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EuPTCVAg0871-018X2008000100025

EuPTCVAg0871-018X2008000100025

National varietyEu
Year2008
SourceScielo

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A HUMANIDADE EM PERIGO DE EXTINÇÃO PARCIAL E A FUNÇÃO DA AGRICULTURA CIENTÍFICA

INTRODUÇÃO A razão de ser desta comunicação, e também do seu título, radica no facto de , no período de 49 anos que vai de 1956 a 2005, a superfície agrícola utilizada (SAU) em Portugal continental ter diminuído 1,77 milhões de hectares e a relação SAU/pessoa se ter reduzido de 0,68 ha para 0,36 ha (quase 50%).

Esta evolução vai, indubitavelmente, continuar no mesmo sentido.Mas, o pior,é que isto está, igualmente, a verificar-se no Mundo, e daí as reflexões que aqui se apresentam.

AGRICULTURA À agricultura lato sensu pede-se que produza: 1. Plantas medicinais e aromáticas.

2. Flores e plantas ornamentais.

3. Tabaco.

4. Fibras têxteis naturais.

5. Matérias-primas para energias renováveis.

6. Alimentos para o Homem e animais de companhia.

Não se mencionam culturas para drogas, mas não se deve deixar de ponderar que ocupam vastas áreas, que fazem falta às culturas apontadas.Importa, além disso, salientar desde que a agricultura é componente imprescindível do desenvolvimento rural e que este ficará atrofiado se não houver o desenvolvimento e a prosperidade daquela.

Plantas medicinais e aromáticas A medicina dita natural, que recorre abundantemente às plantas medicinais, está a pôr em perigo de extinção muitas espécies, que são colhidas nos seus habitats silvestres, de tal modo que, em 1998, a Time (vol. 152, 1, de 06-07-1998) noticiava que, na Europa, o número dessas espécies era de 150. Por este motivo , hoje em dia, uma certa pressão para que a indústria de fármacos vegetais promova a cultura das plantas que utiliza, em vez de se limitar a colhê-las.

A medicina pelas plantas está, de novo, a ganhar relevo na Índia, onde se reactivou um sistema ancestral denominado Ayurveda, ao qual muita gente do Ocidente está a aderir, como alternativa à medicina convencional.

Isto originou uma desflorestação sem precedentes e uma acentuada diminuição de certas espécies raras (Baker, 2006). Esta questão assumiu tão grande importância que foi criado, no sul do país, em Kerala, o Centro para a Investigação de Plantas Medicinais, cujo objectivo principal é o de preservar o património vegetal herbáceo antes que desapareça e, simultâneamente, criar métodos de cultura sustentável de espécies de grande procura e difíceis de agricultar.

Quanto às plantas aromáticas, parte delas podem-se incluir nas medicinais e outra parte nos alimentos, sobre os quais tecemos considerações mais adiante. Resta uma terceira fracção, que abrange as espécies que se usam exclusivamente como aromáticas e que não deixam de ocupar centenas de milhares de hectares, se não mesmo para além de um milhão.

Flores e plantas ornamentais Ainda que não sejam indispensáveis à vida, as populações de nível financeiro médio e alto não dispensam as plantas que alimentam a vista. Sucede também que elas são importantes para a economia dalguns países, incluindo os menos desenvolvidos, que as exportam para a Europa e América do Norte.

Tabaco Embora não restem hoje dúvidas de que o seu consumo devia desaparecer, o que é certo é que a sua cultura se faz legitimamente e que a política agrícola comum (PAC) a subsidia.

Não se pode, portanto, deixar de ter em linha de conta que uma enorme área certamente da ordem dos milhões de hectares está consagrada a uma produção que tende a ser dispensável, mas que ainda não o é para uma larga gama de seres humanos.

Fibras têxteis naturais Está desde muito comprovado que as fibras artificiais não eliminaram a indispensabilidade das que provêm de plantas e de animais, pelo que a Humanidade continua a requerer que persistam os milhões de hectares que lhes são dedicados.

Matérias-primas para energias renováveis Biomassa A biomassa florestal suscitou um enorme interesse governamental, que levou à abertura de concurso em 2006, para 15 novas centrais, a juntar às duas existentes, tendo-lhes sido atribuídos 100 MW (megawatts). Além disso, estão em fase de licenciamento mais 150 MW, o que totalizará 250 MW.

Como se entende que são necessários quase 200 000 ha de matéria florestal para alimentar uma central de 10 MW, podemos concluir que a actual área florestal é insuficiente para abastecer as centrais previstas.

Por esta razão, é justificável que se pondere a necessidade de recorrer à sementeira ou plantação de espécies não florestais para biomassa. É o caso dos Miscanthus spp., que são gramíneas perenes e que têm sido alvo de bastantes estudos,na Europa e em Portugal, financiados pela União Europeia (Basch et al, 2002). Consequentemente, é indispensável haver solo rural disponível para esta produção.

Aliás, a UE estimula-a, autorizando os Estados-membros a pagar ajudas nacionais.

Biocombustíveis O interesse pelos biocombustíveis data do fim dos anos 80 e princípios de 90 e a União Europeia permitiu o cultivo de culturas energéticas nas terras que, por efeito da reforma da PAC de 1992, tinham que estar, obrigatoriamente, em pousio. Mais recentemente, em Maio de 2003, foi emitida a Directiva 2003/ 30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à promoção da utilização de biocombustíveis ou de outros combustíveis renováveis nos transportes, em substituição do gasóleo ou da gasolina. Nela foi estipulado que os Estados-Membros deverão assegurar que seja utilizada uma proporção mínima de combustíveis renováveis. Esta deverá ser, com base no teor energético, de 2% de toda a gasolina e gasóleo, consumidos em transportes e colocados no mercado até 31 de Dezembro de 2005. Este valor deve passar a 5,75% até 31 de Dezembro de 2010, mas, recentemente, o Governo decidiu que, no nosso país, devia ser 10%.

