Uma classificação socioeconômica para o Brasil
Introdução
Este artigo apresenta uma nova classificação socioeconômica para o Brasil '
aplicável às estatísticas sociais nacionais ', expondo tanto os seus
fundamentos teóricos e metodológicos como as soluções operacionais consideradas
na construção das suas categorias empíricas. Essa classificação é um
instrumento que poderá contribuir significativamente para melhor
caracterização, descrição e explicação da produção e reprodução da desigualdade
social, nas condições concretas da sociedade brasileira.1 Ela foi submetida,
com êxito, a um processo de validação de constructo, que explorou o
condicionamento exercido pela esfera da desigualdade de classe, mensurada por
esta tipologia, sobre a desigualdade de raça no Brasil (Figueiredo Santos,
2005).
A abordagem sociológica de conceituação e mensuração de classe social tem muito
a colaborar para o entendimento da configuração, da evolução e das
conseqüências das divisões socioeconômicas e suas relações com as demais formas
de desigualdades duráveis que permeiam a altamente desigual sociedade
brasileira (Tilly, 1999). Entretanto, até o presente, a sociologia no Brasil
tem se engajado de forma insuficiente na investigação empírica, em escala
nacional, das divisões socioeconômicas imperantes no país e das suas
conseqüências para a vida das pessoas.
Ao atualizar e aperfeiçoar a tipologia utilizada no livro Estrutura de posições
de classe no Brasil (Figueiredo Santos, 2002), este trabalho transcende o
interesse puramente acadêmico por intencionar colocar na agenda das
estatísticas sociais do Brasil a construção de uma classificação socioeconômica
nacional, na perspectiva sociológica de classe social, entendida como um
instrumental analítico utilizado para monitorar a estrutura social, elucidar os
condicionamentos que afetam o "estado social" do país e avaliar o impacto das
políticas sociais e econômicas nos diferentes grupos sociais.
A consideração das políticas públicas, por exemplo, ao focalizar a questão do
bem-estar social, não pode prescindir da compreensão dos fatores determinantes,
das manifestações e conseqüências da desigualdade social. Nesse sentido, a
iniciativa conecta-se, e busca estimular a conexão do Brasil, a uma nova
tendência, particularmente das estatísticas sociais da União Européia, de
aproximação das abordagens sociológicas de conceituação e mensuração de classe
social.2
O artigo inicialmente revisa os esquemas de classe de Erik Olin Wright e de
John Goldthorpe, assim como as categorias de classe social utilizadas pela
Estatística Nacional do Reino Unido e incorporadas no projeto do Eurostat de
harmonização das classificações socioeconômicas dos países da União Européia.
São elaboradas as dimensões teóricas incorporadas no desenho da classificação e
apresentadas as soluções operacionais para a construção das categorias
empíricas de classe. Com base nas novas soluções alcançadas e nos microdados da
PNAD de 2002, o artigo apresenta a distribuição relativa e os padrões de renda
das categorias de classe na sociedade brasileira. Por fim, são comentados
resumidamente os principais resultados substantivos do processo de validação de
constructo desse instrumento de mensuração do conceito sociológico de classe
social.
Esquemas de classe e classificações socioeconômicas
Os sociólogos Erik Olin Wright e John Goldthorpe desenvolveram os esquemas
conceituais e operacionais de classe social, voltados para a análise de
levantamentos de dados amostrais, mais consagrados na sociologia contemporânea
(Crompton, 1998, pp. 54-76). Na interpretação de Erik Olin Wright, classe
social representa uma forma especial de divisão social gerada pela distribuição
desigual de poderes e direitos sobre os recursos produtivos relevantes de uma
sociedade. A existência dessa divisão produz conseqüências sistemáticas
significativas sobre a vida dos indivíduos e a dinâmica das instituições. A
condição de classe afeta os interesses materiais, as experiências de vida e as
capacidades para ação coletiva dos indivíduos. O poder causal da posição de
classe é exercido ao se condicionar o acesso aos recursos produtivos e ao se
moldar as experiências de vida nas esferas do trabalho e do consumo. O que a
pessoa tem (ativos produtivos) determina o que ela obtém (bem-estar material) e
o que deve fazer para conseguir o que obtém (oportunidades, dilemas e opções).
Ao moldarem as experiências no âmbito do trabalho e do consumo e as
oportunidades de vida, esses dois processos primários geram efeitos de segunda
ordem (padrões de saúde, atitudes etc.). Erik Olin Wright privilegia
analiticamente a noção de interesses materiais ao considerar as conseqüências
das posições de classe na vida dos indivíduos. Em decorrência da natureza dos
poderes e direitos exercidos sobre os recursos produtivos, a pessoa enfrenta
uma estrutura de oportunidades, dilemas e compensações (trade-offs) ao
perseguir o seu bem-estar material (esforço, lazer e consumo).
A noção de exploração pretende oferecer um diagnóstico do processo por meio do
qual as desigualdades de recompensas são geradas por desigualdades nos direitos
e poderes sobre os recursos produtivos. A exploração caracteriza-se pelo fato
de um grupo se beneficiar economicamente às custas de outro através da
apropriação dos frutos do trabalho do grupo explorado. A apropriação dos frutos
do trabalho de um grupo por outro grupo social representa o mecanismo causal
que explica a tradução de exclusão do controle de recursos produtivos em
situação de bem-estar diferenciado inverso entre as classes sociais. Existe
opressão econômica, porém não exploração, na ausência de um processo de
apropriação do esforço do trabalho, ainda que haja privação e exclusão. A
ocorrência da apropriação dos frutos do trabalho introduz uma relação de
dependência do explorador em relação à atividade do explorado no âmbito do
processo de trabalho. Isto significa que o explorado possui em suas mãos um
tipo de poder social que pode ser usado na luta pelos seus interesses. A
apropriação do esforço de trabalho, ao envolver interações de poder social
entre os atores, requer que a atividade de trabalho seja dirigida e controlada
dentro da organização social da produção. Os sistemas de exploração envolvem
sempre um confronto de opções (trade-offs) entre o uso da coerção e do consenso
como mecanismos de extração do esforço de trabalho (Wright, 1997; 2004a; 2005).
Erik Olin Wright elabora uma tipologia básica de classe na sociedade
capitalista em função da propriedade de ativos de capital, do controle
diferenciado de ativos de qualificação e da relação com o exercício de
autoridade dentro da produção. Isso é retratado na Figura_1, onde vemos os
critérios de divisão de classe entre e intraproprietários (contratar ou não
trabalho) e empregados (exercer ou não autoridade e possuir ou não
qualificações escassas). A propriedade de ativos de capital possui uma
prevalência estrutural em relação às outras formas de diferenciação de classe.
Qualificação e perícia designam um ativo produtivo, muitas vezes atestado na
forma de credenciais, que aumenta o poder da força de trabalho complexa nos
mercados e processos de trabalho. Os especialistas ocupam uma localização
privilegiada de apropriação devido à sua posição estratégica na organização da
produção, como controladores de conhecimento, e à sua posição na organização
dos mercados de trabalho, como detentores de uma forma escassa de força de
trabalho. Já o exercício de comando estratégico e de autoridade dentro da
organização social da produção enseja, da parte dos seus ocupantes, a exigência
de uma porção do excedente social. O exercício de autoridade, sob delegação da
organização empregadora, particularmente pelos gerentes, representa uma fonte
posicional de poder, pois coloca um problema de controle/incentivo dos agentes.
