Impactos da aplicação de uma política de preço da água no regadio em Portugal:
o caso da lezíria do Tejo
INTRODUÇÃO
As questões ambientais têm um peso cada vez maior na definição das políticas de
qualquer sector da economia. A agricultura, estando inerentemente ligada à
utilização de recursos ambientais, deve, por maioria de razão, suscitar nos
decisores políticos acrescidas atenções para este aspecto.
No primeiro momento da adesão de Portugal à então Comunidade Económica
Europeia, e perante a evidência do atraso da agricultura portuguesa em relação
às suas congéneres europeias (fruto do imobilismo dos empresários, resultado,
em parte, do proteccionismo estatal em relação à actividade agrícola nacional),
assistiu-se a um período em que os apoios à sua reestruturação conduziram à
implementação, em algumas regiões nacionais, de um paradigma de intensificação
da actividade agrícola. Nestas regiões, com disponibilidades hídricas para
irrigação agrícola, parecia menosprezar-se ou, pelo menos, não valorizar
convenientemente, as directivas comunitárias que apontavam no sentido da
utilização sustentável dos recursos e das boas práticas ambientais na
actividade agrícola. Era necessário modernizar a agricultura, torná-la
competitiva perante um cenário de liberalização do comércio agrícola dentro das
fronteiras comunitárias, não olhando a custos (tanto económicos como
ambientais). O despertar, em particular a partir do final da última década do
século XX, de uma consciência ambiental social provocou uma natural reacção por
parte dos decisores políticos, que rapidamente se adaptaram a esta nova
realidade e reagiram de acordo com as expectativas da sociedade. As políticas
de desenvolvimento económico não poderiam colidir com a sustentabilidade das
utilizações dos recursos. Este equilíbrio teria que ser alcançado e mantido,
sob pena de comprometer o desenvolvimento futuro por um uso desregrado no
presente de recursos esgotáveis (UNO, 2002).
Na Lezíria do Tejo, os apoios comunitários promoveram um desenvolvimento da
agricultura intensiva na região. Conduziram ao abandono de culturas
permanentes, como a vinha, que dominavam a paisagem da região e que não eram,
na sua maioria, muito exigentes em termos de necessidades hídricas. A
particularidade da disponibilidade hídrica sem limitações quantitativas que a
região apresenta, nomeadamente na zona de aluvião das margens do rio Tejo,
conhecida por Lezíria, levou ao aumento da área ocupada por culturas de regadio
tradicionalmente cultivadas nesta região, à introdução de novas culturas de
regadio, ou mesmo à adopção de tecnologias de regadio em culturas que eram
anteriormente de sequeiro.
Por outro lado, a convergência dos preços dos produtos agrícolas praticados em
Portugal com os preços nos restantes países da comunidade e o ajustamento dos
preços comunitários aos preços mundiais proporcionaram um cenário de diminuição
das margens brutas dos agricultores, obrigando a uma gestão mais cuidada dos
recursos. Questões como a organização do trabalho ou o aproveitamento mais
intensivo do parque de máquinas passaram a estar mais presentes no dia-a-dia
dos agricultores da região. A intensificação, com a realização de duas ou mais
culturas por ano, tornou-se uma realidade em muitas explorações, com
consequências ao nível da possível sobre-exploração dos recursos ambientais.
Numa agricultura intensiva, os problemas ambientais colocam-se tanto a nível da
utilização dos recursos a uma taxa superior à que os mesmos são repostos no
ecossistema, como ao nível da alteração da qualidade dos fluxos de retorno dos
mesmos (Strosser et al., 1999). Em Portugal, com um clima dominante tipicamente
mediterrânico, a obtenção de elevadas produções em culturas de Primavera/Verão
não seria possível sem recorrer à prática da rega, sobretudo devido à
existência de uma estação seca que se estende de Junho a Agosto. A questão que
surge imediatamente é se os agricultores têm em consideração o critério da
utilização sustentável da água aquando da definição da afectação da terra às
diferentes culturas: não havendo um custo associado à utilização dessa água, a
não ser o custo do bombeamento, é provável que o uso da água não seja um uso
sustentado.