Os biocombustíveis são, fundamentalmente, o bioetanol e o biodiesel, sendo o primeiro obtido a partir dos cereais, da canado-açúcar e da beterraba sacarina, e o segundo proveniente de óleos vegetais, com destaque para os de colza, girassol e soja.

Quer isto dizer que, uma parte das culturas até aqui destinadas à alimentação humana (directamente ou por via animal) está a ser semeada para fins não alimentares, em competição por um bem em acentuada diminuição, que é o solo agrícola. Este facto manifestouse na colza, por exemplo, cujas sementeiras na União Europeia, em 2006, abrangeram uma área de 4,9 milhões de hectares, nunca até então atingida, e que constitui um acréscimo de 5% relativamente a 2005 e de 15% por comparação com a média de 2001-2005 (Eurostat, citado em Agra Europe (ed. francesa) 3065, de 17-07-2006, p.10-11).

No que respeita aos cereais, o seu consumo vai aumentar na U.E., devido, em parte apreciável, ao acréscimo da procura pelas indústrias emergentes de bioetanol.

Grande expansão está também a dar-se nos Estados Unidos, que são o maior produtor mundial de etanol (Agra Europe (ed. inglesa) 2224, de 08-09-2006, p. M1-M2), para o qual são destinados cerca de 20% do milho cultivado (Agra Europe (ed. inglesa) . 2227 de 29-09-2006, p. M5-M6). Neste país, o número de fábricas de etanol estava, segundo noticiado em 2006, a aumentar ao ritmo de uma por cada 11 dias (Agra Europe (ed.

inglesa) . 2228, de 06-10-2006, p. M1).

A grande procura de matérias- primas para biocombustíveis tem impulsionado a exportação de soja do Brasil, que se prevê aumentar 12,5% em 2006/07, relativamente à campanha anterior que, por sua vez, foi superior em 18% à exportação de 2004/05 (Agra Europe (ed.

inglesa) . 2222, de 25-08-2006, p.M4).

Muito provavelmente, parte da soja, pelo menos, passará a ser utilizada internamente, que o Brasil, bem como a União Europeia, os Estados Unidos, a China e a Malásia têm por objectivo conseguir que os biocombustíveis constituam 3-5% de todos os combustíveis utilizados. (Agra Europe (ed. inglesa) . 2228, de 06-10-2006, p.M1) Portugal em 2006 aplicou a Directiva de 2003, mediante os Decretos-Lei 62/2006 e 66/2006. Este último, de 22 de Março, estabelece isenções fiscais para os biocombustíveis, mas condicionadas, a prazo, a percentagens mínimas de utilização de produção agrícola endógena. Põe-se, portanto, aos agricultores a questão de produzirem cereais e, ou, oleaginosas para este fim, além da produção requerida pelas necessidades alimentares.

Alimentos para o Homem e animais de companhia A agricultura contribui com cerca de 90% da alimentação, provindo os restantes 10% de animais aquáticos, com destaque para os marinhos e fluviais.

No entanto, vai-se registando, neste domínio e desde anos, uma certa escassez dalgumas espécies. É o caso do bacalhau no Mar do Norte, para o qual o Conselho Internacional para a Exploração dos Mares recomendou à União Europeia que não haja capturas em 2007. É também o caso do atum do Mediterrâneo, que representa 50% do mercado global deste peixe. A sua pesca intensificou-se, tendo triplicado entre 2002 e 2005, devido a uma grande procura japonesa.

Isto levou a UE a tomar medidas que induzam os pescadores a dedicar-se a outras actividades, reduzindo assim a intensidade pesqueira (Walt, 2006) . É igualmente conhecida a proibição da caça comercial da baleia, que países como a Noruega, Japão e Islândia nem sempre respeitam.

A pesca extractiva atingiu o seu máximo no final dos anos 80 e parece ter estabilizado, mas a FAO prevê que o consumo de animais aquáticos vai prosseguir, graças à aquicultura.Esta, representava, em 2002, cerca de 30% da produção pesqueira mundial, prevendo-se que chegará aos 50% em 2025 (Anacleto & Cunha, 2006). É curioso referir que o desenvolvimento da produção aquícola está a ganhar tal importância que foi apelidado de Revolução Azul, por analogia com a RevoluçãoVerde (fertilizers & agriculture, October 2005) Importa, todavia, notar, que a aquicultura é, por sua vez, grande consumidora de produtos agrícolas, como sejam o milho, os bagaços de soja e a farinha de carne, além da farinha de peixe.

Perante o exposto, é inquestionável que a agricultura continuará a ser a principal fonte de alimentos para o Homem e animais de companhia, pelo que tudo quanto a limite é factor preocupante no que respeita à expansão da Humanidade. Poderá parecer despicienda a referência a animais de companhia, mas estes são uns largos milhões que a agricultura tem que alimentar.

ÁGUA PARA A AGRICULTURA A agricultura precisa de água e de terra dois recursos que se vão tornando escassos.

Relativamente à água, são da sua responsabilidade 74% da utilização mundial a maior parte, note-se, para a produção de alimentos (Agra Europe (ed. francesa) 3069, de 0410-2006).

Não vamos desenvolver este assunto e limitamo-nos a dizer que na gestão deste recurso é primordial o papel da Ciência, quer para a criação de cultivares menos exigentes em água, quer para a concepção e efectivação de métodos de rega cada vez mais eficientes.

