Envelhecimento térmico do papel isolante de transformadores. Investigação
experimental. Modelos de degradação.
1. Introdução
O adequado funcionamento dos sistemas de produção, transmissão e distribuição
de energia eléctrica depende, em grande parte, da fiabilidade dos seus
transformadores.
Actualmente, a desregulação do mercado de energia eléctrica, as maiores
exigências ambientais, a nível de redução de resíduos, e o avançado estado de
envelhecimento da maioria dos transformadores de potência existentes, torna a
substituição destes, por novas unidades, cada vez mais impraticável, pelo que,
a extensão do tempo de vida útil dos transformadores instalados, é bastante
mais crucial que no passado.
A avaliação do estado dum transformador (se possível a estimativa do seu tempo
de vida útil restante) é de grande importância para fabricantes e utilizadores,
pelo que, a criação dum processo expedito e fiável para tal, tem sido um
objectivo perseguido desde há bastante tempo.
Assim, para além do rápido e adequado diagnóstico de situações de defeito
(ainda num estádio muito incipiente) no transformador, torna-se cada vez mais
relevante, obter informação fiável sobre os fenómenos associados ao
envelhecimento, dito normal, de transformadores em serviço.
Uma vez que o tempo de vida dum transformador é fortemente condicionado pelo
estado de degradação do isolamento sólido, a determinação do nível de
degradação deste, dá um contributo importante para a avaliação do estado de
degradação do transformador. Daí, a importância de se conhecer os mecanismos
associados ao envelhecimento dos isolantes sólidos do transformador, com
especial destaque para o papel isolante e a relevância de tentar arranjar uma
correlação entre a concentração, no óleo, de produtos de degradação do papel,
nomeadamente o furfuraldeído, e o real estado de degradação do papel isolante.
A determinação do grau de polimerização do papel é o ensaio que dá uma medida
directa do estado de degradação deste, apresentando, no entanto, o
inconveniente de necessitar, para a sua execução, da extracção de amostras de
papel do transformador, o que exige a abertura deste e a decuvagem dos
respectivos enrolamentos.
O acesso directo ao isolante sólido, (nomeadamente ao papel dos enrolamentos)
só é portanto possível no decurso de grandes reparações, ou em casos de
abertura do transformador para uma análise post-mortem, antes do transformador
ser enviado para a sucata.
Foi neste contexto que, a análise de compostos furânicos dissolvidos no óleo
ganhou grande relevo, como uma potencial alternativa ao ensaio do grau de
polimerização do papel, apesar das limitações que lhe estão associadas. Ambas
as análises foram utilizadas neste estudo, associadas à análise dos gases
dissolvidos no óleo e à análise do teor de água no óleo, para a caracterização
do fenómeno de degradação térmica do sistema óleo/papel.
2. Envelhecimento térmico do sistema papel ' óleo
O sistema isolante dum transformador, constituído essencialmente por óleo
isolante/papel isolante, sofre degradação, em condições de serviço normais,
sendo o tempo de vida útil do transformador, normalmente condicionado pelo
tempo de vida útil do seu isolante sólido, uma vez que o óleo pode ser
facilmente substituído, sempre que tal se justifique, no decurso da vida do
transformador, o que não acontece com o isolamento sólido.
O isolamento sólido do transformador, testado no caso da presente experiência,
foi o papel Kraft, que é um material celulósico constituído por cerca de 90% de
α-celulose
(a)
6-7% de hemicelulose
(b)
e 3-4% de tiolenhina [1], (álcool polimérico aromático) [2].
A celulose original é um polímero de longa cadeia, formada por cerca de 1200
(c)
unidades monoméricas de anéis de glicose, (grau de polimerização igual a
1200). A degradação do papel é caracterizada pelo número de cisões por cadeia,
definido pelo factor de Knosp ( η=DP0/DP) onde DP0é o grau de polimerização
inicial e DP o grau de polimerização final do papel.
As cadeias celulósicas associam-se em regiões amorfas (cerca de 30%) e
cristalinas (cerca de 70% [3]) para formar microfibrilhas, as quais se associam
em fibrilhas e estas por sua vez em fibras. Pode dizer-se que a resistência
mecânica do papel reside essencialmente nestas. A hemicelulose e lenhina
residual são amorfas, funcionando como uma pasta que mantém as fibras juntas
[2].
