Um modelo de programação matemática aplicado ao
sector agrı́cola português
Introdução
Apesar do enorme esforço financeiro feito pela Comunidade Europeia, o sector agrı́cola português continua a acumular prejuı́zos. O rendimento dos agricultores, lı́quido de subsı́dios,
tem decrescido e registado valores negativos a partir de 1990. O aumento das trocas e da
concorrência nos mercados agrı́colas, a partir de 1993, devido à abertura ao mercado interno
europeu, acentuou a tendência. Anastácio [1] refere que o acréscimo inevitável da liberalização
dos mercados, a aplicação das propostas contidas na Agenda 2000 e o alargamento da União
Europeia a Leste tenderão a agravar a difı́cil situação dos agricultores portugueses.
A eliminação progressiva das barreiras aduaneiras facilita o acesso ao mercado comunitário
de produtos agrı́colas a preços inferiores aos praticados na União Europeia, em prejuı́zo da
agricultura portuguesa que dá os primeiros passos na lógica da produção para o mercado. A
nova reforma da Polı́tica Agrı́cola (Agenda 2000) volta a favorecer as agriculturas do Norte da
Europa, mais desenvolvidas e competitivas, e penaliza os agricultores dos paı́ses mediterrânicos,
que vêem os seus rendimentos decrescerem, ao estimular actividades em que não têm vantagem
comparativa, em relação aos paı́ses do Norte da Europa.
Este trabalho aborda o problema da quebra do rendimento dos agricultores portugueses determinada pela aplicação da Agenda 2000 e por uma maior liberalização dos mercados
agrı́colas. Para estudar os efeitos das alterações da Polı́tica Agrı́cola Comum, propostas na
Agenda 2000 e da liberalização dos mercados, na produção agrı́cola nacional e no bem-estar
dos consumidores e produtores, foi desenvolvido um modelo sectorial de optimização não linear
para o sector agrı́cola português proposto por McCarl [9]. A partir do modelo base são criados
cenários destinados a avaliar os efeitos de polı́ticas alternativas no bem-estar da sociedade,
adiante designados de “Cenário I”, “Cenário II”, “Cenário III” e “Cenário IV”. O “Cenário
I” considera a retirada da ajuda à comercialização dos cereais, sob a forma de subsı́dio cofinanciado, por tonelada vendida. No “Cenário II” modela-se a redução a 0% da taxa de
retirada obrigatória de terras. No ”Cenário III” modela-se a ajuda às “superfı́cies”, independente do tipo de cultura. O “Cenário IV” avalia os efeitos da interacção dos cenários I, II e
III, nos quais foram mantidas as condições do modelo base.
Tomando em consideração o problema identificado e os cenários propostos, este trabalho
visa atingir dois objectivos. O primeiro é calcular os efeitos de cada uma das polı́ticas identificadas
pelos cenários nos excedentes do consumidor e do produtor que mede o bem-estar
na sociedade, na utilização dos factores de produção e na produção agrı́cola, mantendo-se as
condições de mercado inalteradas. O segundo é medir os efeitos de cada uma das polı́ticas,
em condições de maior liberalização dos mercados, a partir do ano de 2000, em cada um dos
agregados atrás referidos, assumindo-se a hipótese de que os produtos agrı́colas podem ser
adquiridos no mercado mundial nas quantidades desejadas na sequência das propostas que
têm vindo a ser discutidas e negociadas nas reuniões do General Agreement on Tariffs and
Trade.
Formulação de um modelo
Para avaliar os efeitos directos e indirectos das polı́ticas alternativas, propostas nos cenários
identificados, têm sido usados modelos econométricos numa abordagem de equilı́brio parcial,
modelos “input-output” num quadro de equilı́brio geral. McCarl [9] desenvolveu os modelos
de programação matemática que têm sido mais utilizados para estudar o sector agrı́cola aos
nı́veis macro e microeconómico.
Neste trabalho utiliza-se um modelo de optimização não linear de modo a incluir os elementos da procura e da oferta e permitir avaliar os efeitos das polı́ticas agrı́colas propostas
para o sector agrı́cola. O modelo incorpora as relações entre a oferta e a procura e maximiza a
soma dos excedentes do produtor e do consumidor, como medida de bem-estar da sociedade,
em vez da maximização do lucro utilizada nos primeiros modelos propostos por Hazell [8].
Na construção do modelo, assumiu-se a hipótese de concorrência perfeita no mercado dos
produtos agrı́colas. Nesta situação, a produção de equilı́brio Q e é determinada quando o preço
de equilı́brio Pe é igual à utilidade marginal e ao custo marginal. Assim, no ponto de equilı́brio,
determina-se o preço que os consumidores estão dispostos a pagar por mais uma unidade do
bem e os produtores a vender, obtendo os primeiros a máxima utilidade e suportando os
segundos o menor custo médio. A soma dos excedentes corresponde à área limitada pelas
curvas da procura (DD’)e da oferta (SS’) globais do sector e pelo eixo dos preços (Figura 1),
triângulo [AEB]. Este indicador é utilizado para medir o bem-estar na sociedade.
Os preços e as quantidades de equilı́brio são determinados endogenamente e resultam de
decisões racionais dos produtores e dos consumidores. Esta caracterı́stica do modelo é decisiva
para avaliar os efeitos da liberalização do comércio internacional, uma vez que permite
determinar os preços e as quantidades de equilı́brio num mercado competitivo.
A noção de equilı́brio num mercado competitivo foi desenvolvida por Samuelson [12], como
um problema de equilı́brio espacial estático, facilmente resolvido através da programação linear. Takayama [15] desenvolveram um algoritmo que permite resolver o modelo de equilı́brio espacial através da programação quadrática. Seguindo o modelo de equilı́brio parcial de Samuelson, o Centro de Investigação do Desenvolvimento (Development Research Center) do Banco
Mundial adaptou este modelo de preços endógenos para maximizar uma função de bem-estar
da sociedade representada pela soma dos excedentes dos produtores e dos consumidores. Com
base neste modelo várias aplicações empı́ricas foram levadas a efeito por técnicos daquela instituição e outros investigadores independentes, como Goreux [7], Egbert and Kim [5] e Egbert
[6].
Os utilizadores dos modelos de equilı́brio espacial salientam que a grande vantagem da sua
utilização decorre das possibilidades que têm de incluir, além das limitações à utilização de
factores produtivos, as restrições à balança de pagamentos e opções de polı́tica económica e
polı́ticas sectoriais. Estas caracterı́sticas permitem uma aproximação mais realista das alternativas de evolução do sector ou da economia. Com as devidas limitações, estes modelos podem
ainda ser utilizados para simular afectações de recursos, com base nos preços da solução dual.