Os gerentes ocupam uma localização privilegiada de apropriação ao se situarem
em uma espécie de posição de confluência das relações de dominação e
exploração. Como pode ser constatado na apresentação da tipologia, a classe
trabalhadora corresponde aos assalariados não gerentes e não especialistas
(Wright, 1997, pp. 17-25).
As três dimensões da tipologia básica podem ser "tricotomizadas", por opção
metodológica, diferenciando-se a posição dominante, contraditória e
subordinada. O objetivo dessa solução metodológica é construir uma tipologia em
que as posições assimétricas (por exemplo, gerente e trabalhador) estejam
relativamente bem mensuradas. As categorias intermediárias concentram as
situações ambíguas e as deficiências de mensuração. Na verdade, cria-se uma
variável tricotômica para capturar e representar uma dicotomia teórica.
Considerações vinculadas à limitação da dimensão da amostra, à natureza dos
dados disponíveis e ao contexto analítico podem gerar diferentes combinações
dos três fatores fundamentais de diferenciação de classe na sociedade
capitalista contemporânea (Wright, 1985, p. 149; 1989, p. 36).
Erik Olin Wright admite que as análises baseadas em levantamentos de dados por
amostragem enfrentam sérias limitações no tratamento dos pólos extremos dentro
da estrutura de classes ' o grande capital e a população cronicamente excluída
', que representam dimensões de grande importância da diferenciação de classe e
da crítica marxista ao capitalismo (Wright, 1997, pp. xxx-xxxi). A expansão do
grau de cobertura da investigação, ao ampliar a noção de atividade econômica ou
incorporar determinadas formas de inatividade econômica, pode sanar parte do
problema relativo ao contingente excluído do emprego. O livro Estrutura de
posições de classe no Brasil (Figueiredo Santos, 2002) considerou a existência
das categorias de auto-emprego precário e de trabalhador excedente
(desempregado). A atual classificação socioeconômica da Estatística Nacional do
Reino Unido define a categoria de "Trabalhadores nunca empregados e
desempregados de longa duração". Já a questão do estudo do grande capital
mostra-se bem mais complexa. John Scott alerta que um esquema de classe deve
incluir todas as categorias relevantes, ainda que a categoria conceitual de
controladores de ativos corporativos apareça como uma célula vazia na maioria
dos levantamentos de dados reportados (Scott, 2002). Entretanto, a adequada
compreensão das "posições de classe capitalistas" na sociedade contemporânea
implica o estudo das estruturas de controle das grandes corporações, em um
contexto no qual predominam as formas impessoais de propriedade e controle, que
geraram uma reorganização gerencial da classe capitalista, mas sem perda de
poder econômico (Scott, 1997). Esse tipo de estudo não pode ser realizado
adequadamente através de levantamentos de dados amostrais centrados no
domicílio.
John Goldthorpe considera que as sociedades modernas, baseadas nas instituições
da propriedade privada e do mercado de trabalho, reproduzem divisões de classe
derivadas da natureza das relações e das condições de emprego. Elabora um
esquema de classe (Quadro_1) cuja meta consiste em "diferenciar posições dentro
dos mercados de trabalhos e unidades de produção ou, mais especificamente,
pode-se dizer, diferenciar tais posições em termos das relações de emprego que
elas supõem" (Erikson e Goldthorpe, 1992, p. 37).
Na constituição do esquema de classe são feitas, em um primeiro plano,
distinções básicas entre as condições de empregador, auto-empregado e
empregado. A classe dos grandes empregadores, ou alta burguesia, é alocada
dentro da classe de serviço I, compondo um bloco com os gerentes e
profissionais de grau mais elevado. Goldthorpe admite a existência de uma
classe de "elite" de grandes proprietários, mas, na prática, devido à sua
dimensão numérica ínfima, tal categoria não é considerada em separado no seu
esquema de classe. Uma excessiva concentração no mercado de trabalho faz com
que minimize a situação de classe distinta dos controladores de grandes
capitais (Scott, 2002). Entre os empregados são introduzidas distinções de
classe, pois as relações de emprego vêm se organizando em termos de princípios
heterogêneos, implicando diferentes situações de mercado e de trabalho. O
esquema de classe diferencia as posições de classe dos empregados conforme a
forma de regulação da relação de emprego ou, dito de outro modo, a natureza dos
contratos de trabalho. O contrato de trabalho representa uma "relação social"
na qual o empregado, em troca de remuneração, submete-se à autoridade do
empregador ou do seu representante. Os contratos de emprego são, de forma
variável, porém substancial, contratos implícitos ou incompletos. O principal
objetivo do empregador está em induzir o máximo de esforço e cooperação no
desempenho do trabalho alocado ao empregado. Entretanto, o empregador vê-se
diante de duas fontes de risco contratual ' o grau de dificuldade envolvida no
monitoramento do desempenho de trabalho e o grau de especificidade dos ativos
humanos (qualificação e perícia) ', que condicionam a forma de regulação da
relação de emprego (Goldthorpe, 2000, pp. 211-214).
Estabelece-se uma diferenciação-chave entre os empregos regulados por uma
relação de serviço e aqueles baseados em contrato de trabalho. A natureza da
relação de emprego envolve o modo de troca de trabalho por recompensas. Na
relação de serviço, os empregados compartilham situações de trabalho que se
caracterizam por um grau substantivo de autonomia e liberdade associadas às
necessidades da organização empregadora em delegar autoridade, no caso das
funções gerenciais, e de valer-se de conhecimento especializado e perícia, no
caso das funções profissionais. Há uma situação de assimetria de informação
entre empregado e empregador que torna ineficiente, ou não factível, uma
estratégia de vigilância/monitoramento da parte do empregador. Os empregados
ofertam seu serviço à organização empregadora em troca de "compensações" que
incorporam importantes elementos prospectivos, adicionais aos ganhos salariais,
como trajetórias ascendentes de carreira e escalas de remuneração incrementais.
Na relação de contrato de trabalho, por sua vez, ocorre uma troca específica e
de relativamente curto prazo de dinheiro por trabalho. Os empregados ofertam
quantidades mais ou menos descontínuas de trabalho, sob a supervisão do
empregador ou do agente do empregador, em troca de salários que são calculados
sob a base de "unidade" ou "tempo". Além disso, o esquema de classe concebe a
existência, entre os empregados, de posições de classe "intermediárias" no
sentido da relação de emprego combinar de forma mista regras da relação de
serviço e de contrato de trabalho (Erikson e Goldthorpe, 1992, pp. 41-44).
John Goldthorpe evita as interpretações extremas que consideram as relações
contratuais, sejam somente da ótica da exploração/conflito, sejam apenas da
perspectiva da eficiência/harmonia. Os interesses de empregadores e empregados
não são tratados como estando "fundamentalmente" em harmonia ou em conflito.
Considera a existência de uma tendência central dos empregadores em agir
racionalmente no sentido de viabilizar e garantir o sucesso da sua organização.
