"Dominando" os bárbaros: Barbados, ativismo abolicionista e classificação da
pena de morte
Introdução
Estamos imersos em classificações. Como sugerem Bowker e Star (1999, p. 26),
cada vez mais habitamos, e aprendemos a pensar, as categorias produzidas pelos
esquemas classificatórios. Numa "sociedade classificatória", tais esquemas
formais e informais fornecem as grades que nos formam, ao mesmo tempo em que
nós os formamos. Eles fazem dos "seres humanos" uma gama de "nós" e "eles".
Usamo-los para juntar, dividir e juntar novamente as pessoas, para criar
segmentações úteis entre grupos. Não há nada mais humano do que classificar, e
nada potencialmente mais destruidor do ser humano. Ao cumprirmos as tarefas que
tornam possível a vida, produzimos centenas de esquemas classificatórios.
Tentamos solidificar os aspectos úteis desses esquemas, e elaboramos práticas
para administrá-los como parte da definição e da resolução de problemas. Nas
tarefas diárias, a forma como classificamos - o número de modos de
classificação que estabelecemos e a tolerância diferenciada com que os tratamos
- produz conseqüências positivas e negativas para a maneira como seres humanos
dentro e entre populações navegam as percepções alheias sobre o "real", o "bem"
e o "mal".
Esquemas classificatórios locais, usando modos alternativos de classificação,
cedem o passo à infra-estrutura cada vez mais complexa e intricada de um
sistema classificatório internacional. O modo singular de classificação desses
esquemas diminui a margem para o pensamento criativo das populações. Os povos,
como cidadãos das unidades governamentais menos poderosas em termos econômicos
e políticos, têm menos oportunidade para participar no estabelecimento dos
esquemas formais de classificação internacional. Ao estabelecerem esquemas
locais de classificação para definição e resolução de problemas, eles têm cada
vez menos espaço do que os seus semelhantes em Estados mais poderosos. Os
ativistas das reformas sociais, no afã de eliminar vestígios de "barbárie",
adotam um modo de classificação sobre o qual as unidades governamentais mais
poderosas têm mais controle; assim, suas atividades bem-intencionadas podem
colaborar para a subordinação dos Estados menos poderosos aos mais poderosos.
Quando, na prática, os ativistas aceitam pressuposições que reivindicam um
esquema de classificação formal, e o modo de classificação deste oferece a
melhor base para assegurar decisões objetivas e racionais, a maneira em que
promovem tal modo facilmente reintroduz soluções universais e práticas
imperialistas. Para problemas morais complexos, as unidades governamentais
menos poderosas se encontram numa terra-de-ninguém moral quando tentam usar
modos alternativos de classificação. As mais afastadas (outliers), que não se
encaixam nos requisitos de uma estrutura taxonômica e de um processo, são
facilmente acusadas de bárbaras, por resistir à eliminação da barbárie da ordem
social moderna ou pós-moderna.
O presente artigo investiga o papel da classificação nas estratégias
abolicionistas para a pena de morte. Referimo-nos ao modo favorecido como o
modo dominante de classificação, sugerindo que o bem-intencionado ativista
social internacional, ao aceitar esse regime classificatório na prática, acaba
tornando-se cúmplice na promoção de práticas imperialistas. Analisamos, em
primeiro lugar, a classificação abolicionista das unidades governamentais na
constituição do universo no qual medem o progresso em direção à abolição
mundial. Em segundo lugar, examinamos como os abolicionistas, aliados às cortes
internacionais incumbidas de aplicar as convenções de direitos humanos,
elaboram estratégias que dependem de contestar a estrutura e o processo
taxonômicos que resultam do modo dominante de classificação. Elaborando
estratégias, eles respondem ao modo dominante de classificação - minando os
conceitos adversos e expandindo os conceitos moralmente úteis. Esquemas e
processos classificatórios de pena de morte que oferecem pouco do material
conceitual do qual suas estratégias dependem criam dificuldades estratégicas
para os ativistas. Buscando formas de contestar tais esquemas, ativistas
promovem o pressuposto de objetividade e racionalidade para o modo de
classificação. Embora críticos desses esquemas e processos, que consideram
desumanos e desvalorizadores da vida (de transgressores e transgredidos), eles
acabam promovendo a submissão ao modo de classificação como forma de controlar
osoutliers, os bárbaros da fronteira, que precisam ser domesticados pela
maneira em que o modo opera a objetividade e a racionalidade.
Os Estados política e economicamente fracos, que por muitas razões que não o
consenso moral ratificaram as convenções de direitos humanos mas não as
incorporaram no seu direito interno, confrontam-se com uma aliança de
abolicionistas e cortes internacionais que minam seus poderes constitucionais
ao colocarem-nos em oposição aos pressupostos de objetividade e racionalidade
do modo dominante. Para ilustrar a dinâmica decorrente, falaremos de Barbados
como uma unidade governamental pequena e política e economicamente fraca, que
tenta usar um esquema e processo classificatórios de pena de morte incompatível
com elementos essenciais do modo dominante de estrutura e processo. Embora
insistindo na primazia de suas determinações constitucionais para a pena de
morte e a superioridade moral e prática de sua "abordagem integrada à
misericórdia", analisaremos como Barbados falha, mesmo ao recorrer à Corte de
Justiça Caribenha como corte de última instância, na tentativa de agir de
acordo com suas determinações constitucionais.
Embora a tarefa de acabar com a pena de morte seja louvável, e até essencial,
este artigo questiona se os ativistas, ao insistirem na submissão ao modo
dominante de classificação, não se tornam cúmplices na expansão de práticas
imperialistas visando a reanimar (ou continuar) um legado colonial de
dependência cognitiva.
Classificando os classificadores
Para medir o progresso em abolir a pena de morte, os abolicionistas dividem o
mundo em duas categorias primárias - abolicionista e retencionista. Países
abolicionistas aboliram a penalidade para todos os crimes ou apenas a retiveram
para crimes extraordinários. Os países retencionistas, que preservam a
penalidade na lei, são recategorizados pelos primeiros como países
abolicionistas por política ou prática. Unidades retencionistas abolicionistas
são aquelas que exprimem uma política, escrita ou não-escrita, contra a
imposição da lei. Outros, embora não afirmem essa intenção, são abolicionistas
se eles não emitem sentenças ou não aplicam a penalidade há certo número
variável de anos. Com essas classificações, abolicionistas produzem o que
Kronenfeld (1996) chama de estrutura mágica septagonal, que é uma unidade
nuclear para construir estruturas taxonômicas. A razão de classificarem desta
forma revela o motivo para a sua classificação - apresentar a visão mais
positiva possível de uma tendência à abolição mundial. Expandir o número de
países abolicionistas, por meio de critérios que permitem reclassificar
unidades inicialmente retencionistas, permite-lhes listar 120 países
abolicionistas - mais de metade das 227 unidades governamentais do mundo.
Conseguem este quadro positivo convertendo homogeneidades heterogêneas
(conjuntos de igualdades variadas) com uma oposição inicial (retenção e
abolição), num número maior de heterogeneidades homogêneas utilizáveis (usando
aspectos limitados de variação para constituir igualdades aceitáveis). Estas
últimas, então, tornam-se disponíveis para juntar novamente em novas e maiores
homogeneidades heterogêneas aceitáveis.
Apesar do quadro róseo de progresso que essa conversão apresenta, oito das dez
unidades governamentais mais populosas do mundo estão entre as 76 soberanias
retencionistas "plenas". Na categoria abolicionista expandida, 84 são
dependências coloniais. Estas, como Porto Rico, que tem uma provisão
constitucional proscrevendo a pena de morte, são subordinadas a unidades
governamentais soberanas e as provisões constitucionais destas. As unidades
soberanas independentes que são "retencionistas-plenas" expõem à pena de morte
mais que 4 bilhões da população mundial de mais de 6 bilhões (The World Fact
Book, site www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/ja.html, julho de 2005).
