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EuPTCVAg0871-018X2015000200016

EuPTCVAg0871-018X2015000200016

National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Cancro do castanheiro na região do Minho: Estrutura populacional e variabilidade genética de populações de Cryphonectria parasitica

Introdução O castanheiro (Castanea sativaMill.) é uma espécie de grande importância na região Norte de Portugal produzido num sistema agroflorestal orientado para a produção de castanha. O Cancro do castanheiro (Cryphonectria parasitica (Murrill) Barr) é uma doença de quarentena, introduzida em Portugal em 1989 na região de Trás-os-Montes que teve uma dispersão muito rápida em todas as regiões de produção de castanheiro, sendo atualmente considerada como a principal causa de morte. No Minho, a área de castanheiro teve uma redução drástica quando da introdução da Doença da Tinta nos finais do século XIX (Fernandes, 1966) estando atualmente confinado a plantações de castanheiros híbridos de pequena dimensão e à presença de castanheiros dispersos na região.

O Cancro do castanheiro foi progressivamente invadindo as áreas de souto nesta região manifestando de igual forma elevada virulência e agressividade. Não existindo meios de luta eficazes para travar o desenvolvimento e dispersão da doença, e todos os meios de mitigação se tenham revelado de reduzida eficácia no seu controlo e dispersão (Gouveia et al., 2003; Bragança, 2007), a hipovirulência, meio de luta biológico, é a forma mais promissora para travar a doença. A disseminação do hipovírus, vírus dsRNA que transmite o fator de hipovirulência, está diretamente relacionada com os grupos de compatibilidade vegetativa (VCtype) presentes em cada local (Anagnostakis et al., 1986), pelo que para a sua utilização como meio de luta contra a doença exige que se conheça a estrutura populacional de C. parasitica e que se identifiquem os VCtype presentes em cada souto.

Com este trabalho pretende-se avaliar a incidência e severidade do Cancro do castanheiro e analisar a estrutura da população de C. parasitica na região do Minho considerando-se como subpopulações os isolados obtidos em cada um dos três soutos da Região do Minho localizados em Felgueiras, Vila Verde e Ponte de Lima. Constitui ainda objetivo deste trabalho estudar a variabilidade genética de C. parasitica por métodos moleculares (box- PCR) considerando a localização do souto e os isolados do mesmo VCType presentes nas diferentes subpopulações em estudo.

Material e Métodos Recolha de material vegetal contaminado Os soutos em estudo localizam-se em Felgueiras, na freguesia de Sendim, em Vila Verde, na Freguesia de Pico de Regalados e em Ponte de Lima, na freguesia de Cepões.

Nos soutos efetuou-se uma amostragem em árvores que apresentavam sintomas do Cancro do castanheiro como a copa afetada com ramos secos, cancros e fendilhamento da casca, rebentação adventícia exuberante, e a presença de picnídios. Nos soutos estudados os procedimentos de campo envolveram uma avaliação geral, num percurso sequencial, para observação do estado sanitário da parcela, procedendo-se a uma análise visual das árvores a fim de detetar os sintomas do Cancro do Castanheiro. Foi recolhido material vegetal na zona de expansão de cancros virulentos (Vir) ou de cancros curados (Hip). As amostras foram retiradas com a ajuda de uma navalha ou com um punch, sendo o material desinfetado com etanol a 96 % entre cada colheita de uma nova amostra. As amostras foram devidamente identificadas e transportados para o laboratório, sendo guardadas no frigorífico até ao isolamento do fungo.

Isolamento das estirpes de C. parasitica Para o isolamento de C. parasitica utilizou-se o meio de cultura Potato Dextrose Agar (PDA, Difco, 39 g L-1), distribuído em placas de Petri. O manuseamento do material vegetal e os isolamentos foram realizados em condições de assepsia, na câmara de fluxo laminar. Cada secção de madeira foi colocada em etanol a 70% durante dois minutos e flamejada ou lavada em água destilada esterilizada antes de ser transferida para placas de Petri com o meio de cultura. As placas foram incubadas a 25 ºC na ausência de luz durante 7 dias, tendo posteriormente sido expostas à luz do laboratório durante 7 dias para desenvolvimento de esporos (Robin et al., 2000).

Dois isolados de cada amostra foram selecionados e guardados para estudo. Os isolados obtidos de C. parasitica foram seguidamente purificados por repicagem de uma porção de micélio, transferido para novas placas com meio PDA. Os isolamentos puros de C. parasitica foram conservados em tubos de ensaio com PDA inclinado à temperatura de 4 ºC.