Na despolimerização, as regiões amorfas são mais rapidamente partidas que as
cristalinas, enquanto a hemicelulose é especialmente susceptível ao ataque
químico [2].
Os principais agentes da degradação do isolante sólido são:
1 - A água (degradação por hidrólise).
2 - Os produtos de degradação do óleo, (por exemplo os ácidos que actuam em
presença da água).
3 - O oxigénio (degradação por oxidação).
4 - O calor (degradação por pirólise); O aumento de temperatura potencia a
acção dos outros agentes, uma vez que provoca uma aceleração exponencial da
velocidade das reacções químicas, de acordo com a fórmula de Arrhenius.
2.1. Degradação da celulose por hidrólise
A acção da água, na molécula de celulose do papel, é a seguinte:
A molécula de água reage directamente com o oxigénio da ponte formada entre
dois monómeros de glucose da cadeia de celulose, para formar dois grupos
hidroxilo (OH), cada um ligado ao seu monómero, ao mesmo tempo que se produz a
abertura do anel de glucose, com cisão da cadeia de polímero de celulose, em
dois segmentos mais curtos, (o que provoca a redução do grau de polimerização
da celulose). Este processo é autocatalítico, sendo por cada cisão da cadeia de
celulose, consumida e produzida água. A hidrólise não gera quaisquer gases nem
resíduos [3].
Se o teor de humidade no papel, duplicar, a velocidade de envelhecimento do
papel também duplica [4], enquanto uma redução de 1% do teor de humidade no
papel, grosso modo duplica o tempo de vida útil do isolamento sólido.
Por outro lado, a rigidez dieléctrica do papel decresce, com o aumento do teor
de humidade daquele.
A hidrólise é catalisada pelos iões hidrogénio, resultantes da dissociação de
ácidos, pelo que, ácidos carbonílicos não dissociados não provocam
despolimerização da celulose. A água aumenta a eficiência catalítica dos
ácidos, promovendo a sua dissociação. Os ácidos de baixo peso molecular como o
fórmico, o acético e o levulínico (formados por degradação da celulose) [5],
são mais facilmente absorvidos pelo papel isolante, que os ácidos de mais
elevado peso molecular, tais como o esteárico e o nafténico (formados
preferencialmente por degradação do óleo [5]).
Assim, os ácidos de baixo peso molecular, em sinergia com a água, desempenham
um papel relevante na degradação do papel isolante, enquanto os ácidos de
elevado peso molecular parecem não a influenciar significativamente [5].
Os resultados experimentais obtidos por Lundgaard e colaboradores [5] suportam
a teoria de que a hidrólise da celulose é governada por catálise ácida.
Para temperaturas superiores a 100 ºC, a hidrólise ácida das ligações internas
ocorre muito rapidamente, através de uma série de reacções de desidratação,
catalisadas por ácidos, que conduzem à libertação de 3 moléculas de H2O por
cada unidade de mono-sacárido [2].
O resultado final desta reacção de ataque da celulose por uma molécula de água
é portanto a produção de 2 moléculas de H2O por unidade (3-1).
O esqueleto de carbono da unidade de glicose é simultaneamente transformado num
derivado furânico.
O xilano (a principal hemicelulose que constitui a polpa do papel) produz
furfuraldeído (2FAL) que é relativamente estável em ambiente ácido.
A celulose propriamente dita produz 5-hidroximetil-2-furfuraldeído também
designado por hidroxi-metil-furfural (5HMF), que se decompõe em ácido
levulínico e ácido fórmico [2].
Estes ácidos são produzidos a partir dos açúcares neutros, de forma não
oxidativa. Ambos aumentam a acidez do sistema e com ela a hidrólise, visto esta
ser catalisada por ácidos.
A temperaturas mais elevadas, o ácido fórmico dissociar-se-á em monóxido de
carbono e água.
O ácido levulínico, por seu turno, polimeriza para produzir um polímero ácido,
que conjuntamente com os resíduos de tio-lenhina, faz parte das lamas que
formam os depósitos presentes em óleos degradados.
2.2. Degradação da celulose por oxidação
Em teoria, o envelhecimento do papel por oxidação podia ser evitado, excluindo
completamente o oxigénio do sistema. Contudo, tal só é relevante em
transformadores novos, com baixas concentrações de ácidos e água.
