Complexo de troca, classificação e gestão dos Solos Ferralíticos de Angola
Introdução
A actividade desenvolvida em Angola no âmbito da Ciência do Solo, como
resultado da cooperação entre o Instituto Superior de Agronomia e o Instituto
de Investigação Cientifica Tropical, atingiu ampla expressão e contribuiu de
forma destacada para o profundo conhecimento científico dos solos do território
angolano e consequentemente dos solos das regiões tropicais, havendo tido
marcada influência no desenvolvimento da Ciência do Solo nessas regiões
(Ricardo e Réffega, 2003; Ricardo et al., 2006). Dado o valioso património
acumulado sobre o conhecimento científico dos solos da República de Angola,
nomeadamente no que toca à sua cartografia e classificação (MPA, 1960 e 1964;
MPAM e CEP, 1968; CEP, 1997), ele não pode ser esquecido e muito menos
desprezado; antes, sim, ele deve ser aprofundado e até ampliado (Ricardo et
al., 2006), de uma forma sistemática e coordenada, tendo sobretudo em atenção o
aprofundamento da caracterização física, química e mineralógica dos solos mais
representativos, por intermédio dos parâmetros adequados que possibilitem a
aferição do Sistema de Classificação Pedológica do Centro de Estudos de
Pedologia (CEP, 1995)‑ Classificação dos Solos de Angola ‑ e o enquadramento
das suas unidades-solo nos sistemas taxonómicos internacionais em uso,
nomeadamente a World Reference Base for Soil Resources (WRB, 2006) e a Soil
Taxonomy (SSS, 1999). Assim, entendeu-se aplicar a um universo representativo
de amostras-padrão, já estudadas pelos métodos analíticos seguidos pelo CEP
(1995), a metodologia adoptada por aqueles sistemas taxonómicos de referência
(SSS, 1999; WRB, 2006), a fim de definir correlações que, muito simplesmente,
permitam a possibilidade de transposição dos inúmeros dados analíticos
existentes sobre os solos de Angola para os parâmetros considerados por esses
sistemas. Tais estudos também permitirão o aprofundamento do conhecimento de
parâmetros químicos do solo com relevância para a avaliação e gestão da
fertilidade do mesmo e para a definição de bases para o planeamento agro-
ecológico e para a adequação de sistemas de uso dos solos consentâneos com a
sustentabilidade dos sistemas agrários.
Esses estudos deverão iniciar-se pelos Solos Ferralíticos (CEP, 1995), aos
quais tem sido apontada uma grande representatividade no território angolano
(MPA, 1960 e 1964; MPAM e CEP, 2000; CEP, 1997b), nomeadamente no planalto
antigo, ocorrendo em condições climáticas algo diferenciadas e evoluindo sobre
materiais originários muito distintos. Estes solos também são os mais
representativos em vastas áreas de Angola consideradas de grande importância
para o desenvolvimento do sector agrícola (Asanzi et al., 2006). As
características gerais dos Solos Ferralíticos são detalhadamente enumeradas na
Carta de Solos da Província de Malange (CEP, 1995). Entre as mais relevantes,
especificamente no que se refere ao horizonte B, avultam a nula ou fraca
"reserva mineral alterável" na fracção arenosa, uma capacidade de
troca catiónica directa a pH 7 (método do acetato de amónio) da "fracção
coloidal inorgânica" (com razão SiO2/Al2O3 inferior a 2) geralmente
inferior a 15 cmolc kg-1, reacção do solo fortemente a moderadamente ácida e
grau de saturação em bases geralmente inferior a 50%. Os Solos Ferralíticos
apresentam, contudo, uma certa diversidade, que se evidencia pelas
características das respectivas subordens (CEP, 1995).
A Carta Generalizada dos Solos de Angola teve, até à data, quatro aproximações
(MPA, 1960 e 1964; MPAM e CEP, 2000; CEP, 1997b). A quarta aproximação (CEP,
1997b), elaborada em versão digital (formato vectorial), foi adaptada de forma
preliminar à última versão da Legenda da FAO (1988). Assim, aproxima-se de
certo modo ao sistema da WRB (2006), o qual se tornou a referência para a
nomenclatura e a classificação dos solos na Comissão Europeia e foi adoptado
como ferramenta preferida pela "West and Central African Soil Science
Association" para a harmonização e troca de informação na região (WRB,
2006). Os princípios da classificação WRB baseiam-se nas características dos
solos em termos de horizontes, propriedades e materiais de diagnóstico, bem
como em caracteristicas de diagnóstico relacionadas com a génese do solo.