Esta possibilidade decorre da utilidade dos preços-sombra para medir a eficácia da afectação
de recursos, através da análise de sensibilidade.
O modelo utilizado neste trabalho é apresentado a seguir em notação matricial:
Função Objectivo:
T
Max W = QT δ − 0, 5 QT β Q − CT X + PT
e Xe − Pm Xm − KΦ∆/n
(2.1)
sujeita às seguintes restrições:
RY
≤
Q + Xe − (X + Xm ) ≤
Xe ≤
Xm
≤
Q , Y , X , Xe , Xm ≥
(2.2)
B
(2.3)
E
(2.4)
M
(2.5)
A legenda dos vectores, matrizes e escalares do modelo é a seguinte:
W = função de bem-estar da sociedade; Q = vector da procura interna com a dimensão 36;
PT
e = vector transposto; C = vector do custo unitário da produção e das ajudas da PAC
com dimensão 36; X = vector da produção interna com a dimensão 36; P e = vector do preço
das exportações com a dimensão 36; ; Xe = vector das exportações com a dimensão 36;
Pm = vector do preço das importações com a dimensão 36; Xm = vector das importações
com a dimensão 36; δ = vector das ordenadas na origem da função procura com a dimensão
36; β = Matriz cuja diagonal principal é constituı́da pelos gradientes da função procura com
a dimensão 36×36; K = constante de risco; Φ = coeficiente de aversão ao risco; ∆ = Matriz
da soma dos desvios absolutos da receita por produto com a dimensão 1×1; n = número
de produtos; R = matriz dos coeficientes técnicos com a dimensão 126×205 ; Y = vector
de actividades de produção com a dimensão 205; B = vector dos recursos disponı́veis com
a dimensão 126; E = vector dos valores máximos das quantidades exportadas de produtos
com a dimensão 36; e, M = vector dos valores máximos das quantidades importadas de
produtos com a dimensão 36.
O Modelo é constituı́do por quatro blocos de equações: a função objectivo, as restrições
de recursos, outras restrições (equações de balanço oferta-procura) e as condições de não
negatividade.
A função objectivo é uma função quadrática, que maximiza a soma do excedentes do
consumidor e do produtor em condições de risco. A procura global no modelo é decomposta
em procura interna e procura externa. Assume-se que a procura interna é linear e que tem a
seguinte forma: P = δ − β Q, onde P e Q representam os vectores dos preço e das quantidades,
respectivamente, dos produtos agrı́colas representativos. A ordenada na origem δ é dada pela
expressão δj = Pj + βij Qj e o βg representa o gradiente da função procura, cuja expressão
. 0
é dada por βij = (−1/ ηij )(Pj Qi ), onde ηij representa a elasticidade procura-preço directa
e cruzada ePj0 e Q0i são preços e quantidades observados. Se for assumido que a elasticidade
cruzada procura-preço é nula, a área sob a curva da função da procura tem a forma referida na
função objectivo, Q0 δ − 0.5Q0 βQ. Assumiu-se que procura externa é perfeitamente elástica.
Logo, a área limitada superiormente pela função procura externa é dada por PeT Xe .
A oferta total é formada pela produção interna e pelas importações. Estas funções são
apresentadas na forma de custo, C T X e PT
m Xm . O risco é introduzido na função objectivo
pela soma dos desvios negativos e positivos da receita, a preços no produtor, deflacionados
P
pelo ı́ndice de preços implı́cito na Produção Agrı́cola Final, pelo factor (-Φ*k* desvios)/n,
com sinal negativo porque contribui negativamente para o excedente do produtor. O valor
de Φ permite graduar o risco e o factor de risco k foi calculado através da expressão: k=
[(π*n/(n-1)/2)]1/2 utilizado por Dillon [4]. O último termo da função objectivo representa a
soma dos desvios absolutos para a média ponderada da receita por produto, calculada com
base nos preços, deflacionados pelo ı́ndice implı́cito no produto agrı́cola, e nas produtividades
por hectare de cada um dos produtos, observados no ano base do modelo.
A função objectivo traduz as acções racionais de cada agente económico, actuando individualmente num mercado competitivo e é utilizada como medida do bem-estar da sociedade.
Este facto é objecto de várias crı́ticas por se tratar de um modelo de equilı́brio parcial, conforme refere Norton [11]. Todavia, esta função permite obter resultados consistentes com as
condições de primeira ordem do modelo de optimização da utilidade do consumidor e com os
pressupostos do modelo de maximização do lucro num mercado competitivo. A mesma permite ainda determinar, endogenamente, os preços que resultam do equilı́brio entre a procura
e a oferta de cada um dos produtos no mercado.
O conjunto das restrições, RX ≤ B, contém toda a informação referente às actividades
de produção, à tecnologia e à disponibilidade de recursos. A matriz R inclui os coeficientes
técnicos das actividades de produção vegetal e da pecuária, as rotações por tipo de terra, as
polı́ticas e os desvios negativos e positivos da receita por produto final, que são introduzidas
como igualdades. O vector X representa o conjunto das actividades contidas no modelo. Os
elementos do vector B são as disponibilidades de recursos existentes no sector. Assume-se
que os factores terra, mão-de-obra e tracção estão disponı́veis em quantidades fixas. O uso
destes recursos é limitado pelos coeficientes técnicos de cada actividade incluı́da no modelo.
O modelo utiliza recursos fixos gerados no sector e adquiridos fora do sector agrı́cola, como
os fertilizantes, os pesticidas, os produtos farmacêuticos e os serviços técnicos, que os produtores podem adquirir ao preço de mercado na quantidade que desejarem. Incluem-se algumas
restrições (equações de equilı́brio) para assegurar que as quantidades usadas não excedem as
adquiridas. Este tipo de restrições têm sido utilizadas por Hazell [8]. O modelo determina
endogenamente os preços dos recursos fixos do sector agrı́cola. Neste caso, os preços-sombra
associados à quantidade de terra utilizada são interpretados como o custo de oportunidade
deste factor.
