Codigestão de água residual de suinocultura e vinhaça sob diferentes condições
térmicas
Introdução
A energia tem influência direta na sociedade, afetando todos os aspectos do
desenvolvimento social, económico e ambiental (Amigun et al., 2008). Por isso,
a prestação adequada de serviço e fornecimento de energia a preços acessíveis
com mínimos danos ao ambiente torna-se crucial (Karekezi, 2002). Mesmo que
grande parte da energia utilizada na atualidade seja oriunda de fontes não
renováveis, é crescente a procura por fontes alternativas de energia,
direcionando pesquisas e trabalhos para o incremento da matriz a partir de
fontes renováveis (Santos et al., 2012).
A biomassa encontra-se dentre as matérias-primas para produção de energia com
elevado potencial para os próximos anos. Tem sido atraente, pois pode ser
convertida numa variedade de formas de energia como calor, eletricidade,
hidrogénio, metanol, etanol e biogás. De forma particular o biogás é distinto
das outras formas de energia, sendo um combustível relativamente limpo além de
ser importante no controle e coleta de resíduos orgânicos e produção de
biofertilizantes para uso na agricultura. Além disso, não tem limitações
geográficas e as suas tecnologias de processo apresentam baixa sofisticação
(Neto et al. 2010; Chynoweth et al., 2001; Taleghani e Kia, 2005).
No processo de industrialização da cana-de-açúcar, o álcool é produzido a
partir de fermentação e destilação do caldo da cana. Esta operação gera um
resíduo conhecido como vinhaça, consistindo em grande parte de água e não
voláteis. Quando se leva em consideração que a fermentação alcoólica é
facilitada por baixa concentração de açúcares (12-20%) (Garcia et al., 1997), a
quantidade de vinhaça produzida pode ser 10 a 15 vezes superior à de etanol
(Wilkie et al., 2000; Cavalett et al., 2012).
A vinhaça é encontrada em pH ácido (± 4,5), temperatura em torno de 90 ºC, com
grande presença de sais minerais como potássio (5,0 g L-1), além de possuir
elevado teor de matéria orgânica, bastante variável de acordo com o sistema
produtivo de etanol, apresentando valores de 45 a 59 g DQO L-1 (Wilkie et al.,
2000; Ribas, 2006; Viana, 2006), o que marca a necessidade de tratamento.
Outro resíduo agroindustrial gerado em grandes volumes e com potencial poluente
é formado pelos dejetos dos suínos, que apresenta impacto superior ao de outras
espécies animais. Com conceitos de equivalência populacional, um suíno adulto,
em termos de poluição de matéria orgânica, equivale em média, a 3,5 pessoas
adultas (Diesel et al., 2002). Os resíduos apresentam altas cargas de fósforo e
azoto, sedimentos, patógenos e alguns metais pesados (Kunz et al., 2005).
A água residual de suinocultura é amplamente utilizada como fertilizante em
muitos países por causa de sua alta carga orgânica e conteúdo em azoto e
fósforo. No entanto, a criação intensiva de animais somada às altas cargas
orgânicas do resíduo, pode classificar os resíduos como detentores de grande
potencial poluidor do solo e causadores de eutrofização em corpos hídricos
(Massé et al., 2004; Deng et al., 2006).
A biodigestão anaeróbia, se conduzida de forma otimizada, é considerada um
tratamento de alta eficiência e baixo custo, capaz de diminuir o teor de
matéria orgânica de efluentes, enquanto produz energia pela valorização do
metano (Angelidaki et al., 1993).
Levando em consideração o seu alto potencial na redução de emissões de gases de
efeito estufa, o uso de resíduos agrícolas na biodigestão, como resultado de
sua natureza descentralizada e região baseada em estrutura de investimento,
pode contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável em áreas
rurais, garantindo aos agricultores uma nova oportunidade de receita (Cavinato
et al., 2010). Além disso, proporciona a produção de energia renovável e de um
fertilizante com características em nutrientes interessantes (Amon et al.,
2006).
A partir deste cenário e da escassez de trabalhos que visem a co-digestão
destes resíduos, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar o processo de
co-digestão anaeróbia da vinhaça, oriunda dos processos de produção do etanol
hidratado, e de resíduos de suinocultura utilizando-se biodigestores tubulares
sob diferentes condições de temperatura.
