Raça, classe e etnia nos estudos sobre e em Cabo Verde: as marcas do silêncio
Uma análise dos estudos realizados por pesquisadores cabo-verdianos, nas
últimas cinco décadas, mostra que, independentemente do quadro teórico no qual
se inserem algumas categorias conceituais, erigidas como centrais, faz emergir
ausências que denotam escolhas, por vezes ideologicamente situadas e que
singularizam a produção teórica e ensaísta sobre Cabo Verde.
De forma específica, existe a percepção, a partir de uma leitura longitudinal e
transversal, de que os estudos sobre Cabo Verde, produzidos essencialmente por
pesquisadores locais, têm, em regra, sido omissos relativamente às dimensões da
raça e da etnia na explicação da constituição e da transformação social da
comunidade insular. Já as análises que têm como tema ou como centralidade as
classes sociais aparecem com uma regularidade relativa, ainda que não possam
ser consideradas estruturalmente marcantes.
Em contrapartida, os estudos produzidos desde meados dos anos oitenta do século
passado, sobretudo nos Estados Unidos da América e incidindo sobre Cabo Verde,
têm tido como categorias analíticas centrais precisamente as que se encontram
ausentes nos estudos feitos por pesquisadores do arquipélago.1
O presente texto pretende fazer emergir, a partir de uma reflexão ainda em
construção, eventuais pistas que possam ajudar a explicar o silêncio e/ou a
relativa ausência de produções em ciências sociais que esbocem ou tenham como
referencial explicativo os conceitos de classes sociais, raça e etnia. Cremos
que as fronteiras e os mutantes marcadores identitários, por um lado, e a
sublimação e/ou a negação de valências identitárias não hegemônicas, por outro,
são cruciais para o entendimento desse silêncio, das omissões ou das
transmutações conceptuais.
Com efeito, tanto no período colonial quanto no pós-colonial, raras são as
tentativas de se compreender sociologicamente como, em Cabo Verde, os diversos
atores emergem e se constroem enquanto sujeitos históricos. É muito mais comum
encontrar-se uma preocupação em situar e definir a especificidade do homem, da
cultura e da sociedade cabo-verdiana.
Tal situação, num primeiro momento, parece-nos decorrer menos da busca da
construção de uma identidade nacional ou de sua fixação, e mais de uma
necessidade de segurança ontológica ou psicossociológica.
Já num segundo momento, pode-se perceber, de forma mais ou menos orgânica e de
cunho relativamente emancipador, uma preocupação com a construção, pela elite,
de discursos identitários nacionalmente assumidos.2
Alguns deles, mais descritivos do que explicativos, fazem determinadas
incursões pelas dimensões classe e raça, essencialmente na busca de modos de
legitimação de uma sociedade que se forma a partir da extinção da sociedade
escravocrata.
Não raras vezes, os conceitos ou as dimensões raça e classe se sobrepõem,
sobretudo em contextos em que as condições sócio-históricas tenderam a
favorecer uma homogeneização dessas duas categorias.
Em contrapartida, a dimensão étnica é referida no essencial, para justificar a
impossibilidade de sua análise. Na verdade, a multiplicidade de etnias, que
teriam concorrido para o povoamento das ilhas de Cabo Verde e a sua diluição no
espaço do arquipélago, é erigida como fundamentos da emergência de uma
sociedade, de um povo e de uma cultura particulares.3 Como sugere José Carlos
dos Anjos,
A violência física e simbólica, que destruiu grande parte da memória
étnica dos escravizados, tem sido lida pelos intelectuais cabo-
verdianos como "fusão cultural de europeus e africanos". Essa "fusão
cultural" numa mestiçagem geral é percebida por uma parte da
intelectualidade cabo-verdiana como positiva, no sentido de que se
teria constituído uma unidade nacional antes da implantação de um
Estado nacional.4
Em alguns casos, emergiram críticas às raras abordagens de natureza
culturalista, centradas na questão étnica. Amílcar Cabral,5 embora considere a
luta de libertação com um ato de cultura, não deixa de criticar, assim como o
faz Frantz Fanon, os que assentam a sua análise nas determinantes identitárias
ou raciais e étnicas, esquecendo, em contrapartida, questões que se prendem às
variáveis econômicas, sociais e políticas.6 No que diz respeito à análise de
classes socais e raças, encontramos uma tentativa de António Carreira de
caracterizar a estrutura socioeconômica de Cabo Verde no período colonial e, de
forma particular, no contexto da escravidão.7 Trata-se de uma démarche
nitidamente funcionalista em que, de forma sinônima, classe e raça se
sobrepõem. Com efeito, constata o autor que, durante os primeiros três séculos
da colonização, "a sociedade cabo-verdiana estava estruturada em duas únicas
classes: uma, a dos senhores (brancos, reinóis ou naturais e alguns mulatos), e
outra, a dos libertos (negros ou mulatos) e escravos".8
Elisa Andrade virá, mais tarde, recaracterizar a sociedade cabo-verdiana em sua
configuração social através do marxismo, recorrendo a N. Poulantzas. Para além
da posição dos agentes no mundo da produção econômica, a autora agrega outras
dimensões, incluindo os que permitem o agrupamento, numa mesma classe, de
sujeitos inseridos em bases econômicas diversas, mas que partilham o mesmo
quadro político e ideológico. No contexto colonial, a reconceituação de classes
sociais permitiria, segundo a autora, captar especificidades de uma economia
dependente, colonial e sem base industrial.9
Grande parte dos estudos realizados no contexto pós-colonial tende a
concentrar-se na questão identitária e na construção da nação. Nesse contexto,
a problemática da estruturação social e da pertença étnica ou racial inclina-se
a estar omissa ou sublimada, para se privilegiarem as bases culturais
diferenciadoras da nação e do homem cabo-verdiano, bem como de seu ethos
específico. Esses estudos, como se poderá ver mais à frente, não são
homogêneos. Comportam, antes, diferenças teóricas e políticas marcantes, com
consequências societárias também diversas.
De certa forma, e a título de hipótese, poder-se-ia afirmar que a discussão em
torno da identidade étnica é transmutada em identidade cultural e/ou nacional,
conhecendo oscilações históricas entre a africanidade, a crioulidade e a
europeidade cabo-verdianas, para, numa postura por vezes intelectualmente
cínica e vazia de capacidade heurística, se afirmar que a identidade dos
insulares, não se resume numa coisa nem noutra: ela é simplesmente cabo-
verdiana.10
A negação/sublimação/omissão da dimensão étnico-racial, tanto no discurso das
ciências sociais, quanto na prática discursiva do quotidiano, encontra eco no
silêncio das estatísticas demográficas que, já no período colonial, em meados
dos anos quarenta do século passado, deixaram de diferenciar os agrupamentos
populacionais segundo a raça, no sentido fenotípico do termo, prática
continuada no período pós-colonial.
Contudo, a partir da análise das relações sociais, podem ser surpreendidos
comportamentos estereotipados. Com efeito, parece-nos que, em muitos contextos,
a etnicidade pode ser apreendida a partir de práticas que conduzem à criação de
estereótipos negativos, alocados a grupos populacionais provenientes de espaços
sociais nacionais bem específicos, ou seja, a etnicização, no contexto do
espaço geográfico interno, é associada a outro contexto específico, que provém
do continente. Existiria, aqui, uma reapropriação e uma ressignificação do
conceito de etnia, que não se caracterizaria, como sugere A. D. Smith, como
"existência de um nome próprio comum, de um mito de uma ancestralidade
compartilhada, de memórias históricas compartilhadas, de elementos de uma
cultura comum, de um vínculo a um homeland, e de senso comum de
solidariedade",11 mas, antes, como um outro, homogeneizado numa designação
étnica única (mandjakus), legitimada pela origem geográfica continente e por
uma racialização disforme negro.12
Da mesma forma, e mais atualmente, as dinâmicas interculturais resultantes da
imigração de africanos provenientes da África Ocidental fizeram emergir, no
discurso e nas práticas sociais e culturais dos cabo-verdianos, comportamentos
assentes na diferenciação étnica e racial, com recortes que, por vezes,
indiciam certa esquizofrenia comunitária.
