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EuPTCVAg0870-63522012000100007

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Avaliação dos Estragos Causados pelo Javali (Sus scrofa) na Beira Litoral

Introdução As populações de ungulados estão a aumentar por todo o mundo, e esta situação é particularmente notória na Europa (GILL, 1990; APOLLONIO et al., 2010). Este aumento é especialmente favorecido, direta e indiretamente, por mudanças socioeconómicas nas áreas rurais (e.g., re-naturalização do habitat disponível, êxodo das populações do meio rural, ausência de predadores) (APOLLONIO et al., 2010). O ungulado que melhor se adaptou às alterações ocorridas na Europa foi o javali (Sus scrofa): em muitos países, os números aumentaram dramaticamente durante as últimas três décadas (e.g., Polónia: GENOV, 1981; Espanha: Tellería e Sáez-Royuela, 1986, Leránoz e Castién, 1996; Alemanha: Feichtner, 1998). Em Portugal, este cenário não é exceção. Nos últimos anos, as populações de javali têm aumentado a nível nacional, encontrando-se esta espécie distribuída por todo o país, à exceção dos grandes centros urbanos e de algumas partes do cordão litoral (Fonseca, 2004). Este ungulado apresenta uma elevada plasticidade ecológica, podendo sobreviver e prosperar mesmo em áreas altamente influenciadas pela atividade humana (Geisser e REYER, 2004). Apesar da sua importância conservacionista (importante presa do lobo ibérico Canis lupus signatus), diversos autores referem as implicações desta espécie na agricultura e na floresta, atividades em que podem causar avultados prejuízos (Rosa e Barroso, 1999; ROSA, 2006). Conover e Kania (1995) afirmam que, nos EUA, a fauna selvagem causa perdas anuais na ordem dos 3 biliões de dólares e, em França, os prejuízos causados por ungulados, entre 1970 e 1999, estiveram entre 686 mil e os 22,4 milhões de euros (Jaeger, 2002).

O javali é uma espécie omnívora generalista (Rosell et al., 2001), cuja dieta consiste principalmente em plantas e, apenas secundariamente, em alimentos de origem animal (ver Schley e Roper (2003) para uma revisão na Europa Ocidental).

Assim, qualquer fonte de alimento abundante localmente é muitas vezes explorada, e os conflitos com os humanos resultam deste comportamento (Gérard et al., 1991). Como tal, a dieta do javali é um produto das características ambientais da área em que vive e dos recursos disponíveis. Como resultado, o javali pode ter um grande impacto sobre o ambiente, podendo causar danos nos terrenos agrícolas (Schley e Roper, 2003), nas pastagens (Alexiou, 1983), ou impactos sobre a regeneração florestal (Groot Bruinderink e Hazebroek, 1996), a predação (Pavlov et al., 1981), o consumo de frutos silvestres (Durio et al., 1995; Herrero et al., 2006), e de animais mortos (Herrero e Fernández de Luco, 2002). Na Europa, os conflitos têm surgido principalmente por causa do cruzamento com porcos domésticos, transmissão de doenças aos animais domésticos, selvagens e seres humanos (o javali é um importante reservatório de doenças) e, mais importante, pisoteio e consumo de culturas agrícolas (Klein et al., 2007). Assim, os efeitos negativos causados por esta espécie estão, muitas vezes, na origem de conflitos com o Homem (e.g., agricultores, produtores florestais, caçadores, conservacionistas, e administração local e central). Os estragos causados pela atividade do javali têm aumentado nos últimos anos no nosso país tornando-se, localmente, num expressivo problema económico, social e, por vezes, ecológico. Atendendo a que este ungulado possui uma grande plasticidade adaptativa (ROSELL et al., 2001), os estragos que provoca podem causar inúmeros prejuízos a nível florestal, agrícola e silvícola, podendo mesmo afetar, em parte, a economia regional (DEFRA, 2005).

