Os Escoriais de Moncorvo
1-Introdução
Na sequência do trabalho que realizámos sobre As escórias de Felgar/Moncorvo,
e conforme nele prometido, retomamos o tema com o objectivo de generalizar o
estudo dos escoriais que tivemos oportunidade de visitar recentemente. Era
nosso objectivo localizar os principais escoriais e recolher amostras a
analisar laboratorialmente correlacionando-as entre si. Procurávamos desta
maneira caracterizar as técnicas de produção de ferro utilizadas e verificar se
às diversas localizações das ferrarias corresponderiam metodologias de fabrico
diferentes no que respeita aos equipamentos utilizados e aos resultados
obtidos. Tínhamos esperança de poder localizar obras edificadas ou peças e
ferramentas fabricadas com origem no ferro maleável produzido em Moncorvo.
Este, se devidamente analisado, tendo em atenção as inclusões de escórias,
poderia contribuir para um melhor conhecimento das práticas usadas e dos
avanços tecnológicos que ali se teriam verificado, ao longo do tempo.
Infelizmente este último objectivo não teve sucesso. Com efeito, mantêm-se
desconhecidos os locais onde as ferrarias terão sido edificadas, não foram
encontrados vestígios dos equipamentos utilizados nomeadamente dos fornos de
redução, dos sopradores de vento, das bigornas e dos martelos usados na
purificação do ferro e também permanecem por descobrir os locais de fabrico
de carvão vegetal que, necessariamente, foi usado para a redução e forjamento
do ferro.
Não há relatos suficientemente esclarecedores sobre os intercâmbios de técnicos
e de trabalhadores especializado entre o norte de Espanha, onde a indústria
siderúrgica atingiu grande desenvolvimento, e Moncorvo apesar de as distâncias
entre as duas regiões não serem muito grandes. Também não conseguimos encontrar
documentos que se refiram à evolução no tempo da produção e o seu destino isto
é, quais os utilizadores (ferreiros) especializados instalados na região e o
tipo de artefactos e ferramentas fabricados. Não se sabe, porque as escórias se
não encontram datadas, quando se iniciou e terminou a actividade metalúrgica e
as razões que presidiram ao encerramento definitivo de cada uma das ferrarias.
Pensamos que a resposta poderia ser dada pela inventariação da floresta pois,
tal como na Galiza, os problemas resultantes do corte de árvores para o fabrico
de carvão e o descontentamento das populações por deixarem de ter lenha para as
suas necessidades domésticas podem ter sido determinantes para o encerramento
da actividade siderúrgica.
2-Os escoriais
Poderá haver outros mas, os que estão identificados e que visitamos são os
seguintes:
a-Felgueiras (Carvalhal):- Num extenso terreno de montanha, coberto por
vegetação rasteira, é possível observar um grande número de fragmentos de
escória. No entanto, uma grande quantidade terá sido dispersa ao longo do tempo
e parece mesmo que os blocos de grandes dimensões terão sido transportados e/ou
destruídos. Os blocos que ornamentam a capela de Santa Bárbara em Felgar,
terão sido transportados deste local. Este escorial situa-se na proximidade da
zona do jazigo de ferro de Moncorvo designada por Carvalhal e que nos anos
setenta do Século XX foi objecto de estudos que determinaram o processo de
enriquecimento do minério, primeiro por flutuação e depois por separação
magnética em elevada intensidade de campo e meio húmido (SMHI húmida). Este
último processo de concentração utilizou um equipamento canadiano, ainda no
estado de protótipo. Terá mesmo sido a primeira utilização de equipamento desta
natureza, em todo o mundo, visando a exploração de um jazigo de ferro
hematítico (6.14). De notar que na proximidade da ferraria não existe nem uma
linha de água nem um vale onde esta pudesse ser armazenada para prover às
necessidades da ferraria. A localização da zona dos fornos seria naturalmente a
uma cota mais elevada que o escorial. A escolha do local terá como explicação,
a facilidade de utilização, numa época mais remota, dos ventos dominantes para
promover a combustão ou numa época mais próxima, em que para a insuflação de
vento se usavam já foles, a proximidade de matas com árvores [carvalhos (?)]
para o fabrico do carvão necessário ao processo;
Fig.1- Felgueiras. Escorial disperso sobre rocha in situ.