A implementação obrigatória, até 2010, dos princípios previstos na Directiva-
Quadro da Água (Directiva 2000/60/CE), nomeadamente de políticas que promovam o
uso eficiente da água, irá associar custos aos serviços da água, incluindo
custos ambientais e de escassez do recurso, reflectidos numa política de preços
que, indubitavelmente, passarão a ter que ser considerados na afectação do
recurso água às culturas, incentivando administrativamente a utilização
sustentável do recurso.
As políticas de preço da água conduzem a alterações nas culturas (ou práticas
culturais) no sentido da utilização sustentável da água. O desenvolvimento de
um modelo matemático, que determine a solução óptima de afectação dos recursos
entre culturas competitivas, permite a comparação do impacto de diferentes
políticas de preço da água sobre o mosaico cultural da região, bem como a
gestão e planeamento das necessidades de recursos, em particular da água.
Permite ainda determinar as implicações económicas, sociais e ambientais destas
políticas face a um ambiente económico adverso para a agricultura. Neste
sentido, este trabalho tem como objectivo avaliar o impacto da introdução de
uma política de preço da água na agricultura de regadio da Lezíria do Tejo, no
que diz respeito à afectação de terra às diferentes culturas, e à determinação
das suas implicações económicas, sociais e ambientais.
Depois da introdução, segue-se uma breve caracterização da região em estudo. A
metodologia é descrita na secção seguinte. Posteriormente, são apresentados e
discutidos os resultados do modelo. Finalmente, faz-se um sumário das
principais conclusões.
CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO
O impacto da introdução de uma política de preço da água na agricultura de
regadio é analisado para a Lezíria do Tejo. Esta região do centro de Portugal
apresenta um conjunto de mais-valias consideráveis, como sejam a proximidade de
núcleos habitacionais com elevada concentração populacional, a centralidade
geográfica, o fácil acesso às principais vias de comunicação, bem como o
benefício que indirectamente colhe das sinergias criadas pela presença na
região de pólos industriais e tecnológicos. Não obstante, sofre de alguns dos
males da agricultura portuguesa, principalmente da falta de capacidade de gerar
incentivos para a atracção de populações jovens para esta actividade. Dos 14
556 produtores individuais que tinham explorações na região, 5 382 (ou seja
cerca de 37%) tinham mais de 65 anos de idade. No que diz respeito à formação
dos agricultores, o panorama também não é muito animador: apenas 7% tinham um
nível de instrução acima do básico (INE, 2001).
A Lezíria do Tejo tem uma área total de 428 142 ha. A superfície agrícola útil
(SAU) é de 220 205 ha, sendo de 85 979 ha a superfície irrigável (39% da SAU).
Quanto à estrutura agrária, de referir que a superfície agrícola útil por
exploração é de 14,53 ha.
A região pode ser dividida em três grandes blocos, diferenciados entre si por
razões geográficas, hidrográficas, pedológicas e de ocupação cultural. O sub-
território conhecido por Bairro situa-se na margem direita do Tejo, possui
aptidões para as culturas arbustivas e arbóreas, em especial a oliveira e a
vinha, observando-se ainda algumas zonas onde se cultiva o trigo e o milho. O
sub-território Lezíria ocupa a planície aluvial do Tejo e possui solos de boa
qualidade. Para além da vinha, encontram-se cereais, tomate, melão e pastagens
para gado bovino e equino. A Charneca, situada na margem esquerda do Tejo, tem
solos pobres, com elevados condicionalismos, e apresenta um revestimento
florestal de sobreiros, eucaliptos e pinheiros, pequenas zonas de cereais e
vinha nas manchas mais favoráveis, assim como de arroz nas zonas irrigadas.
O clima da região é, segundo a classificação de Köppen, um Csa ' Clima
mediterrânico ou sub-tropical seco, com Verão seco. A precipitação média dos
meses mais secos ' Julho e Agosto ' é de apenas 4,2 mm e 4,8 mm, atingindo-se
nesses meses temperaturas máximas médias de 27,8 ºC e 28,7 ºC, respectivamente.
Observando-se uma reduzida ou nula concentração da eficiência térmica, e dado
que a conjugação de elevadas temperaturas e elevados níveis de humidade são
factores essenciais para o bom desenvolvimento da maioria das culturas
agrícolas, os agricultores vêem-se obrigados à prática da rega para a
realização das culturas de Verão.
Do ponto de vista hidro-geológico, a região encontra-se na unidade denominada
Bacia do Tejo-Sado, onde se situa o mais extenso sistema aquífero da Península
Ibérica, com produtividades das captações e disponibilidades hídricas
subterrâneas superiores à média nacional.