SOLO PARA A AGRICULTURA Parte do solo do nosso Planeta constitui sustentáculo da floresta e da agricultura.

Abstraindo agora da floresta, vamos considerar a superfície agrícola utilizada (SAU),que é definida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) como a superfície da exploração que inclui terras aráveis (limpa e sob coberto de matas e florestas), horta familiar, culturas permanentes e pastagens permanentes.

É, portanto, na SAU que os seis conjuntos de produções se realizam e, por isso, é pertinente ver a evolução da sua grandeza e da sua relação por pessoa, em Portugal e no mundo.

Superfície Agrícola Utilizada (SAU) e População Estas duas grandezas têm variado, em Portugal continental, de acordo com o que mostra o Quadro 1.

A relação SAU/Pessoa está em constante diminuição, porque assim sucede na SAU, ao mesmo tempo que a população vai aumentando. Em 1956, a SAU abrangia 59,8% do território continental (8 904 500 ha), mas em 2005 abrangia apenas 39,9% do País. Esta baixa foi bastante intensa nos últimos anos, tendo-se verificado que, de 1995 a 2003, a SAU sofreu, no Continente, uma redução de 5,1%, enquanto na UE foi de 1,9% (Programa de Desenvolvimento Rural 2007-2013, p.17).

Estes elementos suscitam profunda reflexão, ampliada pela evolução do grau de auto-aprovisionamento da generalidade dos produtos alimentares essenciais, de que se conta no quadro 2, relativamente aos triénios de 198486 e 2003-05. Com efeito, verifica-se que tal grau diminuiu significativamente, em 19 anos, em quase todos os produtos (exceptuando o milho e o leite para consumo). São, sobretudo, de assinalar os retrocessos no abastecimento de azeite, frutos frescos (sem citrinos), carnes e leites acidificados.

População Em Portugal, o crescimento natural da população, em 2005, deu-se à taxa bastante baixa de 0,07%, igual à média da União Europeia a 25 (Público, de 23-01-2007). Mesmo considerando o contributo da imigração, afigura-se aceitável a previsão de que, no Continente, o número de habitantes se manterá no escalão dos 10 milhões durante algumas décadas.

Olhando para o Globo, as previsões feitas em 1998 pelas Nações Unidas vão no sentido de que a população mundial, que era, então, de 6 mil milhões, irá crescer, pelo menos, até meados do século XXI, atingindo em 2050 um valor entre 7,3 e 10,7 mil milhões, com uma estimativa média de 8,9 mil milhões, dependendo da evolução da fertilidade. Este quantitativo continuará a aumentar, mesmo durante uma boa parte do século XXII, a menos que haja um crescimento fraco, o qual provocaria uma ligeira baixa da população mundial a partir de 2040 (Anónimo, 1999).

Superfície Agrícola Utilizada Na maioria dos países, a SAU está em diminuição e, em muitos deles, é mesmo proporcionalmente pequena. Assim, no Japão, as terras aráveis representavam, no princípio da década de 90, apenas 14% da superfície total, enquanto nos Estados Unidos eram 46% e na ex-CEE a 12 atingiam os 60%.

Também por essa altura, era impressionante a ocupação, por construções, de terrenos agrícolas (campos de arroz, principalmente) em países asiáticos casos da Tailândia, Malásia, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan e Indonésia. Fenómeno igual está a ocorrer, presentemente, na Índia (Time, de 03-072006), incluindo o Estado de Goa (Expresso, Única, de 27-01-2007: 42-49).

Paradigmático deste fenómeno é o que tem vindo a verificar-se na China, onde mais de 133 000 ha de terras estão a passar, anualmente, para usos não agrícolas (declaração do vice-ministro da Agricultura em Março de 2006, citado por Coutinho, 2006). Isto acontece apesar de estar legislado, desde 1 de Janeiro de 1999, que o governo central pode autorizar a eliminação duma terra arável (Agra Europe (ed. francesa) 2699, de 12-02-1999).

O solo agrícola constitui apenas 14% do território chinês e a sua carência levou ao extremo de, na província de Zhejiang, no Sul, se terem eliminado os cemitérios e se ter decretado a obrigatoriedade da cremação (Expresso, Única de 05-06-2004).

Considerando que, em 1999, a China tinha 22% da população mundial, mas dispunha de 7% da superfície cultivável do mundo (Agra Europe (ed. francesa) 2699 de 12-02-1999), o que se está a passar é preocupante para o futuro da Humanidade. Acresce a isto que, com o desenvolvimento económico que a China, e também a Índia, estão a ter, aumenta nestes países o consumo per capita dos principais alimentos, pelo que mais grave se torna a sua carência.

À escala mundial, a área de terra disponível para culturas diminuiu 7% desde 1981, segundo Thompson(2000). Todavia, um indicador mais significativo é o da relação de terra arável por pessoa, cuja evolução figura no Quadro 3 (Dibb et al., 1993).

Isherwood (1998), porém, diz que essa relação será, em 2025, de 0,135 ha, ou seja, metade da que, segundo ele, existia então e que seria, portanto, 0,27 ha.

A diminuição da SAU em todo o mundo deve-se, essencialmente, à expansão das construções para habitação, fins industriais, comerciais e turísticos.

Em Portugal, as construções proliferam muito mais do que seria admissível. Assim, os Planos Directores Municipais (PDM) estão concebidos para satisfazerem 50 milhões de pessoas, segundo uns, ou 30 milhões, segundo Gomes (2005), muito para além, portanto, da população expectável nas próximas décadas.

