Estudo da corrosão da tubagem à saída de um permutador de calor num sistema
industrial de co-geração
1 INTRODUÇÃO
A co-geração, ou seja a produção combinada de potência e calor para aplicação
útil destas formas de energia, tem sido cada vez mais estimulada na prática
industrial com o objectivo de alcançar eficiências mais elevadas na utilização
de combustíveis fósseis e renováveis, em particular nas indústrias com consumos
de energia mais elevados, tais como a indústria química, em geral, a indústrial
cimenteira e a própria indústria de produção e distribuição de energia
eléctrica [1-3].
Os sistemas de co-geração compreendem tubagens e permutadores de calor que
permitem a necessária transferência de energia térmica entre fluidos. É
precisamente esta necessidade de transferência de calor que impõe o uso de
materiais metálicos na fabricação desse tipo de dipositivos, em função da
condutividade térmica relativamente elevada daqueles materiais. Acontece que a
maioria dos metais e ligas metálicas utilizados na fabricação de permutadores
de calor e tubagens são susceptíveis à corrosão, em especial, quando operam em
meios aquosos a altas temperaturas.
Apesar do tratamento a que os fluidos de transferência de calor, utilizados nos
circuitos da co-geração e noutros sistemas de conversão de energia, são
sujeitos para os tornar menos agressivos em relação aos materiais de construção
daqueles dispositivos, a sua degradação, devida à ocorrência de temperaturas
relativamente elevadas em determinadas zonas das instalações ou à interação com
os próprios materiais, podem torná-los mais corrosivos causando problemas que
levam a paragens forçadas dos dispositivos ou das instalações de co-geração.
De facto, fluidos de transferência térmica, como o etileno ou o
propilenoglicol, podem degradar-se por oxidação dando origem a ácidos orgânicos
que contribuem, como é evidente, para uma maior agressividade dos fluidos em
relação aos metais com que contactam [4-7]. A degradação corrosiva de tubagens
e permutadores em sistemas solares, térmicos e fotovoltáicos, por acção de
fluidos térmicos tem sido estudada [8]. Contudo, ainda persistem alguns
aspectos por esclarecer.
Todavia, a profusão crescente deste tipo de soluções de co-geração na indústria
e as consequências que as paragens forçadas destes sistemas podem implicar,
impõe a necessidade de estudos mais cuidadosos com o objectivo de perceber
melhor, não apenas o mecanismo de degradação do fluido de transferência
térmica, que traz dificuldades acrescidas à sua própria circulação pelo sistema
e redução das suas prestações de transferência de calor [9 -11], mas do próprio
processo corrosivo que leva à degradação dos metais que constituem o sistema.
Neste trabalho apresenta-se uma análise de uma falha de tubos da linha de
condensados de um sistema de co-geração numa unidade industrial e tenta-se
perceber, em particular, o efeito da temperatura de operação do fluido de
transferência térmica na perspectiva da sua agressividade para com os metais
que constituem as tubagens.
O sistema de co-geração referido compreende a produção de energia eléctrica,
vapor a alta (±350 ºC), média (±150 ºC) temperaturas e frio (7 ºC),
aproveitando a energia dos gases de exaustão. A falha detectada manifesta-se
através do surgimento de estrias na superfície interna dos tubos da linha de
condensados e da perfuração da própria parede, sendo rEcorrente e frequente na
unidade fabril em apreço. Na figura 1 mostra-se o aspecto geral de um dos tubos
com falhas e um pormenor da secção recta do mesmo junto a um
"joelho", podendo-se distinguir claramente a redução da espessura da
parede do tubo nessa zona.
Figura 1
Aspecto geral da zona do joelho (A) e pormenor da secção recta do tubo junto da
mesma zona, podendo-se ver claramente a redução da parede na parte interior da
curva do tubo (B).
2. PARTE EXPERIMENTAL
Foram realizadas medições da condutividade e do valor de pH das amostras do
condensado recolhidas do circuito de co-geração para possibililitar uma
caracterização mínima do mesmo em relação à sua agressividade para com o
material de que é feita a tubagem analisada. As medições de condutividade, do
pH do condensado e da respectiva temperatura foram feitas com auxílio de
aparelhos da Hanna Instruments munidos dos respectivos sensores.
As medições potenciodiâmicas foram realizadas com auxílio do potenciostato/
galvanostato Reference 600 da Gamry, usando uma célula electroquímica de três
eléctrodos: eléctrodo de trabalho (anel retirado da secção transversal do tubo
com diâmetro interno de 20,0 mm e espessura de 1,0 mm montado em resina
epoxídica), eléctrodo auxiliar de Pt com 2 cm2 de área e eléctrodo de
referência de Ag/AgCl (KCl, sat).
A aplicação dos testes de nitrato de prata e de cloreto de bário, para
despitagem da presença dos iões cloreto e sulfato, respectivamente, permitiu
concluir pela ausência de ambos no meio aquoso testado, segundo informação
fornecida pelos responsáveis da unidade fabril, um fluido térmico à base de uma
solução aquosa de propilenoglicol.
