Densidade do coberto vegetal na casta Alfrocheiro' (Vitis vinifera L.) I.
Efeitos na estrutura e microclima do coberto vegetal, vigor e expressão
vegetativa
INTRODUCÃO
As intervenções em verde são o conjunto de operações sobre os órgãos herbáceos
da videira capazes de modificar o seu número, peso, superfície e posição
(Branas, 1974). Estas intervenções são mais importantes quando o vigor das
plantas é excessivo, levando à aglomeração de lançamentos e à distribuição não
uniforme da área foliar e, consequentemente, ao ensombramento exagerado das
uvas (Percival et al., 1994). Nestes casos, as técnicas de gestão do coberto
vegetal, tornam-se uma ferramenta imprescindível para aumentar a qualidade das
uvas (Smart et Robinson, 1991).
Uma das intervenções possíveis para manipular a densidade do coberto é a
redução da densidade de sarmentos que, apesar de não ser correntemente usada,
tem grande importância, pois influencia de forma directa a estrutura do coberto
vegetal, modificando o seu microclima (Castro et al, 2007). As elevadas
densidades de sarmentos permitem criar uma maior área foliar no início do ciclo
(Miller et al., 1996), no entanto originam também mais sinks vegetativas para
os hidratos de carbono, o que se traduz em mudanças significativas na estrutura
do coberto, na redução do tamanho dos sarmentos, na redução do tamanho das
folhas e da área foliar por sarmento Naor et al. (2002). Relativamente à área
foliar, apesar de esta ser maior no início do ciclo, os estudos realizados não
são coerentes quanto ao seu desenvolvimento durante o ciclo vegetativo, pois se
Downton Grant (1992) referem uma recuperação, por parte das baixas densidades
de sarmentos chegando mesmo a ultrapassar as altas densidades, Sommer
Clingeleffer (1993) observaram uma manutenção dessas diferenças ao longo de
todo o ciclo.
A redução da densidade do coberto permite um aumento da Radiação
Fotossinteticamente Ativa (PAR) que penetra no interior do coberto,
nomeadamente na zona dos cachos (Smart Robinson, 1991; Dokoozlian Kliewer,
1995). No entanto, dada a forte capacidade de adaptação das folhas ao
ensombramento, que, segundo Heuvel et al. (2004), se pode refletir num
abaixamento do ponto de compensação para a luz de 61%, e a sua boa
adaptabilidade à radiação intermitente (Kriedemann, 1968), a assimilação
fotossintética no interior do coberto pode assumir um papel de relevo,
nomeadamente em regiões de clima mediterrânico, onde a elevada temperatura das
folhas expostas (Kriedemann, 1968) e o stress hídrico (Flexas et al., 1999,
Baeza et al., 2007) podem levar a reduções muito significativas da sua taxa
fotossintética.
Foram já vários os estudos de optimização da densidade de sarmentos em várias
castas. Basler (1980, 1981) concluiu que a densidade ideal para a Müller-
Thurgau e a Blauburgunder, conduzidas em monoplano vertical ascendente, seriam
cerca de 12 a 14 e 14 a 17 sarmentos/m de linha, respetivamente. Kiefer Crusius
(1984) cit. in Reynolds et al. (1994) recomendam 21 a 29, 14 a 22 e 14 a
17sarmentos/m de linha para as castas Riesling, Müller-Thurgau e Silvaner,
respetivamente. Com base em dados de microclima do coberto, Smart (1988)
concluiu que 15 sarmentos/m de linha seria o ideal para a Gewürztraminer, ainda
que estes dados tenham sido colhidos em vinhas com sebes muito densas, cuja
correção da densidade foi feita ao pintor, pelo que o efeito do crescimento de
netas não foi observado. Reynolds et al. (1994) concluíram que densidades entre
16 e 26 sarmento/m de linha são recomendáveis para a obtenção de quantidade e
qualidade economicamente aceitáveis na casta Riesling.
A desfolha é outra das intervenções em verde passível de ser usada na redução
da densidade do coberto e consiste na remoção de um número variável de folhas
na zona de frutificação, aumentando a exposição dos cachos à luz solar e o seu
arejamento, prevenindo doenças criptogâmicas e facilitando a vindima (Smart
Robinson, 1991). A desfolha ao pintor não traz perdas a nível da fotossíntese
já que remove as folhas mais velhas e portanto com menor capacidade
fotossintética (Vasconcelos e Castagnoli, 2000; Cruz et al., 2001). Por outro
lado, quando realizada mais precocemente, observa-se um aumento da taxa
fotossintética das folhas remanescentes (Candolfi-Vasconcelos et al., 1994) que
pode compensar a área foliar perdida.