De acordo com INE (2001), as culturas regadas ocupam uma área de 63 161 ha
(73,5% dos 85 979 ha de superfície irrigável disponível). Três culturas
distinguem-se das outras pela área que ocupam: o milho (23 975 ha), o tomate
para a indústria (8 846 ha) e o arroz (7 563 ha). As boas condições edáfo-
climáticas associadas às disponibilidades hídricas abundantes e a incentivos
económicos interessantes tornaram a cultura do milho como a preferida dos
agricultores desta região, sendo cultivada, não raras vezes, de forma contínua
nos mesmos terrenos, não havendo qualquer rotação. O tomate é o principal
produto hortícola da Lezíria do Tejo, sendo a maior parte da cultura destinada
à transformação (concentrado), aproveitando a existência de unidades
transformadoras na região. O grau de profissionalização e especialização dos
agricultores que praticam esta cultura é muito elevado. O arroz é uma cultura
tradicional da Lezíria do Tejo, aproveitando os terrenos facilmente inundáveis
e já estruturados para a cultura do arroz. Também neste caso a especialização
dos agricultores é elevada, associada a uma longa experiência de realização da
cultura. Das outras culturas destaca-se a beterraba sacarina (3 496 ha),
cultura que surgiu como potencial substituta do milho nas rotações culturais,
tal como sucede nas explorações agrícolas da maioria dos países europeus, e que
se tem afirmado na região, em parte impulsionada pela presença de uma unidade
local de transformação da beterraba. As hortícolas ao ar livre (3 076 ha), com
particular relevância para o pimento, o melão e as couves (bróculos, couve-
flor), também são um grupo com relativa importância dentro das culturas regadas
da região.
METODOLOGIA
O modelo de programação matemática desenvolvido neste estudo ' o MALTe ' é um
modelo não-linear, calibrado com recurso à técnica da Programação Matemática
Positiva (PMP), de maximização da margem bruta total por afectação dos recursos
disponíveis mas limitados (a terra) às culturas agrícolas que por eles competem
(Varela, 2007). Os dados relativos aos níveis das actividades observados no ano
de referência, são do Recenseamento Geral da Agricultura de 1999 (INE, 2001).
São dados agregados relativos à totalidade das exporações agrícolas da Lezíria
do Tejo.
A PMP, formalizada pela primeira vez por Howitt (1995), é desenvolvida de forma
a usar a informação contida nas variáveis dual de um modelo PL, ao qual foram
acrescentadas restrições de calibração que limitam os níveis das actividades
aos níveis observados no ano-base. As variáveis duais respeitantes a estas
restrições de calibração permitem especificar uma função objectivo não-linear.
Depois de retiradas as restrições de calibração, a solução óptima do modelo
reproduz os níveis observados das actividades no anobase. O procedimento de
calibração no desenvolvimento do modelo compreende três fases: na primeira fase
limita-se o problema de programação linear inicial aos níveis de actividade
observados no ano de referência; na segunda fase utilizam-se os valores dual
obtidos na fase anterior (denominados de variáveis dual de calibração ' ρ) para
especificar os parâmetros de uma função objectivo não-linear (Heckelei &
Britz, 2005, referem que, essencialmente devido à inexistência de argumentos
sólidos para a utilização de outro tipo de funções não-lineares, a função
quadrática de custos variáveis é a mais usada); na terceira fase substitui-se a
função objectivo linear pela função objectivo não-linear, especificada na fase
anterior, criando um problema de programação não-linear semelhante ao original,
mas sem as limitações referentes aos níveis observados.