Como se isto não bastasse, também o facto de ainda não estar regulamentado o decretolei que deu origem aos PDM e que data de 1999. Por esse motivo, não estão definidos os casos em que, excepcionalmente, é permitido classificar solos rurais em urbanos, o que tem possibilitado que vários municípios procedam à revisão dos seus PDM no sentido de ampliar bastante as áreas urbanizáveis, tendo alguns obtido a ratificação governamental. A gravidade desta situação é tal que levou o Provedor de Justiça a solicitar ao Governo que suspenda a ratificação de PDM revistos e que publique o diploma regulamentar em falta com a brevidade possível (Público, de 15-02-2007).

No que respeita aos aglomerados urbanos, impõe-se que seja dada grande prioridade à reabilitação de prédios, como sucede em certos países europeus, onde atinge 50% da construção, ao passo que em Portugal se fica por menos de 20%. Na realidade, construir novos prédios tem sido o tipo de obra predominante, quaisquer que sejam as finalidades, e, em 2005, assinalaram-se: 84% na Habitação; 89% na Agricultura e Pescas; 76,3% na Indústria; 62,4% no Comércio(Lopes,2006). Note-se, porém, que se têm tomado, ultimamente, algumas medidas visando incrementar a reabilitação.

O crescimento do parque habitacional deu origem a que, no fim de 2005, houvesse três casas por cada duas famílias, o que é um dos rácios maiores da Europa (Público, de 25-022006).Este facto é indicativo de que muitas famílias têm segunda habitação e, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o número das que a possuem duplicou entre 1995 e 2000, representando 8,5% do total dos agregados nacionais.O haver quem queira ter residência secundária é benéfico, quando ela se situa em casas existentes (em propriedades rurais e em povoações), pois induz à sua recuperação e não vai ocupar solo agrícola.

Além disso, é susceptível de originar um acréscimo do consumo de produtos da agricultura local, o que favorece o desenvolvimento rural. Infelizmente, porém, isso não tem sido a regra.

A multiplicação de empreendimentos turísticos, por sua vez, é, pode dizer-se, avassaladora.Segundo um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA), que avalia a evolução das zonas litorais da Europa, as chamadas superfícies artificiais (edifícios e estradas) aumentaram, em Portugal, 34% entre 1990 e 2000, tornando-nos o país europeu que mais construiu na zona litoral (Expresso, de 15-07-2006). Mas não é no litoral que muita construção turística. Ela existe, ou está projectada, também no Interior, como, por exemplo, no Alentejo e em Trás-os-Montes.

Muitos dos empreendimenos turísticos não são, desde vários anos, constituídos por hotéis. Hoje incluem, numa mesma unidade, moradias, apartamentos e campos de golfe, pelo menos, formando os resorts. Por outro lado, em face do culto prestado ao ambiente e à natureza, que se tem incutido na sociedade, estes empreendimentos rodeiam-se de espaços verdes, publicitando-se isto como valorização ambientalista, daqui resultando uma maior área de ocupação de solo por hóspede. Acresce também que Portugal está, agora, a ser considerado um país com excelentes condições para segundas residências e para o golfe.

Com tudo isto, milhares de hectares deixaram , e outros mais vão deixar, de fazer parte da SAU. A Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional (RAN) podiam ser barreiras de protecção, se não fossem, desde muito, enfraquecidas pelos Governos.

Refiro, como exemplo, a alteração que o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional sofreu, em 1992, com o Decreto-Lei 274/ 92, que veio possibilitar a instalação na RAN de campos de golfe, o que não era permitido até então.

Em relação ao golfe, é curioso, ou estranho, que, 13 anos depois, a Assembleia da República tenha feito publicar, no Diário da República, I Série-A, de 9 de Março de 2006, uma Resolução sobre gestão ambiental dos campos de golfe, na qual recomenda ao Governo que legisle no sentido de estabelecer um código de boas práticas ambientais que lhes sejam aplicáveis, omitindo, no entanto, qualquer referência à concorrência que tais campos fazem à produção agrícola na utilização de dois recursos que vão escasseando: a água e o solo.

Recentemente também, e para superar as interdições que a REN e a RAN poderiam impôr, o Governo, alegando ter o objectivo de promover grandes projectos de investimento, criou O Sistema de Reconhecimento e Acompanhamento de Projectos de Potencial Interesse Nacional (designados por PIN), a ser gerido pela Agência Portuguesa para o Investimento (API). O Sistema inclui uma Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos Projectos PIN, na qual estão representados diversos organismos. Entre estes, figuram o Instituto do Ambiente e o Instituto da Conservação da Natureza, certamente para comprovarem as grandes preocupações ecológicas governamentais, mas não está nenhum organismo do Ministério da Agricultura, o que no pólo oposto é demonstrativo da indiferença do Governo pela agricultura, esquecendo que ela é, de longe, a principal fonte de alimentos e, agora também, dos valiosos biocombustíveis.

A vinda de numerosos estrangeiros a Portugal poderia, e deveria, ser incentivadora da produção agrícola nacional, por representar um grande acréscimo de consumidores. Mas tal não é fácil em face da drástica redução da SAU, pelo que as consequências do desenvolvimento turístico são as dum grande aumento das importações de produtos alimentares, para satisfação dos requisitos turisticos.

Impõe-se, pois, por um lado, moderar a expansão das construções turísticas para que não haja uma exagerada ocupação de solo e, por outro lado, incrementar a produtividade agrária, a fim de que esta mais do que compense o efeito negativo da eliminação de área agrícola. Trata-se, afinal, de efectivar um desenvolvimento económico equilibrado do turismo e da agricultura, em vez do desenvolvimento exclusivo do turismo e do comércio importador de alimentos.

