DETERMINAÇÃO DO ZINCO EM VINHOS POR
ESPECTROFOTOMETRIA DE ABSORÇÃO ATÓMICA
COM CHAMA.
VALIDAÇÃO DO MÉTODO DE ANÁLISE
-INTRODUÇÃO
O zinco, constituinte natural das uvas como resultado da sua assimilação pela
videira, desempenha um papel fisiológico no seu desenvolvimento, encontrandose na planta sob forma ligada. Para além desta sua natureza endógena, é
também de referir, como significativa, a derivada de um enriquecimento pelo
contacto com materiais à base de ligas contendo Zn ou ainda a resultante de
determinados tratamentos anticriptogâmicos das vinhas (fungicidas de síntese
contendo sais de Zn) e da utilização de certos produtos enológicos (Stella,
1974; Curvelo-Garcia, 1988, Fournier et al., 1998). Por um processo idêntico
ao que se passa com o cobre (reduzida solubilidade do sulfureto respectivo),
é por outro lado conhecida a eliminação natural de uma parte significativa
deste metal, durante a fermentação alcoólica (Iglesias e Mariño, 1977, citado
por Curvelo-Garcia, 1988).
À semelhança de outros metais, o teor total de Zn nos vinhos depende da
intensidade dos fenómenos de maceração, extracção e solubilização ocorridos
durante a fermentação, já que se localiza preferencialmente nas películas e
graínhas da uva. Fermentações decorridas a temperaturas mais elevadas, em
igualdade das restantes condições, originam vinhos com maior teor de Zn
(Fournier et al., 1998).
Não obstante os teores normalmente encontrados no vinho serem demasiado
reduzidos para provocar intoxicações, agudas ou crónicas, este metal pesado
é reconhecido pela sua acção tóxica sobre o organismo humano (Fournier et
al., 1998). O estudo dos metais pesados com implicações toxicológicas implica
a avaliação da sua biodisponibilidade, sendo importante distinguir entre as
formas químicas assimiláveis pelo organismo, susceptíveis de serem acumuladas,
e as formas químicas não assimiláveis, sendo por isso rejeitadas. A aplicação
de técnicas electroquímicas permite determinar a concentração das formas
lábeis, que se dissociam em solução, por oposição às concentrações totais
medidas por técnicas espectrométricas. Fournier et al. (1998) observaram que
a distribuição do Zn, sob a forma orgânica e mineral, é influenciada pela
temperatura de fermentação; em vinhos obtidos a partir de fermentações
decorridas a temperatura mais baixa (25ºC), grande parte do Zn encontravase sob a forma iónica. Temperaturas de fermentação mais elevadas (30ºC)
favorecem a solubilização de complexos organometálicos que retém uma parte
do Zn (II) contido no vinho. A presença simultânea de formas orgânicas e
minerais de Zn nos vinhos reflecte as duas fontes de contaminação anteriormente
descritas: parte das formas minerais pode provir de uma contaminação por
contacto com materiais, enquanto que os tratamentos com fungicidas são
apontados como responsáveis por contaminações sob a forma orgânica (Fournier
et al., 1998).
-O OIV (1990) indica 5 mg/dm3 (teor total), como limite máximo, o que se
julga um valor relativamente elevado face às actuais possibilidades tecnológicas,
tanto mais que elevados teores de Zn poderão ser sede de acidentes de
estabilidade fisico-química, e de poder afectar as características sápidas dos
vinhos (foi relatada a existência de relação entre a sensação de adstringência
e a concentração de Zn) (Fournier et al., 1998). Aliás, a generalidade dos
valores encontrados na bibliografia são efectivamente bastante inferiores aquele
limite.
Martin de la Hinojosa et al. (1994) analisaram 84 amostras de vinho, originários
de 22 regiões espanholas diferentes, encontrando teores entre 0,17 e 4,14
mg/dm3. Pouco tempo depois, Sudraud et al. (1995) divulgavam os resultados
de um estudo envolvendo 70 vinhos brancos e tintos de várias regiões
vitivinícolas francesas: foram observados teores entre 0,15 e 9,40 mg/dm3,
sendo que 5 vinhos apresentavam teor superior a 5 mg/dm3. As concentrações
mais elevadas foram então atribuídas a prováveis contaminações com materiais
de bronze ou latão.