Quatro unidades soberanas retencionistas-plenas (Estados Unidos, Indonésia,
Paquistão e Bangladesh) juntas governam 50 milhões a menos que aÍndia, que é a
segunda mais populosa unidade retencionista.
Confrontada com a capacidade de Estados poderosos de resistirem à intervenção
classificatória internacional, os abolicionistas desenvolvem uma "estratégia de
desgaste lenta". Procuram conceitos, como elementos de estrutura e processo
classificatórios operando nesses Estados, para atingir conceitos vulneráveis.
Quais conceitos são vulneráveis depende, em parte, das mudanças na estrutura e
no processo classificatórios da pena de morte, na medida em que o público
responde a esses conceitos. A resposta pública pode ter uma influência direta,
mas geralmente a mudança conceitual advém indiretamente das definições e
práticas que empregaram o mesmo conceito como parte de vários esquemas de
classificação. Por exemplo, o interesse público crescente pelo bem-estar
infantil, e esquemas de classificação estabelecidos para oferecer proteção
legal à criança em geral, à criança em risco ou à criança abusada,
providenciaram munição para estratégias contra a pena de morte que atacaram o
"menor" como conceito vulnerável em esquemas de pena de morte. As conseqüências
de mudanças classificatórias adentram as infraestruturas da classificação legal
internacional, pois algumas leis domésticas servem como precedentes e
jurisprudência, influenciando decisões nas cortes internacionais. De modo
inverso, a subseqüente mudança no direito internacional pode influenciar as
decisões no direito doméstico para produzir uma tendência modernizante no
direito de forma geral, mas as unidades soberanas mais poderosas são mais
capazes de resistir aos esforços de compatibilizar suas provisões
constitucionais para a pena de morte com as consequências de tais mudanças, as
quais influenciam os esquemas internacionais de classificação. As unidades
governamentais menos poderosas, mesmo aquelas que são soberanias independentes,
têm menos poder para lidar com a pena de morte como questão de direitos humanos
de acordo com as suas provisões constitucionais.
Conseqüentemente, as soberanias independentes politicamente fracas que mantêm a
pena de morte enfrentam desafios às suas provisões constitucionais dos
ativistas de direitos humanos que promovem, como um modo dominante de
classificação, esquemas e processos de classificações sobre os quais as
soberanias mais poderosas têm maior controle. Embora as provisões
constitucionais pareçam oferecer, às unidades governamentais soberanas,
controle sobre a visão moral para administrar a pena de morte, esta aparência é
ilusória para as unidades mais fracas, pois os precedentes legais transcendem
as jurisdições nacionais, mesmo quando o direito interno dos Estados fracos
chega a incorporar as provisões dos tratados de direitos humanos que eles
assinam. As cortes internacionais, encarregadas de obrigar a adesão, também são
favoráveis à abolição da pena de morte.
A investigação das respostas abolicionistas e das cortes internacionais à
classificação da pena de morte em Barbados, um Estado soberano, revela como
seus adversários promovem o modo de classificação dominante. Eles apontam
conjunções que julgam dever existir entre provisões constitucionais e
convenções de direitos humanos. A classificação nacional deve ceder à
perspectiva do modo dominante sobre como aplicar as convenções internacionais
de direitos humanos, as quais se emaranham numa infra-estrutura internacional
de sistemas classificatórios (Bowker e Star, 1999).
Constituição, ativistas, cortes e disciplina classificatória
Pela constituição, Barbados mantém a pena de morte. O Estado seleciona o ato
que qualifica para a morte a pessoa transgressora. O seu esquema de pena de
morte não é único, mas raro, pois há apenas um ato - o homicídio - para
qualificar tanto a transgressão como o transgressor. Até o presente momento
(2007), o país não executa ninguém desde 1984. É signatário da Convenção
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR) e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (ACHR) de 1978. Como membro da Organização dos
Estados Americanos, Barbados aceita a sua Carta de Direitos Humanos, modelada
na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (ADRDM) de 1948. Antes
da ocorrência do caso que analisaremos, o país havia aceitado a jurisdição
compulsória da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IACHR), que julga a
conformidade com o ACHR. Os problemas enfrentados por ter um regime de
monarquia constitucional permitem-nos entender que o conceito de soberania,
como glosa de poderes constitucionais, denota homogeneidades heterogêneas para
unidades governamentais e, com isso, o seu potencial de responder às
inconsistências entre como eles administram as provisões constitucionais que
conflitam com o modo dominante de classificação.
Até a sua independência em 30 de novembro de 1966, Barbados, como colônia
britânica, reproduziu revisões do direito inglês no que concerne crimes contra
a pessoa. Após a independência, as mudanças foram consistentes com o espírito
do esquema classificatório herdado. Já em 1957, com a aprovação da Parte II da
Lei de Homicídio (Homicide Act), a Inglaterra fazia distinção entre o homicídio
capital e não-capital, atenuando a penalidade a ser aplicada a este último. Em
1965, a Inglaterra aboliu a pena de morte com a aprovação da Lei do Homicídio
doloso (Murder Act) e a comutação da Seção 1 da Lei sobre Transgressões contra
a Pessoa, de 1861, que havia estipulado: "Quem for condenado por homicídio
doloso deve sofrer morte como criminoso". Como monarquia constitucional, até
1994, Barbados manteve a Lei sobre Transgressões contra a Pessoa, de 1868, cuja
Seção 2 se pautava na Seção 1 da lei inglesa de 1861. Na Lei de 1994, a Seção 2
afirma: "Qualquer pessoa condenada por homicídio doloso será sentenciada, e
sofrerá, morte".
A Seção 1 da constituição, ao afirmar que "Se qualquer lei for incompatível com
esta Constituição, prevalecerá a última, e a lei será nula na medida de sua
incompatibilidade", tornou a constituição a lei da nação. A Seção 26 imuniza as
leis pré-constitucionais de incompatibilidades, afirmando que uma lei "não será
considerada incompatível com, ou em contravenção de, qualquer provisão das
Seções 12 a 23".
O Capítulo II protege "os Direitos e Liberdades Fundamentais do Indivíduo", com
a Seção 15(1) assegurando que "ninguém estará sujeito a uma punição degradante
ou desumana".
Essas provisões são agora o primeiro recurso para os que contestam a
constitucionalidade da pena de morte em Barbados. Sua forma de soberania lhe
subordina ao Conselho Privado (BCP), a mais alta corte recursal, enquanto as
convenções e os tratados de direitos humanos que o país aceitou entre 1976 e
1982 tornam possível o recurso dos seus cidadões às cortes internacionais que
exigem a conformidade. Opositores da pena de morte e advogados de defesa
argumentam contra a Seção 26 da constituição, que dá imunidade para leis
existentes antes da independência. Para eles, não deveria imunizar as leis
contra a Seção 15 (1). Em vez disso, eles a interpretam no sentido de exigir a
compatibilidade entre o direito interno e os tratados internacionais de
direitos humanos dos quais Barbados é signatário. Houve, em 2002, um cruzamento
entre estas contestações e outras que emanam dos precedentes legais
internacionais sobre sentenças obrigatórias.
O Recurso n. 99 do Conselho Privado, de 7 de julho de 2002, no caso de dois
homens condenados por assassinar um homem, sugere que a constitucionalidade é
apenas a aparência exterior de um esforço do modo dominante de classificação
por tratar o país como umoutlierem termos de suas práticas. Esse recurso seguiu
duas decisões da Corte Interamericana sobre pena de morte, uma em 2001 e a
outra em junho de 2002. Na primeira, a decisão confirmou a sentença dada pela
Corte de Apelação do Leste Caribenho (ECCA) contra a sentença de morte
obrigatória e, na segunda, ela ordenou Trinidad e Tobago a atualizar o seu
esquema de pena de morte, de 1925, a revisar a sua sentença de morte
obrigatória e a elevar as condições de suas prisões aos níveis internacionais.1
Lord Hoffmann, pronunciando a decisão majoritária no Recurso n. 99, resumiu a
história do envolvimento barbadiano com tratados de direitos humanos, notando
que a jurisdição compulsória da Corte Interamericana foi quase aceita, embora
não incorporada, quando Barbados enforcou três pessoas condenadas à morte em
1984. Para o recurso de 2002, a decisão majoritária apontou que, entre 1967 e
2000, as convenções de direitos humanos detalharam cada vez mais os direitos
fundamentais, "a obrigação [do Estado] de evitar puniçãos degradantes e
humilhantes, e o seu dever de promover a vida, liberdade e segurança da
pessoa"; mesmo assim, estas convenções não chegaram a proscrever a pena de
morte. Dos anos de 1990 em diante, a Comissão Interamericana, a Corte
Interamericana e o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas deram pareceres
contestando a sentença de morte obrigatória por ser arbitrária e desumana. A
corte achou-a incompatível com a ADRDM, a ACHR e a ICCRP. Para os
abolicionistas, essa contestação abriu alternativas para o que os ativistas
geralmente chamam de "estratégia do desgaste lento" - mudanças incrementais
visando à abolição na prática, em direção à abolicão legal.