As relações contratuais podem ser vistas e desenvolver-se de fato, a depender
das circunstâncias, como um jogo de soma-zero ou de soma-positiva (Goldthorpe,
2000, pp. 209-213).
Tanto o esquema de classe de John Goldthorpe como o esquema de Erik Olin Wright
contemplam a importância da propriedade, do poder gerencial e da perícia. Ambos
os autores consideram a relação capital-trabalho definidora do eixo principal
das relações de classe no capitalismo. Da mesma forma, destacam a importância
das categorias sociais de profissionais, gerentes e executivos, funcionários
burocráticos, empregados altamente qualificados, que não se encaixam
propriamente nas relações de classe polarizadas entre capitalistas e
trabalhadores (Wright, 1994, p. 92). Como as categorias empíricas de análise
são muitas vezes subdeterminadas pelo modelo teórico de referência, em termos
de conjunto prático de categorias operacionais, a matriz de estrutura de
classes de Wright não difere dramaticamente da tipologia de Goldthorpe (Wright,
1997, p. 37).
O Office for Nacional Statistics (ONS) do Reino Unido promoveu, entre os anos
de 1994 e 2000, com o concurso do Economic and Social Research Council (ESRC),
um amplo processo de revisão das classificações sociais governamentais, que
culminou com a adoção de uma abordagem sociológica de conceituação e mensuração
de classe social a partir do Censo oficial de 2001. A nova classificação
oficial recebe a denominação de National Statistics Socio-economic
Classification (NS-SEC) e está centrada nos aspectos relacionais de classe
social. O uso amplo e reconhecido na pesquisa sociológica do esquema de classe
de Goldthorpe influenciou a decisão no sentido da sua adoção como base da nova
classificação. O esquema original foi adaptado à finalidade principal de
analisar dados de relações de emprego e foi aplicado, na versão final, aos
grupos unitários da nova Classificação Ocupacional Padrão de 2000 do Reino
Unido (Rose e Pevalin, 2001). A NS-SEC oficial adotada pelo ONS do Reino Unido
possui oito categorias básicas. Os estudos de validação de construção mostraram
a existência de uma inclinação no gradiente de classe em relação às
desigualdades de saúde e confirmaram o valor da estratégia de tratar a condição
de "nunca empregado e desempregado de longa duração" como uma categoria
separada do esquema de classe (Rose e O'Reilly, 1998, p. 37). A classificação
foi construída em um formato combinatório, visando a oferecer máxima
flexibilidade ao pesquisador, compondo-se de categorias operacionais que podem
ser agregadas em diferentes variáveis analíticas. A classificação pode ser
utilizada nos níveis de agregação de nove, oito, sete, seis, cinco e três
categorias de classe, preservando o modelo conceitual subjacente de relações de
emprego, assim como permite o uso das categorias da versão operacional, de modo
que o pesquisador possa perscrutar o "interior" das classes estipuladas nas
versões analíticas (Rose e Pevalin, 2001, pp. 15-18).
Para um projeto de harmonização das estatísticas sociais dos países europeus, o
Eurostat contratou o ONS do Reino Unido com a finalidade de elaborar
recomendações visando à construção de uma Classificação Socioeconômica
Européia. O grupo de especialistas encarregado da tarefa, coordenado pelo
sociólogo David Rose, apresentou em janeiro de 2001 o relatório final que
aponta as propriedades desejáveis da classificação européia: base conceitual
clara; forma de mensuração categórica; baseada em ocupação e emprego, porém com
variante aplicável ao conjunto da população ativa e inativa; flexível no uso de
versões amplas e restritas; robusta ao ser operacionalizada em diferentes bases
de dado; aplicável tanto aos indivíduos como aos lares ou domicílios; por fim,
válida e segura como uma medida comparativa (Rose et al., 2001, pp. 11-22). A
classificação incorpora a proposição sociológica de que as relações e condições
de emprego são aspectos centrais na estruturação de desigualdades materiais e
simbólicas na sociedade moderna. Considera-se que a base conceitual da
abordagem de relações de emprego, presente no esquema de classe de Goldthorpe,
fornece transparência analítica e permite construir narrativas causais ou
explanatórias que relacionem a posição socioeconômica e a distribuição das
chances de vida e de bem-estar. O esquema adotado é uma construção conceitual e
a sua conversão em um instrumento de trabalho demanda a elaboração de regras e
instruções que traduzam as informações pertinentes nas categorias de classe. A
classificação delineada toma a forma de uma hierarquia articulada em dois
níveis. O nível 1 possui nove categorias de classe e distingue-se da solução
adotada no Reino Unido ao prever uma categoria de "empregadores e auto-
empregados na agricultura". O nível 2 tem 44 grupos socioeconômicos, sendo 35
deles associados diretamente às nove categorias de classe, e os remanescentes
são tratados de acordo com outras regras. A classificação cobre o conjunto da
população, quando aplicada aos indivíduos, pois considera as diferentes formas
de atividade e inatividade econômica (Rose et al., 2001, pp. 29-56).
Conceituação e mensuração de classe social no Brasil
O presente trabalho vale-se das contribuições teóricas realizadas por Erik Olin
Wright dentro da tradição marxista em análise de classe e da sua aplicação na
investigação comparativa dos "efeitos de classe" no capitalismo contemporâneo.
O entendimento da estrutura social brasileira, no entanto, coloca os seus
próprios desafios. Uma classificação socioeconômica para o Brasil deve refletir
a solução criativa desses desafios no desenho das suas categorias. A
especificidade da estrutura de classes no país parece materializar-se, de modo
particular, na geração de uma grande heterogeneidade socioeconômica em um
hipertrofiado segmento de auto-emprego e na constituição de formas exacerbadas
de destituição, dentro e fora do universo do trabalho assalariado, quando não
de exclusão do sistema social de produção. Esta parte formaliza as dimensões
teóricas e considerações analíticas gerais que fundamentam ou orientam a
construção das categorias e segmentações empíricas de classe que refletem o
contexto social brasileiro.
Relações de classe e categorias de classe
A existência das classes conecta-se à dimensão social relacional de um sistema
de produção. As diferentes formas de relações de classe são definidas pelos
tipos de direitos e poderes sobre os recursos produtivos e as correspondentes
relações de poder envolvidas no modo como as atividades das pessoas são
reguladas e controladas em um sistema de produção. A noção de relações de
classe destaca os padrões estruturados de interação associados à propriedade
dos recursos produtivos básicos da sociedade. A noção de localização ou posição
de classe, por sua vez, pretende definir a posição ocupada pelo indivíduo
dentro das relações de classe. A linha de investigação baseada em categorias de
classe, em vez do estudo das relações de classe em si, reflete uma modalidade
de pesquisa em que o indivíduo é a unidade de observação (Wright, 2005). Tendo
em vista o critério teórico de relação das pessoas com o sistema de produção e
as marcas que essa relação deixa na estrutura do emprego, as distinções
primárias realizadas, em termos de status do emprego, delimitam as categorias
de empregador, auto-empregado, empregado, empregado doméstico e trabalhador
excluído da produção. A categoria diferenciada de empregado doméstico
justifica-se devido à especificidade do trabalho de produção de valores de uso
para o âmbito domiciliar e ao seu peso na estrutura social brasileira. A
extensão e as implicações das tendências excludentes contemporâneas do papel da
força de trabalho no sistema de produção fundamentam a consideração da posição
de trabalhador excluído ou excedente.