Fig. 2- Felgueiras. Escórias dispersas e outras rochas.
Fig. 3- Bloco de escórias trazido de Felgueiras (?).
Fig. 4- Capela se Santa Bárbara de Felgar. Observam-se dois blocos de escórias
trazidos de Felgueiras (?).
b-Felgar: No interior da aldeia de Felgar existe um monte de escórias encimado
pela Capela de Santa Bárbara. A ferraria deverá ter existido na proximidade e
as escórias amontoadas tê-lo-ão sido para evitar a sua dispersão e destruição,
ao mesmo tempo que serviam de base para a construção de um monumento em honra
de Santa Bárbara a padroeira dos mineiros e fundidores. A quantidade amontoada
deve ser uma pequena parte da produzida. A restante terá sido dispersa quando
da construção das casas. A situação de Felgar é, relativamente ao jazigo de
ferro, privilegiada pois, se encontra próxima do Cabeço da Mua, considerada a
zona mais rica do jazigo. No entanto, no local onde teriam sido construídas as
instalações fixas da ferraria não existiria nem uma linha de água nem um vale
onde pudesse ser instalada uma barragem para a retenção de água. Esta teria por
isso, de ser transportada recorrendo a pessoas ou animais uma vez que se não
conhecem canais que, de longe, encaminhassem a água para a povoação. Também na
proximidade não existem matas e não foram ainda descobertos os fornos de
fabricar o carvão vegetal necessário ao processo.
Fig. 5- Escorial de Souto da Velha, atravessado por um ribeiro
Fig. 6- Outra vista do escorial de Souto da Velha
c- Souto_da_Velha:- Trata-se na actualidade de uma aldeia atravessada por uma
ribeira e é nas margens desta que se encontram depositadas grandes quantidades
de escórias. Não é grande a distância entre a aldeia e o jazigo de ferro de
Moncorvo. Terão sido utilizados minérios sob a forma de blocos caídos do jazigo
(eluviões), fáceis de arrancar e de fragmentar para serem enriquecidos e
preparados antes do carregamento nos fornos de redução. A localização da
ferraria parece ser a mais racional entre todas as outras, considerando que a
disponibilidade de água, e a pendente do leito da ribeira, permitiria a sua
utilização como força motriz para o accionamento de foles, para a sopragem do
vento, necessário à combustão do carvão carregado nos fornos de redução, e de
foles e de martelos utilizados na purificação (eliminação da escória) e
conformação do ferro maleável produzido. Não são conhecidas nem a localização
nem a estrutura das instalações fixas da ferraria, que deveriam situar-se a
montante do local de deposição das escórias, nem se sabe se houve a utilização
da água no processo de fabrico pois, não foram encontrados vestígios dos
engenhos que necessariamente teriam sido usados. Também não foram inventariadas
as matas de árvores e de arbustos a que se teria recorrido para a obtenção de
lenha e de carvão vegetal necessários ao fabrico de ferro. Também se não
encontraram ainda os fornos utilizados na carbonização. O escorial está ainda
bem conservado embora uma parte se encontre debaixo das casas entretanto
construídas.
d- São_Pedro_(Mós):- O escorial existente próximo desta localidade encontra-se
muito disperso por se encontrar situado num local que é cultivado para a
produção de cereal. Mas, tal como o Carvalhal e Felgar trata-se de um local
onde se não conhece a localização da ferraria. Mós foi durante muito tempo, uma
terra importante por ter sido sede de concelho e de comarca. Possui ainda um
edifício onde funcionou a cadeia. As grades das janelas desta cadeia, se não
sofreram remodelação recente, como parece, poderão ter sido construídas com
ferro oriundo das ferrarias da região de Moncorvo. Só a colheita de amostras e
a sua análise poderão levantar esta indeterminação.