A atenção da corte e dos abolicionistas ao conceito obrigatório do esquema
revela a maneira pela qual se opõem unidades governantes outliers, como
Barbados, às exigências de compatibilidade com o modo dominante de
classificação. Ao incluir sentenças obrigatórias, para esquemas
classificatórios que não têm agravantes, os promotores da estratégia do
desgaste lento têm apenas um conceito para empregar na codificação da ordem
moral. Uma contestação aos esquemas e às práticas classificatórios, conceito
por conceito, admite a reconfiguração do conceito de humanidade, de forma a
remover o conceito, e a sua estrutura e prática associadas, para criar uma
objetividade e racionalidade que liguem adequadamente os bons costumes e a
moralidade. A obrigatoriedade já era um conceito vulnerável e "ruim", resultado
de casos de pena de morte ouvidos na Suprema Corte Americana em 1976 e 1977,
que vinculavam a obrigatoriedade à barbárie, mas apenas para a classificação da
pena de morte. A obrigatoriedade tornou-se um conceito "bode expiatório",
sacrificada para produzir material apropriado de meios classificatórios no
sentido de incentivar a compaixão sob a Oitava Emenda, Seção 1983 da
Constituição dos Estados Unidos (Woodson v. North Carolina 1976, 428 US 280, e
Roberts v. Louisiana[1977, 431 US 633]).
Entre 1999 e 2002, considerando as posições da Suprema Corte dos Estados
Unidos, a Corte Interamericana invetsigou a sentença de morte obrigatória nas
Bahamas, em Barbados, Belize e Trinidad e Tobago. Embora a posição majoritária
tenha notado que estas unidades governamentais já administravam esquemas de
pena de morte quando se tornaram signatários de convenções de direitos humanos,
estes não proporcionaram mais nenhuma ofensiva, pois lhes faltava a estrutura
agravante-atenuante que os esquemas do modo dominante proporcionam às ofensivas
contra conceitos múltiplos. No antigo regime classificatório, estados que se
tornaram outliers haviam limitado a penalidade aos homicídios dolosos, mas sem
distinguir os homicídios dolosos capitais para restringir o seu uso. A maioria
das unidades governamentais usava a categoria de transgressão única e o esquema
de sentença única. Isso significava que os promotores do modo dominante só
podiam atacar a fusão discricão-arbitrariedade. A posição majoritária, ao
identificar a fonte da mudança na atitude social, também indiretamente
identificou essa questão subjacente. Concluiu, portanto, que: "A objeção à
penalidade de morte obrigatória é que os atos que se encaixam na definição de
homicídio doloso (sobretudo quando estendido à regra homicídio doloso/crime)
variam muito em termos da repreensibilidade moral" (Lord Hoffmann, Posição
Majoritária, Recurso no Conselho Privado, n. 99 de 2002, p. 7).
A posição majoritária contra-argumenta que Barbados reconhece a variação dos
homicídios dolosos, o que tem implicações morais para a repreensibilidade, e
considera que seus procedimentos respondem adequadamente a esses problemas. Com
isso, a posição majoritária afirma que "o governo sempre aceitou que a execução
de todos os condenados por homicídio doloso seria inaceitavelmente severo e
indiscriminado - de fato, cruel e desumano". A resposta revela sua falha, ou
recusa, de entender a supostamente maior objetividade do processo de
classificação bifurcante que requer categorias preestabelecidas. Ao contrário,
enxergando este processo como contrário a resultados justos, a posição
majoritária permanece comprometida com uma alternativa integrada. Ela
reivindica que essa alternativa, como uma união integral de processo e prática,
proporciona mais justiça para transgressores e mais segurança para a comunidade
transgredida. Portanto, o suposto maior valor da primeira distinção-chave -
judicial e executiva -, na qual o modo dominante se apóia, não melhora a
justiça na opinião da posição majoritária.
Portanto, a posição majoritária sustenta: "o governo argumenta que as provisões
para a aplicação da pena de morte devem ser consideradas como um todo, e que
isso inclui o poder do Governador-Geral". Para a posição majoritária, o
processo é humanitário porque o Governador-Geral, "aconselhado pelo Conselho
Privado de Barbados, revoga a sentença de morte em qualquer caso que ele
considerar apropriado fazê-lo". Em resumo, tal posição é favorável a uma
unidade integral ("justiça" como um todo homogeneizado) que não estende própria
e formalmente a estrutura de seu esquema classificatório. Sua estrutura e
processo de classificação obscurecem distinções que deveriam tornar claras. Ela
não tem duas ramificações nas quais colocar pedidos ad misericordiam, sem as
quais a estrutura permanece vulnerável a acusações de "homicídio arbitrário"
por "discrição" imprópria, mas, mais importante, aplica discrição a pessoas que
a classificação ainda não formou adequadamente.
Por séculos, filósofos e eruditos legais argumentaram que considerar tais
pedidos antes da declaração de culpa e da sentença judicial produz resultados
injustos e irracionais (já que tomadas com emocionalismo) (Walton, 1997). As
exigências do modo dominante de classificação para um esquema adequado e formal
de pena de morte não aceita esse ponto de vista. Em vez disso, reivindica meios
de colocar material do pedido em toda parte da estrutura e do processo. Já que
a estrutura é feita por uma gama contínua de nivelamento e ramificação
simultâneos, inserir este material proporciona o necessário para transformar
heterogeneidades homogêneas em homogeneidades heterogêneas categóricas, usuais
mas nunca estáveis.
A posição majoritária continua o seu argumento para um todo integral,
insistindo: "A Constituição codifica e institucionaliza o exercício da
prerrogativa real da misericórdia que era exercida sob orientação do Ministro
do Interior quando a pena de morte existia na Inglaterra" (Recurso Hoffman, n.
99 de 2002, p. 7). A posição majoritária obstinadamente, digamos, "compreende
mal" que essas funções são agora parte de um encaixe pela distinção-chave
"processo-em-estrutura". O modo dominante de classificação exige primeiro ad
misericordiam como simplificação categórica preestabelecida pelas instâncias
judiciais. A clemência avaliaria formas pré-digeridas de personalidade como se
fossem de fato "indivíduos" buscando a misericórdia. O modo dominante de
classificação faz, portanto, um todo ao inserir, na estrutura e em todo o
processo, as bases para a objetividade.
Apoiando-se em seu processo integrado único, a posição majoritária argumenta
que as autoridades se engajam no todo porque isso é necessário para o princípio
da dissuasão, promovendo a segurança do cidadão. O todo que inclui a clemência
como passo final é também a medida da justiça ministrada humanitariamente para
pessoas condenadas, mas não uma forma preestabelecida de personalidade. Assim,
tal posição conclui:
O governo diz que quando se leva em conta e examina a operação da
pena de morte na prática, ela não é rígida ou arbitrariamente
aplicada. Argumenta ainda que a sentença obrigatória permite à lei
conseguir máxima dissuasão, enquanto o poder de comutação proporciona
a flexibilidade e o humanitarismo necessários em sua aplicação
prática (Hoffmann, Recurso n. 99 de 2002, p. 7).