O uso da espectroscopia de absorção atómica (Varian AA 240 e respectivas
lâmpadas de cátodo oco) permitiu concluir pela ausência de crómio e níquel na
composição do aço e um teor em manganês situado em torno dos 0,8 %, tratando-se
de um aço-carbono (aço macio). A composição do aço foi confirmada através da
análise elementar com base na espectroscopia de XRF (Niton XL3t Gold da Thermo
Scientific), que se mostra na figura 2.
Figura 2
Espectro de XRF e composição elementar da liga de que é feita a tubagem que
apresentou falha.
3. RESULTADOS
Por razões que se prendem com a defesa da propriedade intelectual não foi
possível apurar a composição exacta do fluido térmico, tendo-se optado por
fazer uma caracterização do meio com base em medições da condutividade iónica,
do valor de pH e do potencial redox do meio, à temperatura ambiente (25 ºC), de
amostras, aqui designadas por A, B e C, cujas condições de colheita e
resultados das medições dos parâmetros referidos se apresentam na Tabela 1.
Tabela 1
Caracterização das 3 amostras de fluido de transferência térmica ensaiadas.
Em função da informação que foi possível obter e tendo em conta a natureza
aquosa das amostras recolhidas e as temperaturas de operação envolvidas no
sistema de co-geração, é razoável presumir que o fluido de transferência
térmica utilizado será baseado em soluções de etilenoglicol ou propilenoglicol.
Os valores dos potenciais de corrosão, Ecorr, foram obtidos com base na equação
da recta de regressão na zona linear do gráfico potencial do eléctrodo de
traballho, E, em função da densidade de corrente, i, como se ilustra na figura
3, para o caso da superfície de aço do tubo em contacto com o condensado do
permutador da secagem do PET.
Figura 3
Ilustração da forma de determinação do potencial de corrosão, com base na parte
linear da curva de polarização.
Por seu lado, o valor da densidade de corrente de corrosão, icorr, foi obtida,
em cada caso, com base na equação da recta de Tafel do ramo anódico do gráfico
E em função do logaritimo decimal da densidade de corrente, log i, e no valor
de Ecorr, determinado como se explicou no parágrafo anterior. Este método de
cálculo usa o facto de que as rectas anódica e catódica de Tafel cruzam num
ponto de coordenadas (log icorr, Ecorr) [12].
Optou-se por determinar a velocidade (densidade de corrente) de corrosão por
esta técnica e não pela técnica da resistência à polarização linear e através
da equação de Stern-Geary [1], uma vez que os coeficientes de Tafel não eram
conhecidos e o desconhecimento que havia da natureza do próprio metal
desaconselhava o uso de valores admitidos.
São apresentadas nas figuras 4 a 8 exemplos de curvas de Tafel obtidos nos
ensaios, a 25 ºC e 60 ºC, da superfície recém-polida do anel do tubo de aço
macio que falhou, mergulhada sucessivamente nas três amostras do fluido de
transferência térmica recolhidas. Os resultados do tratamento de dados estão
resumidos na Tabela 2, em termos do potencial de corrosão e das densidades de
corrente (velocidade) de corrosão determinadas, com base em, pelo menos, 3
réplicas de cada ensaio.
Figura 4
Rectas de Tafel das curvas de polarização potenciodinâmica para o sistema
constituído pelo provete de aço da tubagem analizada na amostra de fluido de
transferência térmica recolhido da linha de condensados. Ensaio realizado a
temperatura de 25 ºC.
Figura 5
Rectas de Tafel das curvas de polarização potenciodinâmica para o sistema
constituído pelo provete de aço da tubagem analizada na amostra de fluido de
transferência térmica recolhido da linha de condensados. Ensaio realizado a
temperatura de 60 ºC.
Figura 6
Rectas de Tafel das curvas de polarização potenciodinâmica para o sistema
constituído pelo provete de aço da tubagem analizada na amostra de fluido de
transferência térmica recolhido da linha de condensados em movimento a um
caudal de 20 cm3/s. Ensaio realizado a temperatura de 60 ºC.
Figura 7
Rectas de Tafel das curvas de polarização potenciodinâmica para o sistema
constituído pelo provete de aço da tubagem analizada na amostra de fluido de
transferência térmica recolhido da linha de condensados do permutador de
secagem de PET. Ensaio realizado a temperatura de 25 ºC
Figura 8
Rectas de Tafel das curvas de polarização potenciodinâmica para o sistema
constituído pelo provete de aço da tubagem analizada na amostra de fluido de
transferência térmica recolhido da linha de condensados do permutador de
secagem de PET. Ensaio realizado a temperatura de 60 ºC.
Tabela_2
Valores dos potenciais e densidades de corrente de corrosão alcançados nos
ensaios potenciodinâmicos realizados com amostras de aço do tubo falhado e as 3
amostras de fluido de transferência térmica a 25 e 60 ºC.