A classificação dos Solos Ferralíticos de Angola (CEP, 1995) baseou-se em
critérios que só aproximada e parcialmente são adoptados pela SSS (1999) e pela
WRB (2006).De facto,nestes sistemas, os solos de índole semelhante aos Solos
Ferralíticos (Oxissolos e Ferralsolos) são classificados de acordo com a
ocorrência de horizontes óxico (SSS, 1999) e ferrálico (WRB, 2006),
respectivamente; estes, além da baixa percentagem (<10%) de minerais alteráveis
na fracção 0,05-0,2 mm, são definidos a partir do valor da capacidade de troca
catiónica da fracção argila - determinada pelo acetato de amónio a pH 7 ‑ e da
capacidade de troca catiónica efectiva do solo (também por unidade de massa da
fracção argila), obtida a partir da acidez de troca e da soma das bases de
troca, também pelo acetato de amónio. Neste contexto, os dados da capacidade de
troca catiónica disponíveis para os Solos Ferralíticos de Angola apresentam
nessidade de aferição porque foram determinados pelo método de Mehlich (CEP,
1995) - o método que foi considerado o adequado para os solos de reacção
alcalina das regiões áridas (com calcário), mas que continuou a ser adoptado
para os solos das restantes regiões; além disso, os dados disponíveis não
possibilitam estimar a capacidade de troca catiónica efectiva do solo porque
não foi determinada a respectiva acidez de troca (CEP, 1995). Assim, não se
dispõe de alguns dados essenciais para a identificação inequívoca dos
horizontes óxico ou ferrálico; para o efeito torna-se, portanto, necessário
correlacionar os valores da capacidade de troca catiónica pelo método de
Mehlich com os obtidos pelo método do acetato de amónio e avaliar a capacidade
de troca catiónica da fracção argila; também é indispensável dispor de
informação pertinente sobre a acidez de troca que, para além dos requisitos
taxonómicos, também é fundamental para o desenvolvimento de sistemas de gestão
da reacção e da fertilidade do solo (Van Wambeke, 1992; Sanchez, 1976). Esta
informação é também essencial para a especificação de qualificadores que
permitem detalhar as propriedades do Grupo de Referência Ferralsolos (WRB,
2006), nomeadamente o carácter gérico, vético, háplico, alúmico, êutrico e
dístrico.
Neste contexto, foi desenvolvido o presente estudo com os objectivos de, em
primeiro lugar, comparar os parâmetros do complexo de troca catiónica
(capacidade de troca catiónica, bases de troca, soma das bases de troca e grau
de saturação em bases) de um leque representativo de Solos Ferralíticos de
Angola, obtidos pelo método de Mehlich (o utilizado pelo CEP na caracterização
dos solos de Angola) com os do método do acetato de amónio, cujos dados são os
utilizados para a especificação dos horizontes (óxicoe ferrálico) inerentes aos
Oxisols (SSS, 2003) e aos Ferralsols (WRB, 2006) - os solos mais
característicos das áreas tropicais húmidas; em segundo lugar, determinar a
acidez de troca e, a partir dela, determinar a capacidade de troca catiónica
efectiva dos mesmos solos; em terceiro, aferir como os parâmetros do complexo
de troca e outros derivados consubstanciam a definição dos Solos Ferralíticos
(e as subdivisões taxonómicas pertinentes) e clarificam o seu enquadramento no
sistema WRB; finalmente, identificar as questões cruciais da gestão dos Solos
Ferralíticos associadas às características do respectivo complexo de troca.
Material e Métodos
Material
No presente estudo foram considerados 48 pédones procedentes de diferentes
regiões representativas de Angola (Figura_1) a que correspondem 222 amostras de
outros tantos horizontes de Solos Ferralíticos do território angolano (MPA,
1959 e 1961; MPAM, 1968; MPAM e CEPT, 1968 e 1972; CEP, 1985; CEP, 1995; CEP,
1997a; CEP, 2000; CEP, 2002; CEP, 2009). Em cada pédone consideraram-se todos
os horizontes até à presença de material originário ou até 150 cm de
profundidade, dado que para a definição dos Ferralsolos é necessária a
ocorrência de um horizonte ferrálico até essa profundidade (WRB, 2006). Alguns
dos pédones já tinham sido alvo de estudos preliminares com vista às
determinações do alumínio de troca (Neto, 2006; Neto et al., 2006), do teor de
ferro livre e da reserva total de bases (Teixeira, 2006; Teixeira et al.,
2006), considerando-se esta última uma alternativa à quantificação de minerais
alteráveis (Herbillon, 1989; WRB, 2006), bem como à comparação dos métodos de
Mehlich e do acetato de amónio na avaliação da capacidade de troca catiónica de
Solos Ferralíticos e afins (Sertoli, 2009).
Todos os pédones estudados foram descritos morfológicamente e classificados de
acordo com a Classificação dos Solos de Angola (CEP, 1995). Localizam-se
generalizadamente nas regiões planálticas do País, a altitude entre 1000 e 1600
m, em que a precipitação média anual varia entre 800 e 1400 mm e a temperatura
média anual entre 19 e 25ºC; o clima, de acordo com a classificação de Köppen,
varia entre o tropical chuvoso de savana (Aw), o temperado húmido com estação
seca no Inverno e Verão longo e quente (Cwa) e o temperado húmido com estação
seca no Inverno e Verão longo e fresco (Cwb).