O conjunto das restrições (equações de equilı́brio oferta-procura), Q + Xe − (X + Xm ) ≤ 0,
tem como objectivo determinar o equilı́brio no modelo. Através destas equações introduzem-se
os factores produtivos e as produções agrı́colas de cada uma das actividades. Segundo Hazel
[8], estas restrições forçam o modelo a atingir o equilı́brio, linha a linha, de modo a determinar os preços endógenos de cada produto agrı́cola através dos preços-sombra. As restrições
referentes às produções agrı́colas permitem registar as exportações e as importações e determinar o ponto de equilı́brio de mercado se a produção for transaccionada. De forma geral, as
restrições, designadas por equações desequilı́brio oferta-procura,servem para assegurar que a
quantidade procurada no mercado interno mais a do mercado externo não exceda a quantidade
produzida mais as importações. A desigualdade nesta condição permite absorver as variações
de existências de forma automática no modelo. Na compra de factores de produção segue-se o
mesmo procedimento para as restrições designadas por equações de equilı́brio oferta-procura,
assim como nos produtos destinados à pecuária, quer no que se refere à conversão do grão,
da forragem e da pastagem em unidades forrageiras, quer na modelação da capacidade de
ingestão máxima e mı́nima dos animais. O modelo inclui ainda restrições que condicionam
a importação e a exportação de produtos agrı́colas e pecuários. As mesmas serão posteriormente abandonadas quando se estudar a hipótese de os mercados poderem ser liberalizados na
sequência das propostas acordadas nas reuniões do General Agreement on Tariffs and Trade.
O último conjunto de restrições do modelo diz respeito às condições de não-negatividade
para as variáveis de decisão do modelo.
Dados e informação
O modelo foi desenvolvido no programa General Algebraic Modeling System (GAMS ) apresentado por Brooke [2]. Trata-se de um programa que permite trabalhar modelos de programação
matemática com relativa facilidade. O programa inclui um módulo de optimização não linear
chamado de GAMS/MINOS desenvolvido na Universidade Americana de Stanford, que permite encontrar a solução de modelos de grande dimensão e complexidade com grande precisão
e num espaço de tempo muito pequeno. As caracterı́sticas deste programa aconselhavam a sua
utilização neste trabalho.
Os dados utilizados na sua formulação foram recolhidos das publicações do Instituto Nacional de Estatı́stica, nomeadamente as Estatı́sticas Agrı́colas, os Anuários Estatı́sticos, as
Contas Económicas da Agricultura, os Censos e os Inquéritos ao sector agrı́cola, os Relatórios
da Situação da Agricultura na União Europeia, as contas dos custos de produção das culturas
vegetais e da produção animal, da Rede de Informação de Contabilidades Agrı́colas (RICA),
Ministério da Agricultura e outras informações recolhidas por outros investigadores, tais como
Cary [3].
O sector agrı́cola foi modelado sob a forma de uma exploração representativa. Não foi
possı́vel modelar uma estrutura desagregada com um número representativo de sub-sectores,
como alguns autores sugerem, devido à limitação dos dados.
O procedimento utilizado para representar as sete regiões agrı́colas e sub-sectores, definidos
pelos solos e pelas zonas agro-climáticas, consistiu em introduzir no modelo as rotações de
culturas representativas de cada região agrı́cola, definidas pela Rede de Informação de Contabilidades Agrı́colas. Este procedimento tem sido utilizado por vários autores, nomeadamente
Soares [14]. A dotação de terra arável é a do território continental. A superfı́cie agrı́cola utilizada pelas culturas plurianais, pomar, vinha, olival e pastagens, foi recolhida do Recenseamento geral agrı́cola de 1989. As superfı́cies incluı́das no modelo correspondem aos valores
médios publicados pelo Instituto Nacional de Estatı́stica para cada uma das actividades modeladas que, tal como os restantes recursos incluı́dos no modelo, foram abatidos do total do
recursos respeitantes às actividades não tratadas pelo modelo, tal como sugere Hazell [8]. A
terra foi classificada, segundo a capacidade de uso, em “boa” a das classes “A” e “B” e por
“fraca”, a terra das restantes classes de capacidade de uso, considerando-se em cada um destes
dois tipos de terra a existência de tecnologias de “regadio” ou de “sequeiro”, definindo-se o
conjunto de rotações para cada uma destas classes. Identificaram-se ainda a área das culturas
permanentes, as horas-homem e as horas-máquina por trimestre e os efectivos pecuários.
O ano base do modelo é 1994 porque foi o primeiro em que se manifestaram as principais
consequências da aplicação da reforma da Polı́tica Agrı́cola Comum de 1992 e em que as
decisões dos agricultores passaram a ter por referência o mercado comunitário e a conclusão
do ciclo de negociações do “Uruguay Round” referidas por Serrão [13].
As culturas dividiram-se em anuais e plurianuais. No grupo das culturas anuais incluı́ramse os cereais, alguns produtos tradicionais como a batata, o grão-de-bico, o feijão e a fava,
os produtos mediterrânicos, como o tabaco e o tomate e o girassol como representativo das
sementes oleaginosas. As actividades de produção vegetal incluem ainda a produção de alimentos para animais como o azevém, a luzerna, a aveiaxvı́cia, as forragens e o milho para
ensilagem. O grupo das culturas plurianuais inclui as actividades de produção de laranja,
cereja, maçã, pêra, amêndoa, noz, uva de mesa e para vinho, azeitona para conserva e para
azeite. O modelo considera também as actividades de produção animal mais significativas na
agricultura portuguesa. Foram modeladas as actividades de produção de carnes de vaca, de
ovino, de caprino, de suı́no e das aves de capoeira. Modelou-se ainda a produção de leite de
vaca, de ovelha e de cabra, assim como as actividades de produção de lã e de ovos. A insuficiência de dados e informação impediu que algumas actividades fossem incluı́das no modelo,
nomeadamente, os produtos hortı́colas frescos, o que constitui uma limitação importante deste
trabalho.
Os coeficientes técnicos das actividades de produção vegetal são especificadas por hectare
e as actividades de produção pecuária são especificadas por ”cabeça”. As dotações de animais
representam os efectivos existentes nas actividades de produção e compreendem os animais
adultos, os animais jovens e os de criação. O rendimento normal obtido por espécie é a quantidade média de cada produto especı́fico da actividade pecuária. O único custo de produção das
actividades de pecuária explicitado é o do factor trabalho. Os restantes “factores produtivos”
das actividades de pecuária assumem-se como custos intermédios internos do sector, incluindo
o aproveitamento dos restolhos dos cereais, as pastagens, as forragens e os cereais transferidos
para forragem e concentrados. Os concentrados são produzidos pela indústria associada ao
sector, cuja função principal é transformar cereais para consumo humano. Esta especificação,
que inclui implicitamente parte da indústria agro-alimentar no sector e admite a produção de
todos os animais em todas as regiões agro-climáticas, exige a introdução de uma restrição para
prevenir o aparecimento de combinações de impossibilidade dos recursos disponı́veis. Para
garantir esta condição foi imposto um limite superior obtido a partir do Recenseamento Geral
Agrı́cola de 1989 nas actividades de produção animal. As disponibilidades de tracção são limitadas pelo número de tractores, as quais limitam a produção vegetal no modelo. No caso dos
produtos da vinha, do olival e do pomar, a produção tem o limite mais apertado porque depende das plantas existentes as quais constam dos resultados do Recenseamento Geral Agrı́cola
de 1989.