4. DISCUSSÃO
Em primeiro lugar constata-se que apesar do fluido possuir condutividade iónica
relativamente baixa, os valores de pH, acídicos, e os potenciais redox das
amostras recolhidas indicíam uma agressividade substancial em relação ao aço
macio.
A presença de produtos de corrosão sólidos, que turvam as soluções recolhidas,
poderá contribuir para um efeito erosivo do fluido em movimento no interior da
tubagem e pode explicar o surgimento das estrias e do orifício nas proximidades
do joelho a 90 º da peça que apresenta falha, por efeito mecânico de impacto
[13].
Pelos resultados apresentados na Tabela_2 pode-se constatar o significativo
efeito que o aumento da temperatura de 25 para 60 ºC tem sobre a velocidade de
corrosão da amostra . De facto, para qualquer das amostras de fluido de
transferência térmica verifica-se que a duplicação da temperatura produziu um
aumento de, pelo menos, dez vezes na velocidade (densidade de corrente) de
corrosão, de 0,295 para 3,54 µA cm-2, num dos casos, e de 1,86 para 5,12 µA cm-
2, no outro caso. Não se fizeram ensaios potenciométricos a 25 ºC com a amostra
de fluido de transferência térmica colhida com o líquido em movimento, mas a
ordem de grandeza da corrente de corrosão parece ser claramente compatível com
o dos ensaios feitos com as outras amostras. Esta amostra só foi colhida com o
fluido em escoamento para se perceber se haveria maior turbidez da amostra em
função da presença de depósitos dos produtos de corrosão (do ferro). O aumento
da velocidade de corrosão com o aumento da temperatura é, em princípio,
expectável, de acordo com a lei de Arrehnius.
Na Tabela_2, pode-se também verificar que o aumento da temperatura contribuiu
para a redução do potencial de corrosão de -479 para -632 mV, num caso e de -
431 para -642 mV no outro caso, apresentando-se o metal mais activo a
temperaturas mais elevadas o que pode ter a ver com a diminuição da
estabilidade de eventuais filmes de passivação.
É importante recordar que a temperatura 60 ºC é a temperatura a que sai o
condensado e que temperaturas muitos mais elevadas são atingidas pelo fluido no
interior do permutador de calor, com efeitos agressivos certamente mais
acentuados.
Parece ser claro que a degradação que se manisfesta na peça analisada resulta
da acção combinada do efeito corrosivo do meio resultante das alterações
químicas do fluido de transferência térmica com ao longo do tempo, por um lado,
e, por outro, com a acção mecânica de partículas, produtos da própria corrosão,
ou, eventualmente, de efeitos de cavitação nas proximidades de ressaltos
originados por cordões de soldadura.
Perante o que foi exposto, uma solução óbvia e relativamente pouco dispendiosa
para a minimização do problema parece ser a monitorização periódica e mais
assídua, da composição química do fluido de transferência térmica, nomeadamente
do pH e potencial redox.
5. CONCLUSÕES
Neste trabalho foi utilizada a técnica da extrapolação das rectas de Tafel e a
medição de outros parâmetros físicos, químicos e electroquímicos para estudar a
falha de corrosão constatada num tubo da linha de condensados de um sistema de
co-geração de uma unidade fabril que se manisfesta pelo surgimento de estrias,
redução significativa da espessura do tubo e perfuração do mesmo junto a um
"joelho" de 90 º.
As características das amostras do fluido, nomeadamente o seu valor de pH e o
potencial redox do mesmo, imediatamente após a colheita, permitem propor que a
degradação por corrosão do aço macio de que é constituído o tubo, resulta da
agressividade deste para com o metal, provavelmente, resultante da sua própria
degradação térmica oxidativa que é acompanhada pela formação de vários ácidos
orgânicos.
A prevalência de temperaturas elevadas ajuda, certamente, a acelerar o processo
corrosivo do metal, como se constatou nos ensaios, assim como a presença de
produtos de corrosão sob a forma de partículas que poderão ter um efeito
erosivo, em especial nas curvas das tubagem ou quando o escoamento do fluido se
faz em regime turbulento [13].
A presença de metais como alumínio e cobre, a que se atribui propriedades
catalíticas sobre a degradação oxidativa dos glicóis [7], a montante na tubagem
pode acentuar os efeitos corrosivos, em especial no caso do cobre que pode ser
dissolvido e redepositar-se na tubagem de aço aumentando a taxa de corrosão
[13]. Com efeito, a presença de iões como o Cu2+, com um potencial de redução
mais elevado que o do ião Fe2+, tende, certamente, a aumentar o poder oxidante
do fluido de transferência térmica e agravar o problema de corrosão da tubagem.
Em sistemas de tubagens com a complexidade típica das instalações industriais,
em especial, das envelhecidas como a do caso presente, esta hipótese não é de
excluir, muito pelo contrário.
Uma recomendação para minimização dos efeitos deste problema de corrosão seria
o da introdução de um esquema de monitorização do fluido de transferência
térmica.