Em Portugal, o javali é considerado a espécie cinegética de caça maior mais relevante. Segundo Fonseca (1999), os cereais (aveia e milho) são os componentes vegetais mais consumidos pelo javali. Estes cereais são, muitas vezes, fornecidos aos javalis antes da realização dos atos venatórios. De facto, por vezes é alegado que a alimentação suplementar pode ajudar a reduzir os danos, mantendo o javali longe das áreas agrícolas. Por outro lado, na literatura científica, parece ser geralmente aceite que os danos às culturas não são evitados por meio de suplementação alimentar (Geisser e Reyer, 2004; Cellina, 2008, mas ver também Baubet, 2008). Adicionalmente, a alimentação suplementar pode ainda gerar problemas sanitários, uma vez que conduz à agregação dos animais e torna mais fácil a transmissão de doenças infeciosas (Ruiz-Fons et al., 2008).

Muitos dos estragos provocados por este ungulado resultam em fossados, facilmente identificados pelo Homem (Ickes et al., 2001). Estes estragos podem originar a erosão dos solos (Gallo Orsi et al., 1995; Rosell et al., 2001); a alteração da sua composição química (Gallo Orsi et al., 1995; Ickes et al., 2001); a aceleração da decomposição e modificação da flora local (Gallo Orsi et al., 1995), diminuindo o número de espécies de bolbosas e provocando efeitos negativos sobre comunidades de artrópodes (Rosell et al., 2001). Apesar do seu efeito negativo sobre os ecossistemas, este omnívoro contribui para a germinação de determinadas sementes e aumenta a diversidade de condições para a expansão de espécies vegetais (Rosell et al., 2001; Fonseca, 2004), beneficiando, deste modo, a germinação de plantas.

Em Portugal, a avaliação do impacto da atividade deste ungulado nas culturas agrícolas é praticamente desconhecida. Assim, e através dos dados cedidos pela Circunscrição Florestal do Centro (Beira Litoral), atualmente Direcção Regional de Florestas do Centro, entre as épocas venatórias de 1994/1995 e 2000/2001, pretendeu-se: i) caracterizar a distribuição dos estragos do javali, ii) identificar as principais culturas atingidas, iii) compreender os padrões sazonais dos estragos, a sua evolução e variação anual, iv) avaliar o período que decorre entre o estrago, a vistoria pelas entidades competentes, a emissão das credenciais para abate de animais e a taxa de devolução do registo de animais abatidos.

Material e métodos Área de estudo A zona de avaliação dos estragos provocados pelo javali incidiu na região da Beira Litoral (Figura 1). Esta destaca-se pela sua diversidade edafo-climática, traduzindo-se na existência de zonas com características agro-ecológicas e socioeconómicas distintas. Segundo a DRABL (s.d.b), esta região estende-se por mais de 1.170.000 ha, ocupando 13,1% da área de Portugal Continental. Cerca de 46% são cobertos por floresta (542.726 ha) e apenas 17,5% estão afetos à atividade agrícola (205.704 ha). Divide-se em cinco sub-regiões: Baixo Vouga, Baixo Mondego, Dão-Lafões, Pinhal Interior Norte e Pinhal Litoral (INE, 2002).

A atividade agrícola assume um papel bastante relevante, quer em termos económicos, quer em termos sociais, pelo elevado número de explorações agrícolas ' 88 548 explorações que correspondem a 21% do Continente.

Figura 1 - Região onde foi efetuada a avaliação dos estragos provocados pelo javali ' Beira Litoral (esquerda) e as correspondentes NUT III (direita)

No final da década de noventa, as práticas agrícolas mais relevantes no que diz respeito a culturas temporárias, eram o milho (Zea mays) (45.746 ha), o milho forrageiro (21.313 ha); a batata (Solanum tuberosum) (17.317 ha); o feijão (Phaseolus vulgaris) (7.987 ha); o arroz (Oryza sativa) (6.304 ha); as hortícolas extensivas (1.189 ha); as hortícolas intensivas (1.151 ha); e as florícolas (118 ha); ao nível de culturas permanentes, destacam-se a vinha (30.524 ha); o olival (15.148 ha); a macieira (2.953 ha) e as culturas sub- tropicais (134 ha) (DRABL; INE, 2002). Nos últimos anos, assistiu-se a uma tendência para a diminuição das superfícies cultivadas, nomeadamente no que respeita a culturas temporárias. Os cereais sofreram uma redução da área cultivada, designadamente na cultura de milho; ao nível das culturas forrageiras, somente a batata registou um decréscimo acentuado (DRABL, 2006).

em relação ao sector florestal, as principais atividades são a extração de madeira em bruto de pinheiro bravo (Pinus pinaster) e eucalipto (Eucalyptus spp.) e a extração de resina (DRABL, 2006).