Situando o problema
Livio Sansone defende que etnia, etnicidade e demais derivados estão na moda.
Com efeito, no mercado, essas categorias tornaram-se produtos comercializáveis,
na política e na sociedade, termos "politicamente corretos" na academia foram
erigidos como categorias explicativas importantes para se compreender a
dinâmica das comunidades pluriétnicas e plurirraciais.13
Para o autor, as possibilidades de uma utilização contra-hegemônica dessas
categorias explicativas, seja numa perspectiva epistemológica, seja política,
seriam remotas. Afirma Sansone estar "mais cético do que nunca a respeito de
qualquer possibilidade libertária e emancipatória intrínseca da mobilização
política em torno da identidade étnica e da 'raça'".14 No contexto cabo-
verdiano, essa possibilidade sequer se coloca, pela absoluta ausência dessas
categorias de análise nos estudos e nas práticas discursivas quotidianas. Mesmo
a questão do mercado étnico apenas se coloca de forma extrovertida. Aplica-se
às comunidades emigradas no exterior, na perspectiva em que podem ser
consideradas como importantes segmentos de um mercado étnico para produtos
cabo-verdianos, passíveis de exportação.
De um ponto de vista estritamente conceitual, parece adequado ter em conta que
etnicidade constitui "um constructo social de caráter contingente". Nesse
sentido, não parece adequado e heuristicamente produtivo essencializá-la. No
máximo colocar entre parênteses a etnicidade, retirando sua dimensão
contingente, a sua historicidade, enfim.
Bader chama a atenção para o fato de o conceito de etnicidade reagrupar, hoje
em dia, sentidos múltiplos, transformando-se no que denominou conceito
contentor.15 Na verdade, seriam vários os critérios que se imbricam para
conformar o conceito:
[...] características comuns reais ou presumidas da cor da pele etc.,
território, origens comuns (míticas), características comuns da
história, do idioma ou dialectos, da cultura (étnica ou política), do
habituse dos estilos de vida, da religião, bem como da cidadania -
todos os grupos possíveis ou impossíveis, categorizáveis de modo
racista, são designados como 'minorias étnicas' tal como os indígenas
na Austrália, os bascos, os flamengos, os católicos na Irlanda do
Norte, os judeus ou arménios na diáspora, os 'imigrantes' na
Alemanha, os imigrantes étnicos na América do Norte, os
'estrangeiros' legais, assim como ilegais etc.16
De igual modo, tentando proceder à busca de interfaces de etnicidade e raça,
Sansone chama a atenção para o perigo da naturalização desse último conceito,
ainda que, como sugere Costa, na mesma esteira de Guimarães,17 se trate de um
produto "de formas de classificações sociais com implicações substantivas para
as oportunidades individuais no interior dos diferentes grupos socais".18
Assim, uma leitura atenta das formas como o conceito de raça tem sido usado
mostraria uma certa intercambialidade com o de etnia. Desse modo, pode-se
considerar que "os grupos sociais têm sido racializados, etnicizados e
novamente racializados, num processo que sempre funciona através de uma
combinação de forças dentro e fora de determinado grupo étnico".19 No entanto,
ainda que, em muitos estudos, as categorias raça e etnia se encontrem
mescladas, quando não sobrepostas, uma diferenciação se impõe. Se adstrito à
categoria raça estão critérios socialmente definidos e passíveis de
visualização exterior, à categoria etnia estão associados critérios sócio-
históricos e/ou culturais.20
Essa perspectiva analítica mostra-se difícil de transportar para o caso cabo-
verdiano. Na verdade, parece-nos que essas categorias analíticas não emergem
como explicativas para a questão identitária, ou mesmo para se analisarem
eventuais injunções entre a dimensão racial e as desigualdades sociais.
A não polarização analítica, em termos de identidade étnica e racial, é quase
uma transversalidade em toda a história de Cabo Verde, e em todos os estudos
sobre o país.
Nesse sentido, os estudos e as relações sociais em Cabo Verde tenderiam, numa
certa dimensão, mutatis mutandis, a se aproximar da situação brasileira,
referida por Sansone, segundo o qual as relações interétnicas e a racialização
dos grupos se caracterizariam
(...) por um continuum racial ou de cor, em vez de um sistema não
polarizado de classificação racial, por uma cordialidade transracial
nas horas de lazer, entre as classes mais baixas, por uma longa
história de sincretismo no campo da religião e da cultura popular, e
por uma organização política relativamente fraca com base na 'raça' e
na etnicidade, a despeito de uma longa história de discriminação
racial.21
Essa aproximação é, contudo, apenas aparente, uma vez que, primeiro, a questão
étnica é sublimada nas narrativas das ciências sociais e humanas, a partir do
momento em que se assume que o fato colonial, pelos mecanismos sincréticos,
refundou um povo e uma sociedade etnicamente homogêneos; segundo, a dimensão
racial é, ela também, sublimada pela negação assertiva da africanidade (em
termos culturais), vale dizer negritude, e uma negação tímida do europeísmo,
levando a que se busque a superação na formulação vazia de significado e de
capacidade heurística "nem África nem Europa. Simplesmente Cabo Verde".
Embora o contexto cabo-verdiano comporte algumas especificidades, quando
comparado aos estados africanos pós-coloniais continentais, as observações de
Mkandawire sobre a presença e/ou a ausência de algumas categorias e dimensões
na análise da realidade africana não relevantes, e podem, mutatis mutandis,
ajudar a melhor refletir o caso cabo-verdiano. Sublinha esse autor que
Em qualquer caso, tendo aceitado as fronteiras coloniais, eles
tiveram que lidar com o fato concreto de que as nações constituíam de
diversos grupos étnicos e nacionalidades. O pluralismo social da
África, sua divisão em mais de mil grupos étnicos, sempre foi uma
fonte de preocupação em termos de modernização, construção de nação,
desenvolvimento e governança. Às vezes esse pluralismo tem sido
central na análise, enquanto em outros momentos tem sido totalmente
banido. Mas tem, como a espada de Dâmocles, pairado sobre qualquer
outra categorização social utilizada na análise social: nação, classe
ou gênero, sempre ameaçando tornar incoerente qualquer análise com
base nessas categorias.22
Para as lideranças políticas dos estados pós-colonais, na era da euforia
(primeira década das independências), o projeto de construção do Estado-Nação
era, de certa forma, incompatível com os planos alternativos de nações-estados,
multiculturalidade, multietnicidade ou dimensão multirracial. Aliás, pensar
nesses termos e com essas categorias seria comprometer o projeto político de
unidade nacional e de implementação do programa político de desenvolvimento.
Em Cabo Verde, ao contrário, pensar a realidade do país na sua eventual
multiplicidade étnica, cultural e racial seria negar o fato de a nação preceder
o Estado, negando a especificidade cabo-verdiana.
A situação cabo-verdiana apresenta nuances, contudo, importantes. Por um lado,
a situação colonial muda o contexto e o padrão de relações sociais e de poder,
com consequências na análise da estrutura social. Por outro, a tradição
sincrética, no campo da religião, é muito mais fluida em Cabo Verde.
De igual modo, não se pode descurar que a vivência real ou imaginária e a
reivindicação de uma identidade negro-africana, de africanismos ou da
africanidade autêntica, num contexto de distanciamento geográfico de fronteiras
opostas do Atlântico, se colocam de forma diferente, quando se está a 500 km do
continente, onde a pertença geográfica não pode ser questionada.