A especificação dos parâmetros da função objectivo não-linear deve assentar em
métodos com base na teoria económica, que ofereçam soluções sensíveis,
adequadas e susceptíveis de interpretações económicas plausíveis. Neste
sentido, utilizou-se o método que parte do pressuposto que os custos variáveis
observados por unidade de actividade são iguais ao custo médio. As variáveis
dual de calibração sofreram ainda um ajustamento de forma a contrariar o
problema da linearidade das funções de custos variáveis das actividades menos
rentáveis que, durante a fase de calibração, não atingem o valor do nível da
actividade observado no ano de referência e, consequentemente, originam uma
variável dual de calibração ' ρ ' igual a zero. A solução usada neste trabalho
é a proposta por Röhm e Dabbert (2003) que retiram uma fracção, δ, do valor
dual de um dos recursos limitantes, λ, e acrescentam-na à variável dual de
calibração, ρ, por forma a obterem uma variável dual de calibração modificada,
ρ1. A fracção d foi calculada recorrendo a informação exógena relativa ao
preço-sombra observado do recurso terra e representa o desvio relativo entre o
preço-sombra do recurso fixo simulado no mode-lo e o preço-sombra desse recurso
realmente observado. Para além de resolverem o problema da linearidade nas
funções de custos variáveis das actividades menos rentáveis, as variáveis dual
de calibração modificadas aproximam na globalidade o modelo da realidade, em
termos de resposta a modificações exteriores.
O modelo MALTe tem a formulação genérica apresentada nas equações 1 a 4. A fim
de testar as diversas possibilidades de tarifação da água de rega, houve
necessidade de introduzir algumas modificações no modelo, em particular na
função dos custos variáveis, introduzindo parcelas (identificadas na equação 1
com *) que acrescentam aos custos variáveis da actividade os custos da
utilização da água de regadio.
O índice j refere-se ao conjunto de actividades (culturas) não sujeitas ao
pousio obrigatório; o índice k refere-se ao conjunto de actividades (culturas)
sujeitas ao pousio obrigatório; o índice sa refere-se ao pousio obrigatório
(tratado como actividade independente); o índice i diz respeito aos diferentes
recursos fixos.
As variáveis, parâmetros e coeficientes, conforme sejam exógenos ou endógenos,
encontram-se representados em letras minúsculas ou maiúsculas, respectivamente,
e são definidos da seguinte forma:
Z margem bruta total da Lezíria do Tejo;
r rendimento médio da actividade (ton/ha);
p preço médio pago ao produtor pela actividade (/ton);
ac ajuda compensatória paga à actividade (/ton);
cr classe de rendimento dos solos onde se cultiva a actividade (ton/
ha);
cof ajuda co-financiada paga à actividade (/ton);
comp ajuda complementar paga à actividade (/ha);
c custos variáveis da actividade (/ton);
X, Y área da actividade agrícola (ha);
Usa área de pousio obrigatório (ha);
acsa ajuda compensatória paga ao pousio obrigatório (/ton);
crsa classe de rendimento dos solos em pousio obrigatório (ton/ha);
h representa o consumo de água da actividade (m3/ha);
ch o custo da água consumida pela actividade (/m3);
th a tarifa de regadio aplicada à actividade (/ha);
ρ1 representa a variável dual de calibração modificada da actividade;
ar representa a área observada no ano-base de referência da cultura;
a indica o uso do recurso por cada unidade de actividade cultural;
re é a disponibilidade do recurso.
A função objectivo (1) traduz a maximização da margem bruta total da Lezíria do
Tejo.
Este resultado é igual à soma dos valores das produções vegetais, mais ajudas
às culturas deduzido dos custos variáveis dessas actividades. A equação (2) diz
respeito ao uso do recurso terra, e a equação (3) refere-se ao pousio
obrigatório. Esta área deve ser igual a 10% da soma da área ocupada pelas
culturas sujeitas a pousio obrigatório com a área de pousio obrigatório.
A validação do modelo passou pela verificação da coerência dos resultados
obtidos. Os resultados do modelo de PMP mostraram uma elevada aderência aos
valores observados na situação de referência.
RESULTADOS
Foram seleccionadas oito actividades vegetais como objecto deste estudo: o
milho, o trigo duro, o trigo mole, o girassol, o tomate, a beterraba sacarina,
a batata e as culturas hortícolas ao ar-livre. Esta escolha teve em conta as
características das explorações da região, a representatividade das diversas
culturas regadas na superfície total de regadio da Lezíria do Tejo, e os
aspectos da substituição inter-cultural e do cultivo de produtos intermédios.
Em relação aos métodos de tarifação da água, os cenários testados foram aqueles
que, eventualmente, poderiam ter um menor impacto negativo (em termos de
reacção à sua aplicação), quer seja pela sua facilidade de aplicação (métodos
não volumétricos), quer pela sua justiça (métodos volumétricos). Foram assim
estudados os cenários da aplicação de tarifas volumétricas fixas (aplicam uma
tarifa constante por unidade de água, seja qual for a quantidade consumida), de
tarifas volumétricas variáveis (quanto maior a quantidade de água consumida
maior o preço que se terá que pagar por unidade) e de tarifas fixas por
superfície (tarifa fixa por hectare irrigado, não estando relacionada com a
área da exploração, o tipo de culturas ou o volume de água recebido).