e-Chapa_Cunha:- Não foi possível colher um único fragmento de escória na
vizinhança das instalações que se admitem ter sido de uma ferraria e mais tarde
transformadas em azenha para moagem de cereais. De acordo com as informações
recolhidas, seria uma ferraria moderna dispondo de água para accionamento dos
foles e dos martelos de forjagem uma vez que o ribeiro que corre na sua
proximidade terá sido desviado por um canal (levada) de modo a manter a cota
necessária ao accionamento de rodas hidráulicas. A ter ali existido uma
ferraria as instalações fixas seriam muito mais desenvolvidas pois, deveriam
dispor de edifícios para o armazenamento de minério, de carvão e de ferro
pronto a comercializar, dormitórios para o pessoal, etc. As ruínas, ainda
observáveis, não parecem ter feito parte de um edifício compartimentado,
desenvolvendo-se em planta sobre um terrapleno, onde se situariam, a montante
os armazéns e, a jusante as forjas necessárias ao tratamento do ferro
fabricado.
A distância ao jazigo de ferro de Moncorvo é considerável e a zona envolvente,
no que se refere a vegetação, só dispõe, actualmente, de arbustos [urzes(?)],
cujas raízes poderiam ter sido utilizados no fabrico do carvão necessário aos
processos de redução e de forjagem. Existem no Museu do Ferro de Moncorvo
chapas de ferro que parecem ter sido recolhidas neste local e que, se
analisadas, poderiam lançar alguma luz sobre o que terá sido esta ferraria que
já não dispõe do seu escorial.
Fig.7- Edifício (ruína) que se considera ter sido, primitivamente, da ferraria
de Chapa Cunha.
f-Carviçais:- O escorial terá sido modificado para criar as fundações que
levaram à construção Capela de Santa Bárbara de um modo semelhante à que se
encontra em Felgar. No entanto, nas propriedades envolventes encontram-se
grandes quantidades de escórias em dispersão acelerada como resultado do
trabalho das terras de cultivo. Nesta aldeia ainda existem pessoas de gerações
recentes de ferreiros que recordam o processo de fabrico do carvão necessário
ao fabrico de ferramentas e seus tratamentos: caldeamento e têmpera. O
processo, certamente herdado dos antepassados que terão trabalhado na
ferraria local, consistia na abertura de uma cova alongada onde no fundo era
amontoada caruma e gravetos secos que serviam para acender uma chama que iria
iniciar a carbonização de toros dispostos por cima. A combustão demorava cerca
de três dias; terminada a combustão, promovia-se a cobertura do material
incandescente com terra a fim de promover o apagamento. Só depois deste
terminado, se procedia à recolha do carvão que seria utilizado nas forjas do
ferreiro que o produzia. Carviçais fica a alguma distância do jazigo de ferro,
pelo que o transporte do minério teria de ser feito recorrendo a pessoas ou
animais.
Também neste caso o recurso a água para o accionamento dos foles e dos martelos
não seria possível. Por isso, a localização desta ferraria deve ter sido o
resultado de, numa época mais antiga, se ter utilizado na combustão, a
ventilação natural.
3- Observação microscópica de amostras
O objectivo destas observações é determinar a semelhança ou dissemelhança das
escórias encontradas nos locais acima referidos relativamente às de Felgar já
estudadas em pormenor. As conclusões a que chegarmos permitirão um
correlacionamento das metodologias de fabrico adoptadas nas diversas ferrarias,
embora não se torne possível temporizá-las.
Fig. 8- Capela de Santa Bárbara, em Carviçais, construída sobre escórias que
terão sido produzidas na ferraria com o mesmo nome.