Severidade da doença Avaliou-se a incidência da doença nos soutos e as árvores foram classificadas quanto à severidade da doença provocada por C. parasitica com base na aplicação da escala de severidade de 1 a 5 proposta por Juhásová e Bernadovičová (2001) como indicado no Quadro_1.

Determinação de Grupos de Compatibilidade Vegetativa (VCtype) A determinação dos grupos de compatibilidade vegetativa (VCType) dos isolados com caraterísticas virulentas obtidos em laboratório, foi efetuada de acordo com a resposta Barreira versus Fusão proposta por Anagnostakis et al. (1986).

Efetuaram-se pareamentos de todos os isolados com os isolados de referência Europeus (European Testers) EU-1, EU-2, EU-11, EU-12 e EU-66. Utilizou-se meio PDA e cada placa foi dividida em cinco partes. Cada uma destas seções foi inoculada com conídeos da estirpe EU-1, e a uma distância de 3 mm em cada seção, inocularam-se conídeos de cinco isolados portugueses dos soutos em estudo. Repetiu-se o mesmo procedimento para as restantes estirpes europeias EU2, EU-11, EU-12 e EU-66.

Caracterização molecular das populações de C. parasitica Da coleção de C. parasitica obtida, foram selecionados aleatoriamente isolados obtidos em Felgueiras e Vila Verde, pertencentes a grupos de compatibilidade vegetativa diferentes, hipovirulentos ou virulentos (Quadro_2).

Destes isolados, foi extraído DNA das estruturas estromáticas e hifas de cada isolado com o kit Nucleospin (Macherey-Nagel), de acordo com instruções do fabricante. Resumidamente, após um esmagamento inicial no tampão de lise com pistões adaptáveis aos microtubos de 1,5 ml, foi promovida uma lise química e disrupção celular a 70º C com tampão de lise contendo proteinase K. O DNA foi lavado com os tampões de lavagem fornecidos, precipitado com etanol e recuperado na membrana fornecida por centrifugação. Foi obtida uma solução de DNA de cerca de 100 μl de volume.

Para a amplificação de sequências repetidas do DNA com o primer BOX A1R, (Versalovic et al.1994), foi optimizada a mistura de reacção (20 µl) constituída por 10 µl de Sigma ReadyMix RedTaq w/ MgCl2, 1µl primer BOX A1R (10 mM), 3 µl solução de DNA e 6 µl Água MilliQ estéril / PCR grade. A amplificação de DNA realizou-se de acordo com o programa de amplificação constituído por um ciclo de 95 °C (7 minutos), seguido de 35 ciclos (1 minuto a 94 °C, 1 minuto a 53 °C, 4 minutos a 72 ºC), e um ciclo final de 72 °C durante 7 minutos.

Os fragmentos de DNA amplificados foram separados por electroforese horizontal em gel de agarose 2% em TBE 1X, contendo 0,01 % de GelRed (Biotium). Em cada gel, foi incluído 2,5 μl) de marcador de tamanho molecular (1 Kb DNA ladder), previamente misturado com tampão de carregamento. A electroforese decorreu a uma voltagem constante de 100 V durante cerca de 3 horas. Os fragmentos amplificados foram visualizados sob radiação ultra violeta e as imagens gravadas em suporte informático para análise. A análise foi realizada com o programa freeware GelAnalyzer 2010a (GelAnalyzer.com) para proceder à interpretação da mobilidade relativa das bandas, utilizando as bandas obtidas daladder1 Kb como referência. A detecção automática das bandas produzidas nas linhas correspondentes às amostras a analisar foi corrigida manualmente, e o seu peso molecular (em pares de bases) foi estimado por comparação com as bandas do espectro da ladder de 250 a 1500 bp. Seguidamente, foi construída uma matriz binária em Excel para Windows para o conjunto das amostras, sendo a presença de bandas com determinado peso molecular (+/- 5 bp) assinalado com 1' e a sua ausência com 0'. A partir desta matriz foi construído um dendrograma com distâncias euclidianas utilizando o programa Past 3.04 (Hammer et al.

2001), que foi utilizado para averiguar a proximidade genética entre os isolados testados e relacioná-la com as características escolhidas à priori, ou seja, a sua origem, virulência e grupo de compatibilidade vegetativa - VCType.