O conjunto, formado pelas actividades de produção e pelas restrições de recursos, define
a regra de decisão para determinar o volume de produção óptimo e a afectação de recursos,
fazendo entrar na função objectivo apenas os custos unitários e as ajudas da Polı́tica Agrı́cola
Comum relativamente aos produtos que entram no cálculo dos excedentes dos consumidores
e dos produtores. A entrada daqueles custos unitários na função objectivo, conjuntamente
com as dotações de recursos e as escolhas das actividades, permite definir, implicitamente, as
curvas da oferta para os produtos agrı́colas incluı́dos no modelo a partir da correspondência
entre o ramo ascendente da curva dos custos marginais e a curva da oferta.
As funções de procura para os produtos agrı́colas que constam do modelo, que se assumiram
lineares, foram construı́das à custa das elasticidades procura-preço directas calculadas com base
no método utilizado por Michalek [10].
A modelação dos factores de produção, mão-de-obra, tracção, fertilizantes, fitossanitários,
sementes e outros, fez-se por tecnologia na produção vegetal. A mão-de-obra e a tracção foram
modeladas por trimestre e por hora-homem e hora-máquina, respectivamente, normalizadas
pelo salário médio pago no sector agrı́cola em 1994 e pelo preço médio por hora do aluguer
de um tractor de 75 cv no sector agrı́cola. Não foi modelada a utilização da tracção animal,
que ainda caracteriza algumas explorações agrı́colas, nomeadamente nas regiões do Norte, por
inexistência de informação quantitativa. Os custos dos fertilizantes foram incluı́dos no modelo,
tendo os seus valores sido determinados através da multiplicação da quantidade em quilogramas
de macronutriente utilizado (Azoto, Fósforo e Potássio) pelo preço unitário praticado no ano
de 1994. O mesmo procedimento foi utilizado para as sementes. Os custos da rega, dos
fitossanitários, dos seguros de colheita e outros custos variáveis foram agrupados e imputados
por tecnologia. Nas actividades de produção plurianual, foi modelado o custo do capital
investido tendo por base os elementos calculados pela Rede de Informação de Contabilidades
Agrı́colas.
As ajudas da Polı́tica Agrı́cola Comum incluı́das no modelo foram as do pousio obrigatório,
as ajudas compensatórias ao hectare, o subsı́dio co-financiado pelo governo português à comercialização dos cereais, as ajudas à produção de forragens e o prémio à pecuária. As quantias
atribuı́das dependem do Plano Regional que estabelece os montantes da produção com direito a ajuda em cada região. A demarcação foi feita com base em critérios de produtividade,
estabelecidos em função das produção estatı́sticas observadas em cada zona e submetida à
aprovação das autoridades comunitárias.
O pousio obrigatório é modelado segundo as normas do Ministério da Agricultura, que estabelecem uma taxa de 15% de retirada das terras da totalidade da área declarada, incluindo-se
a área semeada e o pousio obrigatório, o que equivale a 17,65% da área semeada. Segundo esta
norma os agricultores estão obrigados a retirar da produção de culturas arvenses uma área
correspondente a 15% da superfı́cie objecto do pedido de ajuda. Não se modelou a opção pelo
pousio não rotacional por carência de informação acerca da adesão dos agricultores portugueses a esta modalidade. A ajuda diz respeito às áreas cultivadas com cereais e oleaginosas para
grão e os pagamentos compensatórios dependem sempre do requerimento dos agricultores. As
áreas de pousio obrigatório são calculadas por tecnologia, sequeiro e regadio, e por tipo de
terra porque o pagamento compensatório é função da tecnologia e da produtividade das terras
de acordo com o plano de regionalização e tem de respeitar algumas exigências definidas nos
regulamentos. As ajudas compensatórias à produção de cereais e de proteaginosas, também
designadas por “pagamentos compensatórios”, foram incluı́das no modelo segundo os montantes propostos pela Comunidade Europeia.
O subsı́dio co-financiado é atribuı́do ao cereal efectivamente vendido e as facturas emitidas
são os documentos de suporte entregues no Instituto Nacional de Garantia Agrı́cola para
processar o seu pagamento. É especı́fico para os agricultores portugueses, é co-financiado pelo
governo português e destina-se a amortecer a aproximação dos preços de alguns cereais aos
preços comunitários. Esta aproximação será progressiva e, no futuro, os preços serão iguais
aos dos outros estados membros. As ajudas à produção de forragens são modeladas pela
importância que assumem na produção animal.
As indemnizações compensatórias à produção pecuária estão limitadas aos agricultores que
exercem a tı́tulo principal esta actividade. Para isso têm de dedicar mais de 50% do tempo
normal de trabalho e obter mais de metade dos seus rendimentos nesta actividade. Também
tem sido reconhecido por vários especialistas que nem todos os agricultores aproveitam as
ajudas da Polı́tica Agrı́cola Comum. Para contemplar esta situação assumiu-se que 25% dos
agricultores portugueses não reuniam as condições de acesso ou não se candidatavam aos
subsı́dios da Polı́tica Agrı́cola Comum.
Por último, os produtos que fazem parte do comércio externo foram agrupados em produtos
primários e produtos transformados. As restrição impostas às importações e às exportações,
introduzidas no modelo, foram valorizadas a preços CIF e a preços FOB, respectivamente.
Foi utilizada a informação complementar das estatı́sticas do comércio externo publicadas pela
Direcção Geral do Comércio. Os produtos submetidos a transformação antes da venda ao consumidor final, como a azeitona de azeite ou de mesa, a farinha de trigo, o arroz, o concentrado
de tomate, são modelados pela introdução dos respectivos coeficientes de transformação.
4 Resultados
4.1 Introdução
Os resultados obtidos foram validados através da comparação entre os valores gerados pelo
modelo base e os valores publicados pelo Instituto Nacional de Estatı́stica para o ano de 1994,
originando desvios inferiores a 10%, o que permite aceitar o modelo proposto por Hazell [8].
O maior desvio foi verificado na produção de vinho devido à não inclusão da produção de
vinho do porto e vinho verde por falta de informação. Os desvios na produção pecuária são
também inferiores a 10%. O maior desvio observa-se na produção de ovos 6,3%. Uma parte
deste desvio pode ser explicada pela não inclusão dos ovos consumidos pelos agricultores e
suas famı́lias.