Em cada cenário estudaram-se os parâmetros mais significativos do ponto de
vista das actividades culturais e das implicações económicas, sociais e
ambientais. Quanto ao primeiro aspecto, apresentam-se as variações nos níveis
das actividades ocorridas devido à aplicação das tarifas. No aspecto económico,
analisou-se a receita total da aplicação da tarifação da água, o seu impacto na
margem bruta total dos agricultores e nos subsídios pagos aos agricultores.
Observou-se ainda a variação do benefício total do sistema constituído pelos
agricultores e pela entidade gestora e fiscalizadora da aplicação da política
de preço da água. Este benefício foi calculado a partir da soma da margem bruta
total dos agricultores com a receita total da aplicação da tarifação da água
(paga pelos agricultores à entidade gestora). Socialmente, observouse a
quantidade de mão-de-obra total, em dias de trabalho, utilizada para os
diferentes cenários. Em termos ambientais, foram avaliados os valores relativos
aos consumos da água.
A primeira evidência que se constata é que a introdução de qualquer método de
tarifação da água se reflecte de imediato na composição da ocupação cultural da
área de regadio, mesmo quando as tarifas são ainda muito baixas. As Figuras 1,
2 e 3 mostram a evolução da área ocupada pelas diversas culturas, em
percentagem relativamente à área total de regadio para as culturas estudadas,
quando se variam as tarifas da água de regadio, num cenário de aplicação de um
método de tarifação volumétrica fixa, de um método de tarifação volumétrica
variável e de um método de tarifação fixa por superfície, respectivamente.
Figura 1 ' Área ocupada pelas culturas (%) no cenário de introdução do método
de tarifação volumétrica fixa (cent./m3).
Figura 2 ' Área ocupada pelas culturas (%) no cenário de introdução do método
de tarifação volumétrica variável (cent./m3).
Figura 3 ' Área ocupada pelas culturas (%) no cenário de introdução do método
de tarifação fixa por superfície (euros/ha).
Outro aspecto de igual relevância, e que é transversal a todos os métodos, é o
da relativa pouca variação da área das culturas horto-industriais (batata,
beterraba, tomate e hortícolas), mesmo para valores elevados de tarifas de água
para regadio, facto que contrasta com a maior volatilidade observada na área
ocupada pelas restantes culturas. Nos trigos, no girassol e no milho, as
quebras acentuadas nos níveis de actividade quando se introduzem tarifas de
água para regadio devem-se essencialmente à baixa margem de manobra em relação
às margens brutas, associada às suas médias/ elevadas necessidade hídricas.
Tendo em consideração apenas os dois métodos de tarifação volumétrica
estudados, conclui-se que o que apresenta tarifas variáveis provoca uma redução
mais intensa na área ocupada pelas culturas, observando-se uma maior
penalização das culturas mais consumidoras de água em relação às outras.
No que diz respeito à tarifação fixa à superfície, verifica-se claramente uma
menor redução relativa da área de milho. Este pormenor deve-se ao facto de, com
a aplicação desta tarifa fixa ao hectare, não haver um efectivo incentivo à não
produção de culturas muito exigentes em água. O agricultor que decida fazer uma
cultura de regadio paga uma taxa fixa por área de regadio que realizar,
independentemente da cultura que aí fizer. Não terá que pagar qualquer tarifa
suplementar em relação à quantidade de água que utilizar. Desta maneira, a
cultura do milho é relativamente menos prejudicada que os trigos ou o girassol.
Sendo a cultura do milho mais rentável que as outras e não sendo penalizada
pelo elevado consumo de água, sofre um impacto relativo menor com a aplicação
de uma tarifa igual para todas as culturas. No sentido oposto, a beterraba é
relativamente mais prejudicada que as outras culturas do grupo das horto-
industriais, sofrendo uma redução na sua área de mais de 35% para o valor
máximo estudado de tarifação, enquanto que as restantes apenas reduzem, em
média, 14%.
