Reabilitação de uma estrutura contaminada por iões cloret utilizando a técnica
da dessalinização
1. INTRODUÇÃO
A corrosão das armaduras é uma das principais causas da degradação das
estruturas de betão armado, normalmente, associada ao fenómeno da carbonatação
ou à contaminação do betão por cloretos. Estes fenómenos estão na maioria dos
casos associados ao ambiente envolvente. A carbonatação deve-se a teores
elevados de dióxido de carbono, facilmente encontrados em ambientes industriais
e citadinos, enquanto a contaminação por cloretos está, normalmente, associada
à proximidade de ambientes marítimos. No entanto, a contaminação por cloretos
pode também ter origem nos inertes utilizados na construção, em resíduos
industriais ou em fluidos de processo. Em qualquer das situações, pode ocorrer
despassivação das armaduras devido à destruição do filme passivo (camada de
óxidos), que no caso do aço carbono se forma naturalmente em meios alcalinos,
como o betão. O pH do betão, não contaminado, varia entre 12 e 14,
essencialmente devido à presença de hidróxido de cálcio na sua composição. O
filme passivo é estável para valores de pH superiores a 9,5 em betão não
contaminado. É de salientar que, para valores de pH inferiores a 9,5 pode
ocorrer corrosão mesmo sem a presença de iões cloreto, desde que exista
humidade suficiente [1].
Na presença de iões cloreto, ocorre a dissolução local do filme passivo,
originando ânodos localizados. Iniciando-se o processo de corrosão localizada,
a sua propagação é autocatalítica dado que os iões cloreto não são consumidos
no processo. Este tipo de corrosão leva à perda de secção do aço podendo
atingir níveis que comprometem a estabilidade da estrutura.
O teor de cloretos considerado crítico para a indução de corrosão, em
estruturas de betão armado, varia entre 0,3 e 0,4 % (massa de cimento) [1]. No
entanto, estes valores não devem ser aceites em todas as situações,
especialmente se já foram efectuados tratamentos eléctroquímicos no passado ou
ainda estão a ser aplicados no momento.
A reabilitação de estruturas nestas condições é efectuada essencialmente pelo
método tradicional da reparação localizada ou por métodos electroquímicos, tais
como a protecção catódica e a dessalinização. A reparação localizada,
envolvendo apenas as zonas visivelmente deterioradas, nem sempre é eficaz, para
além de poder ser um processo moroso e originar grandes quantidades de
detritos. A corrosão pode propagar-se às zonas adjacentes, contaminadas por
cloretos, mas não reparadas, dando assim continuidade ao processo de
deterioração. Estas novas áreas de corrosão, formadas nas regiões adjacentes às
zonas reparadas, são designadas por ânodos incipientes [2]. Os métodos
electroquímicos representam uma alternativa economicamente mais atractiva,
menos morosa e amiga do ambiente.
DESSALINIZAÇÃO
A dessalinização é um método electroquímico, que se aplica temporariamente,
para controlar a corrosão das armaduras em betão contaminado por cloretos. A
implementação da técnica consiste na aplicação de corrente eléctrica contínua,
entre a armadura do betão (cátodo - polo negativo) e uma malha metálica externa
(ânodo - polo positivo). A malha é aplicada na superficie do betão e embebida
numa solução electrolítica. Esta técnica envolve processos físico-químicos tais
como: electrólise, electromigração iónica e electro-osmose. Embora, ocorram
todos em simultâneo, devido à aplicação de corrente eléctrica entre o ânodo e o
cátodo, a electrólise e a electromigração são os mais relevantes neste
tratamento.
Ambos os processos contribuem para a redução do rácio de iões Cl-/ OH- na
interface aço/betão, que desfavorece o fenómeno de corrosão. Na electrólise
ocorre formação de iões hidróxido (OH-) na interface aço/betão (reacção
catódica 1), originando um ambiente alcalino, que conduz à repassivação das
armaduras e produção de oxigénio no ânodo (reacção anódica 2).
Na electromigração, os iões cloreto livres (Cl-, carregados negativamente) são
atraídos para o ânodo externo (carregado positivamente) e os iões sódio (Na+),
potássio (k+), cálcio (Ca2+) (carregados positivamente) são atraídos para o
cátodo (armaduras - carregadas negativamente). Deste modo, os iões cloreto são
removidos da interface aço/betão, na direcção do ânodo externo, podendo mesmo
ser removidos do betão. Simultaneamente, o enriquecimento em metais alcalinos,
na proximidade das armaduras, desempenha um papel importante na preservação da
alcalinidade na interface aço/betão após o tratamento. Este facto deve-se à
capacidade destes iões formarem compostos com grande parte dos iões hidróxido
formados no processo de electrólise. O princípio de funcionamento da
dessalinização é esquematicamente representado na Figura_1.
É de salientar que o fenómeno da electromigração é um processo lento, mas
determinante na duração do tratamento, normalmente compreendido entre três a
sete semanas [1, 3 - 5].