O oxigénio actua atacando, ou o sexto átomo de carbono do anel de glucose [3],
(para converter este em aldeído, ou em ácido), ou em alternativa o segundo e
terceiro átomo de carbono, para formar dois grupos aldeído, ou dois grupos
ácido [2].
Neste último caso, a cadeia abre-se com produção de gases (tais como o monóxido
de carbono, o dióxido de carbono e o hidrogénio), para além da água.
Em consequência disto, há um enfraquecimento, ou mesmo quebra, das ligações
glucosídicas entre monómeros, conduzindo à despolimerização da molécula de
celulose, com produção de uma molécula de água, por cada cisão da cadeia, a
qual por sua vez irá atacar novas ligações e provocar cisões adicionais da
cadeia de celulose.
Na presença de oxigénio, a velocidade de envelhecimento normal do papel
aumenta, por um factor de 2,5 a 10 vezes, [6].
Resultados experimentais reportados por Lampe e Spicar [3], permitem concluir
que a vida útil do isolamento celulósico pode ser multiplicada por um factor
de 5, para a mesma temperatura, por ausência de oxigénio, ou ainda nestas
condições, a temperatura pode ser aumentada 25 ºC, sem diminuição da vida
útil do isolamento sólido.
A despolimerização oxidativa é catalisada pelos radicais hidróxilo (HO*), que
são produzidos pela decomposição do peróxido de hidrogénio (H2O2).
Este peróxido pode ser formado, por exemplo, por reacção do oxigénio com água,
reacção esta catalisada por catiões de metais de transição, tais como o cobre
(Cu2+/Cu+), ou o ferro (Fe2+/Fe3+).
Os radicais hidróxilo podem ser formados a partir da H2O2, numa reacção
catalisada por traços de iões Fe3+, conjuntamente com pequenas quantidades de
compostos auto-oxidáveis, tais como os fenóis, aminas aromáticas, ou tióis.
Isto é especialmente significativo, uma vez que, por exemplo: durante o
processo de fabrico do papel Kraft, os grupos aromáticos tióis são introduzidos
na lenhina [2].
Além disso, os grupos fenólicos podem também ser formados por oxidação de
certos compostos aromáticos presentes no óleo, ou ainda por adição de
antioxidantes (tais como o di-ter-butil-para-cresol, vulgarmente designado por
DBPC).
O fenómeno de oxidação, tanto no caso do papel, como do óleo, aumenta a acidez
deste, o que progressivamente suprime a oxidação posterior, ao mesmo tempo que
favorece as reacções de hidrólise catalisadas por ácidos e as reacções de
desidratação. Estas últimas reacções produzem ácidos e água, a qual, por sua
vez, aumenta a eficiência catalítica dos ácidos, promovendo a sua dissociação.
Por outras palavras, a oxidação é auto-inibitória e a degradação catalisada por
ácidos é auto-aceleratória [2].
2.3. Degradação da celulose por pirólise
Por cada 6 ºC de subida de temperatura, duplica a velocidade de degradação dos
isolantes sólidos [7].
A quebra das cadeias de celulose, por acção da temperatura (pirólise), provoca
o decréscimo do grau de polimerização da celulose, com produção de gases,
essencialmente: monóxido de carbono, hidrogénio e dióxido de carbono, e ainda
de produtos líquidos como a água e os compostos furânicos, designadamente: o
furfuraldeído (2FAL), o 5-hidroxi-metil-2-furfural (5HMF), o 5-metil-2-furfural
(5MEF), o álcool furfurílico (2FOL) e o acetilfurano (2ACF). Para além destes,
são ainda produzidas substâncias sólidas (moléculas de celulose mais curtas,
com grau de polimerização menor do que o da celulose não degradada), que vão
formar as lamas, que normalmente se depositam no interior dos transformadores.
Em termos de evolução da degradação, por pirólise, da celulose seca, a ordem
pela qual as referidas substâncias são produzidas, é a seguinte:
- Compostos furânicos (começam a produzir-se, desde um estádio ainda muito
incipiente da degradação térmica da celulose).
- CO, CO2 e H2
- Água.
- Lamas.