Resultados Severidade da doença Considerando a totalidade das árvores do souto de Felgueiras, conclui-se que apenas 3% das árvores avaliadas não apresentam sintomas do Cancro do Castanheiro, e na maioria dos castanheiros (86%) a doença manifesta-se com severidade de grau 2 ou 3. A percentagem das árvores que estão gravemente afetadas pelo cancro, em que se observou a presença de 3 ou mais cancros e/ou áreas afetadas muito extensas é de 7% e 4% das árvores perderam a sua viabilidade biológica (Figura_1).

Na Figura_2 apresentam-se os resultados obtidos no souto de Vila Verde, onde é possível constatar que apenas 4% das árvores avaliadas estavam sãs, não se verificando a existência de castanheiros sem viabilidade biológica. No entanto, 25% dos castanheiros apresentavam vários cancros e/ou cancros com áreas extensas. Estes últimos pertenciam a uma parcela com castanheiros com mais de 30 anos. As árvores em questão não apresentavam morte de ramos ou rebentação adventícia, mas foi de notar a existência de cancros curados. Estas evidências aplicaram-se a todos os castanheiros avaliados neste souto, independentemente da severidade com que a doença se manifestava. Nos castanheiros mais jovens, em início de produção, a quase totalidade destas árvores apresentava um cancro com área reduzida e cancros curados. Em alguns castanheiros não se verificavam os sinais e sintomas de cancro, verificando-se apenas a existência de cancros curados nos troncos ou ramos.

Os castanheiros do souto de Cepões (Ponte de Lima) apresentavam um grau de severidade da doença variável entre 2 e 4. Dos 35 castanheiros analisados, 29% não apresentavam sintomas da doença, 26% foram classificados com grau 2; 23% com grau 3 e igual percentagem com grau 4 (Figura_3). A maioria das árvores analisadas apresentavam fendilhamento da casca (88,6%), e a presença de picnídios foi evidente em 22 árvores (63%). Neste souto observou-se igualmente a existência de cancros curados, com uma incidência de 31%.

Caracterização dos isolados de C. parasitica Sete dias após incubação a 25ºC na ausência de luz, o crescimento de C.

parasitica era bem visível. No caso dos isolados obtidos de cancros agressivos observou-se micélio com a coloração laranja e a presença de estruturas estromáticas também de cor laranja e com esporos. Os isolados obtidos de cancros curados apresentavam micélio aéreo branco e ausência de esporos.

Nos três soutos em estudo recolheram-se um total de 132 amostras obtidas de cancros agressivos e de cancros curados conforme o indicado no Quadro_3.

No que diz respeito ao padrão de crescimento do micélio de C. parasiticaem meio PDA, verificou-se que apenas os isolados do souto de Cepões apresentaram crescimento irregular do micélio (Figura_4a). Nos soutos de Felgueiras e Vila Verde o padrão de crescimento do micélio dos isolados foi uniforme (Figura_4b, c_e_d).

A coloração do micélio predominante nos isolados virulentos dos soutos de Felgueiras e Cepões foi laranja (Figura_4a,_c_e_d), tendo neste último souto uma expressão muito significativa (81%). Nos isolados do souto de Vila Verde observou-se predominância de micélio com coloração amarela (Figura_4b). A cor vermelha alaranjada do micélio dos isolados de C. parasitica foi pouco significativa (1% dos isolados).

A percentagem de esporos com distribuição dispersa no micélio de C. parasitica (Figura_4b) é mais representativa nos soutos de Vila Verde e Cepões (13% e 36%, respetivamente), enquanto no souto de Felgueiras, foi mais representativa a distribuição concêntrica dos esporos no micélio (11%). A distribuição dos esporos no micélio considerada mista, apenas ocorreu nos soutos de Felgueiras e Vila Verde.

Grupos de compatibilidade vegetativa (VCType) A determinação dos grupos de compatibilidade vegetativa (VCType) dos isolados com caraterísticas virulentas, efetuada de acordo com a resposta Barreira versus Fusão permitiu concluir que no souto de Felgueiras 84,2% dos isolados foram classificados como pertencentes ao VCType EU-11; 13,2% ao VCTypeEU-2 e 2,6% enquadraram-se no VCType EU-1.

O souto de Vila Verde (Figura_5) apresentou uma maior diversidade de VCType.

Assim, os isolados deste souto pertencem aos VCType EU-1 (2,2%), EU-2 (30,4%), EU-11 (43,5%), EU-12 (13%), EU-66 (8,7%) existindo ainda o isolado A2 HipA (2,2%) que não apresentou compatibilidade vegetativa com nenhum dos isolados estudados.