Em termos demográficos, no ano de 2001, a Beira Litoral possuía 1.401.871 de população residente (INE, 2002). Contudo, as recentes alterações demográficas acentuaram o despovoamento das regiões mais desfavorecidas, promovendo um processo de desertificação do meio rural (DRABL, 2006).

Recolha de dados Este estudo teve por base a informação relativa aos estragos provocados pelo javali na Beira Litoral, disponibilizada pela Circunscrição Florestal do Centro, atualmente Direção Regional de Florestas do Centro. Após a ocorrência de um estrago numa determinada cultura agrícola, o agricultor contacta as entidades competentes (Direções Regionais de Agricultura, Circunscrições Florestais, etc.), de modo a dar conta da ocorrência e a solicitar uma vistoria para posterior autorização de abate dos javalis, mediante a emissão de uma credencial. Esta autorização é emitida pelos serviços competentes, após a confirmação do estrago provocado por esta espécie, que decorre da vistoria, normalmente efetuada por um técnico. A credencial para abate de javalis, referente a um período de tempo estipulado (normalmente 15 a 30 dias), deverá ser devolvida, devidamente preenchida, aos serviços competentes, situação esta nem sempre observada, o que leva à existência de algumas lacunas de informação.

Tratamento de dados Os dados foram disponibilizados pela Circunscrição Florestal do Centro. Numa primeira abordagem, procedeu-se à análise da evolução dos pedidos de credenciais para abate de javalis, entre as épocas venatórias de 1994/95 a 2000/2001. Os dados foram agrupados por época venatória/região (Beira Litoral) e, posteriormente, foram agrupados ao nível de NUT III (Unidades Territoriais Estatísticas de Portugal)/ /época do ano. Relativamente à interpretação dos tempos de espera entre o dia do estrago, a vistoria e a emissão das credenciais, utilizou-se o valor do Qui-Quadrado para o quociente mais provável ' Teste G: Após a elaboração de uma tabela com os respetivos tempos de espera (entre dia do estrago, vistoria e emissão) para cada uma das NUT III, agruparam-se estes dados em classes. Estas estão divididas em:     • classe 1 - para tempo de espera inferior ou igual a 8 dias;     • classe 2 - para tempo de espera inferior ou igual a 15 dias;     • classe 3 - para tempo de espera inferior ou igual a 22 dias;     • classe 4 - para tempo de espera superior a 22 dias.

Correspondendo cada uma das classes a:     • 1 - resposta muito rápida;     • 2 - resposta rápida;     • 3 - resposta lenta;     • 4 - resposta muito lenta.

De forma a obter uma análise mais detalhada, foi feito um agrupamento dos estragos em cada época, por mês e por NUT III.

O tratamento em termos de estragos incidiu ao nível dos concelhos que integram a NUT III, tendo sido utilizada como unidade estragos/10.000 ha, e atribuídas classes, previamente logaritmizadas:     • classe 0 ' 0 estragos,     • classe 1 ' 0 a 3 estragos;     • classe 2 ' 3 a 10 estragos;     • classe 3 ' 10 a 30 estragos;     • classe 4 ' 30 a 100 estragos.

Foi ainda tratada a informação relativa às culturas mais afetadas pelos estragos causados pelo javali, numa primeira fase respeitante à região da Beira Litoral, e numa segunda fase respeitante às NUT III.

Resultados e discussão Os nossos resultados mostram que, de uma maneira geral, quer em termos de vistoria, quer em termos de emissão de credenciais, se obtiveram respostas muito rápidas ou rápidas (Quadros 1 e 2). Analisando de forma mais detalhada o caso das vistorias, observou-se que em todas as épocas, as respostas foram maioritariamente muito rápidas (classe 1). Na época 1995/96, registou-se o mesmo valor entre resposta rápida (classe 2) e resposta lenta (classe 3), e na época 1999/2000 o valor entre a resposta lenta (classe 3) aproximou-se do valor de resposta rápida (classe 2). As épocas de 1998/99 e 2000/01, registaram na classe 4, um valor superior à classe 3. Contudo, as classes 3 e 4 não apresentaram valores muito significativos, quando comparados com as classes 1 e 2. Fazendo o mesmo tipo de análise para o caso das emissões, observou-se que as respostas correspondentes às classes 3 e 4 assumiram um papel menos relevante.