Apesar do ato qualificatório e da sentença únicos, o parecer categórico está
sempre presente no esquema de Barbados, pois algum tipo de classificação é
sempre parte da tomada de decisões. Porém, por causa da sua "informalidade",
como teste da equidade processual ele permanece sujeito à fusão "discrição-
como-arbitrariedade". Os critérios resultantes para a escolha e o ordenamento
de razões para conceder ou negar a misericórdia não conseguem atender às
exigências do modo dominante para precategorizar razões aceitáveis. Para os que
promovem este modo, o que importa é preestabelecer conceitos e categorias no
sentido de bifurcar a escolha e a categorização de razões. Como dito
anteriormente, a individualidade implícita numa consideração caso-a-caso só
pode aparecer agora como um parecer categórico predeterminado de material para
configurar ligações corretas entre a razão (decoro) e a moralidade (aceitação)
na administração da prerrogativa da misericórdia para formas prefixadas de
personalidade. O "indivíduo" torna-se uma forma de personalidade que merece a
misericórdia por causa de um encaixe com as opções de pareceres categóricos.
Mesmo que o encaixe falhe, o fundamento para a misericórdia ainda é
supostamente objetivo. Barbados é um país outlier porque seu espaço
classificatório e meios para contemplar a misericórdia nãofuncionam como exige
este modo de classificação.
Nesta questão, a posição majoritária cita o raciocínio de seus opositores em
Reyes v. A Rainha [2002] 2 AC 235, 257, um recurso de Belize.
O Conselho está atento às provisões constitucionais [...] que regem o
exercício da misericórdia pelo Governador Geral [...]. Mas não é uma
função da sentença e o Conselho Consultivo não é uma corte
independente e imparcial [...]. A administração da justiça envolve a
determinação de qual punição um transgressor merece, a fixação da
sentença apropriada para o crime. A concessão de misericórdia envolve
a determinação de que o transgressor não precisa sofrer a punição que
ele merece, que a sentença apropriada por alguma razão seja perdoada.
A primeira é uma responsabilidade judicial, a segunda, executiva. A
oportunidade de pedir misericórdia de um corpo como o Conselho
Consultivo não deve assegurar um defeito constitucional no processo
de sentenciamento (Hoffmann, Recurso n. 99 de 2002, p. 7).
Contudo, não é apenas uma questão de qual instância analisa a misericórdia. O
problema é providenciar uma classificação que estabeleça formas de
personalidade dos transgressores antes do julgamento e da sentença. Para essa
tarefa, a divergência no Recurso n. 99 mostra que a questão central é o modo de
classificação, e não a constitucionalidade da pena de morte em Barbados. A
estrutura e o processo classificatórios do país não permitem que o material
seja distribuído corretamente para inserir atributos de misericórdia a fim de
fazer produtos inter-relacionados de transgressão e transgressores.
Os recorrentes deste recurso não afirmam que seja contrário à
Constituição de Barbados que juízes dêem sentenças de morte para
aqueles condenados por homicídio doloso, se, tendo considerado todas
as circunstâncias relevantes relacionadas com a transgressão e o
transgressor, eles considerarem essa sentença justa. A contestação
dos recorrentes não é relacionada com a imposição da pena de morte,
mas somente com a imposição obrigatória da pena de morte, isto é, a
exigência de que os juízes decretem a pena de morte em todos os casos
de homicídio doloso, independentemente de quaisquer considerações
relacionadas com transgressão e o transgressor que possam atenuar, em
algum grau, a seriedade do crime (Julgamento Divergente, Recurso n.
99 de 2002, p. 24, grifos meus).
Portanto, o debate no país sobre a constitucionalidade da pena de morte e a
coerência com a Seção 15 (1) e com as convenções sobre direitos humanos não
constituem a questão de fundo. Podemos entender melhor as questões trazidas
pelos ativistas e pelas cortes quando as percebemos como ferramentas em seus
esforços de colocar Barbados, e outras unidades governamentais semelhantes,
dentro das práticas de objetividade e racionalidade do modo dominante. A
posição divergente esclarece que o objetivo é restringir os meios para
estabelecer objetivamente a transgressão, as circunstâncias e os
transgressores. Desejado ou não, tornar as pessoas transgredidas em valores
calculados de formas de vida é o resultado deste processo. Isso acontece porque
os atributos de misericórdia trazidos para a interação entre transgressão e
transgressor separam o agravante do atenuante para deduzir a seriedade da
transgressão. Circunstâncias relevantes moderam a culpabilidade, porque
preconstituem formas utilizáveis de personalidade. Os resultados são coletados
em processos que calculam o valor da vida para o transgredido como outro passo
em estimar a "seriedade" ou a repreensibilidade moral dos atos cometidos pelos
transgressores. Por exemplo, para tornar a idade um agravante do transgredido,
o processo emprega a cronologia. No outro extremo da cronologia, por exemplo,
matar uma mulher grávida, ou uma que se sabia ou deveria saber estar grávida,
torna-se um agravante em alguns casos. Em outros, o limite de idade juvenil, e
um teto (normalmente 65 anos ou mais) para os idosos, funciona como agravante
para determinar a pena capital no assassinato de uma pessoa idosa. Ainda outros
elementos estabelecem agravantes para uma diferença de idade entre transgressor
e transgredido.
Portanto, aderir ao modo de classificação dominante apenas inicia o processo de
bifurcação. Dizer que a vida é sagrada é a parte fácil, como Dworkin (1993)
aponta. Dar valor à vida por essa classificação deve pressupor um cálculo, numa
estrutura-em-processo "objetiva" de duas ramificações. O conceito humano surge
das sobras do cálculo categórico da bondade necessária para que não seja
barbaramente desumano. Conseqüentemente, audiências de clemência na ramificação
executiva também apenas abrem esse processo para o cálculo categórico das
condições para a misericórdia como avaliação de segunda mão da categoria
preestabelecida a partir da qual os transgressores são transformados em formas
de personalidade. O "imparcial" funciona em relação a transgressores
"individuais" já tipificados. Paradoxalmente, o "indivíduo", como conceito e
como ser, deve ser abandonado para servir condições pré-formadas de
personalidade para categorias previamente merecedoras de misericórdia. Decidir
uma sentença de vida ou morte objetivamente requer reformular a individualidade
como combinação prefixada de critérios estatutários e não-estatutários para a
exclusão inclusiva. A autoridade da razão, quando subordinada ao modo dominante
de classificação, torna-se universalismo por outro nome (ver Kenny, 1963; Eron,
1966; Frankfurt, 1971; Hacking, 1986, 1993; Hampton, 1998; Hamacher, 1986;
Felice, 1996).
Direcionado por esse modo de classificação, a instância decisória "independente
e imparcial" para pedidos de clemência é ilusória. Nos Estados Unidos,
testemunhar uma audiência de clemência é assistir a um reprise do processo
litigante de duas fases (culpa e sentença). A promotoria cria um minijulgamento
(que normalmente ofusca as distinções entre as provas aplicadas no julgamento
de duas fases) para lembrar o conselho de clemência dos agravantes e de seus
horrores. Nos "pesos e medidas" da promotoria, os atenuantes estatutários e
não-estatutários rapidamente convertem-se em agravantes não-estatutários, como
freqüentemente reclamam os advogados de defesa.
