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EuPTCEEx1646-88722013000200008

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Avaliação da capacidade de carga turística para gestão de praias em Moçambique: o caso da Praia do Tofo

1. Introdução As áreas costeiras constituem ambientes preciosos para o estabelecimento de assentamentos humanos e atividades de desenvolvimento, principalmente o turismo. Tal como sugerido pelo Relatório Mundial de Recursos 2000-2001, as margens continentais são regiões de elevada produtividade biológica e boa acessibilidade, tendo sido centros de atividades humanas por milénios (UNDP et al., 2000). Como resultado, cerca de 40% da população mundial reside nos primeiros 100 km da linha costeira (apenas 22% da terra firme planetária), e as projeções assumem um crescimento para cerca de 75% em 2025 (Finkl & Kruempfel, 2005). Este cenário, associado às projeções de crescimento do turismo, coloca as áreas costeiras em perigo de degradação em ritmo cada vez maior, principalmente como resultado da associação dos impactos gerados pelas comunidades autóctones e dos turistas, resultando, por conseguinte, na deterioração das condições atuais e completa alteração da capacidade de carga destas áreas.

Como referem Burke et al., (2000), globalmente cerca de três biliões de pessoas vive na faixa costeira, aumentando em certas épocas do ano (especialmente no verão), com alguns países e regiões duplicando a sua população devido ao turismo. De forma ilustrativa, a costa mediterrânea acolhe cerca de 298 milhões de turistas internacionais e 400 mil turistas domésticos todos os anos (Weigert, 2012; Drakos & Kutan, 2008, Perry, 2000); o estado da Flórida (nos Estados Unidos) recebe cerca de 85 milhões de turistas (Houston, 2002, Dimanche & Lepetic, 1999); o Brasil recebe 40 milhões de turistas e na faixa costeira duplica a sua população no verão (Becker, 2001), as Caraíbas recebem cerca de 10 milhões de turistas (Hinrichsen, 1999) e a cidade do Cabo recebe cerca de 49% dos fluxos turísticos que se dirigem para a África do Sul (Ballance et al., 2000). Com este potencial demonstrado pelas áreas costeiras, o principal desafio é a busca de soluções para integração dos fluxos turísticos e salvaguarda dos ecossistemas e valores culturais existentes nesta faixa, especialmente nos países com elevado potencial de atração turística, como é o caso de Moçambique.

Considerando que a beleza e a qualidade ambiental dos destinos turísticos são os principais fatores de atração dos segmentos costeiros (Manning, 1998), a implementação de estratégias apropriadas para gestão das atividades turísticas em praias constitui a base para gestão sustentável dos recursos e integração das aspirações comunitárias. Para o caso de Moçambique, a avaliação da capacidade de carga turística de praias se afigura primordial, especialmente considerando a visão e interesse de fazer do turismo de praia e mar uma das fontes para a contribuição na economia nacional numa base de práticas mundialmente aceites e ambientalmente sustentáveis (MICOA, 2007:25).

Considerando este pressuposto e a necessidade de gestão sustentável de ecossistemas comuns, este artigo pretendea presentar os resultados da avaliação da capacidade de carga turística da praia do Tofo como contributo para gestão sustentável do ambiente costeiro.

2. Breve discussão do conceito de praia e capacidade de carga 2.1. A praia como destino turístico A abordagem científica define praias como zonas de material não consolidado que se estendem desde a linha de maré baixa até ao local onde se a alteração brusca dos materiais ou das formas fisiográficas ou até à linha de vegetação permanente (Shore Protection Manual, 1984 apud Zacarias et al., 2011:1075).

Estas áreas constituem importante fonte de receitas para muitos países devido ao crescimento absoluto do turismo que direciona as pessoas para a faixa costeira para usufruir da natureza, escapar à congestão urbana e para relaxar (Vaz et al., 2009, Williams & Micallef, 2009).

Como referem Silva et al., (2012), em todo o mundo as praias com as suas diversas possibilidades de usos recreacionais, além do seu valor cénico e ecológico, constituem uma das principais motivações para vultuosos investimentos. Integradas no conceito de turismo de sol e praia, as praias apresenta elevada sazonalidade de ocupação, explicada fundamentalmente pelas características próprias do produto que se comercializa (Sanchez & Garcia, 2003), o que implica que o nível de utilização se concentra nos períodos que podem satisfazer as expetativas de desfrute das mesmas, como os meses mais quentes, com menos vento e sem chuva (Morgan et al., 1993, Jedrzejczak, 2004, Hamilton, 2007; Mansfeld et al., 2007).