Sendo a cultura da beterraba a menos rentável das horto-industriais, o facto de
consumir menos água que qualquer das restantes não lhe traz qualquer benefício
relativo quando a tarifa de regadio é igual para todas.
Em relação ao aspecto ambiental do con-sumo da água, observam-se reduções
significativas no consumo à medida que aumenta a tarifa, qualquer que seja o
método utilizado (Figura 4).
Figura 4 ' Consumo total de água (hm3) para os diferentes métodos de tarifação.
O facto da redução de área se dar essencialmente nas culturas do milho, trigos
e girassol, conduz a uma forte redução no con-sumo de água, mesmo para tarifas
baixas. A cultura do milho, sendo a maior consumidora de água, comanda a
variação no seu consumo. Observa-se que a introdução da tarifa volumétrica fixa
de 1 cêntimo/m3provoca imediatamente uma redução de 5% no consumo total de
água. No caso de uma tarifa volumétrica variável de 1 cêntimo/m3no primeiro
escalão (2 cêntimos/m3no segundo e 3 cêntimos/m3no terceiro escalão), o consumo
de água regista uma quebra de 8,9%. Como esperado, o método de tarifação
volumétrica variável actua de forma mais acentuada que o método de tarifação
volumétrica fixa. Tanto nas tarifas reduzidas como nas mais elevadas, a redução
do consumo de água é sensivelmente 1,8 vezes superior no método de tarifação
volumétrica variável em relação ao método de tarifação volumétrica fixa (1,85
vezes superior com tarifas de 1 cêntimo/m3e 1 cêntimo/m3no primeiro escalão e
1,73 vezes superior com tarifas de 10 cêntimos/m3e 10 cêntimos/m3no primeiro
escalão). Quanto ao método de tarifação fixa de superfície, verificam-se
reduções do consumo de água de forma semelhante aos outros métodos. Com uma
tarifa fixa de superfície de 50 /ha (correspondente a uma tarifa unitária
média de 0,83 cêntimos por metro cúbico de água), o consumo de água é reduzido
em 2,8% (cerca de 7,2 milhões de m3).
A existência de uma política de preço da água implica a existência de uma
entidade responsável pela sua aplicação, que, naturalmente, recolhe o dinheiro
proveniente dos agricultores e faz a sua gestão de acordo com os interesses dos
utilizadores e da sociedade em geral. Apesar de poder não ser o principal, o
objectivo da recuperação dos custos ' processo que passa pela recolha de
tarifas junto dos utilizadores finais e canalizá-las para as entidades
fornecedoras do serviço, de forma a cobrir total ou parcialmente os custos
inerentes ao fornecimento desse serviço ', orienta-se, frequentemente, no
sentido do equilíbrio orçamental dos fornecedores (Estado, associações de
regantes ou outros), para fazer face aos custos crescentes de operação e
manutenção, bem como na tentativa de diminuição da carga dos subsídios nos
orçamentos do Estado. Neste contexto, e conforme se pode confirmar nas Figuras
5 e 6, os diferentes métodos de tarifação cumprem claramente estes objectivos,
proporcionando receitas muito interessantes e diminuindo a subsidiação aos
agricultores.
Figura 5 ' Receita total da água (milhões de euros) para os diferentes métodos
de tarifação.
Figura 6' Subsídios (milhões de euros) para os diferentes métodos de tarifação.
A título de exemplo, com uma tarifa volumétrica fixa de 1 cêntimo/m3, o
resultado da soma da receita total da água com a poupança nos subsídios pagos
aos agricultores rondaria os 2,86 milhões de euros; com uma tarifa volumétrica
variável de 1 cêntimo/m3no primeiro escalão (2 cêntimos/m3no segundo e 3
cêntimos/m3no terceiro escalão), esse resultado seria de 4,97 milhões de euros;
com uma tarifa fixa de superfície de 50 /ha (0,83 cêntimos/m3), esses valores
estariam próximos dos 2,38 milhões de euros.
Apesar de não haver dados relativos às necessidades de financiamento de uma
futura agência regional gestora dos recursos hídricos, a contribuição para o
seu orçamento da tarifação da água utilizada pelos agricultores será, em
qualquer dos métodos, muito significativa. Não sendo, certamente, o critério
que maior peso específico teria na escolha de um dos métodos de tarifação, nem,
tão pouco, o principal objectivo da aplicação de uma política de preço da água,
a receita da água apresenta valores muito elevados na tarifação fixa por
superfície (que, seguramente, seria a menos dispendiosa de aplicar), sendo
esses valores um pouco menores nos restantes métodos.