Em vinhos portugueses, Curvelo-Garcia e Ghira (1981) quantificaram valores
sensivelmente mais baixos (de 0,16 a 1,96 mg/dm3). Um estudo posterior, em
que foi avaliado o teor de Zn em solos de duas vinhas portuguesas, não
demonstrou a acumulação significativa deste elemento, ao contrário do que se
verificou para o cobre (Magalhães et al., 1985). De acordo com os autores,
os diferentes resultados podem ser explicados pela mais recente incorporação
do Zn nos fungicidas, pelo que se justificaria reavaliar a situação.
Actualmente, a determinação analítica do Zn em mostos e vinhos mais
generalizada é certamente a que recorre a AAS (espectrofotometria de absorção
atómica) com chama. Embora o Zn possa ser determinado por AAS com forno
de grafite, os teores em que surge são suficientemente elevados para a
determinação por atomização por chama (Soares et al., 1995). É método
oficial na União Europeia (CEE, 1990) e no âmbito do OIV (1990); a
determinação é realizada directamente sobre a amostra desalcoolizada, a 213,9
nm, com chama de ar-acetileno.
O método que nos propomos estudar e validar é justamente o método oficial
da União Europeia (CEE, 1990).
MATERIAL E MÉTODOS
De acordo com o Método Oficial Europeu (Regulamento CEE nº 2676/90 de
17 de Setembro), o zinco é doseado directamente no vinho desalcoolizado,
por espectrofotometria de absorção atómica com chama, com leitura a 213,9
nm.
Calibração
Preparação de soluções padrão correspondentes a 0 (branco de calibração);
0,5; 1,0; 1,5 e 2,0 mg/dm3 (a partir de solução padrão de zinco a 1,0000
g/dm3, obtida por dissolução de 4,3975 g de sulfato de zinco (ZnSO4..7H2O)
em água desionizada - condutividade < 0,1 µScm-1).
Realizaram-se quatro curvas de calibração (1, 2, 3 e 4), em sessões de trabalho
distintas, a partir de soluções padrão preparadas no próprio dia, com excepção
da curva 4, realizada a partir das mesmas soluções que a curva 2. A realização
de mais do que uma curva de calibração teve por objectivo confirmar o
modelo matemático.
Preparação de amostras
Eliminação do etanol por concentração a ½ de 100 cm3 de vinho, em evaporador
rotativo com bomba de vácuo (temperatura: 30 a 40º C). Reposição ao volume
inicial de 100 cm3 com água desionizada.
Condições operatórias
λ = 213,9 nm; largura da fenda do monocromador = 0,7 nm; fluxo do ar = 12
dm3/min; fluxo do acetileno = 1,7 dm3/min; fluxo de aspiração = 2,5 cm3/min.
Doseamento
Leitura das soluções de calibração e amostras, em triplicado.
Cálculo e apresentação dos resultados
Cálculo automático da concentração do elemento na solução de leitura, por
interpolação inversa da curva de calibração. Os resultados são expressos em
mg/dm3 de vinho, com 1 decimal.
Equipamento utilizado
Espectrofotómetro de absorção atómica Varian SpectrAA-10, equipado com
queimador de ar-acetileno e lâmpada de cátodo oco de zinco. Evaporador
rotativo com banho de água com termostato e bomba de vácuo (Buchi B169).
Protocolo de validação
Validação por caracterização intralaboratorial (avaliação indirecta) com base
na metodologia indicada por Bouvier (1994). Conhecida a sequência de
procedimentos do método e respectivos pontos críticos, entendeu-se avaliar a
sua especificidade, modelo matemático da curva de calibração, limites analíticos,
taxas de recuperação e aplicabilidade, repetibilidade e reprodutibilidade
intralaboratorial.
-Modelo matemático da curva de calibração
O desconhecimento do algoritmo de conversão automática dos valores de
absorvância para valores de concentração implicou a realização de pesquisa
sobre o mesmo. O primeiro passo consistiu na observação de uma curva de
calibração, no intervalo de 0 a 2 mg/dm3, construída a partir de 20 pontos de
calibração. As concentrações calculadas automaticamente, a partir da leitura
de diferentes amostras de vinho, foram comparadas com as estimativas das
concentrações correspondentes aos sinais instrumentais, através do ajustamento
de diferentes modelos: linear (y = a + bx), quadrático (y = a + bx + cx2),
cúbico (y = a + bx + cx2 + dx3), potência (y = axb), exponencial ( y = aebx)
e logarítmico (y = a ln(x) + b).