Esses pédones, considerando o Esboço Geológico de Angola (Mouta, 1954), ocorrem
generalizadamente sobre as Formações do Maciço Antigo e as Formações de
Cobertura (MPAM, 1968). As Formações do Maciço Antigo são representadas pelas
rochas eruptivas (geralmente rochas eruptivas ácidas e, também, a grande
intrusão gabro-anortosítica do Sul de Angola), pelo "Complexo de
Base" (constituído por granitos gnáissicos, gnaisses de composição
variável e migmatitos, e por uma série superior que engloba formações
sedimentares fortemente metamorfizadas ‑ agrupando filádios, xistos vários e
quartzitos) e pelo "Sistema do Congo Ocidental" (formações
sedimentares que correspondem a arcoses, grauvaques, quartzitos, xistos
argilosos, argilitos e alguns calcários). As Formações de Cobertura estão
representadas pelo "Sistema do Kalahari" (em que predominam os
conglomerados, grés finos-argílicos do Cretácico Continental, grés polimorfos,
areias eóleas, possivelmente pliocénicas, e cascalheiras roladas fluviais), bem
como pelo "Sistema do Karroo",em que as formações xisto-gresosas
são predominantes.
Os pédones estudados distribuem-se pelas seguintes três subordens consideradas
nos Solos Ferralíticos (CEP, 1995): Solos Tipoferrálicos (14 pédones, 62
horizontes), Solos Fracamente Ferrálicos (26 pédones, 129 horizontes) e Solos
Psamoferrálicos(8 pédones, 31 horizontes). Os Solos Tipoferrálicos são Solos
Ferralíticos que, pelo menos no horizonte B, apresentam uma textura tão ou mais
fina do que o franco-arenoso fino; têm uma fracção argilosa com razão molecular
SiO2/Al2O3inferior a 1,30 (com forte influência de minerais de ferro e com a
gibsite sempre presente) e apresentam, frequentemente, valores de pH em KCl
muito próximos ou mesmo superiores aos correspondentes valores determinados em
água; e denotam consistência branda a branda/ligeiramente dura no estado seco e
muito friável a friável no estado húmido (CEP, 1995). Os Solos Fracamente
Ferrálicos são Solos Ferralíticos que, pelo menos no horizonte B, apresentam
uma textura tão ou mais fina do que franco-arenoso fino; têm uma fracção argila
com razão molecular SiO2/Al2O3superior a 1,30, mas inferior a 2, tendo por isso
uma menor expressão os minerais de ferro e de alumínio; também denotam
consistência branda a ligeiramente dura e/ou dura no estado seco e friável a
firme no estado húmido (CEP, 1995). Os Solos Psamoferrálicos são Solos
Ferralíticos de textura tão ou mais grosseira do que o franco-arenoso grosseiro
a qualquer profundidade; na maior parte dos casos formam-se a partir de
sedimentos arenosos não consolidados, de grande espessura e essencialmente
quartzosos (CEP, 1995); as características da sua fracção coloidal inorgânica
enquadram-se nas referidas para as outras duas subordens.
Metodologia laboratorial
Os parâmetros respeitantes à caracterização do complexo de troca (Brady &
Weil, 2008) dos solos do presente estudo foram determinados pelométodo de
Mehlicha pH 8,1 epelo método do acetato de amónioa pH 7,0. Determinaram-se (i)
a capacidade de troca catiónica, ou seja, a máxima quantidade de catiões que a
unidade de massa de um material pode reter sob a forma permutável; (ii) a
concentração de catiões não ácidos de troca (Ca2+, Mg2+, K+, Na+) -
tradicionalmente designados por bases de troca ‑ e a respectiva soma; e (iii) o
grau de saturação em catiões não ácidos (correntemente designado grau de
saturação em bases). Além disso, determinou-se a acidez de troca (Al3++H+) e, a
partir da mesma, a capacidade de troca catiónica efectiva.
A caracterização do complexo de troca pelo método de Mehlicha pH 8,1 seguiu a
metodologia descrita por Póvoas e Barral (1992). As amostras (10 g) foram
lixiviadas com 20 mL de uma solução de trietanolamina-cloreto de bário
tamponizada a pH 8,1. Fez-se uma segunda lixiviação com 20 mL da solução de
BaCl2 0,05 M de modo a assegurar uma completa saturação do complexo de troca
pelo Ba2+, sendo o excesso do mesmo eliminado por seis lixiviações sucessivas
com 10 mL de água destilada. A determinação do Ca2+ e do Mg2+ de troca foi
feita no lixiviado por espectrofotometria de absorção atómica (EAA); a
determinação do K+ e do Na+ por fotometria de chama. A capacidade de troca
catiónica foi determinada por substituição do Ba2+ adsorvido na amostra pelo
Ca2+, por lixiviação com 60 mL de uma solução de CaCl2 0,3 M a pH 8,1. O Ba2+
de troca removido foi então doseado por colorimetria.