Embora seja uma fonte de renda, a gestão do turismo de praia ainda não tem destaque na literatura económica (Hall, 1997), tendo alguma expressão na literatura ecológica. Com o aumento dos fluxos de visitantes, a pressão sobre as condições físicas, socioeconómicas e culturais também aumentam, exigindo, deste modo, a integração das necessidades de todos os stakeholders no processo de planeamento sustentável, que segundo Papageorgiou & Brotherton (1999) resulta na avaliação da capacidade de carga, um conceito fundamental para provisão de alternativas para gestão da interação entre as atividades humanas e o meio ambiente.

2.2. Avaliação da capacidade de carga e gestão costeira Em sequência ao anteriormente descrito, o planeamento turístico deve ser direcionado de uma maneira ambientalmente sustentável, assegurando que a sociedade garanta sua sobrevivência sem exceder a capacidade do ambiente, pois é deste que provêm os recursos e o contexto para a economia e o desenvolvimento social (Oliveira, 2010:62). Neste sentido, a capacidade de carga assume um papel fundamental para gestão ambiental, especialmente em áreas sensíveis como é o caso de praias. Embora o debate atual imponha reservas em relação à validade deste conceito (McCool & Lime, 2001; Mcleod, 1997), diversas são as opiniões de académicos e investigadores que defendem a necessidade de sua determinação (Butler, 1996, Brown et al., 1997; De Ruyck et al., 1997, Pereira da Silva, 2002).

Definida como o número máximo de pessoas que pode visitar, em simultâneo, determinado destino turístico sem destruir as condições físicas, ecológicas, económicas e socioculturais e sem causar redução inaceitável da satisfação dos visitantes (OMT, 1981), a avaliação da capacidade de carga é utilizada para avaliar o impacto do turismo no espaço e no ambiente, sendo um mecanismo para estabelecimento de padrões de sustentabilidade do turismo (Lim, 1998; Jovicic & Dragin, 2008). A sua determinação requer informação relacionada com os recursos e a infraestrutura disponível, sendo extremamente influenciada pela sazonalidade, período do dia, qualidade dos recursos explorados, equipamentos existentes e a satisfação dos utilizadores (Clark, 1996; Ceballos-Lascurain, 1998).

Embora a capacidade de carga revele o número ótimo de visitantes que determinado destino pode acolher, esta deve ser considerada como o ponto em que a infraestrutura/ superestrutura e as condições naturais se tornam insuficientes para satisfazer as necessidades da população residente e dos turistas, originando assim impactos negativos (Coccossis & Parpairis, 1999; Batta, 2000; Coccossis, 2004; Kallis & Coccossis, 2004).

O crescente interesse em relação à capacidade de carga é derivado do crescimento exponencial do turismo em combinação com o crescente aumento da consciência ambiental (MacLeod & Cooper, 1992), sendo particularmente importante para a gestão de áreas costeiras que enfrentam mudanças bruscas como resultado da pressão demográfica (Kay & Alder, 1999). Entretanto, a validade do conceito de capacidade de carga turística tem sido questionada, devido à elevada subjetividade associada à definição do número ótimo de utilizadores (MacLeod & Cooper, 1992; Crofts & Mather, 2001), um argumento que se enquadra no pressuposto de que a determinação da mudança aceitável constitui um julgamento social baseado em aspetos científicos, mas desenvolvido considerando a envolvente política e ética (McCool & Lime, 2001).

3. Abordagem metodológica 3.1. Caracterização da área de estudo A Praia do Tofo (Figura_1) constitui um segmento costeiro enquadrado na faixa costeira a oeste da cidade de Inhambane e integrada na área prioritária para investimentos turísticos (APIT) que se estende do distrito de Zavala ao distrito de Massinga (MITUR, 2003). É uma praia com características rurais, natural e dominada por ondas com uma amplitude média de maré inferior a 3 metros (Hoguane, 2007), protegida por maciços recifes de coral existentes a alguns metros onshore. Esta praia foi descoberta durante o regime colonial durante os anos 60, tendo as primeiras habitações de veraneio sido implantadas na década de 70. A tendência de ocupação do espaço na Praia do Tofo foi interrompida entre 1986 e 1992 devido à instabilidade política, tendo o processo reiniciado em 1994 através do investimento estrangeiro (maioritariamente sul-africano) que implantou hotéis, lodges, bares e escolas de mergulho na região.

A Praia do Tofo é uma praia semi-encaixada (Oliveira, 2006), uma vez que se encontra abrigada por um promontório apresentando uma forma assimétrica, sendo constituída por uma zona de sombra próxima do promontório, protegida da ação direta das ondas e fortemente curvada, e a outra extremidade relativamente retilínea. Segundo Francisco (2008) este espaço caracteriza-se por ser uma praia oceânica maioritariamente arenoa e com dunas, apresentando algumas rochas, vegetação pioneira (rasteira), vegetação antropogénica e arbórea e habitações de material convencional e de alvenaria (Figura_1).

