Esquemas de pintura para estruturas marítimas
1. INTRODUÇÃO
As ligas de alumínio para além de leves, apresentam excelentes propriedades
mecânicas assim como de resistência à corrosão, o que tem conduzido a uma
grande utilização na área da construção naval. Contudo, tem-se verificado danos
estruturais nas embarcações os quais são em grande parte devidos a problemas de
corrosão [1-3]. Os factores que mais contribuem para os processos de corrosão
de estruturas imersas em água do mar/estuário, são fundamentalmente as
características intrínsecas das estruturas metálicas, os parâmetros ambientais
a que as mesmas estão sujeitas e as c ondições operacionais [4].
Os organismos marinhos/estuarinos originam incrustações descontínuas
(biofouling) nas superfícies imersas, podendo acelerar a velocidade de
corrosão em áreas localizadas, devido às diferentes condições criadas pela sua
presença. Assim, podem ocorrer corrosão por picadas, corrosão intersticial,
corrosão por arejamento diferencial, etc. Ainda que o crescimento contínuo e
denso de incrustações possa atenuar a corrosão por impedimento da difusão de
oxigénio nas superfícies metálicas incrustadas, este provoca um aumento em
grande escala do atrito dos cascos das embarcações na água, conduzindo a um
gasto excessivo de combustível e elevados custos de manutenção.
Os esquemas de pintura usados para as estruturas marítimas têm sofrido um
grande desenvolvimento nas últimas décadas, devido à legislação e
regulamentação emergentes, especialmente as relacionadas com a proteção
ambiental e a saúde humana. Estes desenvolvimentos têm-se concentrado na
redução dos compostos orgânicos voláteis (COVs) e na eliminação de compostos
tóxicos e carcinogénicos das tintas tradicionais.
As tintas anti-incrustantes (AI) polimetantes à base de tributilestanho (TBT),
por serem muito eficientes e compatíveis, quer com cascos de aço quer com
cascos de alumínio, foram durante muitas décadas a melhor alternativa
encontrada [5]. Contudo, pela sua elevada ecotoxicidade [6], estas tintas à
base de TBT conduziram a graves problemas ambientais, nomeadamente nas
imediações das docas secas e nos portos de elevado tráfego acabando por ser
proibidas pelo Comité de Protecção Ambiental do Mar da Organização Marítima
Internacional (IMO) [7-8]. Assim, nos últimos anos tem-se verificado grandes
desenvolvimentos de IDI para obtenção de tintas AI com melhor eficiência e em
total concordância com a legislação ambiental [5, 9-10].
O principal objetivo deste estudo reside na avaliação da proteção anticorrosiva
e da eficiência anti-incrustante de 3 diferentes esquemas de pintura envolvendo
tintas AI autopolimetantes com diferentes biocidas.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Substrato, preparação de superfícies e aplicação dos esquemas de pintura
Este estudo foi realizado com provetes da liga de alumínio 5083-H111. A
preparação de superfícies foi efectuada por lixagem recorrendo a uma
rebarbadora com discos abrasivos de óxido de alumínio. Logo após a preparação
de superfícies e a avaliação da rugosidade das mesmas, com um rugosímetro
Surtronic Duo, da Taylor Hobson, foram aplicados os três diferentes esquemas de
pintura (Tabela_1). As aplicações dos diferentes produtos foram efectuadas de
acordo com os requisitos estabelecidos nas respectivas fichas técnicas.
Na Tabela_1 estão descritas as características básicas dos esquemas de pintura.
2.2 Caracterização dos revestimentos orgânicos
Espessura
As espessuras dos revestimentos foram determinadas durante e após todas as
aplicações, de acordo com a norma EN ISO 2808 [11] utilizando um medidor de
espessura ELCOMETER 300 SP.
Caracterização morfológica e química por SEM/EDS, FTIR e XRD
A caracterização morfológica e química elementar dos diferentes esquemas de
pintura foi realizada com recurso a um microscópio electrónico de varrimento
Phillips XL 30 (FEG-SEM) com espectrómetro de dispersão de energias associado
(SEM/EDS). A observação englobou amostras em secção transversal, as quais foram
preparadas com resina a frio, tendo sido posteriormente revestidas com uma fina
película de ouro (Au), num Evaporador de vácuo, modelo JEOL JLC 100, de modo a
conferir condutibilidade às mesmas.