"Declarações de impacto sobre a vítima" reiteram o cálculo de valor alto que
acabam criando categorias diferenciais de vida transgredida. O processo de
valorização transforma o luto em capital para avaliar os resultados como
justiça recebida ou negada. A defesa e os parentes e amigos do condenado devem
"capitalizar" o "trauma" pré-crime e o esperado luto pós-execução para aumentar
o valor baixo da forma transgressora de vida. Portanto, a defesa reitera os
atenuantes (ou introduz novos) para tentar novamente o processo judicial de
segunda fase. Idealmente, a audiência deve considerar se deixar a pessoa viver
traz perigos para aqueles que a vigiam e se ela poderia fugir e ser um perigo
para o público. Raramente os indícios dessa possibilidade prevalecem sobre o
horror dos crimes e a falta de valor da pessoa condenada. Se o encarceramento
parece triunfar, o conceito de remorso, considerado falso, desonesto ou muito
pouco e muito tarde, pode prevalecer. Alguns estados norte-americanos incluem
no seu esquema formal um exame de "periculosidade futura", com "especialistas"
estabelecendo indícios, por vários esquemas classificatórios, que o júri deve
considerar em sua decisão de sentenciar à vida ou à morte. Claro que isso
significa que o processo classificatório precisa de critérios, regras e padrões
no sentido de definir e selecionar os especialistas adequadamente. O resultado
é uma indústria em crescimento de "especialistas da mitigação", procurando
formar conceitos para assistir à fusão vítima e transgressor a fim de produzir
"transgressores vitimizados", merecedores de vida.
Apesar do esquema classificatório de "um conceito, uma sentença", a
obrigatoriedade proporcionou a criação de um conceito-alvo que trouxesse
Barbados para dentro deste processo. Em 1993, num caso jamaicano, o Conselho
Privado atacou o conceito de tempo, tornando-o outro conceito-alvo. Uma
estipulação de tempo, conhecida como a regra Pratt-Morgan, tornou Barbados e
outras unidades governamentais semelhantes sujeitos à comutação das sentenças
de morte por violar o limite de tempo. Tendo completado o seu processo interno,
mas com recursos ainda pendentes perante o IACHR, Barbados emitiu em 2002 uma
sentença de morte. Subseqüentemente, sua corte mais alta, sustentando a regra
Pratt-Morgan, reduziu as penas de morte à prisão perpétua, e notou que tanto o
tempo passado como a leitura de uma sentença de morte quando recursos ainda
estavam pendentes constituíam castigo cruel e desumano.
Por causa do alto índice de apoio para a pena de morte e para o esquema de
sentenciamento obrigatório por uma ofensa em Barbados, as organizações
abolicionistas freqüentemente apresentam suas opiniões a respeito do apoio à
pena de morte no Caribe, notando que o aumento da criminalidade e da violência
tem lamentavelmente convencido seus públicos de que a pena de morte é a melhor
maneira de controlar este aumento e proteger a indústria turística. O poder e
as práticas constitucionais dependem menos do nível de apoio para a pena de
morte do que dos cidadãos se engajando nessas questões. Tanto emendar a
constituição, como tornar as emendas responsivas aos valores locais, dependem
do engajamento dos proponentes e dos opositores. O segundo, porém, apoiado pelo
Estado, requer menos esforço - votar quando é possível votar, ao passo que
grupos locais contrários à pena de morte requerem mais atividade e energia.
Assim, para Barbados, o site meetup.com, que lista doze cidades com grupos
contrários à pena de morte, não menciona grupo algum que tenha reuniões.
As unidades governamentais que permanecem sob jurisdição do Conselho Privado
têm proposto (e, em alguns casos, sancionado) diversas emendas constitucionais
no sentido de adequar-se melhor às suas provisões constitucionais. Nos anos de
1970, propostas surgiram para formar uma corte regional de recursos para
substituir o Conselho Privado. Embora a pena de morte tenha se tornado um
símbolo do legado colonial, apenas recentemente ela se tornou a razão principal
explicitada pelos Estados para a utilização da Corte de Justiça Caribenha (CCJ)
como corte de ultimo recurso.
Barbados recorre à Corte de Justiça Criminal Caribenha
Estabelecida em fevereiro de 2001, a CCJ começou a ouvir recursos em Porto
Espanha e em Trinidad e Tobago. A página "Perguntas e Respostas" do site da CCJ
explica por que a região precisa da corte:
Pergunta: É razoável supor que os Juízes do Conselho Privado,
removidos do ambiente social, sejam menos passionais na interpretação
e na aplicação da lei?
Resposta: Sim! E aqui está o problema! O direito não é um corpo
estático de princípios normativos abstratos a ser aplicado
mecanicamente para chegar a soluções objetivamente válidas e resolver
problemas das relações humanas. O direito é o resultado normativo dos
conflitos das interações humanas, baseado em valores sociais
determinados coletivamente e geralmente aceitos, e sujeito a um
processo de ajuste contínuo a seus ambientes de controle.
Conseqüentemente, as pessoas que interpretam e aplicam a lei devem
estar antenadas às dinâmicas relevantes da interação social, que
determinam a qualidade e a intensidade das relaçoes humanas e os
valores que condicionam esta dinâmica. E, com isso, referimo-nos aos
valores que nos fazem chorar; os valores que nos fazem felizes ou
tristes; os valores que nos tornam pessoas responsáveis, produtivas,
criativas, atenciosas, orgulhosas. Em resumo, os valores que
condicionam nossa singularidade como povo. Nesta visão, estar
removido do ambiente imediato da interação social à qual se aplica a
lei facilitaria uma análise menos passional dos eventos humanos e
decisões juridicamente objetivas, mas em detrimento do comportamento
social desejado e da coesão social (Site
www.caribbeancourtofjustice.org/about2.htm).
A missão fundante desafia os pressupostos classificatórios estabelecidos que
vinculam objetividade e racionalidade. Porém, para fornecer procedimentos que
honrem os valores locais, seja de perto seja mais remotamente, elimina-se a
necessidade da classificação. Resta ainda a questão sobre qual modo de
classificação a corte poderia elaborar, e se este diferiria do modo dominante.
Os resultados desse "vai-vem" dependem muito da administração das restrições já
impostas pelas classificações legais que entrelaçam o direito interno e o
internacional. Na medida em que estas classificações dependem do modo dominante
de classificação e dos pressupostos pelos quais ele liga objetividade e
racionalidade, a corte começa numa grande desvantagem.
Antes de a corte estabelecer uma decisão em seu primeiro caso de pena de morte,
que foi um recurso de Barbados, os abolicionistas chamavam-na de "corte de
carrasco". Eles temiam que o resultado deste caso encorajaria outras unidades
governamentais a recorrer à CCJ. Execuções seguiriam, de acordo com os
abolicionistas, tornando retrógrada a medida de inação pelo ordenamento
categórico, pois os abolicionistas na prática se reassociariam à categoria dos
retencionistas plenos. Segundo o criminologista Ramesh Deosaran:
A decisão da Corte de Justiça Caribenha trará repercussões
significativas que nos levarão à chamada política do Judiciário
[...]. Será um julgamento ativista ou o que pode ser chamado de
julgamento obstrucionista, seguindo a letra fria da lei, ou uma
tentativa de trilhar o caminho do incremento abolicionista da pena de
morte por pontos de vista humanitários? (Richards, 2006).
Em 22 de junho de 2006, a CCJ ouviu o recurso de Barbados que pedia o
restabelecimento das sentenças de morte no caso do Recurso n. 99. Entre as
questões apresentadas no recurso, Barbados notou que a IACHR, as outras
convenções de direitos humanos e o tratado que havia assinado em julho de 1978
foram incorporados no direito interno. O Estado argumentou que as provisões
não-incorporadas do tratado não proporcionavam aos cidadãos de Barbados o
direito automático de recorrer às instâncias internacionais. Porém, o problema
subjacente não era tanto a permissão de acesso às instâncias internacionais,
mas sim as restrições de tempo de cinco anos que a regra Pratt-Morgan impunha
aos Estados, enquanto não oferecia meios para controlar as conseqüências quando
a demora por parte das instâncias internacionais resultava em violação do prazo
temporal. Em 8 de novembro de 2006, a CCJ recusou o recurso de Barbados.
