Influência do Desmatamento na Disponibilidade Hídrica da Bacia Hidrográfica de
Rive, Alegre, ES, Brasil
Introdução
A água é um dos elementos mais importantes para a existência e a manutenção da
vida na Terra. Segundo dados reunidos durante o "1965/1975 International
Hydrological Decade Program", aproximadamente 97% da água do nosso planeta é
salgada, concentrada na sua maior parte nos oceanos e, assim, indisponível para
uso humano. Resta menos de 3% na forma de água doce, da qual 2,2% está
localizada nas geleiras e também indisponível ao Homem. O maior problema
relacionado à questão da água não é propriamente a sua falta, mas sim a
indisponibilidade da água ao consumo, devido ao comprometimento de sua
qualidade, à falta de um gerenciamento adequado e à heterogeneidade da sua
distribuição sobre a Terra (SOS ÁGUAS BRASILEIRAS, 2002).
O uso da terra, nele incluído o tipo de vegetação e as atividades
antropogênicas, afeta a produção de água. Esse fator, decerto, é dos mais
relevantes a ser considerado no manejo de bacias hidrográficas, pois dependendo
do tipo de vegetação e das práticas exercidas pelo homem, a produção de água
pode ser alterada de forma favorável ou prejudicial aos usuários da bacia
(CICCO; FUJIETA, 1992).
TUCCI E CLARKE (1997), relatam que as modificações naturais e artificiais na
cobertura vegetal das bacias hidrográficas influenciam o seu comportamento
hidrológico. Essas alterações produzem os mais variados impactos sobre o meio
ambiente e a disponibilidade dos recursos hídricos. OLIVEIRA E FRANCISCO
(2010), corroboram com essa ideia, visto que em seus estudos, relataram que a
maior parte da superfície da bacia estudada por eles é coberta por pastagens, e
as matas ciliares são escassas, o que reduz a disponibilidade hídrica da bacia,
além de comprometer a sua função de manancial de abastecimento de água atual e
futura.
Dentre as doze bacias ou regiões hidrográficas que compõem o Estado do ES, a
bacia hidrográfica do rio Itapemirim destaca-se por sua extrema importância
social, econômica e ambiental, caracterizada por uma expressiva cobertura
vegetativa do bioma Mata Atlântica com destaque para parte do Parque Nacional
do Caparaó que abrange boa parte dos 17 municípios que a compõem, dentre estes
o município de Lajinha situado em MG.
A expansão da cultura cafeeira e da pecuária resultou em forte fragmentação
florestal na bacia hidrográfica do rio Itapemirim, bem como no restante das
bacias do estado do Espírito Santo. As principais consequências dessa
fragmentação são: o distúrbio do regime hidrológico das bacias hidrográficas, a
diminuição da biodiversidade biológica, a degradação dos recursos naturais e a
deterioração da qualidade de vida das populações tradicionais.
Cada estrato florestal (dossel, sub-bosque e sistema radicular) tem seu papel
no ciclo hidrológico. O estrato superior intercepta a água da precipitação,
diminuindo seu impacto no solo, regulando a capacidade de infiltração, além de
isolar o solo dos ventos e da radiação solar (COLMAN, 1953). A vegetação
representa um obstáculo ao escoamento da água, diminuindo sua velocidade,
permitindo maior tempo de infiltração no solo, maiores taxas de absorção, menor
possibilidade de formação de valas e menor probabilidade de erosão (WARD, 1975;
COLMAN, 1953). Além disso, a vegetação colabora na estabilização de encostas
principalmente pelo reforço mecânico do sistema radicular, que dificulta o
destacamento do solo pela água da chuva (LIMA, 1986). As raízes das plantas
também colaboram refreando e direcionando o escoamento abaixo do solo,
absorvendo água que voltará à atmosfera sem deslocar-se pelo mesmo, aumentando
a permeabilidade deste solo.
Nesse bojo, adquire relevância a investigação da hipótese segundo a qual há uma
relação entre a quantidade de cobertura vegetal e a resposta hidrológica da
bacia, estimando a disponibilidade hídrica a partir da quantificação da área
vegetada, de forma a subsidiar tecnicamente a elaboração do plano de manejo
participativo, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável da região e o
suprimento de água potável para a população que habita os municípios abrangidos
pela bacia hidrográfica do rio Itapemirim.
Objetivos
O presente estudo objetivou avaliar a influência do desmatamento na
disponibilidade hídrica, delimitando-se uma sub-bacia a partir de um ponto de
registro de vazão dentro da bacia hidrográfica do rio Itapemirim, ES, Brasil,
para assim poder inferir sobre a relação que há entre a disponibilidade hídrica
e o desmatamento.