Relativamente às tintas líquidas, os veículos fixos foram analisados por
espectrometria de absorção no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR)
de acordo com a norma ASTM D2621-87 [12], utilizandose um espectrómetro Nicolet
Magna System 560, na gama espectral entre 4000 ' 400 cm-1. Para o registo dos
espectros foi utilizada a técnica de pastilha de KBr. A aquisição e
processamento dos resultados foram efectuados através do software Omnic
Os produtos de corrosão e de degradação dos revestimentos foram preparados por
homogeneização antes da análise por XRD. Os produtos cristalinos foram
analisados recorrendo a um difratómetro Rigaku- Geigerflex (Modelo- D/MAX III
C, Japan) com radiação de Cu Ka (45 KV, 20 mA, velocidade de varrimento 1,2º/
min no intervalo angular 2? = 3º a 123º. Utilizou-se o software Data Scan 3.2
para a aquisição dos espectros e o software Jade 9.0 para o processamento e
identificação dos picos.
Avaliação da degradação dos revestimentos
A avaliação da degradação dos revestimentos foi feita por observação visual e/
ou com recurso a lupa estereoscópica de acordo com a norma NP EN ISO 4628 [13 -
16].
2.3 Avaliação da proteção anticorrosiva em laboratório
Resistência ao nevoeiro salino neutro
O ensaio de resistência ao nevoeiro salino neutro foi realizado durante 4680
horas de exposição numa câmara da marca Erichsen modelo 606 de 400 L, segundo a
norma EN ISO 9227 [14]. Em duas das 4 réplicas de cada um dos esquemas de
pintura, foram introduzidos danos em forma de corte até ao substrato segundo a
EN ISO 9227 [17] e ISO 17872 [18].
Resistência à imersão em água do mar artificial
O ensaio de resistência à imersão em água do mar artificial foi realizado de
acordo com a norma NP EN ISO 2812-2 [19] fazendo uso de uma montagem
experimental constituída por tinas com capacidade de aquecimento e arejamento.
O ensaio realizou-se com água do mar artificial preparada segundo a norma NP EN
ISO 15711 [20], à temperatura de (40 ± 1) oC. Foram usadas neste ensaio 7
réplicas, 3 provetes sem introdução de danos, 2 com introdução de danos em
forma de corte de acordo com EN ISO 9227 [17] e ISO 17872 [18] e 2 em forma de
furo sendo este efectuado de acordo com a norma NP EN ISO 15711 [20].
Resistência à delaminação catódica
O ensaio de resistência à delaminação catódica foi realizado segundo a norma NP
EN ISO 15711 [20], método B. Para cada esquema de pintura foram usados 4
provetes, 2 com introdução de um defeito circular de aproximadamente 3 mm de
diâmetro e os outros 2 provetes com protecção sacrificial com ânodos de zinco.
O ensaio foi efectuado com água do mar artificial à temperatura de (23±2) °C.
2.4 Avaliação da proteção anticorrosiva e da eficiência anti-incrustante em
exposição natural
A exposição natural foi realizada em estuário recorrendo a jangada e os
suportes dos provetes construídos em material polimérico (PVC) sem introdução
de qualquer estrutura ou componente metálico, de acordo com a norma ISO 11306
[21]. A caracterização química da água do local foi realizada através de
recolhas trimestrais durante um período de 3 anos. Numa das 3 réplicas de cada
um dos esquemas de pintura foram efectuados danos (cortes) nos revestimentos
até ao substrato com uma largura de 1 mm, segundo a EN ISO 9227 [17] e EN ISO
17872 [18].
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Espessura
A seleção das réplicas de cada um dos esquemas de pintura foi efectuada de
acordo com as espessuras dos revestimentos de modo a não existirem diferenças
significativas nas espessuras totais (Tabela_1).
Caracterização morfológica e química
Todos os estudos efectuados por FTIR no veículo fixo de cada um dos produtos de
pintura do primário, sub-capa e selantes comprovam que são produtos com resinas
epoxi-fenólicas com/sem amidas. No caso do selante do esquema 3 não é possível
confirmar a existência de grupos vinilo pois as bandas de absorção coincidem
com as da resina epoxídica. No que diz respeito aos AI é extremamente difícil a
interpretação dos espectros de FTIR. O AI do esquema 1 e 3 contêm provavelmente
uma resina natural do tipo colofónia modificada. No caso do AI 2 este parece
conter uma resina fenólica modificada com rosin (resina natural do tipo
colofónia).
A Tabela_2 resume os principais resultados obtidos da caracterização
morfológica e química elementar obtida por SEM/EDS.