3.2. Metodologia de avaliação da capacidade de carga A capacidade de carga turística foi determinada com base na adaptação e aplicação do modelo de avaliação da capacidade de carga em áreas protegidas desenvolvido por Cifuentes (1992). Este modelo busca estabelecer o limite aceitável de visitas que determinado destino turístico pode suportar com base nas condições físicas, biológicas e ecológicas da área, considerando três níveis principais: a capacidade de carga física, a capacidade de carga real e a capacidade de carga efetiva (Cifuentes et al., 1996; 1999). Para a sua aplicação é importante considerar os fluxos turísticos, o tamanho do destino, o espaço ótimo disponível para cada turista se movimentar livremente e o intervalo de tempo gasto em média por cada turista no destino. Considerando as variáveis acima apresentadas, a capacidade de carga da área de estudo foi determinada seguindo três etapas principais (Figura_2):

Com base neste modelo, a capacidade de carga física (CCf) é definida como o número máximo de visitantes que se podem acomodar em determinada área, em determinado tempo específico, sendo calculada com base na aplicação da Equação 1:

Onde: CCf = capacidade de carga física A = tamanho da área de estudo Au = área disponível para cada utilizador Fr = fator de rotação ou período médio de tempo de permanência de cada visitante na praia. Dados os constrangimentos impostos pela brevidade de execução do trabalho de campo, este valor não foi determinado, tendo sido adaptado de Silva et al. (2008) e De Ruyck et al. (1997), cujos estudos foram desenvolvidos em ambientes similares.

Uma vez determinada a CCF, foi necessário determinar a capacidade de carga real (CCr), ou seja o número máximo permissível de pessoas num determinado espaço após a incorporação de factores de correção (variáveis físicas, ambientais, ecológicas, sociais e de maneio) derivados das características intrínsecas do destino. Este procedimento deriva do facto a visita a determinada praia ser restringida por factores como a qualidade de água, insolação, acessibilidade, velocidade do vento, precipitação, dentre outros. Assim, a capacidade de carga foi calculada com base na Equação 2:

Onde: CCr = capacidade de carga real CCf = capacidade de carga física fc = fatores de correção ou fatores restritivos da capacidade de carga ou visita a determinado espaço, determinados pela Equação 3:

Onde: Fcx = fator de correção da variável x Mlx = magnitude limitante da variável x Mtx = magnitude total da variável x Foram considerados fatores de correção da capacidade de carga neste estudo a precipitação, dias com ventos fortes, insolação (ausência) e qualidade visual da água. Após a determinação da CCr, calculou-se a capacidade de carga efectiva, ou seja, o número máximo de visitantes que o destino pode suportar considerando a CCR e a capacidade de gestão (Cg), ou seja, a média das condições que a administração da área necessita ou dispõe para poder cumprir na íntegra as suas funções e objectivos (Amador et al., 1996:19). Para calcular a CCe foi aplicada a Equação 4:

Onde: CCe = capacidade de carga efectiva CCr = capacidade de carga real Cg = capacidade de gestão, determinada a partir da avaliação da infraestrutura de apoio à gestão de praias (acesso, estacionamento, contentores de lixo, chuveiros e banheiros). Neste estudo, o processo de avaliação da capacidade de gestão fundamentou-se na análise dos indicadores apresentados no Tabela_1.

Tabela_1

3. Resultados e discussão Os resultados das medições de campo indicam que a Praia do Tofo ocupa, em maré baixa, uma área aproximada de 94496m2, tendo fluxos turísticos concentrados na época quente (Setembro a Fevereiro) e na semana de Páscoa, embora seja possível encontrar turistas ao longo de todo o ano em resultado das temperaturas amenas do canal de Moçambique (temperaturas médias da água iguais ou superiores a 25ºC). Os resultados de contagem de turistas indicaram uma tendência de ocupação dos espaços localizados na retaguarda e no núcleo central da praia, facto que pode ser motivado pela existência de árvores de sombra que protegem os veraneantes do sol e pela prática de algumas atividades típicas destes ambientes como banhos de sol, passeio na areia e desportos de areia.

