Necessidades de cuidados de enfermagem do cuidador da pessoa sob cuidados
paliativos
INTRODUÇÃO
Na prestação de cuidados à pessoa em fase terminal destaca-se a importância do
enfermeiro acompanhar a família/cuidador ao longo do seu processo de luto,
porque esta vivencia um grande sofrimento emocional, ao mesmo tempo que, deverá
ser capaz de reunir forças para ajudar a pessoa em fase terminal. Assim sendo,
a família deverá ser informada sobre a evolução da doença, alertada para
possíveis sintomas e para o desenrolar da etapa final(1). Tendo em conta a
complexidade das vivências da família/cuidador da pessoa em fase terminal e a
pertinência do enfermeiro dar respostas às suas necessidades, formulamos uma
questão de partida, "Quais as necessidades de cuidados de enfermagem do
cuidador da pessoa em fase terminal"? Desta forma, temos como objectivo
identificar essas necessidades e compreender de que modo os enfermeiros na sua
prática podem dar resposta às mesmas.
A morte é uma realidade complexa: "houve um início para cada um de nós e haverá
um fim"(2). A pessoa ao consciencializar-se de que a sua morte está iminente
vivencia sentimentos e emoções muito fortes, de perda, medo, ansiedade e
incerteza, tendo necessidade de ser ouvida, compreendida e acompanhada(3).
Surge para dar resposta a essas necessidades os cuidados paliativos, cujas
componentes principais são: o alívio dos sintomas; o apoio psicológico,
espiritual e emocional; o apoio à família; o apoio durante o luto e a
interdisciplinaridade(4). A unidade alvo dos cuidados paliativos será sempre o
binómio pessoa em fase terminal/família, sendo esta prestadora e receptora de
cuidados, que se deverão prolongar ao longo do processo de luto(4-5). O
diagnóstico de uma doença grave e a certeza da morte no seio de uma família
quebra a sua homeostasia, o que tem repercussões no seu funcionamento e
estrutura, gerando tensão e exigindo processos de adaptação(3, 6-12). Assim, a
família necessita de ajuda para se adaptar à situação, ter capacidade para
apoiar a pessoa em fase terminal(7), manter com a mesma uma comunicação
verdadeira e afectuosa, lidar com as crises que esta poderá atravessar e, por
fim, realizar um luto saudável(3). Deverá então ser envolvida nos cuidados,
através do investimento na comunicação e no estabelecimento de uma relação de
parceria, interactiva, dinâmica, disponível(13) e de responsabilidade
partilhada, mobilizando as capacidades e potencialidades da mesma como um
recurso(7). O cuidador principal "refere-se à pessoa, familiar ou não, que
proporciona a maior parte dos cuidados à pessoa em situação de dependência, sem
receber qualquer compensação econômica"(14). Este, em geral, "acaba por se
dividir entre as responsabilidades profissionais, conjugais, sociais e
familiares"(15). Cuidar de um familiar em fase terminal é desgastante(16), com
custos físicos, psíquicos, sociais e financeiros, contudo, é frequentemente
referido pelos seus cuidadores como um tempo único e gratificante, promotor do
amadurecimento e crescimento pessoal e espiritual(9, 17-18).
MÉTODOS
Com a finalidade de sistematizarmos o conhecimento existente sobre as
necessidades de cuidados de enfermagem do cuidador da pessoa em fase terminal,
formulamos uma questão de partida, "Em relação ao cuidador da pessoa em fase
terminal (P), em termos de cuidados de enfermagem (I), quais as necessidades
descritas (O)?" (formato PICO(D)). A partir desta questão identificamos as
seguintes palavras-chave: palliative care, family, needs, nursing, sendo que,
através do cruzamento das mesmas, realizamos uma pesquisa na Ebsco e na
Proquest, nos últimos 10. Base de dados electrônica observada: EBSCO (CINAHL
Plus with Full Text; MEDLINE with Full Text; British Nursing Index; Nursing
& Allied Health Collection: Comprehensive; Cochrane Database of Systematic
Reviews). Foram consultadas tendo em conta o intervalo temporal entre 1998 e
2008, usando as seguintes palavras-chave: Palliative care, Family, Nursing e
Needs, que foram procuradas no resumo. Resultado: 50 artigos. Base de dados
electrónica observada: PROQUEST (Nursing & Allied Health Source). Foram
consultadas tendo em conta o intervalo temporal entre 01/01/1998 e 31/12/2008,
usando as seguintes palavras-chave: Palliative care, Family, Nursing e Needs,
que foram procuradas na citação e resumo (abstract). Resultado: 27 artigos.