A área estimada pelo modelo foi validada através de um procedimento idêntico ao referido
para a validação da produção. Os maiores desvios observam-se na área destinada à cultura
do tomate 8,06%, o que resulta da não modelação da superfı́cie ocupada com a cultura do
tomate em estufas e em pequenas explorações, porque não existia informação disponı́vel. Da
área destinada aos cereais, a cultura do centeio é aquela que apresenta o maior desvio -5,72%.
Nas culturas plurianuais, os desvios mais significativos aparecem na produção de cereja 5,4%,
pêssego 6,1%, castanha 5,1% e na produção de azeitona de mesa -4,6%. Uma parte do valor
destes desvios explica-se através da dificuldade encontrada na recolha de informação dos preços
e das quantidades produzidas, importadas, consumidas e exportadas destes produtos agrı́colas,
bem como dos coeficientes técnicos que caracterizam as tecnologias utilizadas na sua produção.
Esta análise revela que não existem desvios superiores a 10%, considerando-se assim aceitáveis
os resultados gerados pelo modelo base. Em geral, os desvios encontrados eram esperados,
porque o modelo não contempla os desvios no comportamento dos agentes económicos do
sector, observados na actividade real, em relação à hipótese de concorrência perfeita que foi
assumida na sua construção. São exemplo desses desvios a actuação do Estado, a burocracia e
os controlos legais, a acessibilidade aos mercados, etc. como refere Hazell [8]. Admite-se ainda
que grande parte dos desvios observados possa resultar da falta de informação estatı́stica,
nomeadamente a produção utilizada em autoconsumo dos agricultores e da sua famı́lia e para
alimentação dos animais existentes nas explorações. Apesar de terem sido incluı́das actividades de transferência no modelo para considerar os alimentos para os animais existentes nas
explorações agrı́colas, não se dispõe de informação quantitativa acerca dos valores observados
no ano base do modelo.
Os preços gerados pelo modelo foram comparados com os preços observados no produtor
no ano base e observou-se que 62% dos preços estimados estão abaixo dos valores observados.
Como o modelo tende a sobrestimar a produção, os preços tendem a ser estimados abaixo
dos valores observados. Além disso, os preços tendem a divergir mais do que as quantidades
quando a elasticidade é inferior à unidade, em valor absoluto, situação verificada neste modelo,
como refere Hazell [8]. Assim, as maiores diferenças verificadas entre os preços estimados pelo
modelo e os preços do ano base, observam-se para os produtos em que se verificam sobre
ou subestimativas da produção. As diferenças observadas são ainda explicadas pela pequena
elasticidade procura-preço directa das funções de procura, nas quais as variações relativamente
pequenas nas quantidades provocam grandes variações nos preços. Este efeito é ampliado
por não terem sido incluı́das as elasticidades cruzadas no modelo. Uma outra razão para as
diferenças mencionadas pode encontrar-se nos preços observados em 1994, dominados pelos
preços comunitários de referência e distorcidos pelas ajudas da Polı́tica Agrı́cola Comum. Por
fim, a forma linear das funções de procura deu também um contributo importante para os
desvios verificados, pela dificuldade que uma função deste tipo tem de aderência à realidade.
Ao assumir-se na construção do modelo que, na matriz das elasticidades utilizada na função
objectivo, apenas os elementos da diagonal principal eram diferentes de zero, introduziu-se
uma perturbação importante no processo de estimação dos preços de equilı́brio.
A verificação da hipótese de concorrência perfeita, que se assumiu na construção do modelo,
exigia a estimação dos preços sombra para obter os custos marginais. O procedimento consistiu
em forçar o modelo a produzir, pelo menos o montante observado no ano base, minimizando o
custo total. Em condições de concorrência perfeita, o custo marginal deve ser igual ao preço. Os
preços sombra obtidos naquelas condições coincidem com os custos marginais. A verificação
de custos marginais abaixo do preço de mercado significa a existência de comportamentos
diferentes da concorrência perfeita segundo Hazell [8]. Para alguns produtos, o custo marginal
é superior ao preço de equilı́brio estimado pelo modelo. Os produtos que apresentam esta
particularidade beneficiam de ajudas à comercialização, como é o caso do trigo, do milho,
da cevada, do centeio e do triticale, o que confirma a tese de que os subsı́dios distorcem o
funcionamento dos mercados de concorrência perfeita. Por outras palavras, se estes produtos
não fossem subsı́diados, não seriam produzidos. Os preços internos superam, para alguns
produtos, os preços de fronteira. Os preços CIF funcionam como limite inferior dos preços
domésticos. Por não se incluı́rem as taxas aduaneiras, as restituições às exportações e as
quotas de exportação e outros instrumentos da pauta aduaneira comum, impede-se a ligação
entre a estrutura de preços endógenos e as restrições impostas pelo comércio externo, o que
constitui uma considerável limitação do modelo na caracterização do sector agrı́cola, uma vez
que o principal mecanismo de ajustamento se faz através dos preços.
Apesar das limitações referidas, o modelo fornece uma simulação aceitável das quantidades,
do consumo, da produtividade e das áreas ocupadas, uma vez que reproduz um conjunto
significativo de variáveis e agregados, observados no ano base, com uma aproximação razoável.
Os preços de equilı́brio estimados pelo modelo é que não podem ser utilizados com o mesmo
nı́vel de confiança. A aceitação de um modelo depende sempre do uso que se pretende fazer
dele e, neste caso, permite atingir os objectivos deste trabalho.
4.2 Agregados macroeconómicos
A função objectivo maximiza a soma do excedente do consumidor e do excedente do produtor,
calculado através da área limitada pelas funções da procura e da oferta e inclui os subsı́dios,
as ajudas à produção, as indemnizações compensatórias relativas ao pousio obrigatório e à
produção pecuária, os custos variáveis dos factores produtivos, a despesa das importações e a
receita das exportações, assim como o “custo” do risco. O total da soma dos excedentes do
consumidor e do produtor no modelo base é de 6.320.298 mil Euros. O valor do excedente do
produtor é obtido pela diferença entre o valor da função objectivo e o excedente do consumidor
(6.320.298-4.951.422 = 1.368.876 mil Euros). Estes agregados permitem avaliar os efeitos das
polı́ticas agrı́colas alternativas no bem estar dos consumidores e dos produtores na sociedade.
O excedente do produtor permite ainda obter uma estimativa do rendimento do sector. O
cálculo dos restantes agregados da função objectivo permite avaliar os custos dos factores e
quantificar os efeitos das polı́ticas agrı́colas seleccionadas.
4.3 Cenários de polı́tica agrı́cola
A avaliação dos efeitos das polı́ticas agrı́colas seleccionadas foi feita através de simulações
no modelo base para cada um dos cenários. O efeito individual e conjunto das polı́ticas é
determinado através dos desvios observados nos agregados macro económicos da produção,
consumo, importação e exportação, em relação ao modelo base.