Na determinação da capacidade de troca catiónica pelo método do acetato de
amónio, seguiu-se a metodologia igualmente descrita por Póvoas e Barral (1992).
A amostra (5 g) foi percolada com um excesso (100 mL) de acetato de amónio 1 M
ajustado a pH 7, sendo o excesso de NH4+ lixiviado com 100 mL de etanol; as
bases de troca (Ca2+, Mg2+, K+ e Na+) foram determinadas no lixiviado por EAA.
O ião NH4+ adsorvido na amostra foi trocado pelo K+, por percolação com 100 mL
de KCl 1 M acidificado. O NH4+removido foi doseado por destilição (método
Kjeldhal), a partir do qual se determinou o valor da capacidade de troca
catiónica da amostra.
O Al3+ e o H+de troca (cuja soma corresponde à acidez de troca) foram extraídos
por uma solução de KCl 1M (razão amostra/extractante de 1/10) durante uma hora
(por agitação em agitador rotativo), a que se seguiu a centrifugação durante 15
minutos a 2500 g e a filtração da solução sobrenadante. No filtrado determinou-
se a acidez total e o H+ e o Al3+ de troca por titulação, segundo o método
descrito por Thomas (1982).
Para a determinação da capacidade de troca catiónica da fracção argila (método
de Mehlich e método do acetato de amónio) excluiram-se os horizontes
superficiais de cada pédone estudado, visto estarem fortemente influenciados
pela matéria orgânica; tal valor foi obtido pela diferença entre a capacidade
de troca catiónica determinada em cada horizonte e a correspondente à
respectiva matéria orgânica, considerando-se para esta uma capacidade de troca
catiónica média de 200 cmolc kg-1 (Ricardo, 1968; Franco e Ricardo, 1998; Brady
e Weil, 2008). A capacidade de troca catiónica efectiva de cada horizonte
obteve-se pela soma dos catiões não ácidos de troca determinados pelo método do
acetato de amónio com a acidez de troca pelo KCl 1M (ST, 1999; WRB, 2006). A
capacidade de troca catiónica efectiva do solo também foi expressa por unidade
de massa da fracção argila (SSS, 1999; WRB, 2006), excluindo-se igualmente o
horizonte superficial de cada pédone.
Os dados obtidos foram analisados estabelecendo correlações entre os resultados
dos dois métodos laboratoriais utilizados no estudo (método de Mehlich e método
do acetato de amónio): (i) globalmente, tomando em consideração o conjunto de
todos os horizontes analisados, independentemente das subordens e da natureza
dos respectivos horizontes dos Solos Ferralíticos estudados; (ii)por tipo de
solo (subordem), tendo em mente que os solos estudados apresentam
características diferenciadas, nomeadamente no que respeita à textura, ao teor
de matéria orgânica e à própria constituição mineralógica da fracção argilosa.
Os resultados foram submetidos à análise estatistica utilizando o Software
Excel.
Resultados e Discussão
Comparação de metodologias
A caracterização do complexo de troca (pelo método de Mehlich) das subordens
dos Solos Ferralíticos estudados está indicada no Quadro_1. Destaca-se que as
características do complexo de troca dos Solos Tipoferrálicos são, no geral,
bastante próximas daquelas exibidas pelos Solos Fracamente Ferrálicos,
ressaltando em qualquer deles o baixo valor do grau de saturação em bases. Por
seu turno, os Solos Psamoferrálicos apresentam concentrações de bases de troca
(e da respectiva soma) muito menores do que os anteriores, nomeadamente no caso
do Ca2+ e do Mg2+; aliás, os valores da capacidade de troca catiónica também
são bastante inferiores aos determinados nas outras subordens, o que se pode
atribuir à textura grosseira dos mesmos (CEP, 1995) e, portanto, ao baixo teor
da fracção argilosa, bem como aos baixos teores de matéria orgânica que tal
textura geralmente acarreta (Brady e Weil, 2008).
Embora os resultados da capacidade de troca catiónica expressem uma grande
variabilidade (valores até cerca de 20 cmolc kg-1), a grande maioria dos
horizontes dos solos estudados apresenta valores inferiores a 10 cmolc kg-1
(Figura_2). Isto é, a maior parte dos casos apresentam uma baixa capacidade de
retenção de catiões (bases de troca e alumínio de troca).
Os resultados evidenciam, porém, que os valores da capacidade de troca
catiónica obtidos pelos métodos do acetato de amónio e de Mehlich estão
fortemente correlacionados (r=0,9245, p<0,001), não se observando uma clara
diferenciação dos valores entre os dois métodos. De facto, em geral, os valores
de capacidade de troca catiónica pelos dois métodos aproximam-se de uma linha
1:1 (Figura_2).