AGRICULTURA SUSTENTÁVEL Foi mostrado em capítulos anteriores que a relação de SAU por pessoa estava a diminuir em Portugal e no mundo. Relembro que, entre nós, ela era de 0,36 ha/pessoa em 2005 e que, no mundo, estava em 0,30 ha em 1990, sendo a previsão para 2025 de 0,20 ha, segundo Dibb et al. (1993), e de 0,135 ha, segundo Isherwood (1998).

Foi também assinalada a insuficiente produção nacional, de que resultava um grau de auto-aprovisionamento inferior a 86% nos principais alimentos, com excepção do leite.

Perante isto, se temos nós e o mundo cada vez menos hectares para a produção alimentar, de matérias-primas para energias renováveis e doutros artigos assinalados anteriormente, é óbvio que se tem que pôr cada hectare a produzir mais para sustentar todos os seres humanos, portugueses incluídos, sem esquecer os milhões de animais de companhia. Mas isso é fazer agricultura intensiva dirão alguns, talvez muitos. Não é bem assim. O que se trata é de fazer agricultura sutentável, tal como é definida pela FAO.

Com efeito, esta instituição das Nações Unidas, que se chama Organização para a Alimentação e a Agricultura, diz que a agricultura sustentável tem por objectivo a satisfação contínua das necessidades, não das gerações actuais, mas também das futuras, conservando o solo, a água e os recursos genéticos vegetais e animais. Para isso, a agricultura não deve degradar o ambiente, mas precisa de ser tecnicamente adequada, economicamente viável e socialmente aceitável (Anónimo,1992).

Note-se que, ao ter como objectivo a satisfação das necessidades das gerações futuras, está-se , a nosso ver, a estipular que, em virtude da escassaz de solo, por um lado, e do aumento da população, por outro, a agricultura tem que ser intensiva.

É certo que, para alguns que se dizem muito amigos do ambiente e da natureza, a agricultura sustentável não é a definida pela FAO, mas sim aquela que sustenta lobos, raposas e javalis. Estes amigos esquecem que a agricultura, para além de ser indispensável à multiplicação da espécie humana, é, também, uma actividade económica e que os agentes nela envolvidos cada vez o são menos por fatalismo inelutável e mais por opção determinada pelos rendimentos que julgam obter.

Proclama-se hoje que a agricultura deverá ser multifuncional e não apenas produtiva.

Convirá que seja assim em muitos casos, mas a função de produção terá que ser sempre a principal, por necessidade da Humanidade e para satisfação do agricultor.

MEDIDAS DE POLÍTICA AGRÍCOLA Retirada de terras da produção e agricultura extensiva A Política Agrícola Comum estipulava como seu primeiro objectivo, quando foi formulada em 1957, o seguinte: Incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico ... Porque este objectivo foi muito bem realizado, a produção agrícola aumentou bastante, o que permitiu mais do que compensar a redução global de 10% da SAU, verificada nos seis Estados fundadores, no período de 1966 a 1985, em que passou de 71,5 milhões de hectares para 64,4 milhões. Exemplificando com os cereais, a área semeada nesses Estados diminuiu 5,5% nos 20 anos referidos, mas a produção aumentou 65% (Gilbert, 1987).

Todavia, em virtude de se terem gerado excedentes, adoptaram-se, em 1988, medidas para reduzir a produção e na reforma da PAC de 1992 introduziu-se a obrigação de retirar do cultivo uma certa proporção na altura 15% da superfície semeada. Com esta reforma, acentuou-se também a ênfase na extensificação da agricultura, através do regulamento (CEE) 2078/92, designado como relativo a métodos de produção agrícola compatíveis com as exigências da protecção do ambiente e a preservação do espaço natural. Foi, assim, estabelecido um regime comunitário de ajudas que, entre outros objectivos, se destinava à extensificação dita como favorável ao ambiente das produções vegetais e da criação de bovinos e ovinos, incluindo a reconversão das terras aráveis em prados extensivos.

A retirada de terras da produção, presentemente com a taxa de 10%, e a extensificação continuam na actual PAC. Mas esta foi ainda mais longe, instituindo a possibilidade duma retirada voluntária de terras, além da que é obrigatória. Para a União Europeia, em geral, e para Portugal, em particular, é um absurdo que, estando a SAU em diminuição, em termos absolutos e na sua relação com o número de habitantes, se imponha a extensificação, que, por definição, exige mais área cultivada para atingir a mesma produção que a obtida com agricultura não extensiva.

Na realidade, relembrando que o nosso grau de auto-aprovisionamento de produtos alimentares é inferior a 86%, mais absurdo é que, no quadro das medidas agro-ambientais, se atribuam ajudas a procedimentos que levem à extensificação e, ou, manutenção dos sistemas agrícolas tradicionais. Por outro lado, esta ênfase na extensificação revela-se contraditória, que, em 2003, o Parlamento Europeu e o Conselho decidiram promover a utilização nos transportes de biocombustíveis, os quais são obtidos de cereais e de oleaginosas, cuja produção, para este fim, se pretende que seja maximizada.

Florestação de terras agrícolas Em 1999, a UE decidiu apoiar a florestação de terras agrícolas, como uma de várias medidas destinadas a favorecer um desenvolvimento rural sustentável. Isto levou a que, em 2001, o Governo aprovasse um Plano de Desenvolvimento Rural, designado RURIS, no qual se estabeleceu um regime de ajudas para promover a expansão florestal em terras agrícolas. Com esta medida, está-se também a contribuir para a diminuição da SAU e da produção alimentar. Ela seria, no entanto, aceitável se condicionasse a florestação exclusivamente a solos com severas limitações para a produção agrícola e que são, na classificação da capacidade de uso do solo, os das classes D e E. Tal condicionamento, porém, não foi definido.