A suspensão total da ajuda à comercialização dos cereais, efectiva a partir de 2001, provocará uma redução de 40,3% na produção de cereais e aumentos de 18,5% nas leguminosas,
de 2,8% nos hortı́colas, de 5,7% nas oleaginosas e de 0,9% na produção de culturas agro-
industriais. Efeitos semelhantes são transmitidos ao consumo. A produção total sofre uma
redução de 4,0% e o consumo de 7,7%. A aplicação de uma taxa de pousio obrigatório de
0%, “Cenário II”, provocará uma redução na produção dos cereais de -0,9% e das oleaginosas
(girassol) de -0,4%, e um aumento da produção de leguminosas e hortı́colas. O desvio total da
produção, em relação ao modelo base, tem pouco significado. O consumo, tal como no cenário
I, acompanha a tendência da produção. No “Cenário III”, a produção de cereais reduz-se
de -0,5% e os hortı́colas e os agro-industriais de -0,1%, enquanto a produção de leguminosas
aumenta de 0,3% e as oleaginosas de 0,4%. O desvio da produção é reduzido. No “Cenário
IV”, a produção de cereais regista uma redução de 40,9%, enquanto nas restantes actividades
de produtos anuais a produção aumenta. A produção de oleaginosas aumenta 25,4% e os
produtos hortı́colas 3,1%.
As quantidades produzidas (toneladas) e a área semeada foram comparadas, produto a
produto, em relação ao modelo base e em relação aos valores médios das estatı́sticas oficiais.
No “cenário I”, observa-se uma quebra acentuada na produção de trigo -48,7%, centeio -30,95%,
cevada -43,2% e de triticale -17%, e aumentos da produção de batata 3%, de tomate para a
indústria 2,6%, de girassol 24,3%, de arroz 3,6% e de feijão 23%, em relação ao modelo base.
A produção simulada por este modelo apresenta desvios semelhantes em relação às estatı́sticas
oficiais. Segundo os resultados deste modelo, algumas culturas plurianuais tenderão a aumentar
enquanto outras apresentam desvios negativos. A amêndoa é a que regista o maior desvio
positivo de 25% em relação ao modelo base e 26,5% em relação à produção média nacional
deste fruto, publicada pelo Instituto Nacional de Estatı́stica, enquanto a maçã apresenta o
maior desvio negativo de -2,8%, em relação ao modelo base.
As áreas semeadas calculadas pelo modelo registam desvios, em relação ao modelo base e
em relação às estatı́sticas, semelhantes aos verificados para a produção. Este resultado é devido
à pequena variabilidade observada nas produtividades das culturas em relação ao modelo base
e à informação estatı́stica utilizada.
A redução para 0% da taxa de pousio obrigatório provocaria, segundo os resultados do
modelo construı́do para simular o “cenário II”, acréscimos positivos na produção vegetal em
relação aos valores médios registados para Portugal Continental pelo Instituto Nacional de
Estatı́stica. A produção do trigo e a do arroz aumentaria mais de 5%, o feijão 6,4%, a fava
2,3%, a batata 3% e o tomate 3,4%, em relação às estatı́sticas agrı́colas. Todavia, em relação
ao modelo base os desvios observados na produção são diminutos e, na sua maioria, de sinal
negativo, com excepção da luzerna cuja produção aumenta cerca de 18% e substitui as culturas
da aveiaxvı́cia e das forragens. Nas condições deste modelo, as culturas plurianuais tenderão
também a registar, a prazo, uma tendência crescente, em relação aos valores médios observados,
em especial a amêndoa 26,5% e o vinho 7,6%. As áreas estimadas pelo modelo apresentam
desvios semelhantes, no sinal e em amplitude, dos observados para a produção, em relação
ao modelo base, graças à estabilidade verificada nas produtividades como se observou para o
cenário I. Os resultados do modelo desenhado para simular o terceiro cenário mostram que,
uma ajuda especı́fica às “superfı́cies”, provocará um efeito semelhante ao comentado para o
cenário II.
A análise dos resultados do cenário IV permite observar que a acção conjunta dos três
instrumentos produz variações significativas nas quantidades produzidas e nas áreas semeadas,
quer em relação ao modelo base quer em relação às estatı́sticas oficiais.
A estimativa das quantidades produzidas obtida pelo modelo apresenta desvios negativos
significativos para os cereais. O trigo é o cereal que regista o maior desvio em relação ao modelo
base e em relação às Estatı́sticas Agrı́colas, respectivamente, com -50,4% e -47,4%, seguido da
cevada com -41,8% e -45,1%, do centeio -33,9% e 34,1%, do triticale -14,1% e -12,9% e do milho
-7,4% e -7,5%. Pelo contrário a produção do feijão 29%, do girassol 5,6%, do tomate 2,7%, da
batata 3,4% e da luzerna 37% apresentam desvios positivos em relação aos valores estimados
pelo modelo base. A produção estimada para as culturas plurianuais apresenta variações
semelhantes às observadas nos resultados dos modelos utilizados para os cenários anteriores.
Os desvios calculados entre as áreas utilizadas por este modelo e as determinadas pelo modelo
base e as das Estatı́sticas Agrı́colas acompanham, como nos cenários anteriores, a tendência
verificada na produção. A área ocupada com trigo apresenta um desvio negativo, em relação
ao modelo base de -53% e de -52% em relação aos valores apresentados pelo Instituto Nacional
de Estatı́stica, a cevada de -41,8% e o centeio -33,9% e 37,7%, respectivamente. O maior
desvio positivo regista-se para a área do feijão com 29,2% e 27,4% em relação àquelas fontes.
A estimativa das áreas ocupadas pelas culturas anuais e plurianuais, obtida pelo modelo,
apresenta desvios da mesma amplitude e sinal, em relação ao modelo base e às Estatı́sticas
Agrı́colas, que as quantidades produzidas. A produção pecuária estimada não regista qualquer
variação em nenhum destes cenários.
Os resultados do modelo desenhado para medir os efeitos da maior abertura dos mercados
agrı́colas na produção, nas áreas ocupadas e no bem estar dos consumidores e dos produtores,
nas condições do modelo base, foi designado por “cenário A-0” e apresentam desvios negativos
importantes da produção de cereais, trigo -4,4%, centeio -14,6%, cevada -33,9% e para -3,3%,
em relação ao modelo base e aos valores publicados pelo Instituto Nacional de Estatı́stica. A
produção estimada para outros produtos apresenta desvios positivos, girassol 22,5%, tomate
14,7%, batata 3,3%, arroz 2,5% e tabaco 70,6%, em relação ao modelo base e às estatı́sticas. As
culturas plurianuais não registam alterações dignas de nota. As áreas calculadas pelo modelo
não apresentam desvios distintos dos observados para a produção e em relação às mesmas
fontes.