Desta forma, depreende-se que as entidades competentes tiveram uma atuação mais eficaz, permitindo o abate dos animais num tempo menor. Comparativamente com as vistorias, verificou-se uma maior oscilação entre as classes 1 e 2.

Relativamente à classe 1, a época de 1999/2000 registou uma elevada percentagem de emissões.

Quadro 1 - Tempo de espera (em %) entre o dia do estrago e o dia da vistoria, distribuídos pelas respetivas classes

Quadro 2 - Tempo de espera (em %) entre o dia do estrago, vistoria e emissão, distribuídos pelas respetivas classes.

Em relação ao número de credenciais emitidas, de 1994/95 para 1995/96 observou- se um decréscimo acentuado, enquanto que nas épocas de 1995/96 a 1998/99 verificou-se um aumento gradual do número de credenciais emitidas. A partir de 1998/99 até 2000/01 registou-se novamente um decréscimo, em particular entre as épocas 1999/2000 a 2000/01 (Figura 2). Uma possível explicação para este facto poderá ser o aumento do número de vistorias efetuadas às explorações onde se registaram mais estragos, por parte das entidades competentes.

Figura 2 - Evolução do número de credenciais emitidas na Beira Litoral, entre as épocas 1994/1995 a 2000/2001

Em relação à evolução dos pedidos de abate nas diferentes NUT III, ao longo das épocas em questão, verificou-se uma situação idêntica. De 1994/95 para 1995/96, observou-se um decréscimo acentuado relativamente ao número de credenciais emitidas em todas as NUT III, exceto na NUT III Baixo Mondego que registou um decréscimo ligeiro. Entre as épocas de 1995/96 a 1996/97, verificou-se um aumento gradual do número de credenciais emitidas, à exceção das NUT III Baixo Vouga e Pinhal Litoral, que registaram um decréscimo; de 1996/97 a 1997/98, apenas as NUT III Baixo Mondego e Pinhal Litoral aumentaram o número de credenciais emitidas, a NUT III Baixo Vouga manteve-se constante, e nas restantes NUT III observou-se um decréscimo. Entre 1998/99 e 1999/2000, nas NUT III Baixo Mondego e Baixo Vouga, observou-se uma diminuição e nas restantes NUT III um aumento significativo. De 1999/2000 para 2000/2001, registou-se uma tendência para a diminuição do número de credenciais emitidas, em particular na NUT III Pinhal Interior Norte, com a exceção do Baixo Vouga onde se observou um aumento ligeiro (Figura 3). Em geral, registou-se um grande número de credencias emitidas na região do Pinhal Interior Norte (1108), contrastando com a região do Pinhal Litoral (170), onde os valores são pouco significativos, mantendo-se mais ou menos constantes ao longo das épocas. A região do Baixo Mondego (647), foi a segunda a registar um número mais elevado de credencias emitidas, seguida do Dão-Lafões (497), e posteriormente do Baixo Vouga (329).

Figura 3 - Evolução do número de credenciais emitidas nas NUT III, entre as épocas 1994/1995 a 2000/2001

Em todos os anos, foi visível que os meses mais afetados pelos estragos causados pelo javali foram Julho e Agosto, sendo também notórios, nalguns anos, os meses de Maio e Junho (Figura 4). Uma possível razão para o sucedido poderá ser a fraca disponibilidade de alimento na floresta, e daí dirigirem a sua procura para terrenos agrícolas. Rosell et al. (2001) refere que os javalis usam ambientes florestais mais no Outono, onde encontram bolotas e castanhas (frutos preferidos). A irrigação dos terrenos agrícolas (Bourcet et al., 2003), em especial as grandes extensões de cultura, pode ser outro fator determinante, pois, deste modo, o javali obtém alimento e água, sem despender grande energia.

Outra explicação poderá ser o elevado número de crias que as fêmeas têm de alimentar. Segundo Bourcet et al. (2003), o período de reprodução destes animais é em Dezembro, sendo o pico dos nascimentos em Abril (embora se registem nascimentos em qualquer época do ano). Este motivo pode explicar também a sua forte incidência em campos agrícolas, onde a disponibilidade de alimento é elevada e local, permitindo às fêmeas e às suas crias encontrarem alimento. Convém, no entanto, referir que as plantas individuais de uma determinada cultura cerealífera (cevada, trigo, centeio, aveia) progridem através de uma série de estádios de desenvolvimento (estados fenológicos) bem definidos, que passam desde a germinação até à sua posterior maturação. Assim, o estado fenológico das gramíneas determina, também, profundamente a época em que os javalis as consomem.