O raciocínio que moldou conceitos-chave no Julgamento Conjunto e em julgamentos
concomitantes revela os problemas que proporcionam oportunidades para
abolicionistas da pena de morte, outros ativistas de direitos humanos e seus
aliados na corte internacional de promover a submissão ao modo dominante de
classificação. Sob o pretexto do conceito de obrigatoriedade, o conceito de
tempo direcionou o engajamento da corte no problema subjacente da "eqüidade"
processual, como condição crítica da "justiça natural" (Julgamento Conjunto na
6). Primeiro, com a importância do conceito de tempo sob a influência do
conceito de obrigatoriedade por sentenciamento sob o esquema classificatório da
pena de morte, a porta classificatória abre com a questão da juridicidade da
prerrogativa de misericórdia. O juiz Hayton, restringindo seus comentários
sobre o Julgamento Conjunto a esta questão, concorda que avanços na lei moderna
têm minado cláusulas de desapropriação que têm a intenção de proteger de
revisões judiciais as prerrogativas atribuídas, constitucionalmente ou não, a
uma instância na forma de poder discricionário (Hayton na 4).
Responder à questão da revisão judicial com poder discricionário era essencial
para responder a questões sobre o papel de tratados não-incorporados no direito
interno. O conceito de tempo sob a influência do conceito de obrigatoriedade
serviu para configurar um conceito composto - expectativa legítima - que todos
os julgamentos elevavam ao nível de doutrina. Embora concordando que a
misericórdia não dá ao indivíduo qualquer direito, o raciocínio que esta
doutrina permitiu a tratados não-incorporados e o inevitável fim do prazo
Pratt-Morgan, combinado com a doutrina da expectativa legítima, justificou a
decisão do Julgamento Conjunto de recusar o recurso de Barbados. Para Hayton, o
raciocínio do Julgamento Conjunto apoiou-se na "necessidade [como] a mãe da
invenção, mas a promoção da justiça neste caso particular requer apenas uma
invenção incremental da lei" (Hayton na 2). Propondo um raciocínio alternativo
para chegar ao mesmo "resultado justo," o juiz Hayton propôs que "a declaração
do Julgamento Conjunto deve ter surgido considerando a 'irracionalidade' como
barreira para um uso eqüitativo, processualmente falando, da prerrogativa de
misericórdia concedida pelo Comitê Jurídico do Conselho Privado, sob as Seções
24 e 78 da Constituição de Barbados" (Hayton na 6). Argumentar a partir do
princípio da "irracionalidade", Hayton concluiu, encorajaria a especificação do
que deve ser considerado uma quebra da eqüidade processual necessária para
caracterizar um resultado como irracional. Se a revisão judicial achar uma
quebra irracional, como deve a corte remediar o problema para assegurar a
eqüidade processual? A revisão judicial deve conceder poder positivo e negativo
à corte? O poder negativo permitiria que a corte anulasse o resultado, mas
requeriria que ela retornasse a questão para uma "nova decisão" elaborada de
uma "maneira justa e adequada" (Hayton na 6). Contudo, se a corte concluir que
a autoridade não é confiável ("um erro e está fora"), o poder positivo se
transferiria ao papel (Hayton na 6).
Em relação a esta sugestão, o problema principal continua a ser: por qual
procedimento a revisão pode avaliar a irracionalidade da decisão da autoridade?
Assim, os julgamentos de Hayton e outros apontam que a juridicidade não requer
que a autoridade dê razões para sua decisão sobre a misericórdia. Na ausência
de a necessidade da autoridade explicar o raciocínio pelo qual chegou à
irracionalidade discricionária, a corte teria disponível o relatório e outros
materiais nos quais a autoridade se baseou. Mesmo assim, a corte não poderia
avaliar as possibilidades de injustiça processual pelo "resultado [deste]
raciocínio [...] a corte está no escuro" (Hayton na 9). À corte cabe substituir
sua análise "objetiva" do material disponível, tanto para avaliar qual deve ter
sido o raciocínio irracional da autoridade, como para justificar sua própria
racionalidade no que diz respeito a um desfecho alternativo. Para a eqüidade
processual, isto é apenas asuperfície da questão. É improvável que a corte
revise um caso em que a autoridade exibiu irracionalidade ao conceder
misericórdia. Assim, abrir o raciocínio discricionário à revisão da corte
torna-se outra maneira de oferecer oportunidade para o avanço do papel da
classificação formal como base para avaliações objetivas adequadas em
justificar a racionalidade da eqüidade processual somente pelo viés do desfecho
errado.
A juíza Bernard reconhece que a tendência no "direito moderno erodiu o ataque
preventivo da cláusula de desapropriação contra a juridicidade" (Bernard na 3).
Ela entende as opiniões que o Julgamento Conjunto apresenta sobre as duas
justificativas primárias para a erosão - as questões de jurisdição e de justiça
natural - como sendo bem aceitas. Uma autoridade que exerce a prerrogativa
discricionária ao agir além de sua jurisdição está sujeita a revisões
judiciais, e a corte pode anular sua decisão. Contudo, a justiça natural parece
ser mais problemática e mais aberta à expansão classificatória. Sob pretexto da
sentença de morte obrigatória, a justiça natural indica a natureza lógica da
expectativa de que uma pessoa usará todas as opções para permanecer viva, mesmo
que as chances sejam pequenas. Lendo as mudanças legais direcionadas ao
"conceito de eqüidade", Bernard concorda com o "ponto de vista de que não
importa se cláusulas de desapropriação são estatutárias ou constitucionais; os
mesmos princípios são aplicáveis com resultados diversos dependendo dos poderes
que a cláusula busca proteger". Quando uma cláusula busca proteger a
prerrogativa de decidir questões de misericórdia sob a proteção da provisão de
sentença de morte obrigatória, Bernard exclama: "quanto mudou em vinte anos! Os
tempos e as atitudes mudam!" (Bernard na 14). As mudanças não conferem ao
indivíduo o direito à misericórdia, mas estabelecem condições para o exame da
eqüidade processual consistente com a doutrina de expectativas legítimas da
justiça natural.
Para erradicarem o direito pré-moderno, as tendências permitem um colapso de
processo e princípio que equipare o devido processo legal constitucional e a
proteção das cláusulas da lei, amplie a justiça natural e permita a revisão
judicial, "testando [...] se a matéria da decisão é ajuizável" (Julgamento
Conjunto na 69-75, Bernard na 14-17). Com isso, a oposição judicial/não-
judicial ganha um elemento moderador, quase-judicial, que classifica funções
discricionárias de autoridade. Portanto, embora percebendo que os casos que
fogem da abordagem tradicional à prerrogativa da misericórdia não foram
diretamente relacionados com a pena de morte, a fuga significa que uma
instância interna que tem o poder da discrição deve exercitá-la de forma justa,
mesmo que suas funções sejam administrativas e, portanto, quase-judiciais.
Assim como uma instância judicial, uma quase-judicial é "obrigada a agir
eqüitativamente", o que significa que ela "tem um dever de agir com boa fé e
ouvir os dois lados, pois [o dever] está em todos que decidem sobre qualquer
coisa" (Bernard na 16 e 18). Por essa classificação, a Corte de Recursos de
Barbados, que é o Conselho Privado de Barbados, "foi uma instituição quase-
judicial" e "muita discussão centrou-se no que significa 'quase-judicial'"
(Bernard na 16-17).
Trata-se de uma verdade trivial, mas ela não responde à pergunta sobre o que
fazer em situações de poder desigual para "os dois lados". Mesmo com toda a
atenção em torno da boa fé e da eqüidade, o teste para a eqüidade processual
não estipula como administrar o "dano" com a demora resultante do poder
desigual em violar a eqüidade processual. Com a regra Pratt-Morgan de cinco
anos, o Estado tem dois anos para concluir seu processo legal. Uma pessoa
condenada, recorrendo a uma instância internacional, compatível com a justiça
natural e a doutrina da expectativa legítima, tem 18 meses para completar o seu
recurso antes do Estado se incumbir da prerrogativa de misericórdia.
A doutrina da expectativa legítima não significa necessariamente que o
indivíduo, ele próprio, tenha expectativa do tempo para aguardar o resultado do
recurso antes da sentença de morte ou outra punição. Quanto à legitimidade, a
expectativa surge quando a ratificação de um tratado cria uma possibilidade
substantiva ou processual que antes não existia. Atingir uma expectativa
legítima derrubando processo e princípio torna o Estado responsável pela
capacidade do tempo de converter o processo na formação de conceitos cruéis,
degradantes e desumanos. Portanto, exceto quando o Estado revoga a sentença,
mesmo que ele não seja responsável pela demora, é o inoportuno que, com sua
crueldade, justifica a comutação de sentenças de morte.