Para obtermos os artigos adequados à questão de investigação e à finalidade do
estudo, estabelecemos os critérios de inclusão dos artigos que abordassem as
seguinte temáticas: Pessoa em fase terminal; Familiares da pessoa em fase
terminal; Profissionais de saúde que contactam e prestam cuidados a pessoas em
fase terminal (enfermeiros); Necessidades da família da pessoa em fase
terminal; Sentimentos e vivências dos familiares; Cuidados prestados aos
familiares; Vivências dos profissionais de saúde na prestação de cuidados
paliativos. De um total de 77 artigos, apenas 14 correspondem aos critérios de
inclusão, sendo que, os restantes foram excluídos pelas seguintes razões: 23
não são estudos de investigação; cinco não são texto completo; 31 não se
adequam aos critérios de inclusão; e quatro são artigos repetidos. Assim sendo,
fazem parte da nossa revisão sistemática da literatura 14 artigos de
investigação (Quadro_1).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A informação resultante da análise crítica do conjunto de artigos seleccionados
foi reunida em tabelas retiradas da Cochrane Database of Systematic Reviews,por
facilitarem a sua sistematização e apresentação de modo objectivo. Estes
artigos contribuíram para dar resposta à nossa pergunta de partida, uma vez
que, explicita ou implicitamente, na sua maioria, abordam as necessidades da
família/cuidador da pessoa em fase terminal. As três preocupações major a
considerar para a melhoria da qualidade dos cuidados paliativos são: ênfase nos
cuidados espirituais, envolvimento da família e educação dos profissionais ao
nível da ética(19). No sentido de apoiar e preparar precocemente a pessoa e
família para a trajectória final da doença, recomenda-se uma melhor educação da
pessoa e família, bem como uma melhor colaboração entre os membros da equipa
multidisciplinar(20), sendo importante melhorar a comunicação entre a família e
os profissionais de saúde acerca das decisões sobre o tratamento(21).
É de realçar o envolvimento de um ou mais membros da família na prestação de
cuidados físicos (higiene, alimentação, eliminação, alternância de decúbitos) e
no controlo dos sintomas, ajudando ou substituindo a pessoa em fase terminal na
realização de actividades que antes executava sozinha(22). Neste sentido,
destaca-se o papel do cuidador e a importância da necessidade de capacitação do
mesmo, tendo emergido os seguintes factores que ajudam os cuidadores a
desempenhar o seu papel: suporte fornecido pela equipa de cuidados paliativos,
experiência prévia, qualidade da relação com a pessoa em fase terminal e viver
um dia de cada vez(23). Por sua vez, os obstáculos à preparação para ser
cuidador englobam a necessidade súbita de desempenhar esse papel, a
responsabilidade associada ao mesmo, as dificuldades de comunicação com os
médicos, a sua não inclusão na discussão sobre o plano de tratamento, a
natureza imprevisível desse papel, o impacto físico e psicossocial do mesmo, e
a frustração de estar à espera da morte(23).
Considera-se como tópicos fundamentais da informação a fornecer aos cuidadores:
direitos e opções, demandas, lidar com o stress e implicações emocionais,
cuidados com a própria saúde, promover encorajamento/optimismo, quem contactar
para aconselhamento e ajuda, obter suporte da família e amigos, arranjar alguém
com quem possam partilhar a sua experiência, controlar as implicações
financeiras, descansar regularmente, acesso a profissionais competentes,
administração de terapêutica, manter a pessoa confortável, aspectos práticos do
papel de cuidador (uso de equipamentos, cuidados de higiene e alimentação),
preparar uma morte em casa, discutir a morte e o morrer, o que esperar durante
a fase de morte, preparação para o luto e aspectos potencialmente positivos de
ser cuidador(23). Cuidar de um familiar em fase terminal é uma experiência
difícil ao nível físico e mental, pondo em risco a saúde e harmonia do
cuidador, pelo que, os momentos de descanso são considerados importantes no
sentido de providenciar uma quebra em relação às responsabilidades como
cuidador e proporcionar um regresso à vida normal(24-25).