A casta utilizada neste estudo, Alfrocheiro, muito disseminada na região do
Dão, está na base de alguns dos melhores vinhos desta região e atualmente
começa a ser plantada, com bons resultados, noutras regiões portuguesas, como é
o caso do Alentejo. É uma casta de porte ereto, com uma boa capacidade
produtiva e de maturação precoce (Lopes et al., 2008; Eiras-Dias et al., 2011)
tendo, no entanto, uma grande sensibilidade a ataques de Botrytis cinerea
Pers., os quais em alguns anos podem provocar grandes perdas de rendimento e
qualidade. Assim, com este trabalho pretende-se estudar o efeito de
intervenções na densidade do coberto e otimizar a densidade dos sarmentos para
a casta Alfrocheiro, cultivada nas condições edafoclimáticas da região do Dão,
contribuindo desta forma para aumentar o arejamento dos cachos, reduzir a
intensidade dos ataques de Botrytis cinerea Pers. e otimizar a produtividade e
a qualidade das uvas e dos vinhos.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização da parcela experimental e do clima
A vinha, onde foi realizado o ensaio, localiza-se em Carregal do Sal, na Região
Demarcada do Dão (Dão Sul, Soc. Vitivinícola, S.A.). A casta Alfrocheiro' foi
enxertada em 1991, sobre 1103 P, conduzida em Cordão Royat bilateral e a
vegetação em monoplano vertical ascendente. O compasso é de 2,5x1,2m, estando
as linhas orientadas no sentido N-S.
De acordo com o balanço hídrico de Thornthwaite, o clima desta região é
mesotérmico, com concentração da eficiência térmica na estação quente, nula ou
pequena, sub-húmido a seco com um moderado excesso de água no Inverno (B'3 a
C1s). Os dados climáticos foram recolhidos na estação meteorológica do Centro
de Estudos Vitivinícolas de Nelas. O solo é, de acordo com a classificação da
FAO-UNESCO, um Cambissolo, franco-arenoso, de origem granítica, com reacção
ácida e baixa reserva hídrica.
O delineamento experimental é do tipo split-split-plot com 3 repetições.
Foram ensaiadas 3 densidades de sarmentos (introduzidas no estado G da escala
de Baggiolini): Testemunha (D1), 18 sarmentos.m-1 (D2) e 12 sarmentos.m-1 (D3)
e ao pintor foi introduzida a desfolha: F1 ' com desfolha; F0 ' sem desfolha e
a monda de cachos: M1 - com monda (remoção de aproximadamente 35% dos cachos);
M0 - sem monda. Em 2004, não foi introduzida a monda de cachos, pelo que o
delineamento foi do tipo split-plot com 3 repetições.
Na modalidade D1, pretendeu-se simular o desladroamento mecânico, ou seja,
foram retirados apenas os ladrões que se desenvolveram sobre o tronco da
planta. Neste caso, permaneceram na planta os ramos ladrões originados nos
braços e os ramos normais provenientes das unidades de frutificação. Em D2,
foram retirados todos os ramos ladrões do tronco e braços da planta, de modo a
que o seu número fosse de 18 sarmentos por metro linear de sebe. Finalmente em
D3, para além do desladroamento do tronco e braços, sobre as unidades de
produção foram retirados abrolhamentos múltiplos e pâmpanos menos desenvolvidos
de modo a que por metro linear de sebe ficassem 12 sarmentos.
Ao pintor, foi introduzida a desfolha (F1) que consistiu na remoção das folhas
basais até à folha oposta ao cacho mais basal.
Em 2005 e 2006, a monda de cachos foi feita com base na sua qualidade
potencial, retirando todos os cachos mais atrasados e/ou de sarmentos com menor
vigor. No entanto, como verificámos que a monda não influenciou o microclima, a
estrutura do coberto vegetal, nem o vigor, esses resultados não são aqui
apresentados.
Estado hídrico e trocas gasosas
O potencial hídrico foliar de base (ψb) foi determinado com uma câmara de
pressão, como descrito por Scholander et al. (1965), ao longo do ciclo
vegetativo, até próximo da vindima. Em cada densidade de sarmentos foram
colhidas, em videiras diferentes, 8 folhas adultas, bem expostas e do terço
médio dos sarmentos.
A medição das trocas gasosas ao nível dos estomas foi realizada com um sistema
portátil (modelo ADC-LCA4). Estas medições foram efectuadas ao longo do ciclo
vegetativo em 6 folhas em cada modalidade de densidade de sarmentos, situadas
no terço médio do coberto vegetal, bem expostas e em condições atmosféricas
estáveis (céu limpo).