Figura 4 - Gráficos ilustrativos dos meses mais afetados em cada NUT III, entre a época de 1994/1995 a 2000/2001

Ao longo das épocas em estudo, de 1994/95 a 2000/2001, verificou-se que as NUT III mais afetadas foram o Pinhal Interior Norte e o Baixo Mondego, com uma média de estragos de 80 e 38 por 10.000 ha, respetivamente (Figura 5). Em oposição ao que acontece no Pinhal Litoral, onde a média de estragos foi apenas de 4. As NUT III Baixo Vouga e Dão-Lafões apresentaram valores muito próximos, 26 e 29, respetivamente. De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica ' IDRHa ' (s.d.), no Pinhal Interior Norte, a floresta tem uma ocupação de 52% da superfície total. Sendo o javali, considerado um animal florestal, poderá depreender-se que nesta NUT III, ele encontra condições propícias à sua sobrevivência. Desta forma, não é de surpreender que seja uma zona fortemente afetada pelos prejuízos que este suídeo causa na agricultura.

Figura 5 - NUT III mais afetadas pelos estragos do javali, ao longo das épocas de 1994/1995 a 2000/2001, por 10.000 ha

A Dão-Lafões foi outra NUT III que registou um elevado número de estragos.

Segundo a mesma fonte (IDRHa, s.d.), esta NUT III apresenta grande diversidade de culturas, onde a maioria das explorações são familiares (pequenas), extremamente fragmentadas e com o predomínio da policultura. Nestes locais, é muito provável que ocorra um maior número de estragos, uma vez que as pequenas explorações, normalmente não estão protegidas; são culturas para consumo próprio, que utilizam os métodos tradicionais. Outra razão para que ocorram tantos estragos é o facto de existirem plantações de pinheiro bravo, representando locais de floresta bastante usados por este animal.

As NUT III Baixo Mondego, Baixo Vouga e Pinhal Litoral (as duas últimas com valores menos significativos), possuem grandes potencialidades para o regadio; existem grandes explorações agrícolas, embora haja uma diversidade de culturas menor. No caso do Pinhal Litoral, os estragos são mesmo muito baixos, que é uma zona com pouca fauna. O Baixo Mondego mostrou um valor superior nos estragos, em relação às duas anteriores, por esta região ter uma atividade agrícola mais intensiva. (DRABL, s.d.).

Contudo, para uma avaliação dos estragos mais coerente, seria necessária mais informação, relativa a cada uma das épocas. Existem inúmeros fatores que podem ter contribuído para o aumento e/ou diminuição dos estragos, entre eles: tipo de cultura praticado em cada época; abandono da agricultura; fatores climáticos (precipitação, seca, entre outros); implementação de técnicas e meios de proteção, etc. A densidade populacional de javalis, em cada uma das NUTS, pode também determinar o número de prejuízos.

As culturas mais afetadas pelo javali são as Gramíneas, com especial destaque para a cultura de milho (com 1020 ocorrências). Estes resultados estão em linha com outros países (Łabudzki e Wlazełko,1991; Geisser,2004). Em França, as culturas mais afetadas são as Gramíneas (23%), em ex aequo com as culturas de cereais (23%), nomeadamente o milho (43%; Klein et al., 2007). Onde o milho é cultivado, esta é quase sempre a cultura mais danificada, seguida pelo trigo e outros cereais (Geisser 2004, mas ver também Wlazełko e Łabudzki 1992).