Como já foi dito para a capacidade de troca catiónica, a concentração das bases
de troca (Ca2+, Mg2+, K+ e Na+) é bastante variável para o conjunto das
amostras estudadas. A maioria delas apresenta concentrações de Ca2+ e Mg2+
inferiores a 2 cmolc kg-1 (Figura_2), enquanto que as de K+ e Na+ são
inferiores a 0,2 cmolc kg-1 (dados não apresentados para o Na+). A análise
global dos resultados obtidos indica que as concentrações do Ca2+ e do Mg2+ de
troca pelo método de Mehlich e do acetato de amónio apresentam uma forte
correlação entre si (Figura_2), a qual é ainda mais forte do que a obtida para
a capacidade de troca catiónica. A correlação no caso do Mg2+ (r=0,9743,
p<0,001) é semelhante à obtida para o Ca2+ (r=0,9727, p<0,001). A correlação
correspondente ao K+ de troca é mais fraca do que para os catiões anteriores
(r=0,9139; p<0,001), enquanto que o Na+ (dados não apresentados) mostra uma
correlação ainda mais baixa (r=0,7481, p<0,001)do que qualquer das outras
bases. As correlações mais fracas obtidas para o K+ e o Na+ poderão, em parte,
atribuir-se ao facto de no método de Mehlich a sua determinação ter sido
efectuada na maior parte dos casos por fotometria de chama, ao passo que no do
acetato de amónio foram sempre determinadas por espectrometria de absorção
atómica.
A soma das bases de troca apresenta uma grande variabilidade, em consonância
com a observada para cada uma das bases de troca. Os respectivos valores são na
grande maioria inferiores a 5 cmolc kg-1 (Figura_2), observando-se uma forte
correlação entre os obtidos pelos dois métodos (r=0,9771; p<0,001), o que pode
atribuir-se, por um lado, à forte dominância do Ca2+ e do Mg2+ no complexo de
troca dos solos estudados e, por outro, ao facto da quantidade de bases
extraídas não ser afectada pelos métodos em comparação.
O grau de saturação em bases,definido como a relação percentual entre a soma
das concentrações das bases de troca (Ca2+, Mg2+, K+ e Na+) adsorvidas no
complexo de troca e a capacidade de troca catiónica do mesmo, tal como referido
para a capacidade de troca catiónica e para as bases de troca, apresentou uma
grande diversidade de valores (Figura_2). Na grande maioria dos casos tais
valores são muito inferiores a 50%, observando-se que os valores de alguns
solos variam entre este valor e 80%, o que está naturalmente em correspondência
com a variabilidade dos solos e horizontes analisados, visto se notarem
agrupamentos de valores do grau de saturação em bases (Figura_2); este padrão
deverá estar parcialmente associado à variabilidade observada para a reserva
total de bases dos Solos Ferralíticos (Teixeira, 2006; Teixeira et al., 2006).
Os valores do grau de saturação em bases obtidos pelos dois métodos objecto de
comparação apresentam ainda assim uma correlação semelhante (r=0,9234, p<0,001)
à observada para o caso da capacidade de troca catiónica e um pouco mais fraca
do que a determinada para o Ca2+ e o Mg2+. Tal como referido para a capacidade
de troca catiónica, os valores do grau de saturação obtidos pelo acetato de
amónio e pelo método de Mehlich não apresentam uma clara diferenciação,
nomeadamente quando são inferiores a 50%.
As subordens dos Solos Ferralíticos apresentam diferenças acentuadas
relativamente às suas características (CEP, 1995). Por esta razão, foi
necessário analisá-las em separado para, por um lado, avaliar a aplicabilidade
dos métodos a cada uma delas e, por outro, para reavaliar as respectivas
diferenças e similitudes das características e propriedades.
Verifica-se que as correlações respeitantes às concentrações do Ca2+ (r=0,975-
0,951, p<0,001) e do Mg2+ (r=0,977-0,928, p<0,001) de troca, bem como à soma
das bases de troca (r=0,978-0,938, p<0,001), foram em todas as subordens muito
fortes e semelhantes às observadas para o conjunto dos solos. Por seu turno, os
valores da capacidade de troca catiónica obtidos pelos dois métodos
apresentaram uma forte correlação entre si (r=0,934-0,836, p<0,001) (Quadro_2)
nas três subordens, sendo a mais forte observada nos Solos Tipoferrálicos.
Finalmente, as correlações respeitantes ao K+ (r=0,917-0,855, p<0,001) e ao Na+
(r=0,918-0,583, p<0,001) de troca, bem como ao grau de saturação em bases
(r=0,953-0,556, p<0,001), embora ainda fortes, foram maioritarimente mais
fracas do que as anteriores e com diferenças apreciáveis entre as diversas
subordens (Quadro_2).