Num mecanismo alternativo de pirólise, a molécula de celulose pode ainda ser
rearranjada em outras substâncias, a mais abundante das quais é o
levoglucosano.
2.4. Produtos de degradação do óleo
Os produtos de degradação do óleo são muito diversos:
- Produtos gasosos (Monóxido e dióxido de carbono, para além de hidrogénio e
hidrocarbonetos em C2, C3 e C4), dependendo, os gases formados, das
temperaturas atingidas.
- Produtos líquidos, de entre os quais podemos citar: aldeídos, ácidos,
cetonas, lactonas, ésteres, peróxidos e água.
- Produtos sólidos, formados por exemplo por cadeias poliméricas de
hidrocarbonetos (substâncias sólidas constituintes das lamas).
De todos estes produtos, os que mais influenciam a degradação dos isolantes
sólidos, são os produtos sólidos e os líquidos e dentro destes, principalmente
os ácidos e a água.
3. Parte experimental
O óleo usado na presente experiência foi o Nynas Nytro 11 EN (um óleo
nafténico, não inibido) ao qual foi adicionado DBPC (di-ter-butil-para-cresol-
um inibidor de oxidação do óleo) e BTA, (benzotriazole) que funciona como
passivador do cobre metálico, de modo a obter uma solução de 0,3 % de DBPC e 25
mg BTA/kgóleo, em óleo.
Relativamente ao papel, foi usado papel Kraft, enrolado em condutor de cobre,
idêntico ao usado nos enrolamentos de transformadores e amavelmente fornecido
pela ABB Sécheron. S.A (Suiça).
Os contentores de amostras usados neste ensaio foram ampolas de forma
cilíndrica, de 150 ml de capacidade, em vidro borosilicato, e com cerca de 3,8
cm de diâmetro e 20 cm de altura, munidas dum gargalo mais estreito, com cerca
de 1 cm de diâmetro e 4 cm de altura.
Em cada ampola foram introduzidos 100 ml de óleo e 2 provetes de condutor de
cobre (5x0,5x0,1) cm, enfitado com papel Kraft (3 camadas de papel por
provete).
A relação óleo/papel (em peso) usada nesta experiência foi de 588.
Antes de serem usadas, todas as ampolas de vidro foram lavadas primeiro com
água, depois com acetona e a seguir secas a 100 ºC, numa estufa.
3.1. Preparação prévia das amostras para ensaio
3.1.1. Preparação prévia do óleo
O óleo a utilizar foi préviamente seco por aquecimento a 60 ºC, sob vácuo, de
modo a obter um teor de água final, inferior a 5 ppm (mg H2O/kgóleo).
Em seguida, o óleo foi saturado com ar, por borbulhamento de ar seco, no óleo,
durante 1 h.
3.1.2. Secagem prévia do papel
Em cada uma das ampolas de vidro onde se pretende efectuar o envelhecimento do
papel, foram introduzidos dois provetes de cobre revestidos de papel. Para
secar o papel, cada uma destas ampolas de vidro contendo únicamente 2 provetes
de cobre revestido de papel, foram introduzidas numa estufa a 80 ºC, durante 24
h, ao mesmo tempo que se lhe aplicava vácuo. Ao fim desse tempo, todas as
ampolas, contendo cada uma os referidos 2 provetes de cobre revestidos de
papel, foram retiradas da estufa, fechadas e deixadas arrefecer, até à
temperatura ambiente, dentro de um exsicador.
Após secagem, o teor de água no papel, era ≤ 0,5%.
3.1.3. Preparação das ampolas com a amostra
Foram preparados dois grupos de ampolas. Num primeiro grupo foi introduzido, em
cada ampola, cerca de 100 ml do óleo préviamente seco e saturado com ar, e cada
ampola foi fechada de forma estanque, com auxílio de um maçarico oxi-
acetilénico.
Num segundo grupo de ampolas, para além dos dois provetes de cobre revestidos
de papel (com um teor de humidade no papel inferior a 0,5 %), foram
introduzidos também 100 ml de óleo, Estas ampolas foram finalmente fechadas de
forma idêntica às do outro grupo.