Como a desfolha não influenciou o ψb nem as trocas gasosas, os seus resultados
não serão apresentados.
Estrutura e microclima do coberto vegetal
A estrutura e o microclima do coberto vegetal foram caracterizados, nos 3 anos,
durante a maturação.
Para a determinação da área foliar usou-se a metodologia proposta por Lopes e
Pinto (2005). Em cada modalidade foram eleitos 6 sarmentos normais, frutíferos
e de vigor médio.
A estimativa da Superfície Externa do Coberto Vegetal (SECV), aqui designada
por Superfície Foliar Exposta (SFE), proposta por Murisier e Zufferey (1997)
foi obtida a partir do perímetro exposto, tendo sido realizadas 60 medições em
cada modalidade com recurso a uma régua graduada de 2,5m de comprimento.
A densidade do coberto vegetal foi avaliada através do Número de Camadas de
Folhas (NCF), seguindo o método Point Quadrat proposto por Smart e Robinson
(1991). Em cada modalidade, fizeram-se 60 inserções perpendiculares à parede de
vegetação, com uma fina vareta metálica, ao nível dos cachos e ao nível
vegetativo (0,6m acima da zona de frutificação). Com os dados obtidos foi
calculado o NCF e a percentagem de folhas e de cachos interiores.
A quantificação da Radiação Fotossinteticamente Ativa (PAR) intercetada pelo
coberto, foi realizada com recurso a um ceptómetro (SunScan Ceptometer-type
SS1 - Delta-T Devices) para a medição da PAR no interior do coberto vegetal,
ao nível dos cachos e a nível vegetativo. O ceptómetro foi inserido, em cada
nível, longitudinalmente no centro do coberto vegetal e paralelamente ao solo.
Foram realizadas medições a meio da manhã (10h), zénite solar e a meio da tarde
(17h), de forma a avaliar a evolução da interceção de radiação ao longo do dia.
A cada hora foram feitas 24 medições em cada modalidade e em cada nível do
coberto.
Vigor
Durante a poda, para avaliar o vigor e a expressão vegetativa dos diferentes
tratamentos, contabilizaram-se o número de varas existentes em cada videira e o
seu peso. Em cada modalidade foi contabilizada a lenha de poda de 12 videiras,
previamente eleitas e equilibradas.
Como a desfolha não influenciou os parâmetros do vigor, os seus resultados não
são apresentados.
Análise Estatística
A análise dos resultados relacionados com comportamento ecofisiológico
(potencial hídrico foliar de base, fotossíntese e taxa de transpiração) foi
corrigida pelo erro padrão da média com recurso ao programa MOExcel. Os
restantes resultados foram sujeitos a uma análise de variância com recurso ao
programa Statistica 6.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Clima
Analisando os dados climáticos dos 3 anos em estudo (Figura_1), podemos
constatar que em 2004, nos meses de Julho, Agosto e Setembro, a temperatura
média mensal foi inferior à média de 30 anos, contrariamente a Junho que foi um
mês mais quente que a média. Em 2005, as temperaturas em Junho e Agosto foram
superiores à média, enquanto que nos restantes meses do ciclo vegetativo, foram
idênticas. Em 2006, a temperatura foi superior à média de 30 anos desde o
início do ciclo e, globalmente, este foi o ano mais quente dos três.
Em termos de precipitação, 2004 foi um ano menos chuvoso que a média, sendo a
única excepção Agosto em que ocorreu uma pluviosidade muito superior à média
(cerca de 107 mm vs 15 mm).
No ano de 2005, os valores de precipitação foram inferiores à média não só no
Inverno, mas também durante todo o ciclo vegetativo da vinha, condicionando
significativamente a reserva hídrica do solo.
Em 2006, a precipitação total, ocorrida entre Janeiro e Setembro, foi superior
à ocorrida durante o mesmo período de 2005 (705 vs 243 mm) e próxima da média
da região (705 vs 695 mm) o que levou a uma boa reposição das reservas hídricas
do solo o Outono-Inverno (847 mm entre Out. 2005 e Mar. 2006). Durante o ciclo
vegetativo da vinha, só nos meses de Maio e Junho foram observados valores de
precipitação inferiores à média, enquanto que nos meses de Agosto e Setembro
foram superiores.