Seria interessante poder avaliar as melhorias tecnológicas que a experiência ia
ditando. Em particular interessaria saber se os reactores metalúrgicos teriam
sido modificados visando melhorar o seu rendimento térmico e metalúrgico e,
consequentemente, uma diminuição do consumo específico do carvão utilizado na
redução.
Foram analisadas por microscopia óptica de reflexão amostras consideradas
representativas de cada um dos escoriais visitados, cujas fotomicrografias a
seguir se inserem. As diversas amostras correspondem aos seguintes escoriais:
Amostra 1- Santa Bárbara de Carviçais;
Amostra 2- Felgueiras (Freguesia de Felgar);
Amostra 3- S. Pedro de Mós;
Amostra 4- Souto da Velha.
Fig. 9- Observa-se uma matriz de silicatos não diferenciada com inclusões de
wustite e vacúolos de gás. Amostra 1. Amp. 200x
Fig. 10- Pormenor da figura anterior mostrando a matriz nalguns locais já
diferenciada em fayalite e silico-aluminatos. Inclusões de wustite. Amostra 1.
Amp. 200x
Fig. 11- Observa-se uma matriz de silicatos já com lamelas de fayalite muito
recortadas (dendrites). Raras inclusões de wustite. Amostra 1. Amp. 200x
Fig. 12- Matriz silicatada com inclusões de wustite. Os silicatos mostram o
início de diferenciação. Amostra 1. Amp. 200x
Fig. 13- Observa-se ainda minério no seio da escória, denunciando falta de
tempo e/ou de temperatura para uma digestão completa. Amostra 1. Amp. 200x
Fig. 14- Escória de silicatos em curso de diferenciação e em que as dendrites,
de forma tabular (fayalite) já são bem visíveis. Amostra 1. Amp. 200x
Fig. 15- Matriz de silicatos e dendrites, muito desenvolvidas, de wustite
precipitadas do magma em fusão. Amostra 2. Amp.200x
Fig. 16- Matriz contínua de silicatos e uma elevada profusão de dendrites de
wustite. Grãos de ferro metálico. Amostra 2. Amp. 200x
Fig. 17- Escória de silicatos em curso de diferenciação com inclusões de
dendrites de wustite e um glóbulo fe ferro metálico de forma esférica. Amostra
3. Amp. 200x
Fig.18- Semelhante à figura anterior mas noutro local, mostrando dendrites de
wustite bem desenvolvidas e uma estrutura semelhante à de um eutéctico. Amostra
3. Amp. 200x
Fig. 19- Matriz de silicatos com uma muito nítida diferenciação da fayalite e
dendrites de wustite em cuja interface se tornou possível observar grãos de
ferro metálico. Amostra 4- Amp. 200x
Fig.20- Pormenor da figura 19 mostrando grãos de ferro metálico crescendo na
interface das dendrites de wustite. Amostra 4. Amp. 500x
As observações metalográficas mostram que as técnicas de fabrico utilizadas nas
diversas ferrarias foram muito semelhantes e os resultados obtidos comparáveis.
Também, tal como em Felgar (6.13) se verifica que na constituição dos leitos de
fusão nas diversas ferrarias nunca foram utilizados componentes básicos
(carbonato de cálcio).
As quantidades de escórias em cada um dos escoriais não poderão ser
contabilizadas e sê-lo-ão cada vez menos à medida que se processe a sua
dispersão devido a trabalhos agrícolas ou à sua cobertura devido a obras de
construção de edifícios ou estradas. Ficam preservados os escoriais de Felgar e
de Carviçais utilizados como fundações das respectivas Capelas de Santa
Bárbara, monumentos construídos para perpetuar e homenagear os mineiros e
fundidores que dedicaram as suas vidas à exploração do jazigo de ferro da Serra
de Roboredo e nomeadamente ao cabeço da Mua. Seria ainda possível preservar uma
parte importante das escórias de Souto da Velha por ser actualmente o mais
significativo e se situar na margem de um ribeiro, onde certamente não serão
construídas novas habitações. O facto de este escorial se situar nas margens de
um ribeiro permite imaginar que terá havido a intenção de utilizar a água no
processo de fabrico para accionamento dos equipamentos de sopragem do vento e
dos martelos de forjamento. Para tanto seria necessário construir uma
barragem a montante, para o represamento e desvio do curso da água de modo a
obter um caudal suficiente e um desnível capaz de accionar uma roda hidráulica.