3.2. Esquema do procedimento de envelhecimento térmico
Todas as ampolas contendo só óleo (1º grupo) ou óleo contendo os dois provetes
de cobre enfitados de papel (2ºgrupo) após fecho, foram colocadas em
simultâneo, num forno a 70 ºC, temperatura esta que se manteve durante 24 h,
após o que foi retirado o 1º conjunto de ampolas para análise (2 ampolas com
100 ml óleo + papel e 2 ampolas só com 100 ml de óleo), isto porque todos os
ensaios foram realizados em duplicado.
De 24 em 24 h, foi efectuado um acréscimo de 10 ºC na temperatura da estufa,
sendo retirado desta, um novo conjunto de 4 ampolas, idêntico ao anterior.
O estudo foi realizado na gama de temperaturas 70 ºC - 180 ºC.
Após retirar da estufa, as ampolas fechadas foram colocadas, no escuro, a
arrefecer até à temperatura ambiente (para evitar uma degradação adicional,
devida à acção da luz).
Partiu-se então a parte mais estreita do gargalo de cada uma das ampolas,
retirando rapidamente o óleo e o papel para a realização das seguintes
análises:
- Gases dissolvidos no óleo (Norma CEI 60567), [8].
- Compostos furânicos dissolvidos no óleo (Norma CEI 61198), [9].
- Compostos furânicos absorvidos no papel (Norma CEI 61198) após extracção
destes com metanol, de acordo com o método descrito em [10], [11].
- Teor de água no óleo (Norma CEI 60814), [12].
- Grau de polimerização do papel (Norma CEI 60450), [13].
3.3. Discussão dos resultados
Uma vez que os resultados dos duplicados se encontravam dentro da
repetibilidade de cada um dos métodos de ensaio, os valores aqui apresentados
são as médias de cada um dos ensaios para cada temperatura.
3.3.1. Água
De 80 ºC a 160 ºC, não se verificou uma significativa variação da concentração
de água no óleo, pela presença do papel mergulhado neste. Só a partir de 160 ºC
é que o papel começa a libertar água para o óleo.
No caso do papel Kraft, a água é normalmente produzida, ou por oxidação do
sexto átomo de carbono da α-celulose, ou por reacções dentro da hemicelulose,
ou ainda por um fenómeno de desidratação irreversível, da molécula de celulose
[3].
No gráfico seguinte a designação Água (papel + óleo) corresponde ao teor de
água no óleo, nas ampolas que contem óleo e papel.
Fig. 1 - Variação da concentração de água no óleo, com a temperatura.
3.3.2. Hidrogénio e hidrocarbonetos
O hidrogénio é gerado por degradação do óleo a partir de 120 ºC e aumenta a sua
velocidade de produção, com a subida de temperatura.
A temperaturas superiores a 140 ºC, o papel também contribui para a produção de
hidrogénio.
Quanto aos hidrocarbonetos, o metano começa a ser gerado, em quantidades
significativas, por volta de 150 ºC e aumenta a sua velocidade de produção à
medida que a temperatura sobe.
Idêntico comportamento foi observado para o etano e o etileno.
Finalmente o acetileno não foi detectado em nenhuma das ampolas (só com óleo,
ou com óleo e papel).
Fig. 2 -Variação de concentração de H2 e hidrocarbonetos dissolvidos no óleo,
com a temperatura.
3.3.3. Monóxido e dióxido de carbono
Ambos os óxidos de carbono são também produzidos de forma significativa a
partir de 130 ºC, tanto nas ampolas só com óleo, como nas ampolas contendo óleo
e os provetes de cobre revestidos de papel, o que aliás está de acordo com o
reportado por outros investigadores [14].
No entanto, as concentrações no óleo, obtidas para as ampolas contendo óleo e
papel, são muito superiores em relação às que possuem únicamente óleo (sem
papel).
A quantidade de monóxido de carbono produzido por exemplo a 130 ºC, na amostra
de (óleo + papel) é cerca do triplo da quantidade do mesmo gás, formada na
amostra de óleo sem papel.
Confirma-se portanto o referido anteriormente por outros autores [15], que a
principal fonte de produção destes gases é a degradação térmica do papel,
sobretudo para temperaturas acima de 130 ºC, apresentando o monóxido de carbono
um aumento significativo da respectiva velocidade de produção a partir dos 150
ºC, tanto no caso de degradação térmica do óleo, como do papel.
Fig. 3 -Variação da concentração de CO e CO2 dissolvidos no óleo, com a
temperatura.
