughes, 1997). O Museu Guggenheim tem sido criticado justamente por
não manter suas fronteiras sobre controle com o poder econômico. Da mesma forma
que na Europa, os museus norte-americanos são avaliados constantemente por
instituições credenciadas, como a Comissão Nacional de Estudos Estatísticos
sobre Museus, e o resultado das atividades desenvolvidas é divulgado
amplamente.
García Canclini (1992) procura mostrar ao longo de seu trabalho que a
participação em uma esfera pública decisória não é necessariamente antagônica a
interesses de mercado. O autor gostaria de substituir os parâmetros de Estado e
mercado por um processo de negociação mais amplo, em que participam diversos
setores da sociedade civil, sendo também fator determinante a própria
estruturação de cada esfera discursiva. A grande transformação observada nos
museus contemporâneos não pode ser reduzida a uma maior adaptação ao mercado,
pois o que eles fazem é trazer à tona uma nova percepção de justiça, em que
indivíduos reagem de forma muito mais ativa ao seu entorno do que no passado,
conquistando o direito de rejeitar normas culturais majoritárias e estruturas
narrativas de poder e prestígio em sua luta por igual respeito.
Em que pese às diferenças, museus europeus e norte-americanos conseguiram
construir um campo relativamente autônomo, cujos objetivos são defendidos por
aqueles mais próximos ou mais ativos no próprio campo que os constitui. Da
mesma forma que podemos falar de um campo literário, científico, televisivo, em
que certas normas, regras e valores organizam práticas desenvolvidas, podemos
pensar em um campo museal. Além disso, podemos compreender tanto disputas por
capital simbólico no interior do campo, como a utilização deste capital na
manutenção de prestígio em outras esferas de poder da sociedade. No estudo
sobre museus, assim como no estudo sobre o gosto, Bourdieu e seus colaboradores
mostraram como determinado capital simbólico pode ser utilizado por agentes
sociais para se posicionarem de forma privilegiada na hierarquia social
(Bourdieu e Darbel, 1969; Bourdieu, 1979). Há, entretanto, um outro aspecto no
trabalho de Bourdieu que gostaríamos de ressaltar. Embora este autor assinale
que as fronteiras entre os diferentes campos não são fixas, e que, portanto, o
conceito de campo é relativo, ele procura explicar a dinâmica entre eles,
mostrando, por exemplo, que quanto mais o campo do conhecimento for autônomo,
menos ele dependerá da política, da economia ou da religião (Bourdieu, 2001,
pp. 167-173).
No caso dos museus brasileiros, a construção de um campo museal precisa
necessariamente ser pensada a partir de políticas culturais desenvolvidas pelo
Estado. Como vimos, a grande maioria dos museus foi criada pelo Estado e é
ainda por eles mantida. García Canclini (1992) aponta as transformações
recentes por que têm passado os museus latino-americanos ' segundo o autor, as
últimas das instituições culturais a serem diretamente subvencionadas pelo
Estado. Além disso, ele analisa a tendência contemporânea de privatizar e
transferir para a sociedade civil as responsabilidades que antes cabiam ao
Estado. A observação de Canclini é válida para o caso brasileiro. No Brasil,
tem sido clara a tentativa do Estado de diminuir sua intervenção nas
instituições culturais. Desde 1991, por exemplo, a Lei Rouanet (n. 8313/91)
permite que pessoas físicas e jurídicas possam investir na área da cultura e
abater esta quantia do imposto devido.
De um lado, os investimentos públicos nos museus têm diminuído gradativamente,
levando as instituições a se tornarem mais competitivas, a utilizarem técnicas
de marketing e a captarem recursos entre empresas privadas. Os grandes museus,
como, por exemplo, o Museu Histórico Nacional, têm diversificado e ampliado as
exposições, conseguindo até mesmo duplicar seu orçamento a partir da captação
de recursos privados. De outro lado, entretanto, a redução da política cultural
às leis de incentivo fiscal deixa evidente a fragilidade da infra-estrutura que
apóia e regula os museus. A retração do Estado em relação às políticas
intervencionistas relativas à cultura representou não só a "não intervenção",
como também o fortalecimento de regras de mercado sobre um campo fracamente
estruturado. Como apontado ao longo deste artigo, os suportes necessários de
avaliação, estruturação e renovação de um sistema existente não se consolidaram
no decorrer das últimas décadas.
Embora os museus brasileiros tenham constituído um campo próprio, denominado
internamente como "museal", em que valores, critérios, práticas e discursos
específicos são reconhecidos, é notória a falta de transparência e de
visibilidade, por exemplo, na gestão de recursos e seleção de profissionais,
questões ainda vinculadas a trocas de favor e decisões políticas que não
atendem critérios claros estabelecidos dentro do campo. Contrariamente aos
avanços na área do ensino, ainda não há sistemas de avaliação das práticas
desenvolvidas pelos museus. Em sua maioria, eles não possuem uma estrutura
mínima para proceder nem mesmo avaliações internas de seu desempenho. Alheios
às reivindicações políticas e sociais que ocorrem na sociedade, os projetos
expositivos ainda não incorporaram nem os debates recentes sobre a violência
simbólica inerente ao aparato discursivo, nem as pesquisas sobre o
comportamento do público.