Em nenhum dos escoriais foi possível ainda descobrir as instalações fixas que
teriam de ter uma dimensão considerável para armazenamento de matérias-primas,
fabrico de ferro e seu forjamento, visando a eliminação da escória e
qualificando o material final destinado ao fabrico de ferramentas e alfaias
agrícolas.
Também não foi ainda possível encontrar construções que tenham utilizado ferro
oriundo das ferrarias de Moncorvo e onde este esteja preservado. Algumas das
peças guardadas no Museu do Ferro de Moncorvo necessitam de ser estudadas de
modo a determinar a sua origem, independentemente do valor arqueológico que lhe
possa ser atribuído.
4- Obras em ferro dos Séculos XVII e XVIII e XIX
Não pretendo ser exaustivo na enumeração das obras em ferro, com algum vulto,
construídas em Portugal nos Séculos XVII, XVIII e XIX, por não ser este o
objectivo deste trabalho. No entanto, permito-me chamar a atenção para algumas
obras em ferro que foram construídas antes do aparecimento do convertidor
Bessemer em 1855, e seu desenvolvimento a partir de 1878 (Thomaz), que alterou,
de maneira radical, a indústria siderúrgica que passou a fabricar aço, de
maneira massiva, através da conversão da gusa líquida produzida, em alto-forno,
pela redução de minérios de ferro, usando coque em vez de carvão vegetal. Até
1855, produzia-se ferro (aço) macio (maleável) no estado sólido após a redução
de minérios de ferro em fornos de cuba (forja Catalã, fornos Biscainhos, ) e
também gusa que era vazada em moldes para a produção de peças e de utensílios
diversos que não podiam ser solicitados à tracção nem ao choque por ser uma
material muito frágil. Muitos foram os esforços para a conversão de gusa em aço
e alguns tiveram êxito mas, a produção em massa só se iniciou em 1855.
Em Portugal, foram construídas obras em ferro de dimensões e com impactos muito
diversos. Assim:
- As_grades_da_Cadeia_da_Relação_do_Porto: A primeira edificação foi iniciada
em 1606 no Campo do Olival e terminada 3 anos depois; manteve-se até 1752, ano
em que se desmoronou; sobre os escombros foi edificado, a partir de 1765 e
durante 30 anos, uma nova estrutura com a mesma finalidade da anterior-Tribunal
da Relação e cadeia- que esteve em funções até 1974. Porém, em1767 foi feito o
primeiro Contrato da Obra de Ferro que implicava o fabrico e instalação das
grades; era uma obra de grande vulto para a época. Mais tarde, em 1853 (reinado
de D. Pedro V) foi determinada a transformação das janelas das enxovias da
prisão em portas de modo a que os presos pudessem aceder a um pátio interior,
para assistir à missa dominical Esta transformação implicava a construção de
portões. Primeiro foi pensado construir portões de raiz (ferro novo) mas, a
empresa (Fábrica do Bolhão) que deveria executar a obra declinou o convite por
reconhecer que as grades eram de ferro de boa qualidade (ferro sueco). Em 1860
propôs uma nova metodologia que consistia no aproveitamento das grades
existentes acrescentando-lhes o comprimento necessário por caldeação de barras
de ferro da mesma natureza. O ferro acrescentado é semelhante ao primitivo mas
de origem diversa ( 6.7). De qualquer maneira, a Cadeia da Relação do Porto,
com as suas grades em ferro pudelado, é um edifício de referência da cidade e
da história do Porto.