No primário do esquema 1 visualizaram-se algumas fissuras longitudinais
próximas do substrato e em redor de cargas/pigmentos. As cargas/ pigmentos
presentes, caracterizam-se por uma distribuição pouco uniforme, simultaneamente
com uma granulometria muito heterogénea. A camada de subcapa revela uma boa
aderência à camada de primário, sendo a interface primário/ sub-capa somente
visualizada devido às diferenças na composição química de ambas as camadas. As
cargas/pigmentos embora com uma distribuição homogénea, revelam uma
granulometria heterogénea. A camada de sub-capa revela uma boa aderência à
camada de primário, sendo a interface primário/sub-capa somente visualizada
devido às diferenças na composição química de ambas as camadas. As cargas/
pigmentos embora com uma distribuição homogénea, revelam uma granulometria
heterogénea. A camada de selante mostra áreas isoladas com uma aparente falta
de aderência à sub-capa, pigmentos e cargas com uma distribuição uniforme. No
caso da camada AI é visível a falta de coesão interna, assim como fissuras
longitudinais. A análise química elementar por EDS na camada de AI identificou
a presença de zinco, para além de outros elementos químicos. De acordo com a
ficha de segurança o AI contém propil aminotriazina, óxido de zinco e piritiona
de zinco como biocidas.
No caso da camada de primário do esquema 2, a qual é o resultado da aplicação
de duas demãos, pode constatarse que a 1ª demão, com um valor de espessura
superior comparativamente à 2ª demão, apresenta aglomeração localizada de
cargas/pigmentos. À semelhança da camada de primário do esquema 1, mas em menor
quantidade, observam-se igualmente algumas fissuras longitudinais próximas do
substrato. O selante mostra um grão muito grosseiro para os pigmentos e cargas.
Também se observam algumas zonas de falta de aderência ao primário. A camada de
AI apresenta uma estrutura compacta e uma boa aderência à camada do selante. A
análise química elementar por EDS na camada de AI identificou a presença de
cobre e zinco associados, de acordo com a ficha técnica, à presença de
tiocianato de cobre, óxido de zinco e piritiona de zinco.
A camada de primário do esquema 3 revela, à semelhança do observado nos
anteriores esquemas de pintura, mas de forma menos significativa, a presença de
fissuras longitudinais próximas do substrato. As cargas/pigmentos apresenta uma
distribuição e granulometria homogénea. A camada de selante apresenta algumas
zonas com falta de aderência ao primário e ao AI. Na interface selante/AI é
igualmente possível observar a presença de algumas fissuras na camada do AI.
Por EDS foi detectada na camada de AI a presença de cobre e zinco associados,
de acordo com a ficha técnica, a presença de tiocianato de cobre, Bis(1-
hidroxi-1H-piridino-2-tionato-O,S) de cobre e óxido de zinco.
3.1 Avaliação da proteção anticorrosiva em laboratório
Resistência ao nevoeiro salino neutro
Após 4680 horas de exposição ao nevoeiro salino foi observado lixiviação,
alteração de cor e brilho e manchamento nos provetes sem corte de todos os
esquemas de pintura. No entanto, observou-se corrosão filiforme em todos os
provetes com corte. Neste aspecto, o esquema 1 evidenciou o melhor
comportamento anticorrosivo e o esquema 3 o pior. Observou- -se apenas para o
esquema 3, fissuração sem direcção preferencial 5(S2), tipo mosaico. Os
esquemas com AI contendo cobre (esquemas 2 e 3) revelaram o pior comportamento
anticorrosivo (Tabela_3).
Resistência à Imersão em água do mar artificial
Após 4684 horas de imersão em água do mar artificial todos os provetes sem
corte de todos os esquemas revelaram apenas lixiviação, alteração de cor e
brilho e manchamento apreciável. Contudo, observou-se corrosão filiforme em
torno dos cortes e furos dos esquemas 2 e 3. Neste aspecto, o esquema 1
evidenciou o melhor comportamento anticorrosivo. Observou-se também fissuração
sem direcção preferencial 5(S3)b no esquema 3. Os esquemas de pintura com AI
contendo cobre (esquemas 2 e 3) revelaram mais uma vez o pior comportamento
anticorrosivo (Tabela_4).
Resistência à delaminação catódica
Como se pode observar pela Tabela_5, os resultados do ensaio de resistência à
delaminação catódica nos provetes sem ânodo, após 28 semanas, mostram que o
esquema 1 apresenta melhor resistência.
Neste esquema apenas se observou corrosão do alumínio no furo e ligeira
diminuição na aderência (3,2 mm de destacamento). Os esquemas 2 e 3 têm
comportamento semelhante. Ambos os furos estão cobertos com produtos de
corrosão de cor azul/verde. Estes produtos são compostos por elementos com
origem na camada AI. Ambos os esquemas evidenciaram delaminação e alguma
corrosão filiforme junto ao furo. Nota-se uma perda significativa de aderência
em ambos os esquemas (destacamento de 22 e 21 mm de revestimento,
respectivamente).