3.3.4. Oxigénio
Verificou-se um consumo significativo de oxigénio dissolvido no óleo
(essencialmente a partir de 130 ºC), quer para as amostras só de óleo, quer
para as amostras de (óleo + papel), o que significa que, é a partir desta
temperatura, que as reacções de oxidação se tornam mais importantes, tanto para
o óleo como para o papel.
Fig. 4 -Variação da concentração de O2 dissolvido no óleo, com a temperatura.
3.3.5. Compostos furânicos
Dos cinco compostos furânicos, designadamente, furfuraldeído (2FAL), álcool
furfurílico (2FOL), 5-hidroxi-metil-2-furfural (5HMF), 2-acetil-furano (ACF) e
5-metil-2-furfural (5MEF), normalmente associados à degradação térmica do
papel, só foram detectados, tanto no óleo como no papel, o furfuraldeído (2FAL)
e o 5-hidroxi-metil-furfural (5HMF).
Em relação aos compostos furânicos absorvidos no papel, só a partir da
temperatura de 120 ºC, é que é possível quantificar tanto o 2FAL como o 5HMF,
absorvidos no papel isolante.
Ambos os compostos só foram detectados no óleo, respectivamente a temperaturas
acima de 140 ºC, no caso do 2FAL e de 150 ºC, no caso do 5HMF, apresentando,
tanto um composto, como o outro, valores de concentração crescentes com a
temperatura.
A concentração de 2FAL, dissolvido no óleo, para todas as temperaturas, é cerca
de duas vezes maior que a concentração de 5HMF no óleo. Por outro lado, a
concentração de 5HMF absorvido no papel, é superior à concentração de 2FAL
absorvida no papel, aumentando esta diferença à medida que a temperatura
aumenta, ou seja, a solubilidade de 2FAL no óleo, é muito superior à
solubilidade, no óleo, do 5HMF para a mesma temperatura e aumenta com a
temperatura.
De facto, o 5HMF permanece preferencialmente absorvido no papel, razão pela
qual, em transformadores em serviço, é muito menos comum encontrar este produto
no óleo, do que o 2FAL.
Fig. 5 -Variação com a temperatura da concentração de [2-FAL] e [5-HMF] no
óleo.
Fig. 6 -Variação com a temperatura da concentração de [2-FAL] e [5-HMF] no
papel.
A partir de 160 ºC, nota-se um decréscimo da concentração de furfuraldeído
absorvido no papel, ao mesmo tempo que se verifica um acréscimo da concentração
de furfuraldeído no óleo, o que significa que, a partir desta temperatura,
aumenta a velocidade de passagem de 2FAL para o óleo. Quanto ao 5HMF, a sua
concentração no óleo aumenta continuamente ao longo de toda a gama de
temperaturas. À medida que a temperatura sobe a partir de 160 ºC, nota-se uma
certa estabilização da concentração de 5HMF no papel.
De notar que a produção de compostos furânicos é influenciada, entre outros,
pelos seguintes factores: temperatura, teor de humidade, presença de oxigénio,
tipo de papel (papel Kraft, papel thermally upgraded etc), tipo de óleo
(inibido ou não inibido) e nível de degradação do óleo onde o papel se encontra
mergulhado.
Por outro lado, há ainda a considerar que a partição de produtos furânicos,
entre o óleo e o papel, é influenciada essencialmente pelos seguintes factores:
- Temperatura.
- Acidez do óleo/presença no óleo, de produtos polares.
- Tipo de óleo.
- Teor de água no óleo e no papel.
3.3.6. Grau de polimerização do papel isolante versus concentração de produtos
furânicos
O grau de polimerização viscosimétrico médio do papel isolante (DP), decresce
com a subida de temperatura, desde valores de cerca de 1200 para o papel novo
(valor determinado para o papel novo não degradado, no início da experiência
após ter permanecido 24 h à temperatura de 70 ºC), atingindo valores da ordem
de 250, para a temperatura de 180 ºC, o que significa que, para esta
temperatura, o papel já se encontra próximo do fim da sua vida útil.
No entanto, só a temperaturas da ordem dos 100 ºC - 110 ºC se começa a notar um
abrupto decréscimo do valor de DP, o que coincide aliás com observações
efectuadas anteriormente por outros autores [15], em condições idênticas.