Os resultados do “Cenário A-1” mostram a existência de desvios negativos nas quantidades
produzidas de trigo -67,4%, de centeio -33,2%, de cevada -63,4%, de triticale -14%, de girassol -54% e de feijão -29,4%, em relação ao modelo base. A produção estimada pelo modelo
para outras culturas, como o tabaco 70,9%, o tomate 16,3%, a batata 3,3% e o arroz 4,7%,
apresenta desvios positivos, em relação ao modelo base e às estatı́sticas agrı́colas. A produção
de alimentos para animais, luzerna, aveiaxvı́cia e forragens, seleccionadas pelo modelo apresentam também desvios positivos em relação ao modelo base. A amplitude dos desvios em
relação às estatı́sticas oficiais não se afasta muito dos valores observados em relação ao modelo
base. A produção de culturas plurianuais, estimada por este modelo, não manifesta tendência
clara para se modificar em relação ao modelo do cenário I. A terra utilizada nas culturas seleccionadas por este modelo apresenta desvios, em relação aos resultados do modelo base e às
estatı́sticas, proporcionais aos verificados para a produção.
Os resultados dos cenários A-II, A-III e A-IV apresentam a mesma tendência referida
para o cenário A-I. As diferenças dignas de nota referem-se aos valores absolutos dos desvios
calculados entre as estimativas de cada um dos modelos e os do modelo base e das estatı́sticas.
Os produtos em que, na situação observada pelo modelo, há vantagem comparativa o modelo
selecciona maiores produções. Caso contrário reduz a produção ou suprime-a.
A produção animal também não registou nenhuma variação em relação ao modelo base em
nenhum dos cenários, como se tinha verificado nas simulações sem alteração das condições do
mercado, facto que resulta da estrutura do modelo utilizado neste trabalho e é apontado como
um dos seus pontos fracos.
4.4 Efeitos no bem-estar dos consumidores e dos produtores
A função objectivo de cada um dos modelos, construı́dos para simular os cenários propostos,
calculou o valor óptimo da soma do excedente do consumidor e do excedente do produtor.
Teoricamente, estes valores podem ser utilizados para quantificar as variações no bem-estar
originadas por uma medida de polı́tica agrı́cola ou alguma alteração ocorrida nos mercados.
Estes resultados apresentam limitações que resultam da avaliação aos preços correntes
estimados pelo modelo e devem ser interpretados como indicadores da tendência dos efeitos
provocados no quadro de cada um dos cenários simulados. A comparação destes resultados,
com os valores simulados pelo modelo base, permite avaliar as variações produzidas no bemestar social e identificar qual dos agentes económicos obteve o maior ganho ou sofreu a maior
perda. Os Quadros 1 e 2 apresentam os desvios percentuais calculados entre os resultados
gerados pelo modelo base e os resultados obtidos pelas simulações efectuadas.
O Quadro 1 resultou da comparação entre os valores dos agregados excedente do consumidor, excedente do produtor e do excedente total estimado por cada um dos modelos construı́dos
para simular a respectiva polı́tica e os valores daqueles agregados estimados pelo modelo base.
A análise destes resultados permite observar que todos os cenários penalizam os dois agregados. O “Cenário II” é o menos penalizante para os consumidores e o pior é o “Cenário I”.
Os produtores aumentam os ganhos com o “Cenário II” e são altamente penalizados com o
“Cenário III”.
A redução a zero do subsı́dio, co-financiado pelo Estado português à comercialização dos
cereais (Cenário I), é esperada e não parece estarem reunidas as condições para a sua renegociação, uma vez que consta do programa de aproximação dos preços internos aos preços
comunitários, no âmbito da abertura ao mercado comunitário em 1 de Janeiro de 1993, apesar
dos efeitos serem produzidos gradualmente pelas reduções anuais. Neste cenário, compara-se
a situação observada em 1994 e a estimada sem esta ajuda. Segundo este modelo, a extinção
da ajuda à comercialização dos cereais terá efeitos negativos no bem-estar geral dos consumidores
e dos produtores. A variação negativa do agregado total é de -8,7%, mas o efeito será
mais penalizante para os produtores com -9,2% do que para os consumidores com -8,5%. No
que respeita aos outros cenários, verifica-se que, se não forem negociadas algumas ajudas especı́ficas aos produtos mediterrânicos e algumas medidas de natureza ambiental, as medidas da
nova Polı́tica Agrı́cola Comum vão contribuir para a redução do rendimento do sector agrı́cola
português e do bem-estar dos consumidores e produtores, segundo os resultados deste modelo.
O Quadro 2 estabelece a comparação entre o valor dos excedentes do consumidor e do
produtor, calculados por cada um dos modelos construı́dos para simular os cenários referidos
neste trabalho. A análise destes resultados permite verificar que o aumento da concorrência
nos mercados dos produtos agrı́colas produz ganhos no bem-estar em 0,7% nos cenários I e III
em 0,5% no cenário II, em relação ao modelo base, enquanto na segunda e na última situação
se registam perdas de 8,2% naquele agregado. Em relação aos cenários do segundo objectivo
deste trabalho observam-se alguns ganhos quantificáveis pela comparação entre os quadros 1
e 2.
O quadro 3 permite verificar que se registam ganhos de bem-estar, em todos os cenários.
O cenário III é aquele em se observam os maiores ganhos de bem-estar de 9,7%, com 11,0%
para o excedente do consumidor, e o único em que se observa um acréscimo no excedente dos
produtores de 4,5%. Os cenários em que se observa a maior variação negativa no excedente do
produtor com -8,6% são o segundo e o correspondente ao modelo base com -8,1% (Quadro 3).
A análise destes resultados, em valores absolutos, revela que o aumento das trocas provoca
um ganho, em todos os cenários, no excedente do consumidor e, no terceiro cenário, apesar do
aumento da pressão concorrencial, o excedente do produtor regista também um acréscimo, em
relação ao mesmo cenário inicial. Em termos globais, a soma do excedente do consumidor e do
excedente do produtor é aumentada em todos os cenários se aumentarem as trocas comerciais,
sendo o consumidor beneficiado em todos eles.