Tentando ganhar poder sobre o tempo, antes de a CCJ ouvir o recurso pedido pelo
país, fez-se uma emenda na constituição de Barbados. A Seção 15 que se seguiu
fixou um prazo, mas anulou a possibilidade de que uma demora, independentemente
do tempo, tornasse inconstitucional uma sentença de morte. Embora a mudança não
fosse retroativa, e por isso não se aplicasse ao caso perante a CCJ, a questão
do tempo era suficientemente crítica para que todos os julgamentos abordassem
as implicações pelas quais as instituições responsáveis por demoras cruéis
minavam a fé pública no sistema jurídico. Para Bernard, as "diretrizes e os
prazos sugeridos em Pratt não são imutáveis ou esculpidos em pedra" (Bernard na
35). O fato de que as diretrizes são suficientemente duras para tornar
necessária a comutação da sentença de morte obrigatória no sentido de evitar
expectativas legítimas cruelmente frustrantes provocou uma discussão nos
julgamentos sobre as desvantagens que o julgamento moral efetivamente
unilateral da violação de tempo impunham aos Estados menores e mais pobres.
Sobrecarga de casos e outros fatores não isentam Estados da acusação de
crueldade e das conseqüências advindas da violação dos limites de tempo. Assim,
essa discussão serviu para enfrentar o desequilíbrio de poder. Por exemplo, o
juiz Nelson afirmou que "a sentença de morte obrigatória é prescrita, mas a
Constituição previne a sentença de ser executada sem uma audiência de clemência
pelo BPC, o qual (ao controlar os precedentes) deve esperar o relatório dos
tribunais internacionais que favorecem a abolição antes de decidir sobre a
clemência" (Nelson na 15). Em seguida, apontou para a maneira pela qual a regra
Pratt-Morgan acrescenta "mais um elemento ao paradoxo [...] [porque] cinco anos
depois de uma condenação, uma sentença que é obrigatória deixa de sê-lo"
(Nelson na 16). Contra o poder classificatório combinado dos conceitos de
obrigatoriedade e tempo, para Estados que reconhecem sua responsabilidade, o
juiz Hayton propôs que quando a IAHRC leva "mais de dezoito meses para produzir
o relatório para o benefício do homicida, ele e a pessoa condenada devem
aceitar a responsabilidade de um prazo maior do que o necessário no corredor da
morte, sem que isso signifique uma punição desumana, cruel e proibida, a ser
remediada por comutação da sentença de morte: nenhum benefício sem a
responsabilidade concomitante" (Hayton na 11). Concluindo que a restrição de
tempo como desequilíbrio de poder permite "a todos os homicidas sentenciados à
morte, que eles próprios comutem suas sentenças para a prisão perpétua
simplesmente fazendo esse pedido à IAHRC - e acabam por minar totalmente a pena
de morte constitucional" (Hayton na 11).
Os julgamentos também apontam que o timing, mais até do que o prazo, é um
paradoxo no que diz respeito à capacidade do BPC de comutar crueldade,
realizando a audiência de clemência imediatamente depois da condenação. Ao
sugerir maneiras de administrar a eqüidade processual, o Julgamento Conjunto
primeiro propõe ao BPC que se reúna assim que possível depois do apelo à Corte
de Recursos por uma pessoa condenada à morte, com o propósito único de
determinar se os membros estão propensos a comutar a sentença. Havendo tal
propensão, passaria sua decisão ao Governador Geral; senão, encerraria a
reunião sem outras determinações. O BPC teria uma segunda reunião,
imediatamente após o fim dos recursos internos ou o fim do prazo para tais
recursos. Só faria isso para determinar se os seus membros eram favoráveis à
comutação; depois, repassaria sua recomendação favorável ao Governador Geral ou
encerraria a reunião, caso não houvesse aceitação da comutação. O BPC não teria
mais reuniões até receber recomendação da instância internacional.
Os juízes consideraram vantajosa esta opção de três reuniões. O exercício da
função constitucional, se favorecesse a comutação, poderia poupar custos e
tempo de litígio para a pessoa condenada e o Estado. Mas o Julgamento Conjunto
não a recomendou, pois concluiu que mesmo que a deliberação fosse limitada, uma
reunião que não resultasse em comutação poderia endurecer a opinião dos
membros, tornando mais difícil para o BPC considerar eqüitativamente a
comutação quando ela finalmente recebesse a recomendação da instância
internacional (Julgamento Conjunto na 141-143). A recomendação do Julgamento
revela um problema não-dito, qual seja, o BPC só é livre para exercitar sua
autoridade discricionária se a decisão de comutar for um resultado previsto.
Reiterando a necessidade de considerar a misericórdia como parte integral em
vez de subsidiária do processo legal - "uma parte essencial de qualquer sistema
de justiça civilizado" - o Julgamento Conjunto foi bastante irônico em relação
às opiniões do juiz Holmes, dos Estados Unidos, sobre perdões presidenciais
(Julgamento Conjunto na 140). Holmes defendeu que a concessão de um perdão "não
é um ato privado de benevolência de um indivíduo que tem poder. Ela é parte do
esquema constitucional. Quando concedida, é a determinação da autoridade máxima
que o bem-estar público será mais bem servido estabelecendo menos do que o
fixado pelo julgamento" (Julgamento Conjunto na 141). Naturalmente, isso
implica que não conceder um perdão cumpre o mesmo bem outorgado
constitucionalmente. Contudo, o problema para audiências de clemência é como
inspirar o bem constitucional quando seus adversários insistem que a pessoa
precisa primeiro criar a forma certa de personalidade para constituir o
transgressor, antes de contemplar a misericórdia para aquele "indivíduo"
categórico resultante. Ao recomendar que o BPC deixe de se reunir para exercer,
mesmo que de forma fraca, sua função constitucional, o Julgamento Conjunto
expôs sua sensibilidade às esperadas respostas internacionais a um resultado
"errado", as quais, por sua vez, exporiam o poder constitucional do BPC como
uma fraude.
Numa resposta típica dos abolicionistas a um resultado "certo", de acordo com
uma declaração dada pela Federação Internacional para os Direitos Humanos
(FIDH), eles acolheram "a primeira decisão sobre pena de morte da Corte
Caribenha de Justiça no dia 8 de novembro de 2006". Eles também apontam que "o
caso foi percebido como um teste para o posicionamento da nova corte sobre a
pena de morte". Não mais preocupada com uma corte que permitisse aos "bárbaros"
escaparem pela remoção do recurso final do Conselho Privado, a declaração
constata que "o CCJ é o órgão jurídico supremo da Comunidade Caribenha". Livre
do medo de uma corte que pudesse abrir as porteiras para execuções, as medidas
de progresso novamente deixaram Barbados numa categoria favorável. Permanece na
categoria "abolição na prática", pois não houve execuções "desde 1984", diz
Sidiki Kaba, presidente da FIDH, concluindo:
Ao voltar às execuções, Barbados iria contra a tendência geral em
direção ao abolicionismo mundial. Barbados será sede amanhã da UE/ACP
Assembléia Parlamentar Conjunta. Os holofotes estarão sobre o país, e
será uma ocasião excelente, depois dessa decisão importante, de
promover um debate público sobre a questão e adotar uma moratória de
lege nas execuções, como primeiro passo em direção ao abolicionismo
(Site http://www.fidh.org/spip.php?article3812).
Com a justiça ao seu lado, nenhuma organização internacional de direitos
humanos precisa se perguntar seriamente se os meios pelos quais busca um fim à
pena de morte ajudam a dominação imperial. Pelo contrário, os abolicionistas,
comprometidos com uma causa moralmente justa, vislumbram a vitória e estão
contentes com o desfecho. Se os ativistas sociais locais ou internacionais,
preocupados em eliminar a dominação imperialista, devem estar igualmente
contentes é outra questão. A forma como eles contestam questões moralmente
manchadas pode abrir a porta à prática imperialista, enquanto aqueles que
entram pela porta ignoram aquela questão ou pensam que o bem excede qualquer
conseqüência adversa.