Seleccionado o modelo, e após o cálculo do coeficiente de determinação (r2),
coeficientes de regressão e respectivos intervalos de confiança, testou-se a
significância da estimativa da ordenada na origem por meio de um teste t de
Student.
A homogeneidade das variâncias, hipótese de verificação obrigatória para a
validade da regressão, foi avaliada através do teste de Cochran. De modo
complementar, procedeu-se à análise dos resíduos de regressão das diferentes
curvas.
A análise de variância, para verificação da existência de uma regressão
significativa (comparação das variações devidas à regressão e ao erro residual)
e ajustamento do modelo (comparação entre erro de ajustamento e erro puro),
foi realizada através do teste F de Fisher.
Limites analíticos
Análise em triplicado de 20 preparações de branco, em 3 sessões de trabalho,
calculando-se a média dos valores obtidos e o respectivo desvio padrão. O
limite de detecção é igual à leitura do branco, x0, adicionada 3 vezes do desvio
padrão em torno desse valor s0 (LD = x0 + 3s0). O limite de quantificação é
igual à leitura do branco, x0, adicionada 10 vezes do desvio padrão em torno
desse valor s0 (LD = x0 + 10s0), a 95% de probabilidade.
Taxas de recuperação e aplicabilidade (exactidão)
Adição de zinco em 4 níveis diferentes (de 0,3 a 1,6 mg/dm3), a 2 vinhos
brancos, 2 vinhos tintos e 1 vinho licoroso, cobrindo a gama de concentrações
abrangidas pelo método. Cálculo das taxas de recuperação e estudo do
ajustamento do modelo linear à curva de resposta, através da análise de variância
(teste F de Fisher). Comparação dos declives das curvas de resposta dos
diferentes vinhos através do teste t de Student.
-Fidelidade (precisão)
A fidelidade foi estudada em 4 vinhos brancos, 4 vinhos tintos e 3 vinhos
licorosos, seleccionados de forma a representar o intervalo de concentrações
abrangidas pelo método. Para cada série de 10 repetições, foi aplicado o teste
de Grubbs para pesquisa e correcção de valores aberrantes, seguindo-se o
cálculo da média dos valores obtidos e respectivo desvio padrão. Para a
avaliação da reprodutibilidade intralaboratorial foram realizadas 3
determinações, em dias diferentes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Especificidade
A capacidade do método distinguir o zinco de outros elementos, sendo função
do princípio em que se baseia, é elevada. A utilização de uma lâmpada de
emissão específica para o zinco permite eliminar interferências espectrais.
Não se conhecem interferências químicas (específicas) por reacção com os
constituintes da chama de ar-acetileno. Como o método da absorção atómica
é relativo, as determinações quantitativas só se podem fazer por comparação
com padrões, pelo que qualquer comportamento da amostra que seja diferente
das soluções de referência pode conduzir a uma interferência. Assim, a
eliminação do etanol das amostras e posterior diluição, tem por objectivo
minimizar as interferências físicas da matriz (não específicas). As interferências
de fundo raramente ocorrem quando a concentração salina é inferior a 5%,
teor superior ao apresentado pelos vinhos.
Modelo matemático das curvas de calibração
A técnica de absorção atómica fornece medida de unidade óptica (unidades de
absorvância), posteriormente convertida em unidades de concentração, de forma
a obter-se um resultado analítico. Idealmente, e de acordo com a lei de BeerLambert, existe uma relação linear entre a absorvância e a concentração. Na
prática, mesmo num intervalo pequeno de concentrações, verifica-se a existência
de condições de inaplicabilidade da Lei de Beer-Lambert, pelo que a curvatura
na calibração é a regra e não a excepção (Limbek e Rowe, 1986). De acordo
com os mesmos autores, a maior ou menor severidade da curvatura depende
do elemento em análise. No caso do elemento em questão, o zinco, a curvatura
é suave (Varian, 1979), tal como se pode observar na Fig. 1. Segundo Limbek
e Rowe (1986), o modelo polinomial de 3º grau (cúbico) constitui uma
aproximação excelente para curvas suaves.