Como consequência da introdução da tarifa da água, o rendimento dos
agricultores sofreria uma redução, quer seja pela própria tarifa em si, quer
pela modificação das culturas realizadas ou pela redução dos subsídios. Assim,
analisando a Figura 7, pode-se concluir que, mesmo para valores reduzidos das
tarifas, como sejam de 1 cêntimo/m3, 1 cêntimo/m3no primeiro escalão (2
cêntimos/ m3no segundo e 3 cêntimos/m3no terceiro escalão), ou 50 /ha (0,83
cêntimos/m3), se assiste a uma variação na margem bruta dos agricultores de -
3,7%, -7,2% e -2,5%, respectivamente.
Figura 7 ' Margem bruta total dos agricultores (milhões de euros) para os
diferentes métodos de tarifação.
A entidade gestora responsável pela aplicação da política de preço da água, já
anteriormente referida, forma, juntamente com o agricultor, um sistema
agricultor 'entidade gestora. Se se analisar a variação do benefício total
deste sistema (VBTS) obtém-se um indicador do benefício que, tendo sido perdido
pelos agricultores na redução da sua margem bruta total, não foi transferido
para a entidade gestora sob a forma de pagamento da tarifa de regadio, tendo
saído do sistema devido à transferência de superfície para o sequeiro ou devido
ao abandono das terras. A Figura 8 mostra a variação do benefício total do
sistema para diferentes métodos de tarifação.
Figura 8 ' Variação do benefício total do sistema (milhões de euros) para os
diferentes métodos de tarifação.
De referir que, para o método com tarifa volumétrica fixa, os valores da VBTS
são relativamente reduzidos para valores baixos de tarifação: -62 mil euros
para 1 cêntimo/ m3; -557 mil euros para 3 cêntimos/m3; -1,47 milhões de euros
para 5 cêntimos/m3(representando, mesmo para este caso, apenas uma quebra de
2,1% em relação benefício total do sistema na situação inicial ' sem tarifa de
água). A VBTS com tarifa volumétrica variável é muito mais acentuada: -830 mil
euros para 1 cêntimo/m3no primeiro escalão (2 cêntimos/m3no segundo e 3
cêntimos/m3no terceiro escalão); -3,7 milhões de euros para 3 cêntimos/m3no
primeiro escalão (6 cêntimos/m3no segundo e 9 cêntimos/m3no terceiro escalão);
-8,0 milhões de euros para 5 cêntimos/m3no primeiro escalão (10 cêntimos/m3no
segundo e 15 cêntimos/m3no terceiro escalão). Aqui, para a última situação, a
quebra em relação à situação de partida já rondaria os 11,7%.
Com a aplicação do método de tarifação fixa de superfície, a VBTS tem a
particularidade de, em tarifas relativamente baixas, apresentar um valor
positivo. A aplicação de tarifas por superfície inferiores a 159 /ha (2,63
cêntimos/m3) gera, para o sistema agricultor ' entidade gestora, um fluxo
positivo de benefícios. Isto significa que, ao contrário do que sucedia com os
outros métodos, existe um ganho no benefício total do sistema e não uma perda.
Uma tarifa de 50 /ha (0,83 cêntimos/m3) origina uma VBTS de 357 mil euros; uma
de 100 /ha (1,66 cêntimos/m3) gera uma VBTS de 241 mil euros e uma de 150/ha
(2,48 cêntimos/m3) ainda apresenta uma VBTS positiva de 42 mil euros.
Finalmente, o aspecto social, importantíssimo na implementação de qualquer
política agrícola. Uma política agrícola que seja benéfica em termos ambientais
mas que tenha um elevado peso negativo nas pessoas que dependem da agricultura
não pode ser aplicada, sob o risco da pressão social se tornar insuportável. A
pedra basilar da questão está, precisamente, na determinação do ponto em que o
prejuízo deixa de ser socialmente aceitável.