Modelo de duas classes, complexidade e localizações contraditórias
O marxismo concebe os proprietários de capital e os trabalhadores assalariados
como as duas classes básicas, fundamentais do modo de produção capitalista.
Entretanto, na sociedade capitalista contemporânea, formam-se complexos feixes
de poderes e direitos sobre os recursos produtivos, em vez de uma simples,
binária, estrutura de direitos de propriedade. O poder básico sobre a alocação
dos ativos de capital e a operação dos fluxos de renda permanece sob controle
privado dos capitalistas, mas os direitos e poderes de propriedade podem ser
decompostos e redistribuídos, de modo que as relações de classe distanciam-se
da forma simples, abstrata, perfeitamente polarizada (Wright, 2005). A
organização da produção e o funcionamento do mercado de trabalho ensejam a
constituição de localizações privilegiadas de apropriação entre os empregados,
ou seja, de localizações contraditórias de classe, em que se entrecruzam os
interesses opostos do capital e do trabalho assalariado. Formando o núcleo das
localizações de classe média, os empregados especialistas se apropriam de uma
porção do excedente social devido ao seu papel na reprodução dos sistemas
peritos e os gerentes usufruem o mesmo privilégio devido ao seu lugar nas
hierarquias de comando-dominação dentro da produção (Wright, 1997, pp. 19-25).
Vale a pena notar, no entanto, que em seu último livro Wright propôs certa
mudança na abordagem da dimensão de qualificação/credencial, nomeadamente que
esta deve ser pensada como definindo estratos dentro da classe de empregados,
em vez de localizações contraditórias de classe como tais. Essa reformulação
decorreria particularmente da dificuldade de conciliar uma concepção relacional
das classes sociais com o reconhecimento da natureza gradacional da dimensão de
qualificação (Wright, 1997, pp. 527-8). Caberia colocar em discussão, além
disso, a definição da qualificação como um "ativo incorporado à força de
trabalho" (Wright, 1997, p. 23). A dimensão de qualificação/perícia, no
entendimento firmado aqui, foi considerada antes um bem socialmente definido e
um componente da estrutura e da organização do trabalho. Realça-se assim o
entendimento de que o seu poder causal depende tanto do contexto ocupacional e
organizacional como das estruturas de oportunidade geradas no mercado de
trabalho (Sørensen e Kalleberg, 1981; Spenner, 1983). Tal passo teórico permite
evitar a noção de "capital humano", no sentido de atributo produtivo
individual, ou seja, um recurso produtivo indissociável da pessoa e
transportável de um emprego para outro. A delimitação das posições de classe
média considera os componentes de qualificação/perícia e de controle/autoridade
incorporados às estruturas de trabalho.
O controle de ativos de capital comporta diferenciações em termos de escala e
modalidade de divisão do trabalho. A distinção conceitual entre capitalistas e
pequenos empregadores pretende contrastar as duas categorias, conforme a
justificativa teórica de Erik Olin Wright, baseando-se no critério de divisão
do trabalho entre empregador e empregados. O pequeno empregador típico
representaria um detentor de ativos de capital que trabalha lado a lado com os
empregados, fazendo muitas vezes o mesmo trabalho, mas beneficiando-se da
apropriação do trabalho excedente, enquanto o capitalista propriamente dito,
ainda que tenha uma firma pequena, não realiza o mesmo tipo de trabalho dos
empregados, estando engajado fundamentalmente nas tarefas de condução do
negócio. Essa demarcação permite considerar a categoria de pequeno empregador
um tipo de "localização contraditória" que combinaria simultaneamente
características da classe capitalista e da pequena-burguesia (Wright, 2004b).
Composição de classe do auto-emprego
A teoria de classe enfrenta o desafio de explicar a reprodução em ampla escala
do auto-emprego, em países de capitalismo dependente, como o Brasil, e de
entender o seu "retorno" nas economias capitalistas avançadas. O livro
Estrutura de posições de classe no Brasil (Figueiredo Santos, 2002) constatou e
procurou interpretar o fenômeno da dimensão elevada e da heterogeneidade do
auto-emprego na configuração social brasileira. A pequena-burguesia expande-se
no Brasil na área urbana, equiparando-se em distribuição à pequena produção
agrícola, devido à transição setorial que reduz o peso da agricultura e
favorece a economia de serviços menos capitalizados e com menores barreiras de
entrada. A reprodução do auto-emprego precário, por sua vez, pode ser atribuída
aos processos que tornam excedente uma parte da população trabalhadora
disponível, aos mecanismos de exclusão do controle de ativos economicamente
relevantes e aos espaços intersticiais mantidos no mercado de produtos e
serviços (Figueiredo Santos, 2002, pp. 280-282). Nos países de economia
avançada constata-se um "retorno" do auto-emprego, porém acompanhado do
declínio da pequena-burguesia tradicional e também do auto-emprego baseado em
"ofício", e a crescente heterogeneidade dominante nessa atividade. Na realidade
de hoje dos países desenvolvidos, o auto-emprego é freqüentemente uma atividade
individual, crescentemente feminina e envolvendo particularmente tanto as
profissões liberais como os domínios historicamente associados com atividades
marginais. Esse auto-emprego não conduz necessariamente à criação de pequenas
empresas e não pode ser equiparado a uma atividade empresarial (Arum e Muller,
2004). A decomposição de classe do universo do auto-emprego considerou como
critérios teoricamente diferenciadores a dimensão de ativos de capital, o
controle de recursos de qualificação/perícia e o recorte setorial agrícola/não
agrícola.
Situações ambíguas de classe e ordemde dominância
Na tipologia de classe de Erik Olin Wright, na sua forma desenvolvida, em que
as três dimensões de diferenciação de classe são tricotomizadas, existem as
localizações ambíguas de classe de trabalhadores qualificados e supervisores
não qualificados, que compõem a classe trabalhadora ampliada, e de supervisores
qualificados, que integram a classe média ampliada. John Goldthorpe, por sua
vez, valoriza especialmente o papel das relações e condições de emprego na
determinação das chances de vida e na formação da consciência social. A
inclusão no seu esquema de classe das categorias de empregados não manuais de
rotina, técnicos de menor grau e supervisores de trabalhadores manuais,
constituiria o ponto maior de discordância em relação ao esquema de classe de
Wright, ao menos no que diz respeito à problemática da proletarização da
estrutura de classes do capitalismo contemporâneo (Marshall et al., 1993, p.
103). Entretanto, a distância entre os dois esquemas de classe não parece tão
grande quando Goldthorpe define a condição de classe que polariza essas
categorias. Os empregos não manuais de maior grau são aproximados do núcleo
gerencial-especialista, os empregos não manuais de menor grau são aproximados
dos trabalhadores manuais não ou semiqualificados, e os técnicos de menor grau
e supervisores do trabalho não manual são aproximados dos trabalhadores manuais
qualificados (Erikson e Goldthorpe, 1992, pp. 35-47). Em seu consagrado estudo
sobre a mobilidade social e a estrutura de classe da Inglaterra moderna,
Goldthorpe situa os técnicos de menor grau e os supervisores do trabalho manual
como um segmento de "elite de colarinho azul" de uma classe trabalhadora
ampliada (Edgell, 1995, p. 30).