Parece evidente que a contestação da pertença geográfica de Cabo Verde ao
continente africano é, de per si, impossível, podendo-se apenas argumentar no
distanciamento identitário e cultural, mas não na dimensão étnica ou racial.
Mais uma vez, a questão se colocaria, como muitos o fizeram, na crioulização e
não na mestiçagem.23
Por sua vez, a dimensão racial raramente aparece como categoria de análise,
contrariamente ao que sucede, por exemplo, entre os brasileiros, quando, nos
anos 70,
o conceito raça, através, entre outros, da influência da discussão
norte-americana, ganha renovada importância política no Brasil,
funcionando como instrumento de ruptura da homogeneidade construída
simbolicamente pela política de mestiçagem [...]24.
Mesmo no quadro do processo de reafricanização dos espíritos, propulsionado
pelos intelectuais orgânicos da luta de libertação, a questão racial não é
explicitamente colocada.
Nos estudos sobre Cabo Verde, as categorias analíticas centrais têm sido,
majoritariamente, a mestiçagem e a crioulização, como elementos
caracterizadores dos habitantes locais.
Para o caso da mestiçagem, trata-se, como o refere Sérgio Costa, de uma noção
sociológica e não fenotípica, que fundamenta grande parte dos trabalhos dos
construtores da cabo-verdianidade.
Já o conceito de crioulização é fortemente polissêmico, mudando de significado
de acordo com autores e momentos históricos. No entanto, o que parece comum
entre os autores, que o elegem como categoria explicativa, é a dimensão
linguística, ou seja, a capacidade de produção de um novo instrumento de
integração societário, e a criação de um ethos cultural específico não passível
de ser subsumido nas suas matrizes.
Pode-se, nesse caso, apontar um paralelismo entre algumas construções
identitárias e certas dimensões da cabo-verdianidade e a situação brasileira,
aludida por Sérgio Costa, como o que caracterizaria os ideólogos da brasilidade
de Freyre:
' A intervenção estatal no campo da cultura baseia-se num conceito
essencialista de brasilidade, através do qual algumas formas
culturais são promovidas, enquanto outras manifestações, igualmente
existentes são sistematicamente desconsideradas;
' A brasilidade é apresentada como uma identidade mestiça não étnica,
capaz de assimilar todas as outras representações étnicas.
A ideia de raça é desqualificada enquanto instrumento dos discursos
públicos, ainda que continue orientando a acção e as hierarquizações
estabelecidas pelos agentes sociais, cotidianamente. Assim, se
constitui o mito da democracia racial, componente indispensável da
ideologia da mestiçagem.25
Num primeiro momento, pode-se argumentar que a desvalorização da etnicidade,
como categoria heuristicamente relevante para a compreensão da sociedade cabo-
verdiana, reside na dificuldade de se identificar entre os "ilhéus" as etnias
de origem ou de pertença. Nesse sentido, a pertença ou a afiliação étnica não
passaria por uma ideia geral de uma ancestralidade africana, cultural e
geograficamente situada, mas, antes, pela busca de novos referentes ou pela
construção de outros.
Assim, a crioulização da sociedade cabo-verdiana emergiria como um processo de
hibridação étnica, fator que torna mais complexa a análise, contrapondo-se à
mestiçagem, que pode ser entendida como hibridização racial, no sentido
fenotípico do termo.
Nos últimos anos, contudo, a negação ou a sublimação da dimensão étnica nos
estudos sobre Cabo Verde, por um lado, e sua rejeição no plano social, por
outro, são contemporâneas da construção de uma nova relação de alteridade que a
imigração coloca. Com efeito, os afro-continentais são reduzidos por um
marcador étnico, mandjakos,26 que esconde um marcador racial, "negros".
Análises histórico-sociológicas: da sobreposição de categorias às análises das
classes sociais
Como referido anteriormente, os estudos de natureza histórica, particularmente
os considerados clássicos, conduzidos por Antonio Carreira, analisam a formação
da sociedade cabo-verdiana, tentando determinar os aportes populacionais e
culturais dos povos que concorreram para o seu povoamento.
Nitidamente, a situação colonial-escravista condiciona o povoamento e, por
conseguinte, o peso relativo dos sujeitos intervenientes.
Analisando a formação social cabo-verdiana, num primeiro momento, a partir do
conceito de classes sociais, Carreira tem uma postura crítica, relativamente
aos estudos que concluem que "a sociedade insular teve por base indivíduos de
duas classes: os europeus (fidalgos) e os escravos africanos".27
No entanto, e buscando uma análise comparativa, o autor tende a concordar com a
análise para o contexto brasileiro, feita por Donald Pierson, para quem
aventureiros, degredados, jovens ambiciosos, nobres empobrecidos, juízes e
clero secular, judeus expulsos pela Inquisição, ciganos, prostitutas e órfãs e
robustos camponeses teriam sido mandados para o povoamento da Bahia. 28
Esses elementos permitiram a Carreira concluir que
as ilhas de Cabo Verde receberam, em maior ou menor número, elementos
de todas as classes sociais registradas por Pierson. E, como pioneira
da colonização lusíada, pôde fornecer ao Brasil alguns casais,
brancos e mestiços, pardos e negros.29
A concepção de classes por Carreira é sui generis, marcadamente funcionalista,
tratando-se mais de grupos ou de categorias sociais.
Essa análise, que se assenta em classes, rapidamente se subsume em categoriais
raciais. Com efeito, Carreira começa por descrever o peso relativo de brancos e
negros na estrutura social e econômica das ilhas e os papéis sociais reservados
a cada um desses atores. Da mesma forma, emerge já a problemática da
mestiçagem, com o surgimento de pardos e mulatos. Diz ele: "Formava-se desse
modo uma sociedade mista e escravocrata".30
Essa estrutura de classes, aproximando-se da situação da Bahia, descrita por
Pierson, conhece, segundo Carreira, transformações no contexto das ilhas. Na
verdade, nos finais do século XVIII, a estrutura social seria essencialmente
dual, composta por senhores, de um lado, e libertos e escravos, do outro.
Nesse contexto, as dimensões classe e raça se cruzariam e se sobreporiam e,
assim, diz o autor que "A sociedade cabo-verdiana estava estruturada em duas
únicas classes: uma, a dos senhores (brancos, reinóis ou naturais, e alguns
mulatos), e outra, a dos libertos (negros ou mulatos) e escravos".31 Pode-se
aqui inferir que, embora a categoria raça venha a ser um importante recurso
metodológico para a compreensão da conformação social cabo-verdiana e das
eventuais desigualdades sociais, ela não constitui um fator único, até porque,
mostra o autor, mulatos já faziam parte da classe dos senhores. De igual modo,
estudos realizados, nomeadamente, no quadro da elaboração da história de Cabo
Verde, evidenciam que, cedo, os "brancos da terra" passam a ser importantes
proprietários, comerciantes e funcionários.
Nessa linha de ideias, como diria Jessé de Souza para o caso brasileiro, o
preconceito seria de marca,32 tornando-se importante a dimensão classe para o
entendimento dos fundamentos da desigualdade social.
De igual modo, Sérgio Costa sublinha a necessidade de uma não utilização
generalizada da categoria raça na análise sociológica, uma vez que o seu uso
indiscriminado e construtivista tende a
tomar a realidade social como sendo um reflexo unilateral da
estrutura socioeconômica, não levando em conta a forma como os
agentes sociais descodificam as estruturas e constroem os
significados que orientam seus comportamentos e escolhas.33
Assim, considera prudente e mais produtiva a utilização, em determinados
contextos, da categoria segregação.