Os coeficientes de determinação (r2) dos modelos linear, quadrático, cúbico,
potência, exponencial e logarítmico, são, respectivamente, iguais a 0,9974;
0,9995; 0,9996; 0,9978; 0,9441 e 0,9772. Embora, os modelos quadrático e
cúbico apresentem valores muito aproximados, apenas o último permitiu estimar
concentrações iguais às obtidas (Catarino e Curvelo-Garcia, 2002).
Modelo polinomial de 3º grau
No Quadro I, apresentam-se os valores dos coeficientes das curvas de calibração,
parâmetros e testes estatísticos realizados.
-Os valores observados das ordenadas na origem não diferem significativamente
de zero, pelo que se conclui que as curvas passam pela origem. As curvas de
calibração verificam homogeneidade de variâncias a 99,5% de probabilidade.
A análise dos resíduos de regressão não evidencia nenhuma tendência clara
que sugira a violação das hipóteses do modelo ou um ajustamento insatisfatório
(Catarino e Curvelo-Garcia, 2002).
Os resultados da análise de variância das diferentes curvas de calibração
demonstram que uma elevada percentagem da variação total é explicada pelo
modelo polinomial. Contudo, o modelo poderia ter sido ajustado só aos erros,
pelo que a decomposição da variação em torno do modelo em erro puro e erro
do ajustamento, mostra-nos se há necessidade de procurar outro modelo. O
teste F de Fisher permite concluir que a variação devida a este erro não é
significativa, traduzindo um bom ajustamento do modelo.
Limites analíticos
O limite de detecção e limite de quantificação calculados são iguais a 0,033
± 0,005 mg/dm3 e 0,077 ± 0,017 mg/dm3, respectivamente. Admitindo-se o
valor de 0,1 mg/dm3 como limite de quantificação do método, em rigor, a
metodologia utilizada no seu cálculo implica a sua actualização sempre que se
construa nova curva de calibração.
Taxas de recuperação e aplicabilidade (exactidão)
As taxas de recuperação encontradas no vinho licoroso são inferiores às dos
restantes vinhos, provavelmente devido à maior complexidade da matriz, com
efeitos ao nível da viscosidade e consequentemente da aspiração e nebulização
da amostra (Quadro II). A incorporação de sacarose nas soluções padrão, de
forma a simular o conteúdo em açúcares dos vinhos licorosos, poderá minimizar
os efeitos de matriz neste tipo de amostras.
De um modo geral, observa-se uma diminuição da taxa de recuperação com
o aumento da quantidade de zinco adicionado (Catarino e Curvelo-Garcia,
2002). As taxas de recuperação são satisfatórias, denotando razoável
aplicabilidade do método.
-Aplicabilidade
O estudo do ajustamento do modelo linear às curvas de resposta dos vinhos,
bem como os respectivos coeficientes de regressão, são apresentados no Quadro
III.
Verifica-se ajustamento do modelo linear em todas as curvas de resposta, com
excepção do vinho VB2, concluindo-se pela aplicabilidade do método às
restantes matrizes em estudo. Os resultados do teste de comparação dos declives,
permitem afirmar que os declives das curvas dos vinhos brancos são
significativamente diferentes dos declives da curva do vinho licoroso, o que
confirma a existência de efeito de matriz. Observa-se ainda que o declive da
curva do vinho VB2 é significativamente diferente de todos os restantes,
provavelmente devido a um efeito de matriz.
Fidelidade (precisão)
Os valores de repetibilidade e reprodutibilidade intralaboratorial determinados
nos diferentes vinhos, a 97,5% de probabilidade, podem ser observados no
Quadro IV. Nos vinhos tintos, os coeficientes de variação mais elevados surgem
associados aos extremos da gama de trabalho, enquanto que nos vinhos brancos
não se verifica nenhuma tendência (Catarino e Curvelo-Garcia, 2002). Verificase ainda que o método apresenta maior precisão para os vinhos brancos do
que para os vinhos tintos.
CONCLUSÕES
O método descrito e caracterizado, pela sua praticabilidade e capacidade de fornecer
resultados analíticos com a precisão e exactidão necessárias, é apropriado para o
controlo de rotina do teor total de zinco em vinhos. O limite de quantificação é
suficientemente reduzido para o trabalho de rotina, podendo em alternativa, recorrerse à técnica de espectrofotometria de absorção atómica com atomização electrotérmica
para estudos que exijam limites analíticos inferiores.