As categorias de classe são definidas na presente classificação em termos de
poderes e direitos exercidos sobre os recursos produtivos e não conforme a
natureza da relação de emprego e a sua forma de regulação. A abordagem
empreendida não considera a existência de uma configuração social mista de
relação de emprego, ou seja, de uma espécie de "classe intermediária" entre os
assalariados, que combinaria regras de "relação de serviço" da classe
gerencial-profissional e de "contrato de trabalho" da classe trabalhadora.
Entre a classe média gerencial-profissional e a classe trabalhadora
proletarizada, constituem-se situações ambíguas de classe (zona de sombra),
existindo nas condições concretas da estrutura social brasileira uma ordem de
dominância que faz com que esses segmentos alinhem-se a uma dimensão de classe
trabalhadora ampliada (Figueiredo Santos, 2002, pp. 118-119).
Grande agregado e segmentação da classetrabalhadora
Ao considerar a inadequação do "modelo de duas classes" e delinear o seu
esquema de classe, Erik Olin Wright incorporou diretamente na conformação das
localizações de classe a complexidade real no modo como os direitos e os
poderes sobre os recursos e as atividades econômicas são distribuídos.
Entretanto, essa estratégia serve basicamente ao propósito de delimitar as
localizações contraditórias de classe e distinguir o agregado da classe
trabalhadora. O livro Estrutura de posições de classe no Brasil (Figueiredo
Santos, 2002), além disso, incorporou na tipologia determinadas divisões
internas (segmentos ou estratos de classe) que matizariam a configuração social
da classe trabalhadora no Brasil. Os trabalhadores proletarizados foram
segmentados considerando particularmente o tipo de trabalho (manual/não manual)
e o setor de trabalho (agrícola/não agrícola). A Classificação Socioeconômica
do Reino Unido, no entanto, descarta a divisão manual/não manual como uma
distinção obsoleta e enganosa devido às mudanças na natureza e estrutura tanto
da indústria como das ocupações. A classificação em questão prefere estabelecer
entre os trabalhadores, independentemente do caráter manual ou do setor de
trabalho, uma distinção entre ocupações que incorporam ao menos alguns
elementos de autonomia de trabalho, ocupações de semi-rotina, e aquelas em que
há um mínimo de autonomia de trabalho, ocupações de rotina (Rose e O'Reilly,
1998). Essa visão supõe que a forma de regulação da relação de emprego, base
conceitual da classificação, independe do caráter manual ou não manual do
trabalho, de modo que a classificação seria capaz de reconhecer a existência de
tipos de trabalho não manual menos autônomos do que outros tipos de trabalhos
manuais ou de tipos de trabalho não manuais e manuais submetidos à mesma forma
de contrato de trabalho. O magistral estudo de Duncan Gallie e colaboradores,
sobre a reestruturação do emprego na Inglaterra nos anos de 1990, demonstrou
que "o aumento da autonomia de tarefa, não significa uma redução nos controles
organizacionais". Os sistemas de controle, envolvendo tanto sanções como
recompensas, são considerados os fatores críticos que introduzem, entre os
assalariados, uma "diferença definidora crucial nas relações de classe" (Gallie
et al., 1998, p. 312). O critério de autonomia de tarefa, em si, não aponta
para a transformação do caráter de classe da relação de emprego, mas serve para
gerar esse tipo de estratificação interna da classe trabalhadora. Em relação a
essa solução preconizada na Classificação Socioeconômica do Reino Unido, cabe
levar em conta que, no Brasil, a PNAD não fornece nenhum indicador explícito de
autonomia no desempenho das tarefas de trabalho. Entretanto, o critério de
trabalho efetuado por operações físicas, com resultados materiais discretos,
operacionalizável com base na denominação ocupacional, serviria como parâmetro
para uma abordagem ao grau (restrito) de autonomia na especificação do processo
de trabalho. Quando a atividade de trabalho possui um componente físico claro,
com resultado (output) material específico e bem definido, ainda que não seja
classificada convencionalmente como manual, o esforço do trabalhador pode ser
facilmente observável, portanto suscetível de ser submetido ao controle externo
direto através de mensuração e supervisão (Goldthorpe, 2000, pp. 215-216).
Na verdade, o novo sistema de classificação do Reino Unido também não usa um
indicador direto de autonomia. São feitos julgamentos "informados" a respeito
dos níveis modais de autonomia associados com certos títulos ocupacionais e
então imputados níveis de autonomia a todos os que se concentram nessas
ocupações. Essa situação reflete o que seria, na visão de Erik Olin Wright, o
maior problema metodológico de modelização da mensuração de classe social, ou
seja, "em que medida a estratégia analítica envolve a tentativa de mensurar as
dimensões relacionais subjacentes em si mesmas ou, ao contrário, depende de
sistemas convencionais de classificação e imputa propriedades relacionais a
estas categorias convencionais"? (Wright, 2004b).
No delineamento e segmentação da classe trabalhadora restrita optou-se no
presente trabalho por um caminho diferente do estudo anterior. Foram explorados
os elementos de convergência e de similaridade de condições no interior da
classe trabalhadora restrita e a sua segmentação foi abordada por meio da
delimitação dos papéis e tarefas de trabalho que se associariam a processos
agudos de destituição econômica. A divisão social do trabalho e a operação do
mercado de trabalho, nas condições concretas da realidade brasileira,
produziriam uma associação particularmente forte entre as características
elementares dos papéis e das tarefas de trabalho, passíveis de serem captadas
mediante as denominações ocupacionais, e a acentuação dos processos de
destituição econômica. Entretanto, todos os segmentos da classe trabalhadora
restrita ou "pura", que exclui as situações ambíguas dos empregados
qualificados e supervisores, possuem como denominador comum a posição
subordinada nos âmbitos dos sistemas peritos e das hierarquias de autoridade
incorporadas às estruturas de trabalho.
Questões metodológicas na construçãoda tipologia
A tipologia representa uma classificação conceitual formada por um conjunto
exclusivo e exaustivo de categorias, em que cada caso pertence a uma categoria
(exaustividade) e nenhum caso está em mais de uma categoria (exclusividade). As
categorias devem ser internamente homogêneas com respeito aos atributos
relevantes e claramente separadas (e dessemelhantes) das demais categorias. Uma
tipologia de posições de classe é uma classificação qualitativa, que pode ser
gerada sem quantificação ou análise estatística, pois as suas células
representam tipos conceituais, em vez de casos empíricos. Porém, como a
tipologia representa um instrumento analítico a serviço da investigação
empírica, deve-se estabelecer a correspondência entre o tipo conceitual e a sua
contraparte empírica. Foi adotada na construção tipológica a estratégica
clássica, dedutiva, em que os conceitos são formados e, posto isso, são
identificados os casos empíricos para cada tipo conceitual (Brailey, 1994).