Agricultura biológica Foi nos anos 80 que se deu o desenvolvimento da agricultura biológica em grande parte dos países europeus e noutros, como os Estados Unidos. Todavia, em 1991 se efectivou o reconhecimento oficial da ex-CEE, com o regulamento (CEE) 2092/91 do Conselho, que definiu regras uniformes para os operadores dos países da Comunidade. Nos últimos anos, a área tem aumentado bastante na Europa a 15, para o que muito contribuiram os incentivos criados.

Em Portugal, esta agricultura foi incluída nas medidas agro-ambientais e passou a beneficiar de ajudas. Em 2004, elaborou-se um Plano Nacional para o Desenvolvimento da Agricultura Biológica, no qual se estipulou o acréscimo da sua superfície, de 120 000 ha em 2004 para 260 000 ha no final de 2007.

Os produtos ditos biológicos são mais caros e, portanto, de mais difícil acesso a um significativo estrato populacional. Além disso, a sua produtividade é inferior à da agricultura convencional científica, o que constitui motivo de reprovação em face da diminuição progressiva da área cultivável e, no caso de se verificar a sua expansão, haverá um agravamento do grau de auto-aprovisionamento alimentar.

Biodiversidade Na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, reconheceu-se estar a biodiversidade em perda progressiva. A situação é, no entanto, muito variável geograficamente e, segundo Ferrer-Benimeli & Broca (1999), citados por Ferrer & Broca (2001), nos países mediterrâneos a riqueza floristica é dumas 7500 espécies vasculares em Espanha (sem Canárias), dumas 3000 na França mediterrânea e dumas 6000 em Itália, ao passo que nos países nórdicos a flora tem apenas 1200-2000 espécies vasculares.

A biodiversidade é de nítida importância agronómica no domínio intraespecífico, sendo primordial que haja diversidade genética dentro da mesma espécie de cultura. Mas que encarar também a biodiversidade interespecifica, ainda que com realismo, isto é, em benefício, e não em prejuízo, do Homem.

Vejamos o caso do panda gigante. Em 1993, a China decidiu consagrar-lhe mais de um milhão de hectares, para evitar a sua extinção, o que obrigou à deslocação para outros locais de 5000 agricultores (Time, de 4-01-1993). Pensava-se, na altura, que existiam em todo o mundo pouco mais de 1000 pandas gigantes (Público, de 17-12-1993), mas em 2006, um novo estudo estimava em 3000 o número destes pandas a viverem em meio selvagem, ao mesmo tempo que confirmava que, anteriormente, se julgava haver 1000.

No entanto, na mesma China são abatidos anualmente, sem contestação notória, 25 milhões de choupos e vidoeiros para fazer 45 biliões de pares de pauzinhos utilizados nas refeições (Time, de 05-04-2006).

Outro caso. Em 2006, ocorreram várias manifestações no Sudoeste de França, de protesto contra a introdução nos Pirenéus de cinco ursos vindos da Eslovénia, porque os existentes matam 150-300 ovinos por ano (Time, de 22-05-2006).

Passando a Portugal, onde se procura recuperar o lobo ibérico, o Diário de Notícias de 19-09-2005 citava o director do Parque Nacional da Peneda-Gerês como tendo dito que em média, eram registados anualmente cerca de 1100 ataques de lobos a rebanhos e, na mesma notícia, era relatado que o paga- mento das indemnizações aos pequenos produtores, por esses ataques, estava bloqueado desde Janeiro de 2004. Comentava o jornalista, a propósito, que depois da ameaça de extinção do lobo é agora a pastorícia que entra em declínio.

Na realidade, o excessivo e irrealista zêlo com que se encara a biodiversidade, sacrificando o Homem e os animais que o alimentam, em prol de todos os outros, vai conduzindo à diminuição, e depois desaparecimento, dos gados e dos agricultores.

Mais atento à vida humana, talvez por se tratar dum país pobre e pouco desenvolvido, o Governo da Noruega decidiu, em 2005, autorizar o abate de cinco lobos, dum total de 25, para proteger os seus gados ( Tempo Livre, 158, de Março de 2005).

Do que está escrito, importa tirar a ilaccção de que a protecção da biodiversidade deve estar conjugada com a preservação da espécie Homo sapiens sapiens, por via da produção de alimentos e doutros artigos, também indispensáveis ou apenas úteis.

IMPLEMENTAÇÃO DA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL Referimos atrás que, dada a escassez crescente de solos para as culturas alimentares, energéticas e outras, se impuha pôr cada hectare a produzir mais, mediante o exercício da agricultura sustentável.

A efectivação desta numa multiplicidade de explorações agrícolas deve fazer-se pela aplicação do sistema de produção integrada (integrated crop management).Neste, é objectivo fundamental garantir o equilíbrio entre produção económica e responsabilidade ambiental, duma forma que toma em consideração a adaptação ao solo e clima locais, ao mesmo tempo que salvaguarda, a longo prazo, os recursos naturais da exploração. Trata-se, não dum sistema rígido mas, pelo contrário, dinâmico, em constante utilização dos mais recentes progressos da investigação, da tecnologia e da experiência (Anónimo, 1996).

Nesta ordem de ideias, o desafio que hoje se pôe à agricultura é o de ter que se processar com a preocupação de conciliar a minimização dos efeitos negativos sobre o ambiente com a maximização do rendimento dos agricultores sem o que estes deixarão de o ser.

Esta produção tem como componentes essenciais as seguintes: 1. Protecção integrada das culturas 2. Gestão do solo Informa-se, a propósito, que as medidas agro-ambientais atribuem ajudas à produção e à protecção integradas da vinha, do olival e dalgumas fruteiras.