Estado hídrico da vinha
O estado hídrico da vinha ao longo do período vegetativo foi avaliado através
do potencial hídrico foliar de base (ψb) e é apresentado na Figura_2. Esta
variável, reflete o potencial de água do solo na zona explorada pelas raízes e
existem atualmente valores de referência consistentes que correlacionam ao
valores obtidos com os níveis de stress a que as plantas estão submetidas em
cada fase do ciclo e/ou ano (Carbonneau, 2001; Ojeda, 2001; Deloire et al.,
2003).
Em qualquer dos anos é possível observar que não existem diferenças
significativas ao nível do potencial hídrico foliar de base entre as densidades
de sarmentos. Assim, embora se verifiquem grandes diferenças entre a área
foliar total das videiras (vide Tabela I) e mesmo na área foliar mais reativa e
portanto com maior taxa transpiratória (Carbonneau, 1995), a superfície foliar
exposta (SFE ' Tabela II), estas não se traduziram no esgotamento da reserva
hídrica na zona radicular. Resultados idênticos foram observados por Andrade
(2003) e Cruz et al. (2012).
Entre os três anos encontram-se diferenças apreciáveis na evolução sazonal do
ψb, maioritariamente explicadas pelas condições meteorológicas verificadas,
nomeadamente pela quantidade e distribuição da precipitação ao longo da estação
de crescimento vegetativo. De qualquer modo durante a floração (final do mês de
Maio), em qualquer dos anos, as plantas encontravam-se sem restrições hídricas,
visto os valores de Yb serem superiores a -0,2 MPa (Riou e Payan, 2001; Deloire
et al., 2003).
Em 2004, a precipitação ocorrida durante o Inverno e nos meses de Abril e Maio
permitiram o excelente abastecimento das plantas em água até Julho. À
recuperação observada a 26 de Agosto, devida à ocorrência de chuva entre 1 e 19
desse mês (106,6 mm), seguiu-se um decréscimo acentuado até à vindima (24 de
Setembro) para valores próximos de -0,4 MPa, situação de défice hídrico ligeiro
a moderado, considerada como favorável à obtenção de uvas de qualidade
(Carbonneau, 2001; Ojeda, 2001; Deloire et al., 2003). Este decréscimo foi
devido à ausência de precipitação desde 19 de Agosto até essa data, associada a
temperaturas elevadas.
Nos dois anos seguintes, é de assinalar que, devido às condições meteorológicas
durante o Inverno e a Primavera serem tão distintas (entre 1 de Janeiro e 30 de
Junho a precipitação acumulada em 2005 foi de 208mm e em 2006 de 523mm), a
reserva hídrica do solo no início do Verão (8 de Julho de 2005 e 5 de Julho de
2006) foi totalmente díspar. Assim, neste período, em 2005 verificou-se uma
situação de stress hídrico médio, enquanto que em 2006, os valores observados
correspondem a uma situação de stress hídrico nulo (Deloire et al., 2003).
Durante o Verão a diferença entre os dois anos acentuou-se, devido à pouca
precipitação ocorrida em 2005, durante Julho e Agosto (14mm), comparativamente
com igual período de 2006 (75mm).
Em 2005 as reservas hídricas do solo, na zona radicular, foram decrescendo
gradualmente até à data da vindima, tendo-se aqui registado valores
considerados óptimos, por Ojeda (2001) e Deloire et al. (2003), para a produção
de uvas tintas para vinhos de qualidade, concentrados, equilibrados e aptos
para envelhecimento. Em 2006, o ψb sofreu um ligeiro decréscimo durante a fase
de maturação, no entanto, este foi o ano com maior disponibilidade hídrica do
solo, situando-se este parâmetro em valores considerados de stress hídrico
nulo.
Trocas gasosas
A acumulação de matéria seca numa vinha está amplamente dependente da
fotossíntese do coberto vegetal, que é fortemente determinada pela área foliar
e pela sua capacidade para interceptar e usar a radiação solar (Dokoozlian e
Kliewer, 1995).
A evolução sazonal da taxa fotossintética e da taxa transpiratória ao longo do
período vegetativo nos três anos pode ser observada na Figura_3. De um modo
geral, em qualquer dos anos, constata-se que as diferenças entre densidades de
sarmentos são variáveis e, normalmente, sem significado estatístico, não
havendo, portanto, uma correlação aparente entre a densidade do coberto vegetal
e o comportamento ecofisiológico das plantas. Este resultado está, aliás, em
consonância com a ausência de diferenças verificada no potencial hídrico foliar
de base. Valores similares foram encontrados por Cavallo et al. (2001), ao
avaliarem também as trocas gasosas em folhas expostas da casta Aglianico'
conduzida de três formas distintas.