Contudo, é importante salientar que o facto do milho ser a cultura mais frequentemente danificada, em relação ao trigo, cevada e outros cereais, pode não significar o seu consumo preferencial. Outra razão pode estar relacionada com o facto de os animais passarem mais tempo nos campos de milho, porque as plantas de milho são mais altas quando desenvolvidas e, portanto, proporcionam uma melhor cobertura durante o dia (principalmente depois de meados de junho), do que outros cereais (Geisser,2004). Assim, o maior dano é não devido ao consumo, mas principalmente ao pisoteio. Este facto foi também sugerido por Kristiansson (1985) que estima que apenas 5-10% de destruição de culturas por javalis são uma consequência do consumo real, sendo o restante devido ao pisoteio. Da mesma forma, Bouldoire e Havet (1981) afirmaram que apenas 10-20% de espigas de milho no solo tinham sido consumidas pelo javali, na sua área de estudo em França. Importa referir que em Portugal, a presença do lagostim vermelho (Procambarus clarkii ' espécie exótica ' em grande abundância nos arrozais (gramínea) é também um fator determinante na alimentação do javali, uma vez que o javali é um importante predador do lagostim vermelho (GHERARDI et al., 2002). Seguidamente, as preferências do javali na nossa área de estudo, incluem as Leguminosas (hortas, cultura de feijão, ervilhas, favas) e a Beterraba, onde os valores variam entre 366 a 283. A categoria "vinha e solanáceas" (batata e tomate) apresentaram também valores elevados (186 a 114, respetivamente). A categoria "floresta" apresentou valores na ordem dos 33, não sendo muito significativos, em relação às culturas analisadas anteriormente. A categoria "crucífera e fruteira" apresentou valores próximos dos registados na Floresta e, nas restantes culturas, os valores atingiram proporções muito baixas (Figura 6). Estes dados encontram-se de acordo com o trabalho realizado na região de Sardinia (Itália), por Onida et al. (1995), onde os estragos mais significativos foram registados nas culturas de milho, vinha e pastagem. Em todas as NUT III, a cultura onde se registaram maiores estragos foram as Gramíneas (Figura 7). Nas NUT III Baixo Mondego e Dão-Lafões, a segunda cultura mais afetada foi a das Leguminosas, seguida da cultura das Beterrabas. No Pinhal Interior Norte a cultura das Leguminosas também foi a segunda mais afetada, seguida das culturas de Beterraba e Vinha, ambas com 9% de estragos.

As NUT III Baixo Mondego e Pinhal Litoral, registaram como segunda cultura mais afetada a Beterraba, seguida da cultura das Leguminosas, que no Pinhal Litoral registou o mesmo valor que a cultura das Vinhas (ambas com 10%). A Crucífera, Fruteira, Solanáceas e Floresta, foram as culturas menos procuradas pelo javali; os valores apresentados não são muito significativos.

Figura 6 - Culturas mais afetadas pelos estragos provocados pelo javali (S.

scrofa) na Beira Litoral, entre as épocas de 1994/95 a 2000/2001

Figura 7 - Culturas mais afetadas pelos estragos provocados pelo javali (S.

scrofa) na Beira Litoral, entre as épocas de 1994/95 a 2000/2001, nas diferentes NUT III

Recomendações de gestão: estratégias e medidas de proteção De acordo com vários autores, as densidades de javali parecem ser o fator mais importante dos danos agrícolas (ROSELL et al., 2001) A redução das populações através de um aumento na pressão cinegética parece ser uma medida de gestão útil (Bieber e Ruf, 2005; Toïgo et al., 2008). Assim, depreende-se que todos os fatores que contribuem para o aumento de populações de javali são também suscetíveis de contribuir, indiretamente, para o aumento dos danos agrícolas.

Neste contexto, a alimentação suplementar deve ser criticamente examinada, uma vez que tem sido apresentada como um importante fator responsável pelo aumento das populações de javali na Europa (Hahn e Eisfeld, 1998; Bieber e Ruf, 2005), e, assim, indiretamente, pelo aumento dos danos (Bieber e Ruf,2005). Apenas em alguns casos raros, a alimentação suplementar tem sido apontada como uma ferramenta realmente dissuasiva na redução dos danos às culturas anuais (Calenge et al., 2004), contudo apenas sob quatro condições (Schley et al., 2008): i) quando as densidades de javali são inferiores a 15 indivíduos por 1.000 ha, ii) quando a alimentação suplementar é fornecida apenas durante o período crítico, iii) quando o alimento fornecido é distribuído ao longo de grandes áreas (Calenge et al., 2004), iv) quando o alimento é fornecido na floresta, ou pelo menos a 1 km da borda da floresta (Calenge et al., 2004; Geisser, 2004). Em Portugal, as densidades de javali são, de uma forma geral, desconhecidas. Assim, recomenda-se a suspensão do fornecimento de alimentação suplementar, enquanto não houver um estudo que estime as densidades populacionais (Bieber e Ruf, 2005). Embora tenhamos identificado contra-medidas eficazes, o re-desenho rural é, como apresentamos de seguida, fundamental para controlar os danos futuros.