A Figura 9 mostra a evolução da mãode-obra face às tarifas da água. Observam-se
valores de redução das necessidades de mão-de-obra em redor dos 5% para tarifas
volumétricas fixas de 5 cêntimos/m3, para tarifas volumétricas variáveis de 2
cêntimos/ m3no primeiro escalão (4 cêntimos/m3no segundo e 6 cêntimos/m3no
terceiro escalão) e para tarifas fixas de superfície de 250 /ha (4,14
cêntimos/m3).
Figura 9 ' Mão-de-obra (milhares de dias) para os métodos de tarifação
volumétricos.
Estes valores da variação das necessidades de mão-de-obra devem ser tomados
como indicadores do impacto social da aplicação da política de preço da água
nas áreas de regadio desta região. A definição da tarifa a aplicar deverá
passar por uma séria ponderação do custo social, em termos do aumento da taxa
de desemprego ou da taxa de emprego sazonal ou precário.
CONCLUSÕES
A notícia da futura introdução de mais uma tarifa, desta vez sobre a utilização
da água para o regadio, provocou sobre a maioria da população agrícola um
receio de uma possível degradação das suas condições económicas, fruto do
aumento dos custos com a actividade. O cenário de abandono da actividade
agrícola foi o apontado por muitos como a solução possível face a tal
realidade. Por outro lado, os sectores ambientalistas da sociedade, seguramente
acompanhados pela maioria da população, consideram oportuna, justa e urgente a
aplicação de uma política que proteja um recurso tão precioso como a água dos
abusos que, conscientemente ou não, alguns sectores da actividade económica, ou
parte desses sectores, praticam sobre o mesmo.
O objectivo principal da aplicação de uma política de preço da água, o da
imposição da utilização sustentável da água, é inteiramente alcançado qualquer
que seja o método de tarifação (já que o modelo, sustentado na teoria
económica, valoriza o recurso em função do seu custo marginal ' preço ' e do
valor da sua produtividade marginal), e, apesar das vantagens específicas
inerentes a cada um dos outros métodos, o método de tarifação volumétrica fixa
aparenta ser o mais adequado, aliando eficiência a equilibrio. Revelou-se,
simultaneamente, mais equilibrado que o método de tarifa fixa por superfície e
menos penalizador que o método de tarifas volumétricas variáveis. Conseguindo
atingir os objectivos ambientais de um consumo sustentável da água (com
reduções consideráveis dos consumos mesmo com tarifas baixas), este método não
é tão complexo na sua aplicação como o de tarifas volumétricas variáveis, sendo
mais eficaz que o de tarifa fixa por superfície.
O ajustamento cultural que os agricultores seriam obrigados a efectuar, bem
como os impactos sócio-económicos e ambientais, seriam função da tarifa
estabelecida por metro cúbico de água utilizada na rega. Numa situação em que a
maioria dos regadios da região são privados, suportando os agricultores a
totalidade dos custos de fornecimento, o estabelecimento do preço da água teria
que visar essencialmente a internalização das externalidades económicas e
ambientais e os custos de oportunidade por se utilizar a água na agricultura e
excluir o seu uso noutras actividades, no sentido de equilibrar o valor da água
e os seus custos totais.
Este estudo permite afastar os receios mais pessimistas quanto à dimensão das
implicações negativas que uma política de preço da água acarretará sobre o
equilíbrio das contas das explorações agrícolas, partindo do princípio que o
bom senso será a principal linha orientadora das entidades responsáveis pela
sua implementação (obrigatória e inevitável). Consegue, igualmente, sossegar os
espíritos dos mais preocupados com as questões ambientais, tornando evidentes
os benefícios ambientais da utilização sustentável da água na agricultura.
Torna-se, contudo, necessário alertar para o facto de, numa primeira fase de
adaptação à nova realidade, ter que se pagar pela água utilizada, o Estado
dever suportar parte dos custos da água, transferindo para o agricultor apenas
uma pequena parcela sob a forma de uma tarifa reduzida, para que os impactos
não sejam demasiado penalizadores, permitindo que os ajustamentos às
actividades culturais se façam de forma gradual. Uma política concertada, que
utilizasse parte da receita da água, ou dos subsídios que o Estado poupa com a
introdução desta política, em campanhas de sensibilização junto dos
agricultores para os aspectos ambientais da actividade agrícola, decerto que
tornaria a interiorização do seu papel de protectores da Natureza muito mais
fácil de alcançar, reduzindo significativamente a oposição à implementação
desta e doutras políticas ambientais.