As diferenças nas trocas gasosas foram principalmente sentidas entre anos e
muito marcadas pelo regime hídrico das plantas. Relativamente a 2004, os
valores das taxas transpiratória e fotossintética mantêm-se em valores elevados
até 26 de Agosto, refletindo a ausência de restrições hídricas que se verificou
até esta data (Figura_2). De 26 de Agosto para 23 de Setembro observa-se uma
queda acentuada nestas taxas, intimamente correlacionada com o decréscimo da
disponibilidade hídrica na zona radicular. Vários trabalhos realizados em
condições mediterrânicas referem a estreita correlação entre a disponibilidade
hídrica na rizosfera e as trocas gasosas ao nível dos estomas (Lopes, 1994;
Lopes, 1998; Souza et al. 2003; Hera-Orts et al.
, 2004). O gradual envelhecimento das folhas conduz também à perda da
capacidade fotossintética, pois estamos perante folhas com mais de 50 dias de
idade (Poni et al., 1994).
Também em 2005, se observa a redução acentuada da taxa de transpiração de 8 de
Julho para 1 de Setembro, reflexo da menor disponibilidade hídrica do solo,
visto o ψb ter atingido nesta data o valor mais negativo dos 3 anos (ca. -0,45
MPa). No entanto, a taxa fotossintética manteve-se a níveis elevados (ca. 10-12
µmol.m-2.s-1). Em 2006, a chuva ocorrida ao longo do ciclo vegetativo, manteve
as plantas em conforto hídrico (Figura_2) o que resultou em valores elevados da
taxa de transpiração, enquanto que a fotossíntese sofreu um decréscimo até à
vindima devido ao envelhecimento da folha (Poni et al.
, 1994).
Em qualquer dos anos, a casta Alfrocheiro manteve taxas fotossintéticas
relativamente elevadas, em condições de disponibilidade hídrica diferentes.
Desta forma, parece-nos que esta casta tem uma grande capacidade de adaptação a
diferentes condições ambientais, nomeadamente ao clima mediterrâneo e às
previsíveis alterações climáticas.
Estrutura do coberto vegetal
No Quadro_I são apresentados os dados relativos à área foliar nos três anos do
ensaio. Analisando a área foliar principal por sarmento, constata-se que esta
aumentou com a diminuição da densidade de sarmentos em 2004 e 2005. No entanto,
em 2006 não houve diferenças significativas entre densidades. Os resultados
obtidos em 2004 e 2005, anos mais secos, estão em consonância com os obtidos
por Naor et al. (2002), Intrigliolo e Castel (2011) e Myers et al. (2008),
enquanto que em 2006 são similares aos obtidos por Reynolds et al. (1994). O
aumento da área foliar principal por sarmento deveu-se principalmente ao
aumento da área das folhas, já que o número de folhas permaneceu inalterado
(dados não apresentados), visto a desponta ter sido feita à mesma altura para
todas as modalidades.
A desfolha conduziu a uma redução da área foliar principal por sarmento em 2004
e 2006, a qual se deveu à redução do número de folhas principais por sarmento.
Em 2005, tal como observado por Howell et al. (1994), apesar de ter havido uma
tendência para a redução da área foliar principal por sarmento, provocada pela
desfolha, os resultados não foram estatisticamente significativos.
Relativamente à área foliar secundária, observa-se o seu maior desenvolvimento
nas densidades mais baixas, em 2005 e 2006, como verificado também por Smart e
Robinson (1991) e Reynolds et al. (1994). Por outro lado, verifica-se que em
2004 e 2006 houve um maior desenvolvimento de netas que em 2005, que resulta da
maior disponibilidade hídrica existente nestes dois anos o que originou um
aumento do vigor (ver Quadro_VIII). O facto de em 2006 ter havido um aumento da
diferença entre D1 e as restantes densidades, prende-se, provavelmente, com as
condições climáticas deste ano (maior disponibilidade hídrica e térmica - ver
Figura_1), que conduziram a uma emissão de ladrões superior a 2004 e 2005,
reduzindo o vigor individual de cada sarmento (ver Quadro_VIII). Resultados
idênticos foram observados por Chaves et al. (2007).
Ainda no Quadro_I pode observar-se que nos três anos em estudo houve uma
tendência para um acréscimo da área foliar por sarmento com a diminuição da
densidade de sarmentos e naturalmente o aumento individual do seu vigor (ver
Quadro_VIII), ainda que só em 2005 existam diferenças estatísticas. Resultados
idênticos foram observados por Intrigliolo e Castel (2011), Miller et al.