Voltando a António Carreira, num outro estudo, ele introduz novas categorias de
análise (classes sociais), ainda que incorra na sobreposição classes/raças. No
seu estudo sobre aspectos sociais, secas e fomes no século XX, ao analisar a
organização da sociedade cabo-verdiana, afirma que, já a partir dos anos trinta
do século passado, emergiu uma nova burguesia, proveniente da emigração, que
viria substituir os "brancos da terra". De igual modo, faz referência a uma
pequena burguesia urbana, comercial e administrativa e a uma "massa de
trabalhadores rurais e outros".
Contudo, não resiste o autor a remeter para a questão racial o melhor
entendimento dessas classes sociais, sem explicitar que tipos de correlações
poderiam ser feitas, nem as inferências passíveis de serem produzidas, a partir
do cruzamento das duas variáveis (classe e raça). Assim, diz expressamente que
"No sentido de se poder compreender melhor a posição dessas camadas da
sociedade insular, talvez não seja descabido dar a conhecer a composição da
população segundo a cor, isto em relação aos poucos anos em que este atributo
fez parte dos instrumentos de notação estatística: 1910-1919, 1920-1929 e 1930-
1936".34
Elisa Andrade retoma a análise da estrutura social cabo-verdiana, fazendo um
exame longitudinal que vai da descoberta à independência.35 Ancorando-se na
tradição marxista, a autora analisa e concebe uma taxonomia que se aproxima da
proposta por Carreira. Com efeito, para ela, a sociedade cabo-verdiana no final
do período colonial estaria constituída por três classes: a burguesia local,
dependente da "metropolitana", uma classe média, por ela denominada de "pequena
burguesia", constituída pelos funcionários do Estado e do setor privado e,
finalmente, "a grande massa" ou o "povo", incluindo os assalariados urbanos e
os trabalhadores rurais.
Esse tipo de estudo, que oscila entre o funcionalismo e o marxismo, com muitas
dificuldades de categorização e de base empírica, encontra-se presente em
vários autores. Leila Hernandez e Michel Lessourd também incorrem na mesma
linha de interpretação, ficando difícil a articulação entre a categoria
sociológica "classes sociais" e a realidade empírica que pretensamente
pretendem explicar.36
Em alguns momentos, tanto Carreira como Andrade, ensaiam quantificar o peso
demográfico relativo de cada uma dessas classes sociais, sem nunca explicitarem
os fundamentos sociológicos e estatísticos sobre os quais se assentaram os
cálculos.
Maria Manuela Afonso afasta-se das análises mais comuns, que têm centralidade
na categoria "classes sociais", tentando um exercício de reconceituação. recusa
"a orientação marxista tradicional", porque ignora a "origem política da
mobilidade social", e acrescenta: "consideramos as classes como categorias de
pessoas que partilham interesses econômicos e políticos comuns e que surgem do
seu acesso aos poderes e aos recursos públicos e oportunidade de os
controlar".37
Assim, para a autora, a definição de classes sociais, no contexto cabo-
verdiano, deve ser construída a partir das relações de poder e não de produção.
A aproximação de Pierre Bourdieu mostra-se evidente. É o quantum de poder
possuído e o posicionamento no campo político que definem a posição de classe e
que, por sua vez, permitem o acesso aos recursos econômicos. Existe, portanto,
uma anterioridade do político em relação ao econômico, sendo o primeiro a fonte
da "acumulação primitiva", para utilizar uma expressão marxista.
O acesso ao poder e, por via desse, ao econômico, passa pela educação,
importante via de mobilidade, tanto no período colonial quanto no pós-colonial.
A possibilidade de acesso à administração pública colonial passa pela
escolarização e é, também, por ela (posse de títulos escolares) que,
progressiva e solidamente, se tem acesso ao poder e aos recursos públicos no
estado pós-colonial.
No entanto, quando a autora procura fazer uma reconstrução histórica do
processo de estruturação social em Cabo Verde, deixa de lado a proposição
teórica inicialmente feita para abraçar as abordagens já tradicionais na
historiografia local. O conceito de classes transmuta-se no de raça. Reconhece
M. Afonso que "fazer uma análise evolutiva da estrutura de classes, partindo
dos resultados dos censos, mostrou-se impraticável".38 Afirma, porém, que, "nos
primeiros séculos de ocupação a diferenciação social existente era sobretudo
racial",39 corroborando a conclusão de Correia e Silva, para quem, em
sociedades crioulas, "as fracturas étnicas inicialmente coincidiam com as de
classe, fazendo do negro, escravo, e do branco, escravocrata, daquele o
'gentio' e deste o civilizado". Reconhecendo, embora, que "não é menos certo
que a própria dinâmica histórica dessas mesmas sociedades, ou seja, a luta
entre as classes que as compõem, faz baralhar estes dados (dinâmica de
crioulização)".40
Como se pode ver, a perspectiva analítica da formação social cabo-verdiana, que
tenha centralidade na categoria "classes sociais", para além de ser pouco
significativa e pouco substantiva, tende a perder a sua capacidade explicativa,
seja pela existência de uma dissonância entre as dimensões teórica e empírica,
seja porque, amiúde, se vê subsumida na categoria raça.
Entre a mestiçagem e a crioulização: o étnico-racial e a especificidade
cultural
Uma parte substancial dos estudos sobre Cabo Verde erige como categorias
analíticas centrais a mestiçagem e a crioulidade.
Nessa perspectiva, a melhor forma de se compreender a formação social cabo-
verdiana passa pelo entendimento do processo que terá, para uns, conduzido a
uma hegemonia de uma população e uma cultura mestiças e, para outros, à
emergência de uma comunidade crioula.
A noção de mestiçagem aparece, em geral, oscilando entre a dimensão fenotípica
e a categorização sociológica, ou ainda recobrindo as duas dimensões.
Gabriel Mariano é, sem dúvida, o grande explicitador da defesa de um Cabo Verde
como sendo o mundo que o mulato criou. Sublinha esse autor que, em Cabo Verde,
terão desabrochado expressões novas de cultura, essencialmente mestiças.
Desde as suas origens mais remotas que no arquipélago puderam o negro
e o mulato apropriar-se de elementos da civilização europeia e senti-
los como seus próprios, interiorizando-os e despojando-os das suas
particularidades contingentes ou meramente especificas do europeu.
Com efeito, os elementos introduzidos com os portugueses, tanto
materiais como espirituais, puderam ser incorporados na paisagem
moral do arquipélago, passando a ressoar com familiaridade, quer no
comportamento do negro, que no mulato, influindo, por conseguinte,
nas suas reações mais íntimas. Da mesma forma que elementos levados
pelos afro-negros foram assimilados pelo branco europeu, tornando-se
irremediavelmente comuns aos dois grupos étnicos.41
António Carreira perfilha a posição de Gabriel Mariano, ao afirmar a hegemonia
de uma população e de uma cultura mestiças no contexto cabo-verdiano. A
fundamentação da tese repousa essencialmente na dimensão demográfica. Com
efeito, para Carreira, a reduzida presença de mulheres brancas conduz a que os
brancos reinóis rapidamente se casem ou se amiguem com as negras, levando a
miscigenação aliada à diminuição da entrada de novos homens negros.
Essa é também a conclusão do estudo seroantropológico realizado em Cabo Verde,
sob a orientação de Almerindo Lessa e Jacques Ruffié,42 para os quais o mestiço
terá acabado "por dominar o espaço físico e intelectual do Arquipélago",
tornando-o "um dos mais extraordinários fenômenos humanos de que reza a
história nacional", vale dizer, portuguesa.