- As_pontes:- São cerca de 32 as pontes total ou parcialmente construídas em
ferro no século XIX, em Portugal. Inauguradas entre 1877 e 1892 (6.8) em
praticamente todo o País com as mais diversas dimensões e estruturas, são de
destacar pela sua grandiosidade a Ponte Maria Pia (354 metros de vão), a Ponte
de Viana do Castelo (645 metros de vão), a Ponte Praia do Ribatejo (497 metros
de vão). Depois com vãos entre 11 metros e 280 metros aparece um conjunto de
pontes rodoviárias e ferroviárias. Foi um período de grande intensidade
construtiva em que foi sempre utilizado ferro pudelado cuja origem não é
totalmente conhecida. No entanto, é natural que a importação de ferro tenha
sido total, uma vez que não há referência ao consumo, nestas empreitadas, de
ferro oriundo das ferrarias da Região de Moncorvo nem de Foz do Alge.
De notar que num curto período foram consumidas grandes quantidades de ferro
havendo na proximidade de Portugal, nomeadamente nas regiões do Norte de
Espanha, da Galiza à Viscaya passando pela Guipúzcua, um elevado número de
ferrarias. Os estudos realizados e já publicados reportam a exportação para
Portugal de quantidades significativas de ferro. Assim, num estudo recente
(6.12) sobre as Ferrarias de Lugo é dito que O nosso ferro exportába a
outras zonas deficitárias, Castela, León e Portugal. Cara ó ano de 1780 Que de
los 19500 o sean 20.000qqs. (quintais) en q., se puede regular o produto (médio
anual) por um quinquenio, los 5.000 pasan al Rno. de Portugal Cada quintal
correspondia à época a 71,3 kg pelo que as exportações para Portugal só das
Ferrarias de Lugo correspondem a cerca de 356,5 toneladas (71,3 tons/ano). Esta
quantidade e data da sua importação poderão ter muito a ver com a construção
das grades da Cadeia da Relação.
No entanto, o que mais importa é admitir que havia relações técnicas entre a
Galiza e Moncorvo uma vez que a distância não era muito grande. São
referenciados em Moncorvo profissionais da Galiza que, naturalmente, traziam os
seus conhecimentos porque teriam trabalhado nas ferrarias espanholas e teriam
interesse em aplicá-los em Portugal. Por isso, as estruturas fixas construídas
em Moncorvo seriam semelhantes às já existentes em Espanha embora adaptadas às
condições locais nomeadamente no que respeita ao tratamento e armazenamento dos
minérios, ao armazenamento dos carvões, aos fornos, às forjas e aos armazéns de
produtos acabados. Será também de admitir que existiam instalações para o
pessoal principalmente para o deslocado da sua residência habitual onde poderão
incluir-se os trabalhadores (forneiros e forjadores) e técnicos espanhóis. É
por isso, estranho que a montante dos escoriais, embora muito próximo deles, se
não tenham ainda descoberto vestígios das construções que deverão ter existido.
A sua descoberta daria informações mais seguras dos processos de fabrico e
mostraria as metodologias adoptadas ao longo do tempo para o aumento de
rendimento dos fornos e diminuição do consumo de carvão na redução do minério e
no forjamento do produto obtido. A quantidade de carvão necessária deve ter
sido o elemento crítico limitativo do desenvolvimento da indústria siderúrgica
em Moncorvo. Com efeito, embora seja difícil correlacionar os dados disponíveis
na literatura, a quantidade, em massa, de carvão vegetal necessária para o
fabrico de ferro vendável era muito superior à quantidade de ferro fabricado.
Assim, os dados relativos à siderurgia brasileira no início do século XIX
apontam uma relação em massa de carvão/ferro 13 a 20 vezes; nas ferrarias de
Lugo, os dados são mais impressivos referindo que, em 1838, para produzir
25.000 quintais de ferro, seriam necessários 95.000 quintais de minério, 25.000
quintais de lenha e 130.000 quintais de carvão. Por isso, para cada quintal de
ferro eram necessários mais de seis quintais de combustível. Outros dados
apontam para o caso da produção de ferro colado [gusa (?)] em altos-fornos
em que o consumo de carvão seria de 126,90% relativamente à produção de ferro.