Com base na dimensão da área de estudo (94496m2) e num factor de rotação igual a 3 (de Ruyck et al., 1997; Silva et al. 2008), a capacidade de carga física da Praia do Tofo (determinada para dois cenários de utilização: 5m2 e 10m2 por utilizador) resultou numa variação entre 57298 pessoas/ dia e 28649 pessoas/ dia. Embora exorbitantes, estes números são demasiado teóricos e indicam, apenas, o número cumulativo de pessoas que pode ocupar a praia num dia considerando a divisão da mesma em polígonos de 5m2 e 10m2 para os cenários 1 e 2, respectivamente. Como referem Aranguren et al. (2008), os valores da capacidade de carga física não podem ser tomados como indicadores para a planificação e gestão de praias, uma vez que a simples existência de espaço não constitui fator fundamental para o desenvolvimento do turismo, devendo ser equacionados outros aspectos que condicionam ou limitam o exercício das actividades de veraneio como os parâmetros ecológicos e naturais. Deste modo, a incorporação dos fatores de correção se afigura importante uma vez que expressam as várias condicionantes ao desenvolvimento das atividades dos veraneantes, ou seja, são factores que revelam as condições para a prática da actividade turística.

Dados retirados de Reddy (1986) e Westerink (1996), indicam que Moçambique possui cerca de 120 dias de precipitação ao ano, 90 dias de ventos moderados a fortes e 4380 horas de insolação adequada para turismo, enquanto observações visuais indicam que a área de estudo enfrenta uma semana por ano em que a qualidade de água é reduzida devido ao fenómeno do upwelling. Com estes dados, os fatores de correção foram determinados segundo a Tabela_2:

Tabela_2

Com base nestes indicadores, a capacidade de carga real da área de estudo resultou em 1414 pessoas/ dia (cenário 1) e 706 pessoas/ dia (cenário 2), o que revela que embora uma certa quantidade de turistas possa ser fisicamente contida na praia, o seu grau de interação com fenómenos ou atributos naturais determina a redução da qualidade do destino, ou seja, à medida que o número de turistas aumenta, aumenta também a sensação de congestão, a capacidade de recuperação da praia reduz e a qualidade ambiental gradualmente decresce (Aranguren et al., 2008).

Considerando que a Praia do Tofo se enquadra numa área prioritária para investimentos turísticos e é uma praia aberta para turismo de massas, é de se esperar que esteja provida de equipamentos que apoiem o desenvolvimento das atividades turísticas e possam aumentar o grau de satisfação dos visitantes.

Entretanto, a avaliação dos indicadores apresentados na Tabela_1, acima, revela uma situação diferente da esperada, na medida em que alguns indicadores não estão disponíveis ou não são adequados ao desenvolvimento sadio de atividades turísticas.

Os resultados da Tabela_3 revelam que a capacidade de gestão na Praia do Tofo é de 63.3%. Integrada esta capacidade à capacidade de carga real, a capacidade de carga efetiva da Praia do Tofo (após aplicação da Equação 4) resultou num número máximo permissível de 896 e 447 turistas por dia (cenário 1 e 2, respetivamente), como ilustra a Tabela_4.

Tabela_3

Tabela_4

Anteriormente foi definido que determinar o número permissível de visitantes em determinado destino turístico não constitui o ponto final para a sua gestão.

Obviamente, os impactos negativos advindos de determinada atividade não dependem em grande medida do número de pessoas que a realizam, mas da forma como estas atividades são realizadas. Neste sentido o impacto causado por 447 pessoas pode em determinadas circunstâncias ser superior ao impacto causado por 896 outros utilizadores. Para o caso de praias, a simples caminhada em dunas de apenas 20 pessoas pode ser mais devastador do que o efeito causado por cerca de 10 vezes mais banhistas.

Esta característica fez com que durante muito tempo a capacidade de carga fosse um conceito estagnado e desacreditado, principalmente pela descrença das suas reais capacidades e pelas dificuldades de assimilação do número mágico como estratégia de gestão dos impactos causados pela visitação de determinado destino. Para reverter este cenário, vários outros mecanismos de gestão foram desenvolvidos, como forma de avaliar a dimensão do impacto causado pelos números propostos pela capacidade de carga, tais como a gestão do impacto dos visitantes, os limites de mudança aceitável, a experiência dos visitantes e proteção dos recursos, dentro outros.

Conclusão Neste artigo se apresenta uma primeira tentativa para determinação da capacidade de carga da Praia do Tofo e consequente garantir a sustentabilidade deste importante destino turístico costeiro. A aplicação do intervalo entre 447 e 896 turistas (intervalo ótimo de turistas que pode visitar a praia diariamente, baseado em cenários de utilização de 10m2/utilizador e 5m2/ utilizador) deve se acautelada na medida em que dimensão do impacto gerado por este número de turistas ainda não foi cabalmente determinada e a simples imposição deste intervalo pode acarretar danos irreversíveis. Deste modo, recomenda-se a adoção de outros mecanismos de gestão do impacto, que associados ao intervalo determinado neste artigo permitirão o estabelecimento de intervenções estratégicas mais eficientes para gestão da Praia do Tofo.


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