Acidez de troca
A acidez de troca (Al3++H+) dos Solos Ferralíticos estudados não se diferencia
muito entre as respectivas subordens; de facto, os seus valores, considerando
simultaneamente os horizontes superficiais e subsuperficiais, foram de 0,05-
2,38, 0,0-2,75 e 0,17-1,40 cmolc kg-1 nos Solos Tipoferrálicos, Solos
Fracamente Ferrálicos e Solos Psamoferrálicos, respectivamente (Figura_3); por
seu turno, os valores do Al3+ de troca foram, pela mesma ordem, 0,05-2,19, 0,0-
2,31 e 0,17-0,96 cmolc kg-1. Constata-se assim que os valores da acidez de
troca e do alumínio de troca são as mais das vezes da mesma ordem de grandeza,
dado que a concentração do H+ de troca toma frequentemente valores nulos ou
negligenciáveis (Figura_3). Estes baixos valores da acidez de troca (sobretudo
no que se refere ao Al3+) observados para os Solos Ferralíticos estudados estão
em linha com os considerados para os Ferralsolos (WRB, 2006), nos quais são
genericamente inferiores aos observados para outros grupos principais de solos,
tais como os Acrissolos e os Lixissolos (Driessen et al., 2001), dada a baixa
actividade da respectiva fracção argilosa (Uehara e Gillman, 1981). Este facto
está associado à baixa capacidade troca catiónica dos Solos Ferralíticos e
também está expresso, de certo modo, na diferença entre os Solos
Psamoferrálicos (Al3+ de troca sempre inferior a um cmolc kg-1) e as outras
subordens.
Os valores da concentração de Al3+ de troca obtidos foram na maior parte dos
casos inferiores a 1 cmolc kg-1(Figura_4,_A). Em qualquer dos Solos
Ferralíticos estudados esta concentração é largamente dominante, atingindo
mesmo 100% no caso dos Solos Psamoferrálicos; os valores superiores a 2 cmolc
kg-1 representam uma reduzidíssima proporção. Os baixos valores de concentração
de Al3+ de troca são derivados, por um lado, da baixa capacidade de troca
catiónica do solo, o que está associado a uma constituição mineralógica (CEP,
1995) em que se destaca a presença de caulinite, minerais de ferro
(nomeadamente hematite e goetite) e de alumínio (gibsite); por outro, do valor
de pH do solo devido à fraca expressão de cargas negativas que o mesmo pode
apresentar nessas condições (Franco e Póvoas, 1998).
Mais do que a concentração de Al3+ de troca, uma avaliação útil das condições
de acidez do solo consiste na determinação do grau de saturação de Al3+ em
relação à capacidade de troca catiónica efectiva (Sanchez, 1976). De acordo com
este autor, a concentração de alumínio na solução do solo sobe rapidamente
quando a percentagem de saturação deste atinge valores da ordem de 60%, a qual
é um indicador de um limiar crítico para a manifestação de toxicidade por
muitas plantas. Percentagens desta ordem ou superiores são consideradas típicas
dos Oxissolos e dos Ferralsolos (Guerrero, 1971; Sanchez, 1976; Van Wambeke,
1992). Entre os Solos Ferralíticos estudados, nos Típoferrálicos e nos
Psamoferrálicos a percentagem de saturação em Al3+ superior a 60% é dominante,
enquanto que nos Fracamente Ferrálicos é a percentagem inferior a 60% que é
preponderante (Figura_4,_B). Tais valores de saturação em Al3+ estão
necessariamente associados a baixissimas concentrações de bases de troca,
nomeadamente de Ca2+ e de Mg2+, indicando inequivocamente que, além da possível
toxicidade associada ao Al3+, há que ter em devida consideração as deficiências
destes nutrientes no que respeita ao estado nutricional das plantas.
Embora as concentracções mais elevadas de Al3+ tendam a ocorrer para valores de
pH (em KCl 1 M) entre 4 e 5 (entre 5 e 6 para o pH em H2O), também é verdade
que para o mesmo valor de pH pode ocorrer uma grande variabilidade de
concentração de Al3+ ou, inversamente, a concentrações semelhantes deste podem
corresponder valores de pH assaz variados (Figura_5). Assim, a correlação
negativa entre a concentração de Al3+ de troca e os valores de pH foi bastante
fraca, sendo a correlação com o pH em KCl 1M, ainda assim, mais forte (r= -
0,391; p<0,001) do que com o pH determinado em H2O
(r=-0,312, p<0,001). A correlação da concentração do Al3+ de troca com o grau
de saturação em bases (pelo acetato de amónio) foi mais forte (r=-0,467, p<
0,001) do que com os valors de pH; mas a correlação mais forte foi observada
entre o grau de saturação em Al3+ [Al3+/(Al3++H++SB)] e o grau de saturação em
bases (r=-0,788, p<0,001), sendo notório que graus de saturação em Al3+
superiores a 60% estão, em geral, em correspondência com valores do grau de
saturação em bases inferiores a 20% (Figura_5).