As quantidades de madeira a abater para utilizar como tal, por exemplo na
calcinação do minério, e para o fabrico de carvão seria muitíssimo elevada. É
de admitir que a desflorestação seria por isso, muito intensa deixando as
populações sem lenha para o seu consumo doméstico o que as levaria à
contestação da indústria siderúrgica, tal como aconteceu na Galiza. Mas, em
certos casos ter-se-á mesmo verificado o esgotamento florestal e a falta de
abastecimento de lenha, para produzir carvão, terá determinado o encerramento
de algumas ferrarias. Não são conhecidos elementos relativos à produção de
carvão na Região de Moncorvo, mas não custa a acreditar que tenha sido limitada
devido à fraca disponibilidade de lenha para carbonizar. Esta escassez
arrastaria naturalmente a produção de ferro, uma vez que esta estaria
dependente do armazenamento de uma quantidade de carvão suficiente para uma
campanha. Por isso, a pequena expressão da produção de ferro na Região de
Moncorvo pode estar relacionada com a dificuldade de dispor de florestas e de
arbustos (urze) para produzir o carvão necessário.
5- Conclusões
5.1- Os escoriais de Moncorvo estão localizados e se não forem devidamente
preservados dentro de algum tempo estarão completamente dispersos. Restarão
alguns fragmentos 'Felgar e Carviçais- dado que sobre eles foram construídas
capelas em honra de Santa Bárbara, padroeira dos mineiros e fundidores, cujo
labor é reconhecido e homenageado;
5.2- Os escoriais não se encontram datados pelo que não podem ser
hierarquizados no tempo;
5.3- Não foram ainda descobertas nem as estruturas físicas das ferrarias nem
identificados os processos industriais que nelas estariam implantados. No
entanto, a localização do escorial Souto da Velha na margem de um ribeiro,
permite imaginar que se tratava se uma instalação mais evoluída que as outras e
poderia ter recorrido a força motriz hidráulica para as operações de fabrico de
ferro;
5.4- A instalação de Chapa Cunha não mantendo um escorial e não revelando a
presença de indícios, ainda que residuais, de uma estrutura construída, deixa
dúvidas quanto à sua classificação como ferraria. Só o estudo das peças de
ferro existentes no Museu do Ferro de Moncorvo, que terão sido colhidas no
local, poderia ajudar a levantar algumas das dúvidas;
5.5- A análise metalográfica das escórias recolhidas nos diversos escoriais não
acrescentou nada relativamente ao que já tinha sido concluído do estudo das
escórias de Felgar: o processo de redução terá sido o mesmo, a Forja Catalã, os
leitos de fusão seriam semelhantes e nas matérias-primas formadoras dos leitos
de fusão não eram incluídos materiais (calcário ou cal) destinados a aumentar a
basicidade das escórias;
5.6- Sendo garantido que as ferrarias de Moncorvo estariam em funcionamento
quando em Portugal foram construídas importantes estruturas em ferro (pontes),
o material ali produzido não é referido como utilizável, nos contratos
firmados. Por isso, a sua utilização terá sido limitada ao fabrico local de
ferramentas e alfaias agrícolas. Esta conclusão é legítima dado que as
quantidades de escórias conhecidas têm uma muito pequena expressão
quantitativa.