Material e Métodos
Substratos
A vinhaça empregada na co-digestão é um resíduo produzido a partir de processos
fermentativos e destilação no Laboratório de Produção de Biocombustíveis
(LAPROBIO) da Universidade Federal do Paraná ' Setor Palotina, visando a
produção de etanol hidratado. Já o resíduo de suinocultura foi recolhido numa
propriedade rural, onde são criados 904 animais com peso entre 18-20 kg. A
matéria-prima empregada na co-digestão provinha da lavagem por lâmina de água
de baias de leitões de engorda que após passarem por gradeamento eram enviadas
diretamente para lagoas de tratamento. Os dois tipos de resíduos foram
acondicionados em garrafas de polietileno e mantidos sob refrigeração até o
momento do uso.
A escolha da proporção de cada efluente na mistura foi definida a partir da
quantidade de Sólidos Totais (ST) presentes e no pH de cada um dos resíduos,
tal como nas relações de Acidez Volátil/Alcalinidade Total (AV/AT) e
Alcalinidade Intermediária/Alcalinidade Parcial (AI/AT).
Biodigestores
Para a condução do processo de digestão anaeróbia, empregaram-se reatores de
fluxo ascendente de escala laboratorial construídos basicamente em PVC,
apresentando medidas de 200 mm de diâmetro e 450 mm de comprimento. Com estas
medidas obtém-se um volume total de 14,13 L. Delimitou-se como volume útil de
trabalho no reator o volume de 10 L. O abastecimento do biodigestor foi
realizado uma vez ao dia, de forma manual através do bocal de entrada que se
prolonga até a parte inferior do reator.
Controle da temperatura
Um dos reatores (Reator 1) foi mantido em incubadora sob a temperatura média de
35 °C. A incubadora foi confeccionada com casco térmico e termostato digital
on/off para o controle da temperatura e definição de set-point, juntamente com
um segundo termómetro digital independente com objetivo de garantir e controlar
a temperatura por todo reator. Todo o sistema de captação do efluente digerido
e coleta do biogás foram realizados externamente à estufa. O outro reator
(Reator 2) foi mantido à temperatura ambiente, e com isso realizou-se a
avaliação dos parâmetros de controle, com o objetivo de comparar com as
adversidades térmicas externas, as quais tem influência direta no interior do
sistema.
Parêmetros de controle dos reatores
Os dois efluentes a serem digeridos em co-digestão foram submetidos a testes de
pH, AT, AV e ST, visando-se a análise e estabelecimento da composição e
proporção da mistura para que a biodigestão ocorresse de forma eficiente.
Estipulou-se, para avaliação do trabalho, a realização de três (três
repetições) Tempos de Retenção Hidráulica (TRH) de 13 dias, ou seja, avaliação
dos reatores durante 39 dias, procurando determinar diferenças na composição da
matéria após digestão, nos dois reatores. Este valor foi definido com base no
volume útil dos reatores e em carga de entrada de efluente que não fosse muito
alta a ponto de proporcionar a lixiviação do inóculo antes da multiplicação das
bactérias. Diversas misturas do efluente foram realizadas de modo a determinar
a relação ideal de alcalinidade total/acidez volátil, pH dos efluentes e de sua
matéria orgânica. Avaliou-se ainda o potencial hidrogeniónico (pH), demanda
química de oxigénio (DQO), sólidos totais (ST), sólidos totais voláteis (STV) e
sólidos totais fixos (STF), acidez volátil (AV), alcalinidade total (AT),
alcalinidade parcial (AP) e alcalinidade intermediária (AI), temperatura e
azoto total Kjeldahl (NTK). Todas as análises realizadas no efluente de entrada
do reator também foram efetuadas em amostras coletadas na saída deste, tornando
possível o estudo, a comparação e a avaliação da eficiência entre ambos os
reatores. As metodologias empregues nas análises estão referidas no Quadro_1.
Resultados e Discussão
Baseando-se em análises dos dois efluentes definiu-se a mistura dos efluentes
em proporções de suíno:vinhaça e analisou-se o material, verificando-se quais
seriam as condições de entrada da biomassa a ser digerida. Os resultados das
análises estão descriminados no Quadro_2.
A utilização da mistura dos dois efluentes nesta proporção garantiu valores
favoráveis no que diz respeito o pH e relação de AV/AT. Com pH entre 6 e 8, o
processo de biodigestão ocorre de forma eficiente (Chernicharo, 1997) e a
relação de AV/AT deve ser de pelo menos 1/5 para que haja disponibilidade de
material alcalino prevenindo possíveis quedas de pH (EEA, 2005). Apesar da
necessidade de concentração de ST inferior aos 8%, notou-se que os valores de
sólidos obtidos após mistura dos dois resíduos foram relativamente baixos
(inferiores a 1%).
No Quadro_3 apresentam-se as eficiências de remoção de DQO, sólidos e azoto
total.