Conclusão: por qualquer manobra classificatória necessária
A confiança em formalidade, sobre qualquer outra forma de tomada de decisão
"discricionária", encoraja ataques a conceitos que parecem promover a
discrição, como também a falta de objetividade e racionalidade. "Com a sua
grande orelha abanando, o jumento não ouve a sua própria história". Modos
alternativos de classificação tornam-se irracionais por ordem classificatória,
e as decisões conseqüentes tornam-se imorais. Unidades governamentais que
estabelecem modos alternativos de produção de esquemas de pena de morte lutam
contra os pressupostos do modo dominante, deixando de atingir a abolição total.
Independentemente de proporcionarem ou não indícios de que o seu processo
classificatório pode produzir resultados similares ou mais "humanitários", elas
permanecem como outliers, por mando classificatório além do aceitável para
atingir uma ordem moral comum (isto é, universalmente homogeneizado). Em termos
gerais, um outlieré um desvio extremo de um meio estabelecido. Para a
classificação, trata-se de uma unidade de homogeneidade heterogênea presumida
que não se encaixa nas distinções categóricas permitidas por uma estrutura
taxonômica que proporciona a transformação desse amontoado em heterogeneidades
homogêneas utilizáveis.
Ocupando uma zona fronteiriça em termos morais, os outliers operam num espaço
de práticas bárbaras e desumanas. Mesmo assim, nem todos os desajustados são
monstros. Para poder fazer esse tipo de classificação, temos que analisar como
cada um usa o modo dominante para vincular a justeza e a moralidade
classificatórias. Com isso, os abolicionistas e seus aliados julgam a gama de
categorias e subcategorias aceitáveis e necessárias para distinguir os
desajustados dos monstros, como objetos e seres que não se encaixam nos
cálculos categóricos gerados pelo modo dominante (ver Law, 1991; Haraway, 1992;
Williams, 1995; Ritvo, 1997; Golden, 1998).
Onde um esquema formal classifica para matar, a mancha moral de sua tarefa
intensifica as indagações sobre as supostas ligações que a classificação pode
proporcionar entre objetividade e racionalidade. Contudo, a mancha em si não
produz o desafio subjacente. Ao contrário, a investigação da prática de
classificação da pena de morte em Barbados sugere que circunstância moral mais
importante diz respeito ao fracasso de uma unidade governamental em aderir às
diretrizes rigorosas do modo de classificação dominante. Deixar de aderir a
práticas formuladoras de objetividade e racionalidade torna qualquer abordagem
alternativa vulnerável a acusações de produzir práticas "bárbaras e desumanas".
A eqüidade torna-se uma questão de meios em vez de resultados, porque somente
um resultado produzido pelas propriedades classificatórias pode passar no exame
da eqüidade processual.
Embora, em certo sentido, tudo isso não diga nada mais do que o fato de que
unidades governamentais poderosas podem impor suas vontades às menos poderosas,
além da força bruta, a exeqüibilidade dessa imposição depende bastante dos
meios e dos processos classificatórios empregados por uma superabundância de
agentes do poder no sentido de diminuir a variedade de modos aceitáveis de
classificação (Lincoln, 1989; Williams, 1995; Bowker e Star, 1999). As
alternativas permanecem porque, para qualquer processo classificatório, por
mais que haja esforços formais para aplicar rigidamente os seus requisitos, os
classificadores não encontram facilidade em manter distinções conceituais.
Bowker e Star afirmam que os classificadores, bem como pessoas que implementam
os requisitos do esquema, discordam até mesmo quanto aos requisitos mais
simples, já que eles ajustam-nas às tarefas de que são incumbidos. Na prática,
ao estabelecer atributos "nucleares" para os conceitos, ou traços definitivos
para as categorias, os classificadores continuamente se engajam em batalhas de
definição. Transformar um conceito em alvo inicia uma intensa discussão neste
sentido, e não o contrário (Trouillot, 2003, pp. 97-116). Isso faz parte de um
esforço maior de fixar condições que justifiquem a alternância de momentos de
aglutinação e de separação. Nesses momentos, as tarefas e os motivos direcionam
os processos de expansão e contração do modo dominante. Os classificadores,
como "interessados" ou "brokers do poder", trabalham a aglutinação e a
separação para formar conceitos e decidir o que é objetivo enquanto
racionalizam as suas decisões.
Como necessidade cognitiva, a classificação sempre será parte da atividade
intelectual. Todavia, depender da expansão ou da contração da classificação
formal à qual subordinamos os outros enquanto reivindicamos princípios formais
superiores contribui ao que Bruce Lincoln chama de "tirania taxonômica" (1989,
pp. 131-141). Para os responsáveis por esta tirania, o modo dominante de
classificação não recebe sua legitimidade dos indícios de que sua prática
proporciona a melhor, ou única, maneira de fugir do "caos" cognitivo de um
"mundo real", que é sempre "incompleto" (Brandon, 1982; Brant, 1983; Bruner,
1986). O modo de classificação não se torna dominante por causa de uma
preferência estatística dentro e entre as populações (Asenjo, 1988; Cocks,
1989; Lincoln, 1989; Hacking, 1993, 2002; Williams, 1995; Solomon, 1998). Onde
o modo predomina, a legitimidade surge de uma gama de classificadores. Como os
agentes de poder internacional empregam as opções que o modo oferece para
restringir aqueles do poder local ou nacional menos poderosos, os menos
poderosos que resistem à submissão se tornam outliers bárbaros. Eles permanecem
assim na medida em que lhes falta poder suficiente para resistir às restrições.
Com a expansão da infra-estrutura da classificação internacional, menos pessoas
têm autoridade para participar do estabelecimento de esquemas de classificação
formal que moldam as visões de interação humanitária dentro e entre populações.
As oportunidades para o debate são nulas, uma vez que os pressupostos sobre
abordagens objetivas e racionais às questões moralmente manchadas são
predeterminados. O horror da questão torna difícil a contestação das práticas
imperiais subjacentes. Todavia, confrontado com o próximo horror moral, o poder
local precisará formar seus próprios intelectuais orgânicos. Caso contrário,
aqueles que subordinamos em uma determinada questão terão que esperar de braços
cruzados, matando-se mutuamente, até que os brokersdo poder internacional
classifiquem o seu problema como digno de assistência ou intervenção. Os
cientistas sociais que se tornam ativistas-eruditos devem, quando investigam a
cognição e a classificação em um determinado contexto, ponderar o fato de que a
promoção de um modo singular e a diminuição cada vez maior da interação entre
modos influenciam adversamente a maneira pela qual a classificação (um aspecto
necessário de toda atividade intelectual humana) diminui a capacidade cognitiva
criativa num mundo em que os "povos", que diferem sobremaneira em poder
econômico e político, tentam sobreviver às percepções inerentemente arbitrárias
de cada um.
Nota
1 Embora uma decisão posterior do Conselho Privado tenha revertido sua decisão
sobre a inconstitucionalidade da pena de morte em Trinidad e Tobago, o Estado
retirou-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Mesmo assim, espera-
se que honre as exigências dos casos ouvidos antes de sua retirada, pois sua
constituição não permite implicações retroativas desta retirada. A ECCA baseou
sua decisão nas interpretações de posiçõesconstitucionais da Índia e dos
Estados Unidos, além de suas interpretações da IACHR e dos Comitês de Direitos
Humanos das Nações Unidas. O importante para a discussão sobre a implicação da
classificação é a ênfase da ECCA na necessidade da corte que passa a sentença
de ouvir os atenuantes; esta ênfase tem relevância para a questão de se inserir
uma qualificação de misericórdia em todo o processo judiciário, e não existe um
espaço separado para tal audiência antes da execução.