5.7- A indústria de fabrico de carvão, seria muito importante e crítica, dado o
muito elevado consumo específico de carvão para os processos de redução,
refinação e enformação do ferro. Se a este consumo adicionarmos a utilização de
lenha para as operações de calcinação do minério antes do seu enfornamento e
para as necessidades de natureza doméstica chegamos a valores que apontam para
a necessidade de abate de grandes áreas florestais. Por isso, a desflorestação
seria intensa e poderá nela ser encontrada a razão porque a indústria
siderúrgica não se desenvolveu e não adquiriu grande expressão quantitativa;
5.8- A correlação do que aconteceu na Região de Moncorvo com aquilo que é
conhecido ter realmente acontecido na zona Norte de Espanha, e o estudo da
imigração de trabalhadores e de técnicos contratados para trabalhar em Portugal
permitiria melhorar os conhecimentos existentes que, diga-se, são relativamente
limitados e insuficientes para o conhecimento da Siderurgia de Moncorvo.
6-Bibliografia consultada
6.1-Museu do Ferro & da Região de Moncorvo- Estudos-Catálogo-Vol.1 -2002;
6.2- Carvalho, Eng. J. Silva-A Ferraria da Foz de Alge-Período de José
Bonifácio de Andrada e Silva (1802-1819). In Estudos, Notas e Trabalhos do
Serviço de Fomento Mineiro- Vol VIII- Fasc 3-4-1953;
6.3-Carvalho, Eng. J. Silva-A Ferraria da Foz de Alge-Período de Alexandre
António Vandelli. In Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro-
Vol. IX- Fasc. 1-4-1954;
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Eschwege- Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro-Vol.X-
Fascs. 1-2-1955
6.5-Felicíssimo Jr. -Jesuino - História da Siderurgia de São Paulo, seus
personagens, seus feitos. ABM 1969;
6.6-Rodrigues, Maria da Assunção Carqueja & Rodrigues, Adriano Vasco-
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6.7-Costa, Horácio Maia e - O ferro das grades da Cadeia da Relação do Porto.
In Fundição-Revista da Associação Portuguesa de Fundição nº 209-1998;
6.8-Costa, Horácio Maia e - O Ferro da Ponte Maria Pia- In Ponte Maria Pia- A
Obra-prima de Seyrig- Ordem dos Engenheiros- Região Norte -2005;
6.9-Penna, José Arthur ' A forja Catalã de Jean Monlevade e seu produto. In
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6.10-Calvo, Felipe A. e Guilemany, José M.- La metalurgia desde su historia-
Separata de Colada1984;
6.11-Calvo, Felipe- Los Metales del Descubrimento- Leccion Inaugural del Curso
Académico 1984-85- Centro Regional Asociado de Palência;
6.12-Pérez, Clodio Gonzalez-As Grandes Ferrerias da Provincia de Lugo- Servicio
Publicacions/Deputacion Provincial Lugo-1994;
6.13-Costa, Horácio Maia e- As escórias de Felgar/Moncorvo- (Aguarda
publicação)- 2008;
6.14-Costa, Horácio Maia e-A valorização do minério de Moncorvo-Seminário Da
tradição à Modernidade. Moncorvo-Fev. 2007. Boletim de Minas-Vol. 42. nº1-
2007
7- Agradecimentos:
Cumpre-me agradecer em primeiro lugar ao Dr. Nelson Campos, pela total
disponibilidade revelada para reunir os meios de transporte, preparar e
acompanhar a visita realizada aos escoriais de Moncorvo; os seus conhecimentos
sobre a Região e sobre o acervo do Museu do Ferro & da Região de Moncorvo
constituíram uma ajuda inestimável. Agradeço igualmente ao Senhor Victor
Cerveira pela disponibilidade demonstrada para acompanhar a visita aos
escoriais de Moncorvo e proceder à colheita de amostras. Um agradecimento muito
particular é devido ao CINFU na pessoa da sua Directora Engª Helena Oliveira
pela autorização de acesso ao Laboratório de Metalografia para a preparação de
amostras e observações microscópicas, trabalho de que se encarregou o Técnico
Paulo Martelo cuja simpatia, profissionalismo e disponibilidade é não só de
realçar mas também de agradecer e louvar.
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Estrada do Paço do Lumiar
1649-030 Lisboa
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