Contrapondo-se à mestiçagem, encontramos um conjunto de estudos que analisa a
sociedade cabo-verdiana na sua dimensão crioula. Alguns não vêm a crioulidade
como uma especificidade insular, mas antes como um traço de formações sociais
que se constituem em espaços ilhéus, resultantes de um povoamento interétnico e
intercultural.
Nesse caso, a formação social cabo-verdiana se inscreveria no mesmo quadro
classificatório que S. Tomé e Príncipe e das Antilhas.
Essa é a perspectiva de Antonio Correia e Silva, para quem "a crioulidade,
[...] que é simultaneamente cultural, social e histórica, deriva da criação de
uma sociedade a partir da integração de europeus e africanos sobre a hegemonia
política dos primeiros".43 Trata-se, por conseguinte, de uma sociedade que
emerge de um processo de hibridização étnico, social, político e cultural,
caldeado pela dimensão geográfica. Por isso, cada sociedade crioula tem a sua
especificidade que resulta "de lutas, tensões, acontecimentos que nela tiveram
e têm lugar".44
De forma diversa entende Brito-Semedo a crioulidade.45 Ela é vista como uma
especificidade identitária, mas também social e espacial. Nesse sentido, a
categoria crioula, tal como ela é apropriada, não pode ser transposta, enquanto
conceito, na busca de explicação para outras sociedades que, eventualmente,
tenham tido percursos sócio-históricos semelhantes. Mais ainda, encontra-se
subjacente a essa categoria uma dimensão de subjetividade humana que conduziria
à autonomização identitária. Afirma o autor que
[...] todo esse ambiente terá proporcionado ao mestiço nascido desse
cruzamento, ainda sem uma identidade étnica definida, o confronto
entre as diferenças culturais dos seus progenitores a europeia do pai
e aafricanada mãe e criar uma identidade cultural própria, a cultura
crioula, que se caracterizava, essencialmente, por um sentimento de
diferença.46
A apropriação dessa concepção de crioulidade e, mais ainda, de etnia, de uma
forma problemática, leva o autor a, numa perspectiva nitidamente ideológica,
valorizar, de forma oposta, as dimensões europeia e africana que concorreram
para o processo de miscigenação. Com efeito, diz ele que
Ao lado de costumes e hábitos de importação europeia, encontram-se
reminiscências de formas sociais, costumes e processos negro-africanos;
amalgamando-se com pratos de cozinha puramente portuguesa, existem formas de
alimentação de origem ou influência negro-africana; ao lado da família
legitimamente constituída, detecta-se uma acentuada tendência poligâmica; a par
da canção portuguesa ou ocidental, ondulam pelo ar a morna, o batuque, a
finaçom. 47
Como se pode ver, à positividade dos aportes europeus contrapõe-se a
negatividade dos valores africanos; à não adjetivação fenotípica da
contribuição europeia opõe-se a dimensão negra à contribuição africana; à
hegemonia dos hábitos europeus têm-se as reminiscências africanas; ao casamento
monogâmico europeu tem-se a poligamia africana.
Dessa análise por oposição, o autor chega, por negação, e de certa forma
paradoxal, à sociedade crioula que, resultando embora do caldeamento das duas
contribuições, não se resume a nenhuma delas e nem tampouco constitui a sua
síntese. Seria, afirma o autor, com uma certa mistificação, " um caso sui
generis".
Manuel Ferreira foi dos primeiros autores a, de forma mais sustentada teórica e
empiricamente, defender a existência de uma sociedade cabo-verdiana crioula.
Com efeito, faz recurso a uma vasta literatura em ciências sociais, que estudam
as sociedades que experimentaram relações interétnicas, especialmente o Brasil,
as Antilhas etc., para buscar corroborar a especificidade crioula de Cabo Verde
que, para ele, seria desconhecida, porque não suficientemente estudada. As
poucas análises feitas acabaram por se revelar enviesadas, no sentido em que
contrariam as proposições do autor.48 No seu livro Aventura Crioula, o autor
afirma que "[...] o problema da cor, o da origem racial, deixou literalmente de
ter significação no Arquipélago [...]".49 Com efeito, ressalta, constata-se uma
transmutação da dimensão raça para a social. Nesse sentido, a referência à cor
tem um significado sociológico e não fenotípico.
Ali a própria designação 'gente branca' e aspectos derivativos: "casa
de gente branco", 'cheiro de gente branca' se esvaziaram do seu
conteúdo étnico para, semanticamente, incorporarem um significado em
íntima conexão com as alterações sofridas nas estruturas econômicas
do Arquipélago que, desde cedo, permitiram uma permeabilização social
alheia à cor do indivíduo.50
Contestando autores precedentes, que teriam sublinhado a forte presença de
elementos africanos no contexto social cabo-verdiano, como Auguste Chevalier e
Gilberto Freyre, Ferreira sublinha o caráter ideológico das proposições desses
autores. Em contrapartida, ressalta a singularidade cabo-verdiana, resultante
da emergência de uma cultura nova, fruto do cruzamento de contribuições negras
e europeias.
Esse essencialismo crioulo, refere o autor, pode ser constatado "[...] através
da música, da poesia, da dança, da culinária, do crioulo, da literatura oral e
do pessoalismo que as gentes imprimem a mil e uma manifestações da vida
quotidiana [...]".51
Africanidade, europeidade e cabo-verdianidade: dilemas identitários
De forma sistemática, a reivindicação da dimensão africana na formação social
cabo-verdiana aparece com os intelectuais orgânicos da luta de libertação
nacional. Tanto sob a forma de crítica aos intelectuais defensores do
regionalismo crioulo, como numa perspectiva que se classifica de emancipatória
no quadro das lutas anticoloniais, percebe-se nitidamente a busca do resgate
dos valores culturais do arquipélago. Manuel Duarte refere explicitamente que
Nós, os cabo-verdianos, estamos étnica e historicamente ligados tanto
à África como à Europa, acrescendo sobremaneira no sentido da
africanidade, a situação geográfica, o condicionamento climatérico, a
predominância da corrente imigratória negra no povoamento das ilhas,
originariamente desertas, em suma, o fenómeno colonial e suas
necessárias implicações.52
Essa assunção da africanidade, num contexto sociopolítico importante,
configura, como ressalta Gabriel Fernandes, uma reafricanização dos espíritos e
o retorno às origens, ainda com alguma ambiguidade que, no entanto, atinge
maior radicalidade com Amílcar Cabral. Esse posicionamento de Manuel Duarte
ressalta, pela positividade, a dimensão africana da cultura cabo-verdiana.
José Luis Hopffer Almada caracteriza a população do arquipélago, do ponto de
vista racial, como essencialmente mestiça. Sem apresentar dados demográficos e/
ou fontes históricas que atestem a afirmação, sustenta que "Do ponto de vista
'racial', a comunidade se subdivide em mestiços (a maioria, com predominância
mulata), pretos e brancos (estes, com uma relativamente fraca expressão
numérica, quer histórica quer presentemente)".53 No entanto, acrescenta que "
[...] em Santiago, os mestiços e os brancos são minoritários em relação aos
pretos, ainda que, do ponto de vista absoluto, a grande ilha seja aquela que
alberga o maior número de mestiços e brancos".54 Alguns problemas, como
referido anteriormente, se colocam, em primeiro, as estatísticas demográficas
deixaram, ainda no período colonial, de classificar a população segundo a
raça.55 Em segundo lugar, a taxonomia proposta não se encontra fundamentada,
assim a diferenciação dos mestiços em subgrupos, nomeadamente os mulatos, não é
alicerçada nem do ponto de vista da categoria, nem de sua base empírica.
Da mesma forma, sublinha que a miscigenação cultural é transversal a populações
somaticamente diversas e a ilhas com distribuição populacional, em termos
raciais também diferenciados.