O padrão da relação da acidez de troca (Al3++H+) com outros parâmetros foi
semelhante à observada para a concentração de Al3+ de troca. De facto, a
correlação do valor da acidez de troca com o valor do pH em H2O (r=-0,3183,
p<0,001) e em KCl (r=-0,4156, p<0,001) foi também muito baixa; a correlação com
o grau de saturação em bases (a partir da capacidade troca obtida pelo método
do acetato de amónio) foi ligeiramente mais forte (r=-0,4781, p<0,001) do que a
obtida com o Al3+ de troca. Também, a correlação do grau de saturação em acidez
de troca [(Al3++H+)/(Al3++H++SB] com o grau de saturação em bases (r=-0,7898,
p<0,001)foi semelhante à obtida para o grau de saturação em Al3+.
As fracas correlações respeitantes ao alumínio ou à acidez de troca com os
parâmetros mencionados indicam que nos Solos Ferralíticos é imprescindível a
respectiva determinação, nomeadamente para efeitos da quantificação de
correctivo a aplicar para eliminar a acção do alumínio ou da acidez de troca no
solo (Sanchez, 1976; Van Wambeke, 1992).
O complexo de troca e taxonomia
A capacidade de troca catiónica da fracção argila inferior a 16 cmolc kg-1
(pelo acetato de amónio) é um dos requisitos para a identificação dos
horizontes óxico (SSS, 1999) e ferrálico (WRB, 2006), característicos dos
Oxissolos e Ferralsolos, respectivamente. No caso do estudo presente, a larga
maioria dos horizontes considerados (excepto o superficial, como se referiu),
de qualquer das subordens dos Solos Ferralíticos, apresenta esse requisito
(Figuras 6 e 7); isto é, caracteriza-se por apresentar fracção argilosa de
baixa actividade, como é considerado característico dos Oxissolos (SSS, 1999) e
Ferralsolos (WRB, 2006); aliás, determinações directas da capacidade de troca
catiónica realizadas na fracção argilosa de Solos Ferralíticos, pelo método do
acetato de amónio, indicam valores entre 4,92 e 17,50 cmolc kg-1 de argila
(CEP, 1985 e 1995). Noutro estudo sobre a avaliação da carga variável de Solos
Ferralíticos de Angola (Franco e Póvoas, 1998) também é confirmada a baixa
actividade da respectiva fracção argilosa. Porém, também é evidente que em
alguns dos solos a capacidade de troca catiónica da argila é claramente
superior a esse valor, o que, para além da eventual influência do valor da
capacidade de troca catiónica considerado para a matéria orgânica ser
inadequado, também deve estar associado a uma constituição mineralógica da
fracção argilosa algo diferenciada da relatada para os Solos Ferralíticos (CEP,
1995). Este facto deverá relacionar-se com particularidades associadas aos
factores de formação do solo, como por exemplo a natureza do material orginário
e as condições topográficas, determinando a ocorrência de solos com
características um tanto diferentes das atribuidas aos Ferralsolos.
Isto quer dizer que a grande maioria dos Solos Ferralíticos pertence ao Grupo
Principal dos Ferralsols (WRB, 2006). Refere-se a propósito, de acordo com as
informações constantes nas cartas de solos já publicadas (CEP, 1985, 1995,
1997a, 2000, 2002 e 2009; CEPT, 1981; MPA, 1959, 1961 e 1968; MPAM e CEPT,
1968), que alguns dos Solos Ferralíticos poderão todavia classificar-se como
Arenossolos (os de textura mais grosseira do que franco-arenoso ou, seja, parte
dos Solos Psamoferrálicos), Plintossolos, Nitissolos, Acrissolos, Lixissolos ou
Cambissolos.
Como seria de esperar, pelas razões já explicitadas, existem desvios acentuados
entre os valores da capacidade de troca catiónica da argila determinada pelos
métodos de Mehlich e do acetato de amónio, os quais estão ainda assim
correlacionados (r=0,7721, p<0,001); no entanto, também é evidente que para
valores menores do que 16 cmolckg-1 deteminados pelo método de Mehlich
correspondem quase na totalidade também valores inferiores a esse limiar quando
a capacidade troca foi determinada pelo método do acetato de amónio. Quer isto
dizer que os valores determinados a partir dos dados obtidos pelo método de
Mehlich são compatíveis com os determinados pelo acetato de amónio (Figura_6).
O valor da capacidade de troca catiónica efectiva da argila é outro dos
parâmetros utilizados para identificar os horizontes Ferrálicos (dos
Ferralsolos), devendo ser inferior a 12 cmolc kg-1 de argila (WRB, 2006). Este
critério, tal como se disse para a capacidade de troca catiónica da argila,
ocorre também generalizadamente nas subordens dos Solos Ferralíticosestudados
(Figura_6). As excepções observadas estão em linha com as referidas para a
capacidade de troca catiónica e o grau de saturação em bases.