A tipologia precisa ser o mais apropriada possível para a elaboração de
narrativas causais e para o entendimento de como as posições de classe
desempenham um papel mediador e/ou moderador em relação a outras variáveis e os
seus efeitos são mediados e/ou moderados via determinadas variáveis
específicas. As variáveis consideradas mediadoras e/ou moderadoras entre a
posição de classe e a geração de determinados efeitos, como a educação, por
exemplo, não devem constar da operacionalização de classe, visando a garantir a
transparência analítica e a correta estipulação dos elos causais.
Desenho da classificação socioeconômicapara o Brasil e operacionalizaçãodas
categorias empíricas
A demarcação das categorias de classe leva em conta a "posição na ocupação",
conforme a terminologia da PNAD, ou o status do emprego, distinguindo-se as
posições de empregador, empregado, trabalhador por conta própria e empregado
doméstico. A transformação das variáveis originais, visando a construir as
categorias empíricas de classe, segue essa lógica, pois foram obtidas em um
processo de desagregação sociológica desses grandes agrupamentos. A atual
classificação beneficia-se da nova Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)
' Domiciliar, aplicada pelo IBGE no Censo Demográfico de 2000 e na PNAD de 2002
em diante, que permitiu dessa vez, por exemplo, separar gerentes e
supervisores. Trata-se de uma classificação ocupacional compatível com a
International Statistical Classification of Occupations (ISCO-88) em termos da
sua lógica de construção, baseada na similaridade de qualificação, considerando
o nível e a área de especialização, necessária para o desempenho das tarefas e
obrigações dos empregos (Hoffmann, 1999, pp. 6-7). Essa versão brasileira
possui um detalhamento de 519 grupos ocupacionais desagregados, o que
representa uma vantagem para o pesquisador que utiliza os microdados, mas
estranhamente não delimita o grande agrupamento de "ocupações elementares",
como faz o original internacional. O tratamento do grande grupo das forças
armadas (0,4%), ao seguir a solução ISCO-88, resultou em um empobrecimento em
relação às PNADs anteriores, pois não distingue mais os subgrupos, o que
implicou na sua exclusão da presente classificação.
O Quadro_2 apresenta as categorias e os critérios operacionais da classificação
socioeconômica para o Brasil. A versão apresentada aqui não contempla a
diferenciação interna das 13 categorias em subgrupos socioeconômicos, nem o
tratamento das diferentes formas de inatividade econômica, a exemplo do
trabalhador excedente (desempregado).
A classificação considera a situação distinta dos proprietários de ativos
relevantes de capital e delimita uma categoria única de pequenos empregadores,
ao contrário do estudo anterior, que procurou diferenciar a situação dos
"microempregadores".3 A dupla denominação de "Capitalistas e fazendeiros",
usada para designar a categoria de classe mais privilegiada, serve não apenas
para lembrar a existência dos capitalistas agrícolas, mas para indicar a
presença na categoria de grandes proprietários agrícolas, em termos de
quantidades de área de terra controladas, mesmo que com menos de 11 empregados
permanentes no estabelecimento.4
Os trabalhadores por conta própria foram diferenciados, em um primeiro nível,
conforme a divisão setorial agrícola/não agrícola, que pode ser vista também
como uma divisão entre controladores de ativos de capital e de terra. Já os
conta-próprias não agrícolas foram segmentados de acordo com os critérios de
controle de ativos produtivos físicos e de recursos de qualificação. Cabe
lembrar que a PNAD oferece como indicador da posse de ativos de capital a
especificação do empreendimento que possui estabelecimento.5 Na definição da
qualificação ocupacional, foi dado um tratamento semelhante ao dos empregados,
baseado nos mesmos grupos ocupacionais, sem usar os anos de estudo.
A classificação separa o pequeno segmento altamente privilegiado de
especialistas autônomos. A categoria é composta não apenas de trabalhadores por
conta própria, mas também de empregadores com até cinco empregados. Enfatizou-
se o papel central do conhecimento perito do titular no funcionamento do
empreendimento desses empregadores com reduzido número de empregados.
Os conta-próprias agrícolas compõem-se daqueles produtores que possuem acesso à
terra e trabalharam para si, sem contratarem o trabalho de terceiros, ainda que
10,9% tenham dois ou mais trabalhos, conforme dados da PNAD de 2002, o que pode
afetar a renda do trabalho principal, pois implica em menor comprometimento com
o seu empreendimento. Desconsiderando os casos de trabalhadores não remunerados
membros do domicílio, a maioria da categoria original compõe-se de
proprietários (63,8%), mas se encontram aí cessionários (14,2%), parceiros
(9,6%), arrendatários (6,9%) e posseiros (4,5%).
Os conta-próprias não agrícolas controlam algum "capital", materializado no
estabelecimento do empreendimento, ou quando não possuem propriamente
estabelecimento, beneficiam-se de uma ocupação qualificada, como técnico de
nível médio, para citar a condição típica considerada, ainda que são sejam
peritos, como os auto-empregados especialistas. O critério isolado de exercício
de uma ocupação qualificada, no entanto, possui um impacto quantitativo um
tanto residual. O principal objetivo desse procedimento foi o de demarcar, de
modo mais preciso, por um processo de contraposição, a categoria de
trabalhadores por conta própria precários. Desconsiderando os casos de membros
não remunerados do domicílio reclassificados para essa posição de classe, os
conta-próprias com ocupação qualificada mas sem estabelecimento representam
apenas 0,5% do conjunto das posições de classe constituídas, os conta-próprias
com estabelecimento e qualificação são 1,0% e aqueles com estabelecimento mas
sem qualificação somam 5,9%.
A categoria de trabalhadores por conta própria precários visa a delimitar, de
forma aproximada, o grande segmento de trabalhadores por conta própria, porém
destituído de ativos de capital e de recursos de qualificação, que obtém a sua
sobrevivência aplicando a sua capacidade de trabalho na produção e/ou venda de
produtos ou serviços no mercado. Essa categoria inclui, além disso, os
trabalhadores na produção para o próprio consumo (4,0%) e os trabalhadores na
construção para o próprio uso (0,2%), que não possuem renda monetária e
encarnam situações extremas de destituição material.
Os empregos assalariados de classe média, ou as localizações privilegiadas de
apropriação, na definição de Erik Olin Wright, estão representados pelas
categorias de empregados especialistas e gerentes. As situações ambíguas de
classe entre os assalariados, em termos de componentes de qualificação e
autoridade incorporados às estruturas do trabalho, materializam-se nas posições
de empregados qualificados e supervisores. O tratamento da dimensão de
qualificação e perícia representou um problema bastante espinhoso, pois essa
dimensão parece ter, em certa medida, uma lógica de graduação, no sentido de
incorporar mais ou menos de alguma coisa. Esse problema levou Wright,
inclusive, a reconsiderar o status teórico da dimensão de qualificação e tratá-
la antes como uma distinção de estrato dentro da classe dos empregados em vez
de uma localização contraditória de classe como tal (Wright, 1997, p. 527). As
distinções entre empregados "especialistas", "qualificados" e "trabalhadores"
revestem-se de complicações devido tanto à dimensão relativa da definição
social da qualificação como à influência da estrutura de oportunidade do
mercado de trabalho na especificação do valor econômico da qualificação. A
construção operacional da presente classificação adotou uma solução um tanto
mais "expansiva" para a categoria de especialistas e para a de empregados
qualificados.6
Nessa classificação, de modo diferente do estudo anterior do autor, a classe
trabalhadora restrita foi dividida em apenas dois segmentos, considerando os
elementos de agregação e de similaridade de condições de cada categoria no
âmbito da divisão social do trabalho e do mercado de trabalho. Foi enfatizada a
necessidade de diferenciar o seu segmento mais destituído de "trabalhadores
elementares", em termos da natureza dos papéis e das tarefas de trabalho.