Metodologia
Delimitação da sub-bacia a partir do ponto de registro de vazão em Rive
Para melhor entendimento dos estudos realizados, a sub-bacia gerada a partir do
ponto de registro em Rive, foi denominada pelos autores de sub-bacia
hidrográfica de Rive (Figura_1
), compreendendo uma superfície de 2.227,66 km², entre as latitudes 20°10' a
20°55' S e longitude de 41°16' e 41°49' W. Ela é pertencente à bacia
hidrográfica do rio Itapemirim, a qual compreende uma superfície de 5.620 km²,
entre as latitudes 20°30' a 21°00' S e longitudes de 41°00' e 41°30'W.
A sub-bacia de Rive foi delimitada por meio da utilização do aplicativo
computacional ArcGIS10.0, tendo como base de dados: a) os pontos de altitude,
os quais foram coletados através do SRTM, b) a hidrografia da região, fornecida
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, e o c) ponto de
coleta de vazão de Rive, sendo suas coordenadas oferecidas pela Agência
Nacional das Águas - ANA. Tendo o banco de dados confiável, utilizaram-se as
ferramentas Hidrologydentro do aplicativo computacional supracitado para
delimitação da sub-bacia de Rive de forma correta e precisa.
O principal uso da terra na sub-bacia hidrográfica é o agropecuário. A bacia
hidrográfica de Rive abrange os municípios de Alegre, Castelo, Conceição de
Castelo, Divino São Lourenço, Guaçuí, Iúna, Irupi, Ibatiba, Muniz Freire, e
Lajinha-MG.
O rio Itapemirim apresenta seu baixo curso bastante modificado em relação ao
que era originalmente. Devido às inundações constantes a que estava sujeita a
zona da planície aluvial do baixo curso, em face de sua topografia plana,
promoveu-se a retificação e a dragagem da calha natural. Além disso, construiu-
se um conjunto de canais artificiais de drenagem para facilitar o escoamento
das águas.
Mapeamento e quantificação dos fragmentos florestais na sub-bacia de Rive
Atualmente, no mapeamento dos fragmentos são utilizadas imagens de satélite
(MARTINS, 1999) e fotos aéreas da região de interesse (PEREIRA, 1999). Apesar
da ótima resolução as fotos aéreas raramente são utilizadas devido ao alto
custo de obtenção, além da relativa demora no processamento. Por outro lado, as
imagens de satélite de média resolução, dentre elas as obtidas pelo satélite
LANDSAT, permitem a identificação de fragmentos de forma automática e prática.
Para o diagnóstico correto do possível desmatamento que ocorreu na sub-bacia
hidrográfica de Rive entre os anos de 1987 e 2007, foram utilizadas as imagens
dos satélites: LANDSAT - V, com resolução espacial de 30m; fornecidas pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE. Para as imagens dos satélites
LANDSAT - V, foi realizado a composição das bandas espectrais, gerando uma
"imagem falsa-cor", a qual é composta pelas bandas espectrais vermelho,
infravermelho próximo e infravermelho (bandas 3, 4 e 5) e, posteriormente, o
georrefenciamento foi feito por meio de pontos de controle.
Posteriormente, foi elaborado um arquivo vetorial para cada ano do estudo,
sendo eles (1987, 1997, 2003 e 2007), dotando-se do aplicativo computacional
ArcGIS 10.0, foi realizada a fotointerpretação em tela sobre todas as imagens
matriciais de 50 polígonos contendo os valores 1 e 2 de uso; tais arquivos
foram criados a fim de que se pudesse criar uma "assinatura" contendo os
fragmentos florestais existentes (valor 1) e as demais classes de uso da terra
(valor 2) presentes na área de estudo.
Para o mapeamento dos fragmentos florestais, foi utilizada a técnica de
Classificação Supervisionada, através da ferramenta Maximum Likelihood
Classification dentro do aplicativo computacional ArcGIS10.0, resultando em uma
imagem matricial contendo todos os fragmentos da área de estudo (valor 1) e as
demais classes de uso da terra (valor 2).
A quantificação ocorreu após a conversão da imagem matricial em raster e a
limpeza das impurezas. Tais impurezas foram classificadas pelos autores sendo:
qualquer fragmento representado por uma área de tamanho igual ou inferior a
aproximadamente 5 pixéis associados ou não, pois ao analisar as imagens os
autores concluíram que polígonos com este tamanho não caracterizariam
fragmentos florestais para este estudo.
A partir do mapa de fragmentação florestal da região de estudo foi quantificada
a área de cada fragmento usando a calculadora de valores (mapemática) da tabela
de atributos do próprio arquivo de imagem vetorial poligonal. O fluxograma
metodológico contendo todas as etapas utilizadas na elaboração dos mapas de
fragmentação florestal é mostrado na Figura_2
.
A resposta hidrológica foi obtida por meio da razão entre vazão (máxima e
mínima), para os respetivos anos de monitoramento florestal. A média anual das
vazões máxima e mínima será gerada pelas médias mensais, calculadas a partir
dos seus valores diários. Salienta-se que as vazões foram obtidas através do
método de Curva de Descarga1 no ponto de registro em Rive, sendo o código da
estação: 57450000.