Remoção de STV
Os STV podem ser considerados a matéria orgânica presente no resíduo passível
de transformação. São estes os responsáveis diretos pela produção de biogás,
sendo que quanto maior for à concentração de STV no efluente alimentado, maior
será a capacidade de produção de biogás dos micro-organismos presentes no
biodigestor (Miranda, 2009).
A quantidade de ST e STV, 8816,67 mg L-1 e 4646,67 mg L-1, da mistura a ser
digerida apresenta-se inferior a de outros trabalhos. Isso ocorre, pois a
mistura de ARS empregada é proveniente de animais em estágio prematuro de vida,
onde há maior diluição devido à quantidade de água adicionada nas caixas
coletoras e a própria lavagem das baias no dia da entrada do lote, além da
menor quantidade de esterco sólido gerada por animal ao dia (0,35 kg) conforme
Oliveira (2004), consequentemente geram um teor de sólidos baixo (Sinotti,
2005). Ainda deve-se considerar a mistura com a vinhaça, que também apresenta
baixos teores de sólidos, em média 0,2-6% da composição total (Granato e Silva,
2002).
Angonese et al. (2006) obteve a partir de água de lavagem de suínos,
concentração de ST e STV de 35789 mg.L-1 e 25486 mg.L-1 respectivamente, com um
percentual de STV superior se comparado ao presente trabalho, obtendo assim,
através de biodigestão com reator tubular eficiência de remoção de 59%.
Paralelamente, Vivian et al. (2010) obtiveram valores de ST e STV bastante
semelhantes aos obtidos por Angonese et al. (2006), aproximadamente 35,79 g L-
1 e 24, 78 g L-1, comprovando também, maior participação de matéria
biodisponível no total, porém, as taxas remoção permaneceram bastante baixas,
na casa de 24,16 e 34,63%, respectivamente, devido ao arraste ocorrido na
alimentação do biodigestor de 135 m³ tipo lagoa coberta, que segundo Kunz e
Oliveira (2005) é favorecida pela operação em baixas temperaturas como na faixa
psicrófila, a qual pode ter sido alcançada durante a operação deste no estágio
inicial.
Segundo Costa (2012), a cinética ocorrida no processo de biodigestão anaeróbia
depende fundamentalmente da temperatura, pois esta é um regulador na seleção de
espécies. A temperatura pode variar a concentração de sólidos orgânicos que se
encontram presentes no processo de digestão anaeróbia durante a etapa de
metabolização. Com temperaturas baixas, pode-se dizer que a fração digerida
diminui consideravelmente, sendo atribuída baixa taxa de hidrólise, fazendo com
que partículas sólidas grandes não sejam quebradas.
Em trabalho de Bueno (2010), observou-se eficiência de 56% na remoção de STV de
resíduo de suíno, já Takeuti e Matsumoto (2004), obtiveram eficiência de
remoção de 80%, valores estes muito superiores aos obtidos na atual pesquisa,
sendo a média de 29,91% para o Reator 1 e 25,43% para o Reator 2, fato que pode
ser explicado se considerado a diferente composição do efluente e alto grau de
diluição do material estudado.
Contrera et al. (2005), concluíram que com período de partida de um reator de
fluxo ascendente tubular de 25 dias, a remoção de sólidos ocorre com pouca
eficiência, sendo necessário períodos mais longos de adaptação dos reatores. Em
pesquisa de Rodrigues et al. (2010), utilizando-se de lodo de lagoa anaeróbia
como inóculo e trabalhando com digestão de resíduo de suinocultura, obteve-se
partida do reator com tempo de 15 dias.A partir destas informações determinou-
se que o curto período de adaptação juntamente com a desestabilidade da
temperatura foram as principais variáveis que determinaram a baixa eficiência
de remoção de STV, principalmente no reator 2, que se encontraram inferiores
aos 30%.
Remoção de DQO
Com relação à DQO, segundo Santos (2004), eficiências interessantes para
remoção devem ser da ordem de 65% a 75%, porém afirma que reatores anaeróbios
de leito móvel podem chegar a apresentar eficiência global de remoção de DQO
entre 70% a 98%, confirmando o desempenho elevado desse sistema de reator.
Conforme Quadro_3, observou-se grande eficiência na remoção de DQO em ambos os
reatores. Ainda segundo Costa (2012), a DQO está diretamente relacionada com o
controle de temperatura, visto que a concentração de DQO diminuirá para
temperaturas mais baixas provocando um aumento significativo de pH,
justificando assim o fato de o reator com controle térmico, operando em
temperatura superior e tendendo à constância, apresentar uma maior taxa de
remoção nos tempos de retenção.