Tal situação, na perspectiva desse autor, resulta do fato de se tratar de uma
cultura crioula que emerge num
[...] arquipélago africano, macaronésico saheliano e atlântico,
integra, por outro lado, o Novo Mundo, pois que o seu processo
histórico resultou do surgimento das diásporas negro-africanas e
europeias, sendo o seu corolário a nossa crioulidade. [Para arrematar
que] o cabo-verdiano é, em todas as ilhas, portador de uma idêntica
cultura crioula, miscigenada na sua substância e formas de
expressão.56
Partilhando a mesma linha analítica, encontramos também David Hopffer Almada,
para quem não se devem negar as contribuições negro-africanas e europeias na
conformação sociocultural cabo-verdiana. Assim, sugere que
[...] a identidade nacional e cultural cabo-verdiana se assenta menos
em cada um dos elementos referidos (hibridização, insularidade e
ruralismo tropical) e mais na frontalidade das relações culturais
étnicas, permitindo o surgimento de uma cultura não nova mas
resultante dos vetores vários que confluíram ao arquipélago,
preservando-se não como sobrevivências mas como reelaborações de
traços culturais originários de grupos étnicos que outrora aportaram
às ilhas.57
Observa-se que, de forma sistemática, a análise e a caracterização da formação
social cabo-verdiana colocam grande parte dos autores, antes analisados, em
armadilhas teóricas e identitárias importantes. Com efeito, a busca da
singularidade de Cabo Verde, tanto do ponto de vista étnico como do cultural,
leva a uma aceitação/rejeição do alinhamento a espaços étnicos e culturais
outros. A aceitação dos aportes europeus, africanos ou atlânticos na
estruturação das ilhas, perpassa todas essas análises, ao mesmo tempo em que
demonstra que esses contributos deixaram de ser o que eram, para deles emergir
uma formação social nova. Daí a rejeição.
A sociedade crioula, mestiça e atlântica seria, nessas análises, transétnica e
transracial. Por isso, as categorias raça e etnia aparecem, apenas,
marginalmente sem qualquer pretensão explicativa.
Reposicionamentos analíticos
Tem-se assistido, ainda que minoritariamente, a um esforço teórico extremamente
sólido de um reposicionamento analítico sobre a estruturação da sociedade cabo-
verdiana, desconstruindo perspectivas analíticas até então hegemônicas.
Um dos primeiros contributos nesse domínio vem de José Carlos dos Anjos que,
analisando os discursos e as construções identitárias cabo-verdianas, os coloca
num novo quadro epistemológico.
A identidade nacional é vista como uma construção político-discursiva e objeto
de disputa nos diferentes campos que estruturam a formação social cabo-
verdiana.
Um segundo aspecto importante tem a ver com o fato de este autor fazer emergir,
da análise dos diversos discursos sobre a identidade, dimensões étnicas e
raciais sublimadas, negadas, rejeitadas ou não assumidas.
Com efeito, a mestiçagem cultural reivindicada é colocada, pelo autor, na "sua
posição numa estrutura de dominação racial".58 Contesta o que não tem sido
questionado, isto é "[...] em que correlações de força (numa situação de
dominação racial) surgiu o conceito de crioulo (enquanto mistura), a que
interesses servia a percepção da realidade social permeada por tal
categoria".59
A centralidade analítica é posta, por um lado, nas relações sociais,
econômicas, políticas e de poder entre grupos diversos e, por outro, na forma
como a categoria étnico-racial mestiça resulta de um "produto de correlações
sociais de força". Mais ainda, essa nova abordagem, salientando a hegemonia da
identidade mestiça no campo da luta por imposição de princípios identitários, a
transmutação de um conceito e de uma pertença grupal (mestiço) para um todo
(nação), apagando as diferenças sociais e étnico-raciais e essencializando
eventuais comunidades.
Gabriel Fernandes vem, de uma forma ainda mais profunda, modificar todo o
quadro teórico e analítico dos estudos sobre Cabo Verde, no que diz respeito à
interpretação sobre a constituição e a representação da nação. Trata-se, sem
dúvida alguma, de um trabalho que induz a uma renovação epistemológica nos
estudos sobre Cabo Verde.60
Erigindo, como outros o fizeram, a crioulidade/crioulização como categoria
analítica de grande centralidade, Fernandes considera-a como política e
heuristicamente importante para a compreensão da saga identitária cabo-verdiana
e como veículo emancipatório.
Mais do que analisar a formação da sociedade mestiça, a perspectiva analítica
introduzida conduz à compreensão da "crioulização em ação", da dimensão
cosmopolita do discurso de crioulização, das estruturas de ação e dos processos
de negociação entre os vários atores protagonistas.
Assim, propõe como recurso metodológico, por um lado, trabalhar nos
interstícios das relações entre os discursos nacionais e as práticas coloniais
e, por outro, os condicionamentos estruturais da sociedade cabo-verdiana, que
terão influenciado os seus caminhos.
Operacionalizando essa démarche metodológica, a análise centra-se nas seguintes
dimensões: i) a forma como a crioulização terá dificultado a percepção da
alteridade e, dessa maneira, a fragiliza enquanto marco identitário e recurso
mobilizador; ii) a educação como facilitadora da autoconsciência crioula; a
"diasporização" que ultrapassa a dimensão territorial da nação; e iii) os
constructos político-ideológicos que terão dificultado a subjetivação
nacionalista crioula e potencializado a sua marcha transnacionalista.
Nesse autor, a "crioulidade" ganha uma nova conceituação, permitindo,
diferentemente de outras abordagens, surpreender novas determinantes da
estruturação social e identitária de Cabo Verde, num quadro translocal.
Mais recentemente, novas análises têm surgido, procurando compreender e
surpreender os discursos e as práticas classificatórias heteroimpostas,
resultado das dinâmicas relacionais e de confronto, colocado pela presença de
uma forte e crescente comunidade imigrada, proveniente dos países da CEDEAO
(Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental).
Com efeito, parece que as dinâmicas interculturais, resultantes da presença de
africanos provenientes da África Ocidental, fizeram emergir, no discurso e nas
práticas sociais e culturais dos cabo-verdianos, comportamentos assentes na
diferenciação étnica e racial, com recortes que, por vezes, indiciam certa
esquizofrenia social.
Eufémia Rocha, num estudo recente, sublinha a existência de uma "identidade
mandjaka imposta pelos cabo-verdianos em relação a esses imigrantes
(provenientes dos países da costa ocidental africana) que não é, para muitos
deles, uma identidade assumida".61
Essa identidade imposta resultaria, segundo a autora, de uma suposta
superioridade dos cabo-verdianos, e que decorria de sua condição mestiça. Nesse
caso, a dimensão raça emerge como categoria importante, uma vez que permite
captar a percepção da diferenciação e da imposição de marcas de estigma no
heteroclassificado.
Aqui, os marcadores identitários se apropriam da categoria, manipulando a
dimensão étnica e negando a própria condição racial (fenotípica) do sujeito
produtor da classificação. Com efeito, a designação mandjako, porque de uma
etnia se trata, tem como base de apropriação a raça (negro-africana), negando a
condição negra do cabo-verdiano, uma vez que esse se assume como mestiço.
Citando a autora antes referida que, por sua vez, transcreve a fala de um dos
imigrantes, o cabo-verdiano considera e classifica: "mandjakus são todos os
africanos, todas as gentes pretas que vêm da África".62
À guisa de conclusão
Em termos conclusivos, pode-se depreender da análise dos estudos de ciências
sociais sobre Cabo Verde, sejam eles produzidos por pesquisadores locais, sejam
por estudiosos estrangeiros, que tendem, na sua grande maioria, a não centrar a
análise da estrutura e da formação social cabo-verdianas em torno de categorias
socioantropológicas clássicas, como o são as de classe, etnia e raça.