(1996). A desfolha não provocou diferenças significativas da área foliar por
sarmento em nenhum dos anos, contrariamente ao encontrado por vários autores
(Andrade, 2003; Correia, 2012). Este facto deve-se à existência de folhas
senescentes na modalidade F0, as quais não foram contabilizadas na medição da
área foliar mas, no entanto, influenciam o NCF e o microclima luminoso na zona
dos cachos.
Finalmente, analisando a área foliar por cepa, verifica-se que apesar da menor
área foliar por sarmento, a densidade D1 apresentou maiores valores de área
foliar por planta, em qualquer dos anos, devido ao maior número de sarmentos.
Tendo em conta os valores observados, verifica-se que estes corroboram os
obtidos por Naor et al. (2002) e contrariam os de Sommer e Clingeleffer (1993)
e Myers et al. (2008), já que, apesar de a correção da densidade de sarmentos
ter sido feita antes da floração, o que, de acordo com Reynolds et al. (2005),
permite à planta recuperar melhor a área folia r perdida, até ao final do
ciclo, D1 apresentou sempre uma área foliar por cepa superior às restantes
densidades. Em 2005, para além de D2 e D3 terem uma área foliar por cepa muito
semelhante entre si, D1 não foi muito superior em termos de valor absoluto,
sugerindo que num ano em que o regime hídrico leva a uma redução do vigor, este
torna-se o principal factor limitante na produção de área foliar, pois nestes
anos o aumento da densidade de sarmentos, reduz significativamente a área
foliar por sarmento.
Relativamente à influência da desfolha sobre a área foliar, não houve uma
redução significativa da área foliar por cepa em nenhum dos anos.
Finalmente, mais do que a influência das modalidades de gestão do coberto, o
factor preponderante na área foliar das videiras foi o ano. Efectivamente, em
2005, ano em que as reservas hídricas do solo e as taxas de produção de
fotoassimilados das plantas durante a fase de crescimento vegetativo foram
menores, houve um menor desenvolvimento de área foliar das videiras, em
qualquer das modalidades. A diminuição fez-se sentir mais ao nível da área
foliar secundária, sintoma de um menor vigor de acordo com Smart e Robinson
(1991), a qual levou a uma menor área foliar total por cepa.
Superfície Foliar Exposta
Analisando a SFE, apresentada no Quadro_II, podemos verificar que entre os três
anos não houve diferenças assinaláveis, o que se deve ao facto do método
utilizado na avaliação desta variável, levar em conta apenas as dimensões da
sebe, as quais não se alteraram significativamente, já que foram controladas
mecanicamente. No entanto, observam-se diferenças significativas entre
modalidades em todos os anos. Os valores obtidos em todas as situações são, de
acordo com Argillier (1989), indicativos de uma vinha de qualidade, quando
conduzida em monoplano ascendente e em clima mediterrânico.
Ao nível da densidade de sarmentos, verifica-se que as diferenças entre
densidades não são coerentes nos três anos do ensaio. Em 2004 e 2005, observa-
se uma redução da SFE com a redução da densidade de sarmentos. Já em 2006,
constata-se uma redução significativa da SFE em D2, sendo D1 e D3 idênticas.
Ao nível da desfolha, observa-se um decréscimo significativo da SFE com a
realização da desfolha, facto que tem na sua origem a redução da altura da
sebe, devido à remoção das folhas basais. No entanto, dado as folhas removidas
serem as mais velhas e portanto com uma menor capacidade fotossintética (Poni
et al., 1994), a redução na produção global de fotoassimilados pelas plantas
não tem repercussão na evolução da maturação (Kriedeman et al., 1970; Castro et
al., 2006).
Relação Área Foliar / Superfície Foliar Exposta
No Quadro_III pode observar-se que a influência da densidade de sarmentos e da
desfolha, na relação entre a área foliar total (AF) e a SFE não foi igual nos
três anos. Globalmente, os valores desta relação foram superiores em 2004 e
2006, o que é devido à maior expansão vegetativa observada nestes anos, a qual
levou a uma maior densidade do coberto e, consequentemente, a uma maior
proporção de folhas ensombradas.
Por outro lado, constata-se que a redução da densidade de sarmentos, foi mais
eficiente a diminuir a relação AF/SFE nos anos de maior desenvolvimento
vegetativo (2004 e 2006), ainda que em 2005 se observe uma ligeira tendência
neste sentido. Ao reduzir a densidade de sarmentos, diminui-se a proporção de
folhas interiores, referida como potenciadora da eficiência fotossintética por
Carbonneau (1995) e Wolf et al. (1986), já que a SFE tem, em condições normais,
maior capacidade fotossintética que a superfície foliar ensombrada.