Ânodo
Podem ser utilizados dois materiais como ânodo: titânio activado e malha de aço
carbono. Os ânodos de titânio activado são mais comuns devido não só ao seu
baixo consumo durante o processo, podendo mesmo ser reutilizados em vários
tratamentos, mas também pela ausência de resíduos associados ao seu consumo. A
malha de aço, que é consumida no processo, deve ser dimensionada de modo a
conter massa suficiente em toda a sua extensão até ao final do processo. O
consumo do ânodo produz grandes quantidades de produtos ferrosos, afectando o
aspecto do acabamento final, que por vezes, torna inviável a sua aplicação. A
principal vantagem dos ânodos consumíveis relativamente aos inertes é de
natureza económica.
Solução Electrolítica
A água é a solução mais utilizada devido ao seu baixo custo e fácil acesso. No
entanto, a tendência da solução aquosa para acidificar pode provocar um
decréscimo no pH e promover a libertação de cloro gasoso nos ânodos inertes.
Caso o pH tenda a ser inferior a 6, a água poderá ser substituída por soluções
aquosas de hidróxido de sódio ou de borato de lítio.
Para garantir a presença de solução electrolítica em toda a extensão do
tratamento é utilizado um suporte, designado suporte de electrólito, que pode
ser constituído por fibra de celulose projectada, manta de feltro ou outro
material polimérico que assegure essa função.
Critérios de Aplicabilidade
A aplicação da técnica de dessalinização pressupõe o cumprimento de quatro
critérios impostos pela norma [3]:
1) A existência de contaminação suficiente, garantindo que uma aplicação local
ou geral de tratamento retarde a contaminação à posteriori;
2) A presença de água na estrutura seja controlável durante o tratamento de
modo que a densidade de corrente aplicada possa ser mantida e controlada,
especialmente, em estruturas marítimas. Por exemplo, este tratamento não é
adequado para as zonas da maré e de salpicos;
3) Não exista aço pré-esforçado, na área de tratamento, que possa ser
susceptível ao fenómeno de fragilização por hidrogénio. No caso da existência
de aço pré-esforçado, o seu potencial eléctrico durante o tratamento não deve
ser mais negativo que -1100 mV vs. eléctrodo de CuSO4- ;
4) Qualquer suceptibilidade à ocorrência de reacções alcalis salicílicas deve
ter em consideração o risco de propagação deste tipo de reacções e, caso seja
necessário, utilizar um electrólito apropriado.
Critérios de Finalização de Tratamento
Para que se possa dar como concluído o tratamento, de acordo com a norma [5] ,
é necessário que seja cumprido pelo menos um dos seguintes critérios:
1) Teor de cloretos no betão: o tratamento deve decorrer até que o teor de
cloretos no betão, na proximidade das armaduras, varie entre 0,2 e 0,4 % (massa
de cimento);
2) A quantidade de carga por unidade de área: os valores recomendados variam
entre 600 A.h/m2 e 1500 A.h/m2 ;
3) Rácio Cl-/OH-: utilizando este critério, o rácio Cl-/OH- deve ser inferior a
0,6.
Este artigo apresenta um caso prático de aplicação de dessalinização num
edifício escolar, em que parte da estrutura de betão armado se encontrava
severamente afectada por corrosão das armaduras, devido à contaminação do betão
por cloretos.
2. TRATAMENTO ELECTROQUÍMICO
2.1 Estrutura e condições
Durante o projecto de reabilitação do edifício escolar, após a remoção dos
materiais de revestimento dos pavimentos, detectaram-se sinais de corrosão
severa das armaduras superiores da laje do 1º piso. Consequentemente, foi
elaborado um estudo com o objectivo de caracterizar os elementos estruturais
principais, avaliar a extensão da deterioração e determinar as causas da
corrosão.
Relativamente à extensão da deterioração e suas causas, as principais
conclusões do estudo indicaram [6]:
-as zonas que apresentavam maior deterioração do betão eram as partes maciças
das lajes, com maior densidade de armadura;
-a corrosão das armaduras foi causada pela elevada contaminação de cloretos no
betão ao nível das armaduras superiores;
-o perfil de cloretos (variação da concentração de cloretos com a profundidade)
obtido nas duas faces da laje, diminuindo para o interior e de baixo valor na
face inferior da laje, sugere que a sua origem terá sido o material de
revestimento da face superior, constituído por uma betonilha feita com
agregados salgados, removida durante os trabalhos de reabilitação.
Relativamente às técnicas a adoptar para a reabilitação da laje, e tendo em
conta que a contaminação do betão por cloretos ao nível das armaduras era
elevado, considerou-se que a reparação local não seria eficaz nem aconselhável,
dado que seria necessário demolir todo o betão envolvente das armaduras, betão
contaminado. Este procedimento arriscaria a segurança estrutural na fase de
reparação e poderia alterar significativamente a distribuição de tensões na
estrutura. Em alternativa, foram consideradas duas opções: a protecção catódica
e a remoção electroquímica de cloretos. Concluiu-se que a metodologia mais
adequada para a reabilitação da laje, seria a remoção electroquímica dos
cloretos, eliminando-se, deste modo, o agente causador da corrosão, e
dispensando a monitorização periódica, inerente aos sistemas de protecção
catódica.
