FIREglobulus: Estudo Experimental do Comportamento e Efeitos do Fogo em
Eucaliptal
1 - Introdução
Face à sua adaptabilidade e rápido crescimento os eucaliptos são plantados em
grande escala a nível mundial, em especial nas regiões de clima mediterrâneo e
sub-tropical. Em Portugal, de acordo com os resultados preliminares do último
Inventário Florestal Nacional (ICNF, 2013), o eucalipto (largamente dominado
pela espécie Eucalyptus globulus) assume-se como a principal espécie, com uma
área em 2010 de 811 943 ha, que representa 26% da área total florestal. A sua
combustibilidade e capacidade para gerar focos secundários torna-a numa espécie
altamente suscetível ao fogo (BRAUN, 2006). Vários estudos têm ultimamente sido
desenvolvidos na área da caracterização de combustíveis e comportamento do fogo
em eucaliptal (MCCAW e SMITH, 2005; GEDDES, 2006; HOLLIS et al.,2011; CHENEY et
al.,2012; FERNANDES et al.,2012). A informação disponível respeita no entanto
essencialmente a floresta natural ou não gerida intensivamente. Estudos de
simulação do comportamento do fogo sugerem que a estrutura do povoamento
florestal é mais determinante que a respetiva espécie, e que o perigo de
incêndio associado a tipos florestais de combustibilidade elevada depende do
tipo e intensidade da gestão a que são submetidos (FERNANDES, 2009). Tal é
tendencialmente corroborado pela análise da seleção pelo fogo, que mostra que
os povoamentos de eucalipto são moderadamente suscetíveis devido à sua
estrutura, tipo de gestão e curta duração do período de rotação (MOREIRA et
al., 2009).
O fogo controlado é uma das técnicas de gestão de combustível mais utilizada a
nível mundial para reduzir a incidência e a severidade do fogo. O fogo
controlado (ou prescrito) consiste no uso planeado do fogo em condições
ambientais compatíveis com a satisfação de objetivos de gestão específicos
(FERNANDES et al., 2002). Aeficácia, versatilidade, possibilidade de uso em
escala e vantagens económicas e ecológicas favorecem a adopção do fogo
controlado (GRAHAM et al.,2004). As alterações induzidas no complexo
combustível (GRAHAM et al.,2004) promovem a redução do combustível acumulado e
dificultam a propagação do fogo (FERNANDES e BOTELHO, 2004).
O fogo controlado altera o comportamento e a severidade do fogo em formações de
matos, povoamentos de coníferas (FERNANDES e BOTELHO, 2003; FINNEY et al.,
2003; FERNANDES e RIGOLOT, 2007), e em eucaliptal (GOULD, 2007). Sendo uma
técnica crescentemente utilizada no nosso País em matos e em pinhal bravo, é de
todo o interesse desenvolver o fogo controlado em plantações de Eucalyptus
globulus, após análise da sua exequibilidade. Apresentamos aqui os resultados
preliminares e respeitantes à avaliação da humidade da folhada de eucalipto e
às queimas em laboratório, cujo objecto de estudo foi a sustentabilidade da
propagação do fogo e o consumo do combustível lenhoso.
2 - Metodologia
2.1 - Estimação do teor de humidade da folhada de eucalipto
A estimação expedita e fiável da humidade do combustível morto e fino é
essencial no planeamento operacional do fogo controlado, dada a sua influência
na possibilidade de propagação do fogo, características dessa propagação e
consumo de combustível. O objetivo é desenvolver um modelo, ou calibrar um
modelo já existente para a humidade da folhada de eucalipto em função das
condições meteorológicas, nomeadamente temperatura do ar e humidade relativa.
Determinou-se o teor de humidade de amostras (após estadia de 24h em estufa a
100ºC) recolhidas diariamente no interior do povoamento e no exterior do mesmo,
em terreno aberto, às 15:00 horas, em dias sem precipitação (n=55). Registámos
a temperatura e humidade relativa aquando da colheita da folhada.
Posteriormente associou-se ao teor de humidade apurado (média de duas
colheitas) o número de dias desde a última precipitação e os índices do Sistema
Canadiano de Perigo Meteorológico de Incêndio.
A análise estatística dos dados, com o software JMP7, testou a capacidade
preditiva de alguns modelos existentes, e permitiu desenvolver um modelo
preliminar (através de regressão não linear) para estimar o teor de humidade da
folhada em função das condições meteorológicas.
2.2 - Sustentabilidade da propagação do fogo
Avaliar a possibilidade de propagação do fogo num contexto de planeamento, ou
seja, à distância, constitui um requisito operacional essencial. Os testes de
laboratório decorreram numa mesa de combustão inclinável e sujeita a um fluxo
laminar e controlável de ar. Começou por se avaliar a variação da velocidade do
vento ao longo da mesa de combustão bem como o efeito exercido pela extração do
fumo. A metodologia aplicada nos ensaios de sustentabilidade (n=137) consistiu
em recriar sobre a mesa de combustão um leito de folhada (1.30m x 2m). Além do
teor de humidade, que variou naturalmente, procurámos reproduzir a variação da
espessura e carga de combustível em povoamento florestal, tomando como
referência os dados do inventário florestal nacional de 2005-2006. A carga de
combustível foi estimada através do peso seco do material existente no interior
de um quadrado de 0,073 m2colocado aleatoriamente. A inserção de pregos
alinhados com o topo da folhada permitiu determinar a espessura da mesma.