Contudo, quando o ensaio é realizado em provetes com ânodos de zinco não se
observam diferenças entre os 3 esquemas (Tabela_6) observandose globalmente um
melhor comportamento devido à protecção catódica conferida pelos ânodos. Não
ocorreu perda de aderência uma vez que não foi registado qualquer destacamento
para nenhum dos esquemas de pintura. Contudo, os furos artificiais e os ânodos
dos esquemas 2 e 3 estão cobertos com produtos cristalinos constituídos
fundamentalmente por cloreto de cobre (identificação realizada por XRD).
3.2 Avaliação da protecção anticorrosiva e da eficiência anti-incrustante em
exposição natural
Como se pode verificar pela Tabela_7, após dois anos de exposição natural em
estuário verificou-se claramente que, no esquema 1, houve maior incrustação de
algas verdes e castanhas, presença de briozoários e esponjas. No esquema 2
obser varam-se principalmente algas castanhas e no esquema 3 apenas algas v
erdes em áreas muito isoladas. Os 2 AI com cobre (esquemas 2 e 3) mostraram a
maior eficiência AI onde o esquema 3 mostr ou a maior eficiência. Relativamente
à protecção anticorrosiva dos 3 esquemas só foi possível tirar conclusões sobre
os provetes com danos onde foram precisamente estes esquemas (2 e 3) que
apresentaram o pior comportamento anticorrosivo. Nos provetes com corte, o
esquema 1 teve a melhor e o esquema 3 a pior proteção anticorrosiva. Este
esquema 3 mostrou, à volta dos cortes, muitos empolamentos (S5), desde o corte
até às arestas. Após a decapagem obser vouse a superfície de alumínio
totalmente coberta com produtos de corrosão. Por XRD identificou-se a presença
de produtos de corrosão do alumínio, tais como AlO(OH) (bhomite/diaspore) e Al
(OH)3 (Gibbsite).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
Nos últimos anos têm-se verificado grandes desenvolvimentos de IDI para
obtenção de tintas com uma melhor eficiência antiincrustante em total
concordância com a legislação ambiental. Contudo, ainda não existem verdadeiras
alternativas isentas de biocidas principalmente para estruturas fixas e para
embarcações de baixa velocidade. Assim, os grandes fabricantes continuam a
comercializar alternativas ambientalmente aceitáveis, a velha alternativa de
usar tintas AI à base de cobre.
Os resultados obtidos neste estudo com esquemas de pintura usados
comercialmente permitiram constatar que os resultados de exposição natural são
muito semelhantes aos obtidos através dos ensaios laboratoriais para todas as
amostras com danos nos revestimentos, nomeadamente para os ensaios de nevoeiro
salino, imersão em água do mar sintética e de delaminação catódica (sem ânodo).
Constatouse igualmente que os dois esquemas com anti-incrustantes formulados
com compostos com cobre, evidenciaram a melhor eficiência antivegetativa do que
o AI isento de cobre e com piritiona de zinco como biocida. Também ficou
provado que os AI com cobre não parecem ser os mais indicados para protecção de
estruturas de alumínio uma vez que conduzem a fenómenos de corrosão galvânica,
nomeadamente em estruturas que estejam sujeitas a danos nos revestimentos e
onde simultaneamente não seja garantida uma eficiente protecção catódica.
Resultados recentes sugerem que as quantidades de zinco e de cobre libertadas
pelas tintas AI conduzem a concentrações tóxicas em áreas com maior densidade
de embarcações. Neste momento equaciona-se a imposição de novas regulamentações
relativamente ao uso destes AI com compostos com cobre e com zinco [22-23].
Na última década tem-se desenvolvido e utilizado com muita frequência tintas AI
com silicone [10]. No entanto, embora estas formulações sejam muito eficientes
[24], conduzem a vários problemas durante a aplicação dos produtos
(contaminações locais), assim como têm custos mais elevados, baixa resistência
mecânica e maiores custos da manutenção.
Recentes avanços em nanotecnologia e na ciência de polímeros e o
desenvolvimento de superfícies bioinspiradas na natureza, nomeadamente no
recurso a proteínas, bactérias e organismos marinhos têm e terão, num futuro
próximo, um impacto significativo sobre o desenvolvimento de uma nova geração
de revestimentos ecológicos marinhos [9-25].