Considerou-se que seria interessante explorar, no contexto social brasileiro,
as diferenças existentes entre o trabalhador proletarizado "padrão" e o
trabalhador "elementar" mais destituído, supondo uma aproximação deste último,
em termos de mobilidade de circulação e/ou grau de destituição econômica, com
as categorias de conta própria precários e empregados domésticos.
A Tabela_1 apresenta a distribuição percentual das categorias de classe,
conforme os dados da PNAD de 2002, e suas respectivas rendas médias. A
distribuição aqui mostrada incorpora o resultado do processo de alocação de
classe "apropriada" dos trabalhadores não remunerados membros da unidade
domiciliar.7 Os dados de renda média visam basicamente a indicar as demarcações
estruturais estabelecidas pelas categorias de classe, em termos de diferenças
de renda, mas não serão explorados nesta descrição dos resultados alcançados. A
inclusão dos trabalhadores não remunerados membros do domicílio no cálculo da
renda média, em uma das colunas da Tabela_1, serve para expressar os padrões
per capita de renda disponível para o consumo dos indivíduos engajados nas
circunstâncias de classe familiares.8 No caso dos conta-próprias precários, um
procedimento complementar de inclusão de casos sem renda monetária foi adotado
visando a fazer com que a categoria reflita o grau de destituição extrema
encontrado particularmente entre os trabalhadores de autoconsumo.
Os capitalistas formam um ínfimo fragmento da estrutura de classe (0,6%), um
resultado muito similar ao encontrado no estudo anterior (0,5%). Já o peso dos
pequenos empregadores (4,0%) ultrapassa ligeiramente aquele registrado com os
dados de 1996 (3,7%). O aumento entre os auto-empregados especialistas, de 0,7%
para 1,0%, pode ser explicado pelo fato de a nova solução operacional incluir
nesta categoria empregadores especialistas com até cinco empregados (Figueiredo
Santos, 2002, p. 80).
A classificação usa uma solução operacional mais expansiva para a categoria de
empregados especialistas e mostra uma composição de classe média assalariada
abarcando 6% da estrutura social, apurada por meio da soma de especialistas e
gerentes.9 Os problemas de mensuração da classe média assalariada já tinham
levado o estudo anterior a apresentar uma solução restritiva (4,0%), usada no
decorrer do trabalho, e uma estimativa alternativa mais expansiva (6,6%)
(Figueiredo Santos, 2002, pp. 117-21).
Os trabalhadores por conta própria não agrícolas representam 7,3% dos casos,
contra 7,0% no estudo anterior. Por outro lado, a categoria de conta-próprias
agrícolas representa 7,8% dos casos, contra 13,5% no estudo anterior, devido em
grande parte à não inclusão nesta categoria dos trabalhadores no autoconsumo
(4%), que foram agora diretamente alocados entre os conta-próprias precários,
visando a enfatizar a condição de profunda destituição do segmento. Já os
trabalhadores por conta própria precários, situados no pólo destituído do auto-
emprego, totalizam 14,6% dos casos, contra 14,7% antes (Figueiredo Santos,
2002, pp. 80 e 117).10 Cabe não esquecer que uma parte ponderável deste último
contingente possivelmente compõe-se de formas disfarçadas ou degradadas de
trabalhado assalariado (Figueiredo Santos, 2002, pp. 124-126).
A classe trabalhadora ampliada, agregando os empregados qualificados e os
supervisores, representa 50,7% da estrutura social, o que equivale a um
resultado 2% abaixo daquele encontrado em meu estudo anterior, de 52,7%.
Entretanto, a divergência entre os dois estudos reduz-se a 0,6%, ao ser
considerada a estimativa mais restritiva da classe trabalhadora ampliada, que
totalizou 50,1% dos casos com os dados de 1996. A discrepância mais
significativa diz respeito aos efetivos da classe trabalhadora restrita, que na
presente classificação perfaz apenas 42,4% contra 47,8% no estudo anterior.
Parte deste "encolhimento" parece estar associado a uma grande ampliação dos
efetivos dos empregados qualificados, que totalizam hoje 6,7% dos casos contra
3,8% no estudo anterior. A tipologia anterior tinha a categoria de
trabalhadores não manuais mais graduados (1,9%) próxima dos empregados
qualificados, e o importante contingente de professores na educação infantil,
com formação de nível médio ou superior, está sendo agora incluído entre os
empregados qualificados.11 Note-se que parte do encolhimento da classe
trabalhadora entre os dois estudos permanece "não explicada" e demanda por uma
investigação mais detida. Além do problema introduzido pelas mudanças na
própria classificação, caberia averiguar os papéis relativos da flutuação
reversível dos níveis de emprego e da destruição estrutural de posições no
período de 1996 a 2002. Os empregados domésticos, por fim, somam 8,1% dos
casos, contra 7,8% no estudo anterior (Figueiredo Santos, 2002, pp. 80 e 120).
Conclusão
O valor científico da classificação aqui apresentada deve ser julgado
naturalmente pela sua utilidade como instrumento de investigação empírica dos
processos de produção e reprodução da desigualdade social. Esse instrumento de
mensuração do conceito sociológico de classe social foi submetido a um processo
de validação de constructo, em que foi testada uma proposição, baseada na
tradição marxista de análise de classe, acerca da relação do conceito de classe
ao conceito de raça, na explicação de diferenças de renda entre a população
brasileira. Foi investigado o condicionamento que a esfera da desigualdade de
classe exerce sobre a desigualdade de raça no Brasil abordando-se as variações
da distância (gap) racial de renda entre brancos e não brancos (pardos e
pretos) através da estrutura de posições de classe (Figueiredo Santos, 2005).