A desfolha não conduziu a alterações relevantes deste parâmetro em nenhum dos
anos em estudo, provavelmente por terem sido removidas folhas ensombradas e
expostas em proporções idênticas.
De um modo geral, qualquer das modalidades em estudo apresenta-se mais
equilibrada nesta relação (AF/SFE) em 2005, já que se encontram abaixo de 1.5,
situação considerada ideal por Smart e Robinson (1991).
Densidade do Coberto Vegetal
A densidade do coberto é apresentada no Quadro_IV, onde se pode observar que a
correção da densidade de sarmentos originou uma redução significativa da
densidade do coberto em 2005 e 2006, patente na diminuição do NCF, à qual
correspondeu um decréscimo da percentagem de folhas e cachos ensombrados. Estes
dados vão de encontro aos observados por Reynolds et al. (2005). No entanto, de
acordo com os dados apresentados no Quadro_IV, verifica-se que, em 2005, a
redução do NCF aconteceu somente nas modalidades desfolhadas, não tendo a
correção da densidade de sarmentos, por si só, originado a redução deste
parâmetro. Em todos os anos, incluindo 2004, a desfolha originou um efeito mais
eficiente na redução da densidade do coberto e na melhoria do microclima dos
cachos, do que a correção da densidade de sarmentos, tendo originado diferenças
significativas em todos os parâmetros apresentados. Também Percival et al.
(1994) e Andrade (2003) obtiveram reduções significativas da densidade do
coberto com a aplicação de desfolha.
Na origem da maior efetividade da desfolha na redução da densidade do coberto,
está, provavelmente, o facto de a correção da densidade de sarmentos ser
realizada precocemente e de serem removidas sinks ativas, levando portanto a
mudanças importantes na distribuição de fotoassimilados e permitindo uma maior
taxa de crescent dos sarmentos remanescentes. Desta forma, tal como referido
por Smart e Robinson (1991), houve um maior desenvolvimento das netas nas
menores densidades de sarmentos (conforme Quadro_I) que impediram reduções da
densidade do coberto mais significativas. No caso da desfolha, dado que foi
realizada mais tarde, numa fase de baixo ou nulo crescimento vegetativo, e
tendo sido removidas folhas com menor capacidade fotossintética (Vasconcelos e
Castagnoli, 2000; Cruz et al., 2001), não houve alterações na distribuição de
fotoassimilados. Consequentemente, nesta fase do ciclo vegetativo a planta não
respondeu de forma a compensar a área foliar removida pela desfolha tendo,
portanto, a densidade do coberto sido efetivamente reduzida.
O Quadro_V apresenta os dados relativos à PAR intercetada na zona dos cachos em
3 fases do dia: Manhã, Zénite Solar e Tarde. Relativamente à influência da
densidade de sarmentos, nota-se que não é estatisticamente significativa em
nenhuma das medições, pois apesar de ter havido diferenças nas medições da
manhã em 2006 e na da tarde em 2005, no Quadro_VI, constata-se que entre as
modalidades não desfolhadas não houve diferença significativas entre
densidades, tendo sido a desfolha a originar uma maior PAR ao nível dos cachos
em D3.
Analisando o efeito da desfolha, verifica-se que aumentou drasticamente a PAR
na zona dos cachos em todas as medições e em todos os anos. Este resultado
decorre da redução do NCF apresentada no Quadro_IV e vai de encontro ao obtido
por Bledsoe et al. (1988), Payan (1997) e Andrade et al. (2001).
A densidade do coberto ao nível vegetativo é apresentada no Quadro_VII,
verificando-se tendência para o aumento do NCF a nível vegetativo com a redução
da densidade de sarmentos. A causa deste aumento está na resposta da planta à
redução do número de sarmentos com a emissão de netas, a qual está patente na
área foliar secundária apresentada no Quadro_I. Assim, os anos em que este
efeito é significativo são os de maior vigor e em que as diferenças entre a
área foliar secundária são menores.
Paralelamente, a percentagem de folhas ensombradas e, portanto, com menor taxa
fotossintética aumenta com a redução da densidade de sarmentos. No entanto, os
níveis de PAR no interior do coberto são superiores ao ponto de compensação
para a luz da fotossíntese (Chaves, 1986) em qualquer dos anos (dados não
apresentados), o que mostra que apesar da mais baixa taxa fotossintética destas
folhas é superior a zero, não prejudicando a produção global de fotoassimilados
da planta.
A desfolha não teve nenhuma influência no NCF ao nível vegetativo, tal como
também não teve na área foliar secundária em qualquer dos anos.