Conclusões, limitações e sugestões
Este estudo analisa os efeitos de algumas medidas da Agenda 2000, do aumento da concorrência
nos mercados agrı́colas, das trocas comerciais motivados pelo alargamento a Leste da União
Europeia e pelo abaixamento das barreiras aduaneiras na sequência da negociação do General
Agreement on Tariffs and Trade no sector agrı́cola português. O problema estudado neste trabalho aborda a quebra do rendimento dos agricultores portugueses determinada pela aplicação
da Agenda 2000 e de uma maior liberalização dos mercados agrı́colas.
Este estudo desenvolve um modelo sectorial de programação matemática em condições de
risco, para avaliar os efeitos das polı́ticas agrı́colas alternativas e das futuras condições de
mercado na produção do sector agrı́cola, na área cultivada, no consumo e nos excedentes do
consumidor e do produtor e pretende atingir dois objectivos. O primeiro é calcular os efeitos
da extinção gradual das ajudas à comercialização dos cereais, iniciada em 1993, e das novas
medidas de polı́tica agrı́cola propostas pela Comissão Europeia, no âmbito da Agenda 2000, na
produção do sector agrı́cola, na superfı́cie agrı́cola utilizada, no consumo e nos excedentes do
consumidor e do produtor. O segundo é medir os efeitos do aumento da pressão concorrencial
nos mercados agrı́colas e do aumento das trocas comerciais, resultante do alargamento a Leste
da União Europeia e da maior abertura esperada dos mercados agrı́colas, naquelas variáveis e
agregados macroeconómicos.
A comparação dos valores dos excedentes do consumidor e do produtor, proporcionados
por cada um dos cenários alternativos com os gerados pelo modelo base, permite concluir que
apenas o aumento das trocas comerciais proporciona, no modelo base e nos modelos construı́dos
para simular os cenários I e III, um magro ganho no excedente do consumidor. O excedente
do produtor sofre, em todos os cenários, quebras em relação ao modelo de 1994. Este último
agregado é um bom indicador da evolução do rendimento dos agricultores portugueses e mostra
que, se não forem instituı́das polı́ticas agrı́colas destinadas a apoiar os produtos mediterrânicos,
os rendimentos dos agricultores continuarão a diminuir. Estes resultados mostram que as
medidas propostas pela Comissão Europeia na “Agenda 2000” continuam a penalizar, segundo
este modelo, a agricultura portuguesa. Nestas medidas não são acauteladas as especificidades
da agricultura portuguesa, nem o princı́pio da coesão reclamado pelos agricultores, uma vez
que a qualidade de importador lı́quido impede Portugal de beneficiar das ajudas da Polı́tica
Agrı́cola Comum.
Os resultados obtidos com cada um dos modelos permitem concluir que os decréscimos
provocados no rendimento dos agricultores podem ser compensados pela escolha de actividades
agrı́colas alternativas, de acordo com o modelo utilizado, conforme ficou evidenciado na secção
anterior. Esta conclusão fortalece a tese das ajudas aos produtos mediterrânicos defendida
pelos agricultores portugueses, com o fim de atenuar as injustiças de que o sector agrı́cola
português tem sido vı́tima. Os resultados obtidos com o modelo utilizado neste trabalho
sugerem ainda que as medidas especı́ficas necessárias ao sector agrı́cola devem privilegiar as
actividades em que o sector tem vantagem comparativa.
A sobrevivência das explorações agrı́colas depende assim, cada vez mais, das vantagens
comparativas que derivam da produtividade real dos factores de produção, do seu desempenho
e competitividade do que o proteccionismo tradicional das polı́ticas agrı́colas e comerciais do
passado.
O modelo desenvolvido neste trabalho tem várias limitações. Todavia, pode vir a ser adaptado e utilizado em futuras aplicações para avaliar os efeitos de outras polı́ticas agrı́colas.
As limitações do modelo resultam directamente da qualidade da informação utilizada. A
informação disponı́vel apresenta algumas lacunas e algumas fontes apresentam mesmo discordância. A falta de dados foi superada com a recolha de informação junto de técnicos
especialistas das Direcções Regionais de Agricultura. Por essa razão, tornou-se difı́cil a validação de alguns resultados do modelo, nomeadamente dos preços estimados e dos valores
monetários dos agregados calculados a partir deles.
Além das limitações resultantes da quantidade e da qualidade da informação utilizada,
a estrutura do modelo também tem algumas limitações devido à utilização de funções de
procura lineares e à falta de inclusão das elasticidades cruzadas. A não inclusão das elasticidades cruzadas teve reflexos directos na reduzida substituição operada entre as culturas pelo
modelo. O modelo tornar-se-ia mais flexı́vel e reflectiria as modificações nos preços relativos
se o mercado externo tivesse sido modelado explicitamente e se se atenuassem os limites superiores e inferiores impostos nas importações e nas exportações. As tentativas para superar
esta limitação tiveram de ser abandonadas por falta de informação quantitativa disponı́vel.
A disponibilidade de informação substantiva sobre outros produtos hortı́colas e florestais
permitiria a inclusão de mais actividades, em especial as da silvicultura e uma maior representatividade dos vegetais frescos, o que melhorava a aderência do modelo à realidade e aumentava
as suas potencialidades e o rigor das conclusões extraı́das dos seus resultados. A modelação
mais detalhada da pecuária admitia uma maior flexibilização das funções de procura dos produtos pecuários e permitia relaxar as restrições impostas no modelo as estas actividades devido
às lacunas de dados. A estratégia utilizada para representar as regiões agrı́colas impediu a
avaliação dos efeitos das diferentes polı́ticas no emprego regional, nas alterações das técnicas
de redução, na produção regional e na ocupação da terra.
As estimativas dos preços representam as limitações mais importantes. Os desvios observados registam-se nos produtos sujeitos a uma maior intervenção das autoridades administrativas. Saliente-se ainda a complexidade do regime dos subsı́dios da polı́tica agrı́cola e a
burocracia, que não facilita o acesso à informação sobre as ajudas financeiras disponı́veis, em
pé de igualdade, a todos os agricultores.
Uma outra limitação do modelo resulta da sua natureza. É um modelo de equilı́brio parcial
e, como tal, não permite avaliar os efeitos de uma polı́tica agrı́cola nos outros sectores nem os
efeitos no sector agrı́cola provocados pelas medidas dirigidas a outros sectores da economia.
Aos futuros desenvolvimentos do tema deste trabalho aproveita o conjunto de sugestões
que resulta das limitações referidas. A incorporação das actividades representativas do sector
agrı́cola português, a inclusão das regiões agrı́colas, a modelação explı́cita do mercado externo
e a utilização de funções de procura não lineares e a introdução das elasticidades cruzadas da
procura permitirão uma maior aderência do modelo à realidade e a avaliação mais rigorosa
dos efeitos das polı́ticas agrı́colas alternativas no sector agrı́cola português.