O souto de Cepões apresentou os mesmos grupos de compatibilidade, prevalecendo igualmente o EU-11 (60%). Os restantes isolados ficaram incluídos nos VCType EU-1 (8,2%), EU-2 (16,5%), EU-12 (9,4%), EU-66 (5,9%).

Caracterização biológica e molecular das populações de C. parasitica A análise dos fingerprints genéticos obtidos por rep-PCR utilizando o primer BOX A1R obtidos após electroforese dos fragmentos de DNA amplificados, são os apresentados na Figura_6. Pela sua análise constata-se que não foi possível agrupar os diferentes isolados de acordo com a sua origem geográfica, virulência ou grupo de compatibilidade vegetativa. No entanto, a presença de um produto de PCR de cerca de 370 pb na maioria dos isolados, poderá revelar alguma homogeneidade neste grupo.

Discussão e Conclusão Estudou-se a população de C. parasitica, em três soutos da Região do Minho, localizados nos concelhos de Felgueiras, Vila Verde e Ponte de Lima. O estudo da incidência e severidade do Cancro do castanheiro mostrou que dos 221 castanheiros analisados, vinte e um não apresentavam sintomas de cancro e quatro não possuíam viabilidade biológica. Estes soutos apresentavam uma elevada incidência de Cancro do Castanheiro, mas também se observou a existência de muitos cancros curados.

A análise morfológica realizada segundo a metodologia de Bissegger et al.

(1997) permitiu separar os isolados que apresentavam características virulentas, dos isolados que apresentavam caraterísticas hipovirulentas.

Verificou-se que, dos isolados obtidos a partir de amostras de cancros curados, 36 isolados apresentaram colónias com características morfológicas de estirpes virulentas de C. parasitica. Resultados semelhantes foram também obtidos nos estudos realizados por Bryner et al. (2014), que também isolaram estirpes virulentas a partir de amostras de cancros curados.

No souto de Felgueiras 84,2 % dos isolados obtidos pertencem ao VCTypeEU-11, fato pouco comum no resto da Europa e muito comum em Portugal. Os estudos realizados por outros autores (Gouveia et al., 2001; Bragança, 2007) têm tido resultados coincidentes no que diz respeito à prevalência do VCType EU-11.

Neste souto, para além da baixa variabilidade de VCType, os isolados hipovirulentos obtidos pertencem ao mesmo VCType (EU-11) que os isolados virulentos da população de C. parasitica, o que terá favorecido a generalização da hipovirulência neste ecossistema, facilitando a recuperação das árvores doentes.

No Souto de Vila Verde existe maior variabilidade de VCType, tendo-se identificado seis grupos de compatibilidade vegetativa EU-1, EU-2, EU-11, EU- 12, EU-66 e ainda um isolado não compatível com os EU testers utilizados. O VCType mais representado é o EU-11 (43,5%), seguido do VCType EU-2 com 30,4% dos isolados.

O souto de Cepões é composto por castanheiros de origem nacional e castanheiros importados de França. Verifica-se que existe variabilidade de VCType, ao todo cinco grupos EU-1, EU-2, EU-11, EU-12, EU- 66. O grupo predominante é claramente o EU-11 (60%), seguido do EU-2 (16,5%),). A importação de porta- enxertos e varas para enxertia, franceses, pode ter influenciado a variabilidade de VCType encontrada neste souto, mas a disseminação do Cancro do castanheiro pelo souto parece ter partido dos porta-enxertos nacionais, pois o VCType EU-11 é o VCtype dominante na população Portuguesa de C. parasitica sendo pouco comum no resto da Europa (Bragança, 2007; Bragança et al., 2007; Gouveia et al., 2010). Neste souto não se conseguiu isolar estirpes hipovirulentas, mas verificou-se que existem muitos castanheiros com cancros curados, pelo que se conclui que a hipovirulência também está presente neste souto.

A confirmação da presença de isolados com características de hipovirulência (isolados de micélio branco em Felgueiras e Vila Verde), a presença de elevado número de cancros curados e a presença de cancros ativos e cancros curados na mesma árvore, indica a presença e dispersão da hipovirulência nestas diferentes subpopulações. Continuar o estudo destas subpopulações e dos hipovírus presentes nos isolados brancos obtidos, permitirá compreender os fatores que determinam a sua presença (founder effect) e a sua dispersão. Conhecer a evolução da hipovirulência nestas subpopulações no Minho, contribuirá decisivamente para a aplicação eficiente da hipovirulência como meio de luta biológica contra cancro do castanheiro noutras regiões do país.


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