Vigor e Expressão Vegetativa
No Quadro_VIII apresenta-se a influência da correção da densidade de sarmentos
no vigor e na expressão vegetativa. Através da sua análise, observa-se em
primeiro lugar que a correção da densidade de sarmentos, realizada numa fase
precoce do ciclo (cachos separados), foi eficiente no controlo da densidade de
sarmentos. De facto, as modalidades D2 e D3 apresentaram valores, deste
parâmetro, idênticos nos três anos e próximos do que se pretendia.
Em qualquer dos anos na maior densidade de sarmentos não se verificaram
problemas de atempamento das varas, contrariamente ao observado por Reynolds et
al. (1994) na casta Riesling, com densidades idênticas às implementadas neste
estudo.
Analisando o peso de lenha de poda por cepa, pode verificar-se que não
existiram diferenças significativas entre densidades de sarmentos, excepto em
2004.
Relativamente ao peso médio da vara, observa-se o efeito depressivo do
constrangimento hídrico que se verificou em 2005 sobre este parâmetro, que
limitou a atividade fisiológica das plantas, tendo sido desenvolvida uma menor
área foliar tanto a nível do sarmento como da cepa (Quadro_I). Analisando os
dados das diferentes modalidades em estudo, constata-se o aumento do vigor
individual do sarmento, com o decréscimo do seu número. Tendo em conta a
manutenção da produção global de lenha de poda, este resultado era espectável e
está de acordo com o observado por Miller et al. (1996) e por Reynolds et al.
(1994).
Analisando os valores obtidos em qualquer dos anos à luz dos considerados por
Smart e Robinson (1991), como indicativos de uma vinha em equilíbrio (20 a 40g/
vara), verifica-se antes de mais que, com excepção de D3 em 2004 e 2006 e D1 em
2005, todas a modalidades se encontraram dentro do referido intervalo,
evidenciando uma situação de equilíbrio da vinha. Relativamente, às densidades
extremas, observa-se uma aproximação aos limites do intervalo. Já a densidade
intermédia, é aquela que revela uma situação de maior equilíbrio, tendo-se
situado o peso da vara sempre na zona central do intervalo.
CONCLUSÕES
As intervenções em verde em estudo, de um modo geral, não influenciaram de
forma significativa o comportamento fisiológico das plantas. Contudo, entre os
três anos encontram-se diferenças apreciáveis na evolução sazonal do potencial
hídrico foliar de base e da taxa fotossintética, essencialmente explicadas
pelas condições meteorológicas verificadas, nomeadamente pela quantidade e
distribuição da precipitação ao longo da estação de crescimento vegetativo.
Em termos de estrutura do coberto vegetal observou-se também um efeito marcado
do ano, em especial o regime hídrico. Os crescimentos secundários (netas) em
2005, resultado do forte stress hídrico observado, foram muito reduzidos e como
consequência a área foliar total das plantas foi muito inferior ao verificado
em 2004 e 2006. Em qualquer dos anos, as diferenças encontradas na área foliar
por cepa foram devidas, essencialmente, ao números de sarmentos e não à área
foliar por sarmento. Assim, as densidades de sarmentos mais baixas apesar de
menor área foliar por cepa, apresentaram maior proporção de folhas expostas.
A supressão de sarmentos teve como consequência a redução da densidade do
coberto vegetal na zona dos cachos, traduzida pelo menor número de camadas de
folhas e pelo aumento da radiação intercetada. A nível vegetativo, embora
pequenas variações tenham sido observadas entre as diversas densidades de
sarmentos, em nenhuma delas se encontraram condições de ensombramento que
tenham conduzido a situações de senescência foliar por falta de insolação.
Apesar de não ter havido diferenças significativas na maior parte dos anos no
peso de lenha de poda por videira, o peso médio do sarmento aumentou
proporcionalmente à redução do seu número, tendo D2 apresentado os resultados
mais equilibrados, ao longo dos 3 anos.
A desfolha não influenciou de forma significativa a área foliar por cepa. No
entanto, reduziu de forma muito efetiva a densidade do coberto, a qual se
refletiu num menor NCF e num aumento muito significativo da PAR intercetada ao
nível dos cachos.
Concluindo, a correção da densidade de sarmentos, por ter sido feita numa fase
de crescimento ativo da vegetação, permitiu o reequilíbrio da videira,
esbatendo os efeitos na redução da densidade do coberto e melhoria do
microclima dos cachos. Por outro lado, a desfolha, por ter sido realizada ao
pintor, teve maior efeito na alteração da estrutura do coberto vegetal.