Imediatamente antes da ignição foi retirado material para determinar o teor de
humidade. A ignição foi linear e a propagação do fogo descendente (com o
declive da mesa fixo em 30%). Os ensaios eram classificados como sustentáveis
ou não sustentáveis. Em caso de propagação não sustentável, o ensaio era
sucessivamente repetido a favor do declive fazendo variar o vento (0, 5, 10 e
15 km h-1). As características do comportamento do fogo (altura e ângulo da
chama com a vertical) foram medidas por estimação visual auxiliada por painéis
graduados em fundo, vídeo e fotografia. Registou-se a temperatura ambiente e
humidade relativa do ar com uma estação meteorológica Davis.
2.3 - Consumo de combustível lenhoso
A eficiência das queimas em resíduos de exploração depende do grau de consumo
dos combustíveis lenhosos. Para avaliar o consumo de material lenhoso dos
combustíveis com tempo de retardação de 1 hora (< 6mm de diâmetro), 10 horas
(6-25 mm) e 100 horas (25-75 mm) (Rothermel, 1972) foram realizados 117
ensaios. Sobre a mesa de combustão foi colocada folhada (1m x 1m) com espessura
média de 5 cm. Três peças lenhosas (uma por classe de dimensão) foram pesadas,
medidas (em diâmetro e comprimento) e delas retiradas subamostras para
determinação do teor de humidade, sendo subsequentemente inseridas na folhada.
A ignição foi perimetral para potenciar uma queima mais intensa, e no final da
mesma pesouse o material para avaliar a perda de massa e o consumo percentual.
Determinouse para cada ensaio a altura média da chama, tal como descrito
anteriormente.
3 - Resultados
3.1 - Estimação do teor de humidade da folhada de eucalipto
A modelação da humidade da folhada foi antecedida de uma análise de desempenho
do modelo desenvolvido por SHARPLES e McRAE (2011) para eucalipto e do modelo
para folhada de pinheiro bravo usado na ferramenta PiroPinus (FERNANDESet
al.,2012), para equacionar a sua possibilidade de adoção ou adaptação.
A média percentual absoluta do erro (MA%E) é interpretável como uma medida de
precisão do modelo. O modelo para pinhal usado em FERNANDES et al. (2012)
apresenta assim menor erro (Tabela_1) que o modelo de SHARPLES e McRAE (2011).
A possibilidade de ser calibrado, expressa pelo coeficiente de determinação da
regressão em que os valores observados são estimados em função dos valores
dados pelo modelo, é em contrapartida menos satisfatória (r2=0,60 versus
r2=0,71).
O procedimento de regressão não linear ajustado em alternativa resultou na
equação seguinte:
cujo desempenho é substancialmente superior ao dos modelos testados, com MA%E=
2,3% (desvio padrão=12,5%) e r2=0.80.
3.2 - Sustentabilidade da propagação do fogo
As variáveis determinantes e os limiares a partir dos quais a ignição é
sustentável foram determinados através de uma análise CART (Classification and
Regression Tree) cujos resultados figuram na Tabela_2.
As variáveis mais influentes na sustentabilidade da propagação do fogo são o
teor de humidade de folhada, a sua espessura e a técnica de ignição utilizada
(contra ou a favor do declive). Quando o teor de humidade é inferior a 30,2% e
a espessura da folhada é igual ou superior a 2,9 cm a probabilidade do fogo se
propagar sustentadamente é superior a 97%. Em contraste, é bastante improvável
a propagação de fogos sob humidades acima de 30%, independentemente de outras
variáveis.
3.3 - Consumo de material lenhoso
A análise estatística da influência que as potenciais variáveis independentes
têm no consumo de material lenhoso revelou que apenas o diâmetro é
estatisticamente significativo, explicando através de uma função potência cerca
de 85% da variação observada (Figura_1). De salientar o facto de o consumo não
ser influenciado pela humidade da folhada, pelo peso inicial das peças e pelo
teor de humidade do próprio material lenhoso. Apenas o comprimento das peças
apresentou um efeito muito residual.
4 - Conclusões
Apresentámos resultados preliminares do projeto FIREglobulus. A estimação do
teor de humidade da folhada pode ser efetuada com base na medição da
temperatura ambiente e humidade relativa do ar com resultados bastante
razoáveis. No entanto a base de dados carece de ser completada com observações
adicionais, incluindo a influência de precipitação recente. Os modelos
desenvolvidos com base nos dados obtidos nos ensaios de laboratório para a
sustentabilidade da propagação do fogo são bastante satisfatórios e o seu
desempenho será testado nos fogos experimentais em eucaliptal.