Recorreu-se à técnica de regressão linear visando a descortinar a conformação
da desigualdade racial e as manifestações mais relevantes do papel "moderador"
das categorias de classe na atenuação ou exacerbação dos efeitos de raça na
renda pessoal. Grande parte do gap racial bruto mostra-se mediado diante do
acesso ou alocação desigual à condição de classe, educação e região geográfica,
mas persiste uma significativa desvantagem direta. O gap racial direto a favor
dos brancos está presente em quase todas as categorias de classe, após o
controle estatístico das desigualdades em termos de alocação de classe,
educação, anos de trabalho, anos no trabalho principal, região geográfica,
residência urbana/rural, migração, setor privado/público, grandes setores
econômicos, gênero e condição na família, porém o seu efeito é
significativamente moderado pela condição de classe. As variações de classe do
gap racial ocorrem mesmo após o controle do resultado produzido pelos
mecanismos de alocação que explicariam a distribuição desigual dos grupos
raciais entre as posições de classe desigualmente recompensadas. O gap racial
de renda é mais elevado entre as posições de classe média e de modo especial
entre os gerentes. Entre os denominados capitalistas, esse gap tornar-se
estatisticamente não significativo, devido à natureza mais despersonalizada dos
mecanismos de determinação de renda dessa categoria, porém há muito poucos não
brancos nessa condição. Os níveis mais baixos de gap racial são registrados
justamente entre os segmentos plenamente proletarizados da estrutura de classe
e especialmente entre as categorias mais destituídas. Esse resultado confirma a
expectativa da teoria marxista de que a condição de exploração de classe comum
restringe, em certa medida, o impacto das divisões raciais no interior da
classe trabalhadora restrita. A investigação empreendida demonstrou com êxito a
validade de constructo dessa classificação socioeconômica, baseada em uma
abordagem de classe social, para o estudo das divisões estruturais da sociedade
brasileira e suas conseqüências para a renda das pessoas.
NOTAS
1 Os pesquisadores que tiverem interesse em aplicar ou conhecer melhor esta
classificação podem solicitar ao autor o seu detalhamento operacional ou mesmo
os algoritmos na sintaxe do SPSS, enviando um e-mail para
jalcides@ichl.ufjf.br.
2 Está em franco desenvolvimento a produção de uma classificação socioeconômica
européia, a ser usada pelos países membros da União Européia, em particular na
pesquisa comparativa sobre os componentes da qualidade de vida e da coesão
social, tais como saúde, condições de vida e situação econômica. Ver http://
www.iser.essex.ac.uk/esec/.
3 A demarcação operacional entre capitalistas e pequenos empregadores com base
no critério de número de empregados segue de modo aproximado a solução
implementada no projeto internacional coordenado por Erik Olin Wright e leva em
conta os limites da PNAD, cujo questionário diferencia os empreendimentos
apenas até o limite de 11 empregados ou mais (Wright, 1997, p. 76).
4 O Censo Agropecuário de 1995-1996 revela entre os estabelecimentos com mil
hectares ou mais, que controlam 45,1% das terras, a existência de uma parcela
ponderável de proprietários que possui menos de 11 empregados permanentes
(IBGE, 1998).
5 Na definição da PNAD, possui estabelecimento o empreendimento situado em
local apropriado especificamente para o exercício do trabalho ou para a
administração ou gerenciamento das tarefas, internas ou externas, e com acesso
independente para entrar e sair sem passar por locais de habitação. O
estabelecimento poderia ser do tipo loja, fábrica, escritório, consultório,
galpão etc., mas também banca de jornal ou quiosque fechado e fixado no terreno
(IBGE, 2003).
6 Os especialistas passaram a incluir, por exemplo, os professores do segundo
grau e do ensino profissional com formação superior. Já a categoria de
empregados qualificados, composta amplamente pelos técnicos de nível médio, foi
igualmente expandida, na comparação com o estudo anterior, ao incluir não
apenas os professores do ensino fundamental e profissionalizante, mas também os
professores do ensino infantil com formação de nível médio ou superior. A
categoria inclui, além disso, alguns casos especiais de operários qualificados,
a exemplo dos operadores de instalações químicas e petroquímicas e mecânicos de
manutenção aeronáutica, e alguns grupos ocupacionais um tanto mistos de
trabalhadores em serviços, como caixas de banco e operadores de câmbio,
policiais e inspetores (federais, estaduais e civis) e trabalhadores dos
serviços diretos a passageiros (comissário de bordo, aeromoça etc.). As
soluções operacionais para as categorias de especialistas e empregados
qualificados não seguem exatamente a separação promovida pela PNAD entre os
grandes grupos ocupacionais de "profissionais das ciências e das artes" (grupos
ocupacionais números 2.011 a 2.631) e "técnicos de nível médio" (grupos
ocupacionais números 3.001 a 3.912).
7 Conforme procedimento utilizado e justificado teoricamente no estudo anterior
do autor, foi atribuída a posição de classe da pessoa de referência do
domicílio aos trabalhadores não remunerados com um grande comprometimento com o
empreendimento econômico domiciliar ao qual estariam vinculados (30 horas de
trabalho ou mais na semana), desde que a pessoa de referência tenha uma posição
passível de agregar não remunerados (segundo a PNAD, empregador, conta própria
ou empregado agrícola) (Figueiredo Santos, 2002, pp. 71-72). Exclui-se, no
entanto, o pequeno contingente de "outros trabalhadores não remunerados"
desvinculados da atividade domiciliar.
8 Os trabalhadores não remunerados membros do domicílio, agregados entre as
categorias, não possuem renda própria, mas o seu consumo origina-se da renda
gerada pelo empreendimento domiciliar ao qual se vinculam. Já os trabalhadores
no autoconsumo representam situações individuais e existem apenas em atividades
no setor agrícola em sentido amplo. Os casos de trabalhadores de renda zero
correspondem a 31,6% dos conta-próprias precários (28,5% representam
trabalhadores no autoconsumo, pois esta categoria agrega muito poucos não
remunerados membros do domicílio), 27,3% dos conta-próprias agrícolas, 8,4% dos
pequenos empregadores, 5,5% dos conta-próprias não agrícolas, 2,6% dos
capitalistas e fazendeiros, 1,6% dos trabalhadores elementares e 0,5% dos auto-
empregados especialistas.
9 Além dessa mudança operacional, cabe registrar que a PNAD criou a partir de
2002 um grande agrupamento de Profissionais das Ciências e das Artes, composto
de 77 grupos ocupacionais distintos, o que pode ampliar em certo grau a
classificação dos casos, como especialistas, na comparação com as PNADs
anteriores.
10 No estudo anterior, esse procedimento de alocação dos trabalhadores de
autoconsumo como por conta própria precários já tinha sido adotado, porém, num
segundo momento, quando do delineamento das macroposições de classe (Figueiredo
Santos, 2002, pp. 124-125). A comparação do peso dos conta-próprias precários
nos dois estudos já considera essa alteração. Note-se que a incorporação dos
trabalhadores não remunerados vinculados ao empreendimento domiciliar, com uma
presença muito forte na agricultura, faz com que a participação dos
trabalhadores por conta própria agrícolas na estrutura social salte de 5,8%
para o patamar registrado de 7,8%.
11 Essa nova solução operacional, de caráter um tanto experimental e aberta ao
crivo de reflexões e investigações futuras, levou em conta o critério de valor
relativo dos ativos de qualificação, em um contexto de baixo nível educacional
absoluto e alto grau de desigualdade educacional, como o prevalecente no
Brasil. Deve-se ponderar, no entanto, que o valor econômico dos ativos de
qualificação depende das estruturas de oportunidade geradas no mercado de
trabalho. Além disso, a partir de 2002, a PNAD criou um grande agrupamento de
Técnicos de Nível Médio, composto de 114 grupos ocupacionais diferenciados,
abrangendo todas as áreas de atividade. Esse tipo de mudança na estrutura e no
leque da composição ocupacional repercute no resultado da classificação dos
casos.