Normalmente, considera-se que o papel atinge o fim da sua vida útil, quando a
respectiva resistência mecânica atinge um valor de cerca de 50 % do valor
inicial, o que corresponde a um DP de cerca de 150, [7], [16].
Fig. 7 -Variação do grau de polimerização do papel, com a temperatura.
Este decréscimo da resistência mecânica do papel, traduzido por um decréscimo
da respectiva tensão de rotura, embora a sua resistência eléctrica permaneça
praticamente inalterada, é o verdadeiro responsável pela perda da capacidade do
papel aguentar, sem perda de integridade, as forças devidas, por exemplo, às
diferenças de expansão térmica dos diferentes materiais do transformador,
(forças de tracção, compressão, ou outras), os esforços electrodinâmicos, que
podem surgir por diversas razões no interior do transformador, incluindo as
vibrações da parte activa, surgidas em caso de defeito, ou simplesmente
associadas ao transporte do transformador dum local para o outro.
Representando a concentração de 2FAL no óleo, em função do DP das amostras de
papel, imersas no óleo (sujeitas ao ensaio de envelhecimento descrito
anteriormente), obteve-se a recta, representada no gráfico da Fig.8, a qual
apresenta um elevado coeficiente de correlação (R = 0,997).
Fig. 8 -Variação da concentração dos compostos furânicos no óleo com o grau de
polimerização do papel.
De referir que a equação desta recta traduz a correlação entre a concentração
de 2FAL no óleo e o DP do papel, deduzida com base nos resultados obtidos na
experiência realizada, onde foi utilizada uma razão peso de óleo/peso de papel
de cerca de 588.
No gráfico da Fig. 9 encontram-se representadas as rectas que exprimem a
correlação entre as concentrações de 2FAL e 5HMF absorvidos no papel isolante e
o DP do papel.
Fig. 9 -Variação da concentração dos compostos furânicos no papel, com o grau
de polimerização do papel.
4. Modelos de degradação do papel
Tendo como base a recta [2FAL] versus DP, determinada experimentalmente e
apresentada no gráfico da Fig. 8, e aplicando a esta, a correcção da
concentração de 2FAL no óleo, para uma razão peso de óleo/peso de papel igual a
4 (caso dos transformadores de potência de tipo shell- tipo
couraçado'imbricado) obteve-se a seguinte equação:
Equação de M. A. Martins (MMS) para transformadores tipo shell, isolados com
papel Kraft:
Log10 [2FAL] = 2,25 - 0,0046 DP
Por seu turno, para transformadores do tipo core, em que a mais comum razão
peso de óleo/peso de papel é cerca de 8, ter-se-à:
Equação de M. A. Martins (MMC) para transformadores tipo core, isolados com
papel Kraft:
Log10 [2FAL] = 2,57 ' 0,0046 DP
Ambas as equações aqui deduzidas, concordam bastante bem, por exemplo, com o
modelo de Burton, traduzido na seguinte equação, [17]:
Modelo de Burton (B)
Log10 [2FAL] = 2,5 - 0,0046 DP
e também com o Modelo de Vuarchex (V), dado pela seguinte equação, [13]:
Log10 [2FAL]= 2,6 - 0,0049 DP
No gráfico da Fig. 10 encontram-se representadas, para comparação, as rectas
correspondentes aos anteriores modelos, assim como as correspondentes aos
modelos de Chendong (C) e de De Pablo (P) [17].
Fig. 10 -Representação de vários modelos de degradação do papel isolante
Modelo de Chendong (C)
Log10 [2FAL]= 1,5 - 0,0035 DP
Modelo de De Pablo (P)
(d)
DP ([2FAL] + 2,3) = 1850
Para melhor visualizar as diferenças em termos práticos, entre os vários
modelos referidos, apresenta-se, no quadro seguinte, a comparação dos valores
de DP, calculados pelos diversos modelos, para o mesmo valor da concentração de
furfuraldeído no óleo.
Tabela 1 -Valores de DP calculados pelos diversos modelos, para cada valor da
concentração de 2FAL no óleo
Da análise da Tabela 1, podemos concluir que existe uma boa concordância das
correlações de [2FAL] versus DP, (Equações MMS e MMC) baseadas nos nossos
resultados experimentais, com os modelos apresentados anteriormente, à excepção
dos Modelos de Chendong e de De Pablo, que aliás discordam dos restantes, para
concentrações de 2FAL superiores a 5 mg/kg óleo.