Se antes eram associados a narrativas oficiais da nação e à cultura das elites
dominantes, os museus, tanto europeus como norte-americanos, aparecem hoje como
espaços de negociação em que os diversos atores demonstram um cuidado cada vez
maior com a diversidade cultural e com o fato de que constroem narrativas sobre
o "outro". No Brasil, onde a desigualdade social atinge níveis muito
superiores, os museus enfrentam, entretanto, um duplo desafio: ao se abrirem a
uma participação maior do público necessitam trabalhar não só com a diversidade
cultural do país, respeitando as diversas gramáticas locais, a partir da
contribuição de tecnologias e abordagens desenvolvidas na esfera transnacional,
mas também com problemas de distribuição de renda e poder, responsáveis pela
exclusão de grande parte da população das arenas culturais. Será a partir da
capacidade de resposta a questões que surgem do entrelaçamento entre
especificidades locais e estruturas e processos mais amplos, portanto, que
poderemos esperar uma renovação das instituições que se voltam para a
preservação do patrimônio cultural do país.
NOTAS
1 A Comissão do Patrimônio Cultural obteve, em 1997, de 1.000 questionários
distribuídos, 852 respostas. Houve um segundo levantamento, publicado em 2000,
mas, segundo os próprios realizados da enquête, a resposta obtida foi menor.
Estão ausentes das duas listagens não só museus importantes, como o Museu
Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro, como dados essenciais sobre alguns
museus (data de criação, natureza pública ou privada e assim por diante). Não
há estudos estatísticos sobre os dados coletados pela CPC disponibilizados ao
público.
2 No caso do Rio de Janeiro, uma tese recente de mestrado (Braga, 2002)
levantou dados que complementam aqueles fornecidos pela CPC, permitindo alguns
avanços na análise da situação dos museus no Rio de Janeiro. Em relação aos
demais estados, poucos dados adicionais àqueles obtidos pela CPC foram obtidos.
3 Para uma excelente análise da formação de Affonso d'Esccragnolle Taunay
(1917-1945) como historiador, seus modelos historiográficos e a relação entre
suas concepções de História e o trabalho museográfico desenvolvido no Museu
Paulista, ver Brefe (1999).
4 A convivência entre os dois modelos de preservação, o primeiro saudosista e
ligado à tradição, enquanto o segundo voltado para o "abrasileiramento do
brasileiro" pode ser compreendido a partir da visão de que o modernismo foi
suficientemente "amplo e ambíguo para permitir interpretações bastante
variadas, e não se colocar em contradição frontal com o programa político e
ideológico do Ministério da Educação. Em algumas versões, modernismo se
aproximaria perigosamente do irracionalismo nacionalista e autoritário europeu,
e não é por acaso que o próprio Plínio Salgado seja identificado com uma das
vertentes deste movimento" (Schwartzman et al., 1984, p. 98).
5 Para uma análise dos diversos movimentos que antecederam a criação do Museu
de Arte Moderna de São Paulo, como Sociedade Pró-Arte Moderna, Clube dos
Artistas Modernos, Salão de Maio, Família Artística Paulista e o Sindicato dos
Artistas Plásticos, bem como da relação entre o museu e a abertura das bienais
a partir da iniciativa de Francisco Matarazzo Sobrinho, ver Almeida (1976).
6 O autor utiliza o Guia Quatro Rodas de 1991 como base de dados e faz sua
análise sobre o universo de cinqüenta museus (Dickenson, 1994, p. 224). Em
1997, a CPC listou 131 museus no estado.
7 Esta Tabela apresenta dados aproximados, uma vez que não há estudos
disponíveis no Brasil que forneçam esses dados com precisão. Além disso, a
seleção de museus apresentada foi determinada pelas informações obtidas. Várias
tentativas foram realizadas, por exemplo, para obtenção de dados sobre público
visitante junto ao Museu de Arte de São Paulo, sem que quaisquer respostas
fossem obtidas. Como não há avaliação e divulgação pública das práticas de
museus, o fornecimento de dados fica a critério e julgamento de cada
instituição.
8 Durante 1998 e 1999 entrevistas foram realizadas com os diversos
profissionais que trabalhavam nesses museus com o intuito de percebermos sua
inserção e motivação na instituição. Tendo ainda como base uma metodologia
qualitativa, procurou-se, primeiro, observar detalhadamente o comportamento dos
visitantes no interior dos museus e, segundo, entrevistar alguns deles.
Agradeço aos bolsistas de iniciação científica Denise de Almeida Rodrigues,
Caty Ane de Souza e Fabio Ponso, pela participação na pesquisa, e à
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e ao CNPq pelo apoio
institucional e financeiro.
9 Ver relatório interno, realizado pela professora Ângela Maria Moreira
Martins, em 1995, sobre as condições encontradas pelos usuários do Museu
Nacional.