Protecção integrada das culturas A protecção integrada visa, segundo Amaro (2006 a), optimizar a defesa do Homem e do ambiente e assegurar adequada produção vegetal, sem deixar de permitir a utilização de pesticidas, embora proíba os demasiado tóxicos ou condicione a sua aplicação de modo a reduzir os seus riscos. É também significativo que o mesmo autor tenha afirmado posteriormente, e não nisto nenhuma contradição, que o uso seguro dos pesticidas é, agora, possível em Portugal como jamais (Amaro, 2006 b).

Gestão do solo Nesta, que atender aos seguintes aspectos: 1. Rotação das culturas 2. Conservação do solo 3. Nutrição integrada das plantas

Rotação das culturas As ajudas que a PAC dava a determinadas culturas, e não a outras, levavam a que nem sempre as rotações fossem as mais racionais agronomicamente, no respeitante à fertilidade do solo e à protecção contra infestantes, pragas e doenças. Presentemente, com o regime do pagamento único conjugado com outros regimes de ajudas, é mais viável a adopção de rotações constituintes duma agricultura sustentável.

Sendo assim, preconiza-se um uso mais generalizado das leguminosas (para grão, forrageiras e pascícolas), e das proteaginosas, nas rotações cerealíferas.

É também de assinalar que Moreira & Trindade (2001) evidenciaram as vantagens ambientais da rotação, ou sucessão, milho azevém. Com efeito, verificaram que este, semeado precocemente, em Setembro, a seguir ao milho, possibilita a recuperação de quantidades apreciáveis de azoto (90 a 120 Kg N ha-1), reduzindo deste modo, apreciavelmente, as suas perdas na estação das chuvas.

Conservação do solo Este conceito, que umas décadas se cingia, fundamentalmente, à defesa contra a erosão, passou a ser mais amplo e a abranger também a manutenção, e mesmo acréscimo, da fertilidade do solo.

Na sua aplicação nas explorações, são de destacar a mobilização nula ou mínima do solo e a adopção das pastagens semeadas, permanentes ou temporárias, nas situações declivosas e, ou, de baixa fertilidade, a carecer de recuperação. Todavia, elas são, em diversas circunstâncias, preteridas a favor das pastagens naturais. Assim, nas medidas agro-ambientais algumas disposições que atribuem ajudas às pastagens espontâneas, mas não às semeadas, o que constitui grave erro.

Nutrição integrada das plantas Neste sistema é tomada em consideração a globalidade das fontes de nutrientes, como sejam as reservas do solo, a matéria orgânica do solo, os resíduos orgânicos, os fertilizantes minerais, a fixação de azoto e a deposição proveniente da atmosfera.

que salientar que, embora se deva promover o uso dos materiais orgânicos disponíveis, estes não chegam para assegurar os indispensáveis acréscimos de produção, os quais requerem a aplicação dos fertilizantes minerais que, para cada local e para cada cultura, se revelem necessários.

Acerca da matéria orgânica, se é certo que, verificada a eficiência dos adubos, ela foi sendo subestimada, é também certo que está, de novo,a ganhar importância notável, graças ao reconhecimento da sua influência nas fertilidades física e biótica.

AGRICULTURA CIENTÍFICA Ao longo da História, em especial nos séculos XIX e XX, a Humanidade foi alertada algumas vezes para a perspectiva de fome generalizada, que a dizimaria, em consequência do desequilíbrio entre o aumento da população, que estava a ser grande nessas ocasiões, e o acréscimo dos recursos alimentares, que era, proporcionalmente, bastante menor.

Thomas Malthus tornou-se conhecido em 1798 ao profetizar o extermínio da Humanidade num período de cerca de 200 anos, a menos que se sustivesse o crescimento populacional. Felizmente, a Ciência, designadamente a Química, primeiro, e a Genética, depois, impulsionaram tanto a produção de alimentos que estes eram abundantes no final do século XX e chegavam para todos, sem ter sido necessária a desmultiplicação da espécie humana.

Mais tarde, nos anos 60 do século passado, houve também quem dissesse que, em todos os países em desenvolvimento, a população estava a aumentar mais aceleradamente do que a produção alimentar e que, se isto assim continuasse, haveria uma fome à escala mundial por alturas de 1975. Mas Gregory (1971), pôde revelar que tal não ía suceder, porque eram nítidos os efeitos sobre a produção de trigo (no México e no Paquistão) e sobre a de arroz (no sueste da Ásia) da acção científica iniciada em 1941, e que , pelos seus resultados, veio a receber o nome de Revolução Verde. Mais uma vez a Ciência, agora com a Genética na vanguarda, salvou a Humanidade.

Actualmente, o perigo que ameaça o Mundo não resulta tanto do cumprimento do preceito biblico crescei e multiplicai-vos, mas sim do facto de, associado a ele, estar a avassaladora onda de eliminação de terra para cultivo. A agravar este fenómeno, é de referir que a terapêutica usada anteriormente aumentar a produção recorrendo à Ciência é agora repudiada e, anacronicamente, na Europa que não conhece a fome, mas onde o solo agrícola vai escasseando, preconiza-se a agricultura extensiva e com recurso a factores de produção de forma menos, ou mesmo nada, incrementadora da produtividade.

Paradigmático desta aversão às inovações científicas é o caso dos organismos geneticamente modificados (OGM). Surgida em 1987 a primeira cultura transgénica a cenoura outras se seguiram, nomeadamente algumas das mais importantes à escala mundial soja, milho, colza e algodão, por exemplo.