Cuidar de uma pessoa em fase terminal é pois uma experiência muito
significativa, englobando as dimensões, psicológica, emocional e espiritual. A
incerteza, os medos em relação ao futuro e a perda são as preocupações
psicológicas mais comuns do cuidador da pessoa em fase terminal(26). Por outro
lado, os familiares desta evidenciam necessidades emocionais não satisfeitas e
não estão preparados para tomar decisões relativas aos tratamentos terminais,
devido a um insatisfatório suporte informativo e emocional por parte de um
profissional de forma continuada(27). São ainda enfatizadas as necessidades
espirituais dos mesmos, nomeadamente a colaboração com o capelão para as
avaliar e conhecer, assim como, responder às necessidades espirituais dos
enfermeiros(28). Destacam-se as seguintes estratégias para o suporte da
família: promoção de uma comunicação efectiva, envolvimento da família nos
cuidados, negociação das necessidades especiais, providenciar um óptimo
controlo da dor e outros sintomas, providenciar suporte existencial, preparar a
família para a morte, permitir que a família participe na morte e providenciar
suporte para o luto(29).
Para que o enfermeiro possa efectivamente pôr em prática as estratégias
anteriores, importa pois que não sejam descuradas as suas vivências emocionais
aquando da prestação de cuidados à pessoa em fase terminal e família,
realçando-se ainda a importância do mesmo como elo chave dentro da equipa de
cuidados paliativos(30). Os enfermeiros revelam-se apreensivos ao cuidar de
pessoas em fase terminal e suas famílias, sendo que, os níveis de apreensão
variam de acordo com o grau profissional, o género, o departamento e a
experiência pessoal(31).
Para a prestação de cuidados paliativos de qualidade é necessário que o
enfermeiro conheça a pessoa em fase terminal e família, estabelecendo contacto
precocemente, garantindo continuidade, investindo no tempo para estar com os
mesmos e não se restringindo aos aspectos físicos dos cuidados(32).
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÃO NA PRÁTICA PROFISSIONAL
Com a orientação da pergunta "Em relação ao cuidador da pessoa em fase terminal
(P), em termos de cuidados de enfermagem (I), quais as necessidades descritas
(O)?", realizamos uma análise crítica de todos dos artigos seleccionados e foi-
nos possível elaborar uma checklist das necessidades do cuidador da pessoa em
fase terminal (Quadro_2), sendo a maioria destas corroboradas pelos autores que
consultamos para a elaboração da fundamentação desta revisão sistemática(3-4,
6, 9, 13, 17-18), dando assim resposta a esta pergunta.
Sendo o envolvimento da família/cuidador um dos aspectos essenciais na
prestação de cuidados à pessoa em fase terminal, o cuidador deverá ser
capacitado para a prestação dos mesmos, algo que não se tem verificado, visto
que os estudos analisados referem um défice nesta área(19-20, 22-23, 27, 29).
As intervenções de enfermagem à família/cuidador da pessoa em fase terminal
estão descritas no Quadro_3, visando ajudar a família/cuidador a lidar com a
situação e melhorar a sua qualidade de vida(26).
Com a elaboração desta revisão sistemática, foi-nos possível nomear as
diferentes necessidades do cuidador da pessoa em fase terminal, bem como,
identificar as principais intervenções de enfermagem para lhes dar resposta(33-
34). A família/cuidador da pessoa em fase terminal apresenta diferentes
necessidades, pelo que, o enfermeiro nas suas intervenções deverá estar
desperto para o reconhecimento e satisfação das mesmas, com base no
estabelecimento de uma relação de confiança, no desenvolvimento da Enfermagem
enquanto disciplina e profissão.