Em regra geral, quando utilizadas, etnicidade e raça são, amiúde, transmutadas
de uma categoria de conformação identitária, tendo a dimensão racial como
elemento caracterizador exterior importante, para a da mestiçagem ou a da
crioulidade.
Com efeito, a mestiçagem, quando aparece nesses estudos, é utilizada na sua
dimensão cultural e identitária e não fenotípica. Trata-se, parece-nos, de um
recurso analítico, mas também político e sociopsicológico, para situar e
estruturar a formação social que, se quer sui generis, não pode ser reduzida a
nenhuma das partes que concorreram para sua constituição, salvo quando a
positividade existencial e ideológica justifica a aproximação de uma das partes
com a consequente subalternização da outra.
Essas oscilações perpassam os diversos períodos históricos analisados, tendo
também formulações diversas consoante os autores.
Resulta também da leitura dos estudos analisados em que, na maior parte dos
casos, a centralidade das dimensões étnica e racial aparece essencialmente como
categoria de análise do processo da formação, e não como categorias analíticas
da estruturação da formação social cabo-verdiana.
É verdade, contudo, que, mais recentemente, tem-se assistido a uma inflexão
paradigmática nos estudos sobre a construção da nação, fugindo da perspectiva,
até então hegemônica, que a idealizava e a identidade cultural como
essencialistas, orgânicas e homogeneizadoras. Essas abordagens não veem a nação
como uma comunidade imaginada, uma construção e uma resultante de lutas por
imposição de visões da sociedade cabo-verdiana.
Oscilando entre a predominância europeia e a africana, na conformação
identitária, ou na emergência de uma cultura, de um povo e de uma nação sui
generis e ex-novo, essas análises, que ainda continuam hegemônicas, comportam
ou estão fortemente imbricadas em posicionamentos políticos e ideológicos bem
concretos, que perpassam a história colonial e pós-colonial.
Contudo, começam a emergir, como referido anteriormente, análises que buscam
situar a questão da nação e da identidade num novo marco teórico, tomando como
referencial analítico, ora a categoria de mestiçagem, ora a de "crioulidade".63
Para o primeiro tipo de abordagem, a crioulização, central no discurso de
construção identitária e presente nos das elites letradas cabo-verdianas,
revela ser uma categoria eminentemente ideológica, que busca anular os
antagonismos raciais que a presença de negros e brancos comporta, pretendendo
apagar a própria dimensão fenotípica da categoria mestiço/mestiçagem.
Para o segundo, a crioulização, no contexto cabo-verdiano, emerge como uma
categoria heuristicamente importante e politicamente emancipatória, ainda que,
nessa última acepção, comporte importantes limites à mobilização e enquanto
marco identitário.
A reconfrontação entre cabo-verdianos e africanos continentais, na última
década, em decorrência dos fluxos migratórios dos países da costa ocidental
para o arquipélago, recoloca em análise a questão étnica e racial, já agora num
novo patamar.
As categorias etnia e raça sobrepõem-se e tornam-se sinônimos, com o fito de
homogeneizar os "outros", reforçando o "eu". Como refere Rocha, a categoria
étnica "mandjaku" é transformada num marcador identitário racial, tornando
todos os negros africanos continentais numa uniformidade étnica, não obstante a
multiplicidade de pertenças étnicas e, portanto, identitárias dos imigrantes.64
Já as análises da formação social cabo-verdiana, que erigem a categoria de
classes sociais como centralidade explicativa, utilizam esse conceito de uma
forma que oscila de um funcionalismo e um instrumentalismo conceptual a uma
abordagem marxista, aplicada a países periféricos e dependentes, primeiro num
contexto colonial e, mais tarde, num de economias subdesenvolvidas
periféricas.65
Em ambos os casos, percebe-se uma grande dificuldade de operacionalização do
contexto e de sua aplicação à realidade empírica analisada, que resulta da
própria dissonância entre o quadro teórico no qual se inserem a categoria
analítica e a realidade, ela mesma.
Com efeito, a limitação explicativa, proposta por A. Carreira, reside na
sobreposição por ele feita entre raça e classe ou estamento, sem uma
explicitação conceptual e sem uma base sociodemográfica de suporte. Já para
Elisa Andrade, os limites da abordagem proposta encontram-se na pouca
flexibilidade teórica e na dificuldade de sua transposição para uma sociedade
não industrial, colonial e periférica.
São esses limites aos modelos teóricos clássicos, centrados no conceito de
classes sociais, que levaram M. Afonso a introduzir uma inflexão no conceito,
atribuindo à dimensão política um papel importante na conformação dessa
categoria.66 Se, na modelização teórica, a autora consegue, de fato, fazer um
importante exercício de reconceitualização, que poderia permitir melhor
entendimento da estrutura social cabo-verdiana, quando procura utilizar tal
conceito para uma análise diacrônica da sua formação, acaba por cair nas
armadilhas das abordagens clássicas, o que limitou a qualidade do trabalho
desenvolvido.
Independentemente das limitações encontradas nos estudos e nas análises sobre a
formação social cabo-verdiana, constata-se um processo promissor emergente de
novas perspectivas analíticas, seja em termos de sua capacidade explicativa,
seja emancipatória. São, na sua essência, abordagens que emergem internamente e
que, numa relação dialética interessante entre a dimensão empírica e o processo
de construção de interessantes modelos de análise, buscam propor novos caminhos
para o entendimento dessa realidade mutante e, como sublinha Fernandes,
translocal e cosmopolita.
Texto recebido em 29/04/2011 e aprovado em 8/9/2011
1 O presente texto constitui o resultado parcial de um projeto de pesquisa mais
vasto e que procura analisar, de forma comparativa, as presenças e as ausências
das categorias "classe", "raça" e "etnicidade" nos estudos em ciências sociais
e humanas sobre Cabo Verde. Uma primeira aproximação reflexiva foi apresentada
e discutida na conferência Lusofonia and Anthropology,organizada em abril de
2009 pelos Center for International Studies, Center for Latin American Studies,
Center for the Study of Race, Politics and Culture, and the Department of
Anthropology, da Universidade de Chicago.
2 Gabriel Fernandes faz uma análise extremamente fina dos diversos discursos e
percursos identitários que marcam a trajetória do arquipélago crioulo durante o
século XX, e que se espraiam numa luta tenaz por imposição de um discurso
identitário nacional legítimo. Voltaremos a esse autor mais à frente. Cf.
Gabriel Fernandes, A diluição da África. Uma interpretação da saga identitária
cabo-verdiana no panorama político (pós) colonial, Florianópolis: Editora da
UFSC, 2002.
3 António Carreira, no seu estudo,Cabo Verde, formação e extinção de uma
sociedade escravocrata (1460-1878), Praia: Instituto Nacional de Património
Cultural, 2000, faz, a partir de uma vasta compilação
documental, um inventário dos grupos étnicos que terão concorrido para o
povoamento do arquipélago, citando, especificamente, os mandingas, os jalofos e
os fulas. Contudo, confessa que a diversidade do elemento humano com que se fez
o povoamento coloca um conjunto de implicações, sendo a maior a miscigenação.
De igual modo, Elisa Andrade sustenta que a grande diversidade étnica torna a
população cabo-verdiana extremamente heterogênea. Cf. Elisa Andrade, As ilhas
de Cabo de Verde: da descoberta à independência nacional (1460-1975), Paris:
L'Harmathan, 1996, p. 51.
4 José Carlos dos Anjos, "Elites intelectuais e a conformação da identidade
nacional em Cabo Verde", Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 3 (2003), p. 581.