Os dados para a quantificação da vazão do ponto de registro foram obtidos junto
com a ANA, em seu Sistema de Informações Hidrológicas (HIDROWEB), no endereço
eletrônico http://hidroweb.ana.gov.br/. A partir dos dados brutos se fez uma
filtragem a fim de buscar inconsistências ou erros aleatórios. A modelagem dos
dados permitiu realizar uma análise prévia do comportamento hidrológico da
bacia, podendo com isso inferir-se qual é a dinâmica espácio-temporal da vazão
ao longo dos anos analisados (1985 - 2010), dentro do contexto da região
hidrológica em questão por meio dos gráficos gerados através do aplicativo
computacional Excel®.
Resultados e discussão
De acordo com os resultados obtidos nos quatro cenários (1987, 1997, 2003 e
2007) contabilizou-se o incremento de mata ou desmatamento nos últimos 20 anos
na bacia hidrográfica do Rive. As Figuras_3; 4; 5 e 6 ilustram a área ocupada
pelos fragmentos para cada ano de estudo.
A análise quantitativa do número, área e perímetro total dos fragmentos
florestais para os anos de 1987, 1997, 2003 e 2007 é descrita na Figura_7.
De acordo com resultados obtidos, constatou-se que entre os anos de 1987 e 2007
houve uma redução na área total ocupada por esses fragmentos, passando de
aproximadamente 78.678,14 ha no ano de 1987 para 56.028,57 ha no ano de 2007.
Houve uma redução de aproximadamente 28,79% na área ocupada pelos fragmentos
florestais, ou seja, entre os anos de 1987 e 2007 é possível inferir que houve
um desmatamento dentro da área de estudo.
Em contrapartida do que fora observado entre os vinte anos estudados (1987 -
2007), há uma pequena variação ascendente da área ocupada pelos fragmentos
florestais entre os anos de 1997 e 2003 (Figura_7), uma vez que nesse intervalo
existiu um incremento da área florestada. Entretanto, logo após o ano de 2003,
houve novamente um decréscimo da área florestada na sub-bacia hidrográfica de
Rive, ou seja, em todo o período considerado não houve tendência no
desmatamento.
O processo da não tendência em relação ao desmatamento pode ser explicado por
meio do histórico irregular da ocupação da região. A ocupação iniciou-se com a
expansão da cultura cafeeira extraindo extensas áreas de florestas para o
plantio. Entretanto, anos depois, a cultura entrou em um processo abrupto de
declínio na região. Alguns proprietários de terra enxergaram no financiamento
florestal fornecido pelo governo federal, uma oportunidade de empréstimo com
juros baixos e aliado a fiscalização pouco eficaz. Implementaram "florestas"
sem nenhum parâmetro e logo após as visitas dos fiscais, abandonavam-nas, e em
sua maioria, buscavam outros ramos para o investimento do empréstimo, tais como
a pecuária leiteira, fazendo com que a região entrasse em um quadro de intensa
expansão dos bovinos, sendo o uso da terra, até aos dias atuais, ocupado em sua
grande maioria pelas pastagens. A análise quantitativa dos dados coletados em
Rive, referente aos anos entre 1985 - 2010 e sua respetiva vazão é descrita na
Figura_8. A tendência de variação da vazão do Rio Itapemirim com a diminuição
da área florestada não é clara, (Figura_8), não se podendo afirmar que houve
influência do desmatamento na disponibilidade hídrica da sub-bacia estudada.
Observando a Figura_8, nota-se uma variação muito grande quando se comparam os
resultados dos anos de 1985 e 1990, quando temos cerca de 137,55% de diferença
entre os valores registrados pela ANA.
É recomendado que se façam estudos mais detalhados na bacia a fim de que se
possa ter um maior número de variáveis para a tentativa da elucidação do motivo
pelo qual a vazão aumentou quando era esperado a diminuição da vazão, visto que
houve uma diminuição das florestas na região.
Conclusões
Nas condições em que os estudos foram conduzidos, a análise dos resultados
permitiu apresentar as seguintes conclusões:
1. A Geotecnologia é vital para uma análise precisa, prática e de baixo custo
do comportamento hidrológico quando se trata de grandes extensões
territoriais;
2. Houve uma redução de aproximadamente 28,79% na área ocupada pelos
fragmentos florestais, ou seja, entre os anos de 1987 e 2007 houve um
desmatamento dentro da área de estudo.
3. Entre os anos estudados 1985 - 2010 houve uma grande variação da
quantidade de vazão do Rio Itapemirim, apresentando variações de até
137,55% de diferença entre os valores registrados pela ANA;
4. Pelo facto de a variação da vazão com a cobertura dos cobertos florestais
não ser clara, não se pôde afirmar que há uma influência do desmatamento
na disponibilidade hídrica da sub-bacia estudada.