Devem tomar-se medidas de controlo apropriadas com o intuito de minimizar os danos causados pela espécie e não vitimar os animais existentes, que estes constituem a principal espécie cinegética de caça maior em Portugal (Fonseca, 2004). Medidas como uma melhor gestão cinegética, no âmbito de Planos Globais de Gestão, aplicação de determinadas estratégias e meios de proteção, podem ser uma boa solução, que o crescimento da população de javalis constitui uma maior oportunidade de atos cinegéticos (Csányi, 1995). Suárez (2001) defende que as técnicas a ser utilizadas podem variar entre as mais simples, frequentemente tradicionais e pouco fiáveis (como espantalhos, fitas, rádios) às mais sofisticadas que se baseiam na fisiologia da árvore.

Assim, apresentam-se de seguida algumas das técnicas mais usadas e com resultados positivos: Proteções_físicas: protegem a parte aérea da planta através de tubos de malha metálica ou, tubos de polietileno, que neste último caso, além de as protegerem, têm a vantagem de ativar o crescimento das mesmas. Em ambos os casos, os tutores devem ser bem enterrados para evitar o derrube pelo vento, e a malha bem atada. Existem ainda dispositivos de proteção, como bandas plásticas perfuradas para o tronco, bolsas para resinosas, e outros protectores de alumínio, plástico, os quais são de utilização limitada (Suárez, 2001).

Proteções_químicas: existem produtos para se aplicar no tronco (renovados anualmente), e existem ainda outras substâncias para aplicar sobre os gomos terminais e "abrolhos" para os proteger (Suárez, 2001).

Proteções_fisiológicas: para evitar o descasque dos troncos de resinosas, pode- se retirar a casca parcialmente, de modo a provocar a exsudação de resina e uma suberificação precoce da "casca", que a torna repulsiva ao javali (Suárez, 2001). Existem ainda métodos de dissuasão olfativa e gustativa. No que se refere a estes métodos, verificou-se uma certa duração, mas não o suficiente para ter uma real eficácia, uma vez que os javalis mostraram grande curiosidade no que diz respeito a todos os produtos utilizados. Estes meios de proteção devem utilizar-se somente em parcelas muito expostas, e de pequenas dimensões porque a eficácia é fortemente reduzida ou mesmo nula devido ao efeito de habituação. É de notar que os produtos homologados podem ser utilizados (Vassant, 1994).

Proteções_visuais_e_acústicas: a dissuasão visual consiste na aplicação do efeito da luz sobre as culturas de modo a afugentar os animais, no entanto este método tem-se mostrado pouco relevante (Vassant, 1994); e a dissuasão acústica, consiste na utilização de sinais de alerta específicos aos javalis (rufo de alerta desencadeando a fuga), mas não tiveram efeitos a longo prazo porque o rápido fenómeno de habituação surgiu (Vassant, 1994).

Cercados_e_vedações: impedem o acesso dos javalis aos povoamentos podendo-se utilizar cercas elétricas ou metálicas, sendo o primeiro método menos dispendioso que o segundo, no entanto tem a desvantagem de necessitar de vigilância e manutenção regulares ( Suárez, 2001). Para impedir que os javalis abram brechas nas vedações, deve-se dobrar a rede sobre o solo e instalar piquetes intermédios (Suárez, 2001).

Devem ser utilizadas dois fios, um a cerca de 25 cm do solo e outro, paralelo, a cerca de 50 cm do solo. As vedações elétricas utilizadas como proteções temporárias em redor das parcelas vulneráveis, ou de maneira fixa em limite da floresta, constituem um dos meios de maior eficácia de dissuasão. Em França, o emprego desta técnica é agora generalizado ao conjunto do território nacional (Vassant, 1994). Estas vedações justificam-se apenas para as culturas de forte rendimento situadas em lugares particularmente ameaçados, e em que o custo será claramente inferior aos estragos que se esperam (Koller, 2004).


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