5 Amílcar Cabral, Unidade e luta, Lisboa: Nova Aurora, 1974.
6 Michael G. Hanchard assinala essa crítica de Cabral e Fanon às abordagens
culturalistas. Cf. Michael Hanchard, Orfeu e o poder: movimento negro no Rio e
São Paulo, Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2001.
7 António Carreira, Cabo Verde: formação e extinção; António
Carreira, Cabo Verde (aspectos sociais: secas e fomes do século XX), Lisboa:
Ulmeiro, 1984.
8 Carreira, Cabo Verde, formação e extinção, p. 288.
9 Elisa Andrade, As ilhas de Cabo Verde.
10 Interessante observar que a oscilação tripolar se dá entre africanidade/
cabo-verdianidade/europeidade e não entre "branquidade/crioulidade-mestiçagem/
"negritude". A questão da cor não parece ser analítica e discursivamente
importante, podendo, antes, ser emocionalmente perturbadora para uma identidade
que se quer sui generis.
11 Citado por Sergio Costa, As cores de Ercília: esfera pública, democracia,
configurações pós-coloniais, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002, pp.123-4.
12 Dizemos racialização disforme porque, embora a conotação primeira seja
fenotípica, a heterodenominação de negro ao imigrante proveniente do continente
pode ser estendida àqueles, também imigrantes, que são mestiços.
13 Livio Sansone, Negritude sem etnicidade, Salvador/Rio de Janeiro: Edufba/
Pallas, 2007.
14 Sansone, Negritude,p. 10.
15 Veit-Michael Bader, Racismo, etnicidade, cidadania: reflexões sociológicas e
filosóficas, Porto: Afrontamento, 2008.
16 Bader, Racismo, etnicidade, p. 85.
17 Antônio Sérgio Guimarães, Racismo e anti-racismo no Brasil, São Paulo:
Editora 34, 1999
18 Costa, As cores, p. 142.
19 Sansone, Etnicidade, p. 19.
20 Bader, Racismo, etnicidade.
21 Sansone, Etnicidade, p.19.
22 Tandika Mkandawire, African Intellectuals. Rethinking Politics, Language
Gender and Development, Dakar: CODESRIA, 2005, p. 12.
23 José Carlos dos Anjos não compartilha dessa perspectiva. Para ele, "a
definição dominante da identidade cabo-verdiana é a que, partindo do
pressuposto de que houve uma fusão racial e cultural entre brancos e negros em
Cabo Verde, torna-a mestiça". José Carlos Anjos,
"Representações sobre a nação cabo-verdiana: definição mestiça da identidade
nacional como ideologia do clientelismo em contexto de dominação racial".
Fragmentos, n. 11/15 (1997), p. 13. Sustentamos que a
dimensão racial apenas é utilizada na sua negatividade, isto é, para negá-la no
seu sentido fenotípico.
24 Costa, As cores, p. 249.
25 Sérgio Costa, As cores, p.122. Nitidamente, a perspectiva
dos claridosos poderia ser inscrita nesse quadro, ainda que Gilberto Freyre os
tenha decepcionado. Cf. a esse propósito, Baltazar Lopes, Cabo Verde visto por
Giberto Freyre, Praia: Imprensa Nacional, 1956; David Hopffer
Almada, Cabo-verdianidade e lusotropicalismo, Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
1999.
26 Mandjako é uma etnia da Guiné-Bissau e que concorreu com outras no
povoamento de Cabo Verde, em cujo contexto, atualmente, "mandjako" foi
transformado no gentílico para definir todos os imigrantes africanos
continentais , independentemente de sua efetiva origem étnica e, por vezes,
racial.
27 Carreira, Cabo Verde, formação, pp. 281-2.
28 Donald Pierson, Brancos e pretos na Bahia, São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1945.
29 Carreira, Cabo Verde, formação, p. 283
30 Carreira, Cabo Verde, formação, p. 285.
31 Carreira, Cabo Verde, formação, p. 288.
32 "O preconceito, no Brasil, seria de marca precisamente porque a cor da pele
ou os traços físicos são índices de primitividade, passíveis de serem "tornados
invisíveis socialmente", desde que o indivíduo de cor seja portador do
habitusadequado ao trabalho produtivo, nas condições do mercado competitivo
moderno. Um negro ou um mulato instruído, disciplinado, inteligente e
produtivo, nesse contexto, tende a receber uma avaliação social positiva do
meio, independentemente de sua ascendência ou de seus traços físicos".
Consultar a esse respeito, Jessé de Souza (org.), A invisibilidade da
desigualdade brasileira, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006, p. 89.
33 Costa, As cores, p. 145.
34 Carreira, Cabo Verde, aspectos sociais, p.143.
35 Andrade,As ilhas de Cabo Verde, pp. 235 e ss.
36 Leila Hernandez, Os filhos da terra do sol: a formação do estado-nação em
Cabo Verde, São Paulo: Summus, 2002; Michel Lessourd,Etat et
société aux îles du Cap Vert, Paris: Karthala, 1995.
37 Maria Manuela Afonso, Educação e classes sociais em Cabo Verde, Praia:
Spleen Edições, 2002, p. 25.
38 Afonso, Educação e classes, p. 82.
39 Afonso, Educação e classes, p. 83
40 António Leão Correia e Silva,Histórias de um sahel insular, Praia: Spleen
Edições, 1996.
41 Gabriel Mariano, Cultura cabo-verdena: ensaios, Lisboa: Veja, 1991.
42 Almerindo Lessa & Jacque Ruffié, Seroantropologia das ilhas de Cabo
Verde, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960.
43 Correia e Silva, Histórias de um sahel, p. 59.
44 Correia e Silva,Histórias de um sahel, p. 60.
45 Manuel Brito-Semedo, A construção da identidade nacional: análise da
imprensa entre 1877 e 1975, Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro,
2006.
46 Brito-Semedo, A construção da identidade, p. 69.
47 Brito-Semedo, A construção da identidade, p. 70.
48 Não queremos, contudo, afirmar que os posicionamentos desses autores fossem
teórica e empiricamente sólidos.
49 Manuel Ferreira, A aventura crioula, Lisboa: Plátano Editora, 1985, p. 45.
50 Ferreira, A aventura, p. 325.
51 Ferreira, A aventura, p. 326.
52 Manuel Duarte, Cabo-verdianidade e africanidade, Praia: Spleen, 1999, p. 27.
53 José Luís Hopffer Almada, "Homogeneidade e heterogeneidade da cabo-
verdianidade", Fragmentos, n. 11/15 (2007), p. 28.
54 Hopffer Almada, "Homogeneidade e heterogeneidade", p. 28.
55 Carreira, Cabo Verde, formação.
56 Hopffer-Almada, "Homogeneidade e heterogeneidade", p. 29.
57 D. Hopffer-Almada, Pela cultura e pela identidade. Em defesa da cabo-
verdianidade, Praia: ICNL, 2006. p. 73.
58 Anjos, "Representações sobre a nação", p. 14.
59 Anjos, "Representações sobre a nação", p.17.
60 Gabriel António M. Fernandes, Em busca da nação: notas para uma
reinterpretação do Cabo Verde crioulo, Florianópolis/Praia: Editora da UFSC/
IBNL, 2006.
61 Eufémia Rocha, "Mandjakus são todos os africanos, todas as gentes que vêm da
África: xenofobia e racismo em Cabo Verde" (Dissertação de Mestrado,
Universidade de Cabo Verde, 2009), p. 13.
62 Rocha " Manddjakus", 73.
63 José Carlos dos Anjos,Intelectuais, literatura e poder em Cabo Verde: lutas
de definição da identidade nacional, Porto Alegre/Praia: Editora da UFRGS &
INIPC, 2002; Fernandes, Em busca da nação.
64 Rocha, "Mandjakus".
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