Muito embora a generalidade dos geneticistas sejam favoráveis à sua expansão, algumas organizações e pessoas não cessam de se lhe opor, por vezes de forma violenta. Assim, o Ministério da Agricultura francês informou que, em 2006, foram destruídas quase 40% das parcelas de experimentação de OGM autorizadas (Agra Europe (ed. francesa), 3068, de 07-08-2006). Não deixa também de ser amargamente irónico que um país como a Zâmbia, que em 2002 tinha 2,9 milhões de pessoas com fome, tenha recusado nesse ano uma ajuda de 18 000 toneladas de milho do Programa de Alimentação Mundial das Nações Unidas, porque era geneticamente modificado. No entanto, milhões de americanos consomem alimentos geneticamente modificados sem efeitos nocivos aparentes (Robinson, 2002).

No nosso país, que não prima por estar entre os mais avançados cientificamente, é interessante saber que, em 2004, a Junta Metropolitana do Algarve e a Associação de Produtores de Agricultura Biológica declararam o Algarve como região livre de transgénicos (Jornal do Algarve, citado no Expresso de 04-09-2004) e, no mesmo ano, a Confederação Nacional de Agricultura apelou ao Governo para bloquear a introdução de OGM (Expresso, de 06-11-2004).

Apesar das resistências manifestadas em vários países, as culturas transgénicas ocuparam, em 2006, 102 milhões de hectares, em 22 países, segundo o balanço do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas (ISAAA, em inglês) (Público, de 19-01-2007).

Realisticamente, porém, o país mais populoso do mundo a China está a recorrer cada vez mais à Ciência. Assim, em 2005, o Governo chinês lançou um programa de análises de solos, a continuar no ano seguinte, com o objectivo de melhorar a gestão dos nutrientes (Fertilizers & Agriculture, May 2006). Além disso, são também de assinalar, pelo ineditismo, os lançamentos de sementes para o espaço, em satélites. Com efeito, em Setembro de 2006, foi enviado um satélite com 2000 sementes, para serem expostas durante duas semanas às radiações cósmicas, na esperança de que sofreriam mutações susceptíveis de originar cultivares mais produtivas e de melhor qualidade. De resto, a China fez experiências deste tipo com arroz, tomate e pimentos verdes, tendo obtido resultados positivos (Agra Europe,(ed.

francesa, 3067, de 31-07-2006).

Igualmente demonstrativo da importância reconhecida à Ciência nos continentes onde reina a escassez de alimentos, é o facto de, em 2004, o Prémio Mundial da Alimentação ter sido dado a dois cientistas: um, asiático, por ter criado um arroz híbrido, que revolucionou a cultura na China e outro, africano, porque desenvolveu o chamado Novo Arroz para África (New Rice for Africa NERICA), que é um híbrido destinado a aumentar muito a produtividade deste cereal em África (Fertilizers & Agriculture,September 2006).

O pólo oposto do reconhecimento da importância da Ciência, ou seja, o desprezo por esta, verifica-se em Portugal e, provavelmente, noutros Estados-Membros da UE, com algumas medidas agro-ambientais. Com efeito, na Portaria de aplicação destas ( 1212/ 2003,de 16 de Outubro) dá-se grande ênfase a dois grupos de medidas, entre outros. Um é designado por preservação da paisagem e das caracteristicas tradicionais nas terras agrícolas (grupo II) e o outro por conservação e melhoria de espaços cultivados de grande valor natural (grupo III).

No primeiro, um dos objectivos é a preservação de pastagens de montanha integradas em baldio, devendo estas ser espontâneas (herbáceas ou arbustivas). Abdica-se, assim, da valorização com a sementeira de leguminosas e gramíneas, que são muito mais melhoradoras do solo e produtivas e cuja viabilidade muito demonstrámos.

O segundo abrange as seguintes medidas: a) sistemas policulturais tradicionais; b) lameiros e outros prados e pastagens de elevado valor floristico; c) olival tradicional; d) pomares tradicionais; e) plano zonal de Castro Verde.

Em boa verdade, o que se preconiza nesta agricultura tradicional ,que se está a incentivar com ajudas financeiras, é a manutenção de sistemas e processos menos produtivos e menos rentáveis, não justificáveis em face dos progressos científicos ocorridos. É inadmissível, por exemplo, que, para se poder beneficiar dessas ajudas, se tenha que manter a rega tradicional, quando exista, se limitem os encabeçamentos (sem cuidar da possibilidade de serem aumentados) e se protejam, em lameiros e pastagens, qualificados de elevado valor floristico, certas espécies como o servum (Nardus stricta) e orquídeas, quando é fraco o seu valor pascícola e este é que devia prevalecer. Inadmissível é, também, que , em Castro Verde, se incentive, monetariamente, uma rotação, cientifica e economicamente errada, de dois anos de cereal, dois de pousio e um de alqueive.

Voltando à Ciência, é de assinalar que a biologia moderna, com as suas três disciplinas básicas, que são a biologia celular, a genética e a bioquímica, está a ser o grande recurso, mas não o único, para que a agricultura possa continuar a abastecer a Humanidade, designadamente de alimentos e de biocombustíveis.

A ênfase que temos vindo a pôr na Ciência significa que consideramos a investigação científica uma actividade fulcral e condição sine qua non para que haja desenvolvimento agrário, mas, infelizmente, os decisores políticos subestimam-na.

Terminamos, citando as sábias palavras que Fontes Pereira de Melo escreveu no longínquo ano de 1852: A ciência estuda, aprofunda as leis da produção vegetal e animal, e introduz, fundada na experiência, novos sistemas, melhora os antigos, e lança a indústria agrícola no caminho de um aperfeiçoamento racional e progressivo.

É de realçar que, 155 anos, Fontes Pereira de Melo advogava a melhoria (pela ciência) dos sistemas antigos, isto é, o contrário do que agora se fomenta.


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