A reabilitação da estrutura consistiu numa intervenção múltipla que incluiu a
substituição do betão nas zonas degradadas, a correcção do recobrimento das
armaduras em áreas consideradas deficientes, a implementação do tratamento de
dessalinização na face superior das lajes e a aplicação de um esquema de
pintura na face inferior.
2.2 Aplicação da dessalinização
Antes da aplicação do tratamento de dessalinização, foi necessário reparar
adequadamente as áreas que apresentavam betão deteriorado. Em algumas zonas,
devido à extensão da deterioração, foi necessário repor as armaduras corroídas
através da sua substituição por armaduras novas.
O tratamento das lajes dos três blocos, que constituem o edifício, foi faseado
de modo a que cada bloco fosse tratado individualmente. A instalação do sistema
compreendeu as seguintes etapas:
-Realização de ensaios preliminares: verificação da continuidade eléctrica das
armaduras, determinação do teor de cloretos em áreas consideradas de controlo,
etc.;
-Aplicação do ânodo, composto por uma malha de aço electrossoldado, entre
camadas de feltro (Figura_2);
-Realização das ligações anódicas e catódicas (armaduras) (Figura_3);
-Montagem de um sistema de "rega" que garantiu a humidade adequada e uniforme
do material de suporte do ânodo (feltro), para assegurar a distribuição
uniforme da corrente eléctrica a toda a superfície do betão a tratar em cada
zona eléctrica (Figura_4);
-Realização de testes para verificação da ausência de curto circuitos entre o
ânodo e o cátodo;
-Aplicação de corrente eléctrica (Figura_5) e monitorização da funcionalidade
de todo o sistema;
-Monitorização da amperagem (A.h), em cada zona, para determinação da carga
total;
-Extracção de carotes, em áreas consideradas representativas, para determinação
do teor de cloretos ao nível das armaduras.
O sistema foi dimensionado de modo a fornecer uma densidade de corrente média
de 1 A/m2 de aço das armaduras. O sistema anódico, em cada módulo, foi dividido
em múltiplas zonas, electricamente independentes, e cada zona foi alimentada
por uma saída independente da fonte de alimentação, de modo a assegurar um
controlo adequado da corrente a toda a superfície do betão. A duração do
tratamento em cada módulo (com cerca de 500 m2 de área de betão) variou de 4 a
7 semanas.
Os critérios utilizados para determinação do fim do tratamento basearam-se nas
normas aplicáveis [3 - 5] e foram:
-redução do teor de cloretos no betão junto às armaduras para valores
inferiores a 0,4 % (massa de cimento);
-a quantidade de carga por unidade de área mínima fornecida durante o
tratamento foi de 600 A.h/m2 de aço.
No final do tratamento, o ânodo, o material de suporte e equipamento (ligações)
foram removidos e a superfície do betão limpa dos vestígios do tratamento.
3. RESULTADOS
Os resultados da determinação do teor de cloretos nas carotes extraídas antes e
durante o tratamento, são apresentados nas Figuras_6, 7 e 8, para os módulos
A4, A3 e A2, respectivamente.
A duração do tratamento foi de 4 semanas nos Blocos A4 e A3 e de 7 semanas no
Bloco A2. No Bloco A2, os resultados obtidos antes do início do tratamento
indicaram um teor de cloretos muito elevado, tanto no betão superficial como ao
nível das armaduras. Valores da ordem de 2,7 % foram encontrados a 5-6 cm de
profundidade. Devido à elevada contaminação inicial do betão na laje deste
bloco, comparativamente aos Blocos A3 e A4, o tratamento neste bloco foi mais
prolongado. Nos Blocos A3 e A4 ao fim de 4 semanas de tratamento, o teor de
cloretos ao nível das armadura (4-5 cm de profundidade) era inferior ao valor
crítico, 0,4 % (massa de cimento). Contudo, no Bloco A2, para que se
verificasse a diminuição de iões cloreto ao nível das armaduras, foi necessário
um tratamento de 7 semanas.
Os resultados demonstraram a eficácia da aplicação da dessalinização na remoção
dos iões cloreto ao nível das armaduras do betão das lajes, em todos os blocos
tratados.
4. CONCLUSÕES
Na reabilitação de estruturas de betão armado é fundamental que a estratégia de
intervenção a adoptar seja baseada no conhecimento das causas e extensão da
deterioração, de modo a permitir a selecção dos métodos tecnicamente e
economicamente mais apropriados a cada situação.
No caso do edifício em estudo, a reparação localizada não seria eficaz nem
aconselhável estruturalmente. A aplicação da dessalinização demonstrou ser
eficaz no controle da corrosão, contribuindo para um menor enfraquecimento da
estrutura, uma vez que o betão removido (e recolocado) foi confinado às áreas
deterioradas.
NOTAS FINAIS
A inspecção e diagnóstico da estrutura foi realizado pela Oz, Lda. Os trabalhos
de reparação e instalação do tratamento foram realizados pela Stap, S.A. O
projecto e supervisão técnica do tratamento eletroquímico foi realizado pela
Zetacorr, Lda.