Apesar das médias de eficiência de remoção se concentrarem em torno de 68%, em
momentos da pesquisa pode-se verificar que estes valores foram superados,
tendo-se TRH com remoção superior a 79%.
A eficiência constatada em ambos os reatores foram significativas mediante
comparação de outros trabalhos com emprego do mesmo tipo de reator. Campos et
al. (2005), obtiveram eficiência média de 78% de remoção de DQO a partir de
resíduos de suinocultura utilizando reator UASB com TRH médio de 30 horas.
Angonese et al. (2006) observaram conversão de 77% da DQO, Bortoli et al.
(2009) obtiveram eficiências de 70%, Bueno (2010), obteve médias de remoção
entre 51% e 61,6%.
Serejo e Boncz (2011), afirmam que o tratamento da vinhaça com reatores
tubulares pode garantir uma eficiência de até 75%, tornando viável o emprego
deste reator no tratamento deste resíduo. Adicionalmente, Santos (2004), obteve
com reator de fluxo ascendente eficiência média de remoção de 89,5%.
Adicionalmente, um aumento na temperatura do reator termicamente controlado
para a faixa termofílica poderia ocasionar um aumento abrupto na remoção de
DQO, no entanto, rápida degradação e conversão do material orgânico em ácidos
voláteis pode não ser acompanhada pela fase metanogênica gerando acumulo destes
no sistema, ocasionando colapso do reator (Viana, 2006).
É importante salientar que as características iniciais do efluente, bem como o
sistema de operação e suas condições, são bastante influenciadores no sucesso
do tratamento, visto que Machado e Freire (2009) obtiveram remoção média de 23%
e máxima de 40% no tratamento de vinhaça com DQO inicial de 55.000 mg.L-1 em
reator UASB operando com TRH de 20 horas, comprovando a variação comentada.
Produção de metano
Na Figura_1, pode verificar-se o perfil da produção de metano durante o período
de monitorização do reator. Nota-se uma diferença significativa no que diz
respeito ao perfil da produção de metano entre os dois reatores. A produção de
biogás nem sempre está atrelada à total produção de metano, visto que os micro-
organismos não apresentando condições favoráveis, podem produzir maiores
concentrações de CO2, como em casos onde a fase da metanogênese-acetoclástica é
prejudicada de alguma maneira, como pH e índice de acidez elevados (Balmant,
2009).
A produtividade no Reator 2 foi muito inferior (330%) ao Reator 1, apesar deste
apresentar estabilidade de produção de gás durante os 49 dias de monitorização,
enquanto que o reator termicamente controlado apresentou muitas variações
bruscas. A relação de produção de metano por DQO alimentada correlacionada com
a temperatura pode ser visualizada na Figura_2.
Fica visível que a produção de metano a partir da conversão de DQO é crescente
no Reator 1 com tendência linear a partir do 15º dia de fermentação, onde a
remoção de STV apresentou-se de forma mais eficiente. O Reator 2 se mostra
tendendo à estabilização na produção, não apresentando melhora na eficiência no
decorrer do tempo.
Souza et al. (2005), afirmam que temperaturas entre 35-45 °C garantem uma
melhor produção de metano, além de apresentar produção de biogás de 5 a 6 vezes
maior do que sob temperatura de 25 °C. Igualmente, temperaturas mais elevadas
possibilitam menores tempos de TRH. Souza et al. (2008) drefrem que a
temperatura exerce certa influência sobre a velocidade do processo de
biodigestão e biodigestores. Operando na faixa termofílica, a remoção de DQO e
sólidos ocorrem com maior eficiência do que em reatores sob faixa mesofílica.
Ainda confirma que diferenças significativas podem ser verificadas na produção
volumétrica de metano com o aumento da temperatura, obtendo melhores resultados
com utilização de biodigestores em faixas próximas a 40°C.
Contrariamente a Souza et al. (2008), Souza et al. (2005) observaram maiores
produções em reatores operados em temperatura de 35oC, comparativamente a
reatores a 25 e 40oC, no caso de reatores sem agitação, tendo produção superior
em reatores com maior temperatura (40oC) quando agitados mecanicamente.
Conclusões
O fator temperatura influenciou consideravelmente o processo de biodigestão nos
dois reatores principalmente na produção de metano. As eficiências de remoção
de DQO apresentaram-se próximas as encontradas em literatura para digestão dos
resíduos estudados, enquanto as eficiências de remoção de ST e STV apresentaram
valores relativamente baixos.