5. Conclusões
Da investigação experimental realizada, podemos concluir que, os principais
produtos resultantes do envelhecimento térmico do papel isolante Kraft, para
além do hidrogénio, do monóxido e dióxido de carbono e da água, são os
compostos furânicos, dentre os quais se destaca o furfuraldeído, o composto
furânico cuja concentração no óleo, é a mais utilizada para efectuar a
monitorização do estado de degradação do papel isolante do transformador, ao
longo do tempo.
Com base neste estudo experimental, foi ainda desenvolvida uma fórmula
matemática, que permite correlacionar o 2FAL dissolvido no óleo, com o grau de
polimerização do papel isolante, com o qual o óleo se encontra em contacto.
A grande importância desta correlação, seria permitir o cálculo do grau de
polimerização do papel, a partir da concentração de furfuraldeído no óleo, que
é determinada por Cromatografia Líquida de Alta Pressão e Alta Resolução, numa
amostra de óleo recolhida, de preferência, com o transformador em serviço,
sendo portanto fácil determinar o valor de DP correspondente à concentração de
2FAL no óleo, se o DP do papel fosse uniforme, no interior dos transformadores.
É importante contudo referir que, existe uma variação de zona para zona do
transformador (axial, radial e longitudinal) do estado de degradação dos
isolantes sólidos, presentes no interior daquele (correspondendo cada nível de
degradação a um valor diferente de DP).
Assim, para cada teor de furfuraldeído no óleo, haverá, não um único valor de
DP, mas sim uma distribuição de valores de DP, numa gama tanto maior, quanto
maior a heterogeneidade do grau de envelhecimento das diversas zonas dos
isolantes sólidos do transformador.
Para além disso, salienta-se que, uma zona de menor dimensão que se encontre
num estado de degradação mais avançado (elevada degradação localizada), é mais
preocupante e gravosa para o transformador, do que uma degradação média do
isolante sólido, mais uniformemente distribuída, ao longo de todo o
transformador.
Por outro lado, os compostos furânicos também são destruídos por acção da
temperatura [6].
Portanto, a concentração de 2FAL no óleo, é influenciada não só pela velocidade
de produção deste composto, que é proporcional à velocidade de envelhecimento
térmico do isolante sólido, mas também pela sua estabilidade térmica e
solubilidade no óleo. Esta, por sua vez, depende, por exemplo, do tipo e
qualidade do óleo e do respectivo estado de degradação deste.
A solubilidade do 2FAL no óleo aumenta com a polaridade do óleo, pelo que, nos
óleos mais degradados, em que há uma maior concentração de produtos polares,
incluindo a água, a solubilidade do 2FAL é mais elevada.
Por esta razão, é imprescindível conhecer não só a variação da estabilidade dos
produtos furânicos com a temperatura, através da determinação da velocidade de
degradação destes, para cada temperatura, mas também a variação, com a
temperatura, de solubilidade dos produtos furânicos dissolvidos no óleo.
Assim e de acordo aliás com a opinião de outros autores [6], consideramos que
não é possível a determinação da vida útil restante do transformador (em termos
globais) exclusivamente baseada no valor de DP, calculado de forma indirecta,
com base na concentração de furfuraldeído, determinada no óleo.
Portanto, embora o estabelecimento da correlação da concentração de 2FAL no
óleo versus DP seja importante para a obtenção, de forma expedita, duma
primeira informação, aproximada, sobre o estado de degradação médio do papel
isolante, sem ter de abrir o transformador, (baseada na concentração de 2FAL no
óleo), bastante mais informação será necessária, para uma estimativa credível
do tempo de vida útil restante do transformador.
Entre outra informação, salienta-se pela sua importância, a obtida através da
análise de gases dissolvidos no óleo e da análise do teor de água do óleo e do
papel, do perfil de temperaturas no interior do transformador, da frequência e
importância das sobretensões a que o transformador é sujeito, do respectivo
regime de carga ao longo do tempo e finalmente dos materiais usados no fabrico
do transformador e do historial deste (incluindo eventuais defeitos, reparações
e beneficiações).