No caso da capacidade de troca catiónica efectiva, observa-se uma correlação
muito forte (r=0,9721, p<0,001) entre os valores obtidos via método de Mehlich
com os do método do acetato de amónio, estando os valores próximos de uma linha
1:1 (Figura_6); aliás, esta figura indica que os valores da capacidade de troca
catiónica efectiva pelo método de Mehlich inferiores a 12 cmolc kg-1 também o
são quando obtidos pelo acetato de amónio. Este padrão indica-nos que a simples
determinação da acidez de troca e o valor da soma das bases de troca pelo
método de Mehlich deverá permitir de forma segura uma avaliação da capacidade
de troca catiónica efectiva dos Solos Ferralíticos de Angola equivalente à
obtida pelo método do acetato de amónio.
Ainda, diferentes valores da capacidade de troca catiónica efectiva (pelo
acetato de amónio) são utilizados para diferenciar o horizonte ferrálico pelos
qualificadores de primeiro nível ("prefix qualifiers") gérico,
vético e háplico (WRB, 2006): valores inferiores a 1,5, entre 1,5 e 6,0 e entre
6 e 12 cmolc kg-1 de argila, respectivamente. Os resultados do presente estudo
permitem afirmar que em qualquer das subordens dos Solos Ferralíticos são
aplicáveis esses qualificadores. Porém, os qualificadores gérico e vético estão
muito mais expressos nos Solos Tipoferrálicos do que nos outros (Figura_7); nos
Solos Psamoferrálicos observa-se a maior frequência da excepção à presença
destes qualificadores. Assim, a capacidade de troca catiónica efectiva dos
Solos Ferralíticos é bastante baixa, apresentando maioritariamente valores
inferiores a 6 cmolc kg-1, confirmando o baixo desenvolvimente de cargas
negativas pela fracção argilosa de tais solos (Franco e Póvoas, 1998).
Sublinha-se, ainda, que alguns dos Solos Ferralíticos estudados poderão também
qualificar-se como gíbsicos (no caso da respectiva terra fina conter mais de
25% de gibsite) ou pósicos, quando o respectivo pH em KCl for igual ou superior
ao determinado em H2O (WRB, 2006).
A baixa capacidade de troca efectiva dos Solos Psamoferrálicos está associada à
textura grosseira que os mesmos apresentam; aliás, no caso de apresentarem
textura arenosa-franca deverão mesmo ser considerados Arenossolos e não
Ferralsolos (WRB, 2006). No caso dos Solos Tipoferrálicos e dos Solos
Fracamente Ferrálicos, com textura muito mais fina do que os anteriores, a
baixa capacidade de troca catiónica efectiva associa-se aos constituintes de
carga variável da fracção argilosa ‑ minerais de ferro (goetite e hematite) e
de alumínio (gibsite) - os quais para os valores de pH do solo apresentam
uma capacidade troca catiónica muito baixa (Uehara e Gillman, 1981; Franco e
Póvoas, 1998).
De modo mais objectivo e aproximando-se do conceito de grau de saturação em
Al3+ (sensu Sanchez, 1976) considera-se na WRB (2006), também para os
Ferralsolos, o carácter alúmico para os casos em que o grau de saturação em
alumínio (percentagem do Al3+ de troca em relação à soma das bases de troca com
o Al3+ de troca) nos horizontes subsuperficiais (entre 50 e 100 cm de
profundidade) é superior a 50%. Neste contexto, a maior parte dos Solos
Ferralíticos estudados, nomeadamente os Tipoferrálicos e os Psamoferrálicos,
tem claramente carácter alúmico (Figura_8); por seu turno, os Fracamente
Ferrálicos apresentam esse carácter em muito menor proporção.
No sistema da WRB (2006), o grau de saturação em bases, a partir da
determinação da capacidade de troca catiónica pelo acetato de amónio, em
horizontes a profundidade superior a 20 cm, apesar da artificialidade de que se
reveste, é utilizado para definir o carácter dístrico (< 50%) e o carácter
êutrico (> 50%) que constituem qualificações de segundo nível ("suffix
qualifiers") para diferenciação dos Ferralsolos. Os resultados do
presente estudo indicam que a quase totalidade dos Solos Ferralíticos estudados
apresenta nítido carácter dístrico(Figura_9). Este facto está em geral
associado às condições de forte lixiviação das áreas tropicais húmidas (Hardy,
1970; Sanchez, 1976; Van Wambeke, 1992) e à generalizada baixa reserva em bases
do mesmo (Teixeira, 2006; Teixeira et al., 2006). No entanto, na subordem dos
Solos Fracamente Ferrálicos ocorrem solos com carácter êutrico, o que, aliás, é
considerado na definição geral dos Solos Ferralíticos (CEP, 1995). Tal facto
pode ser atribuído a particularidades da natureza do seu material originário,
associadas a valores mais elevados da reserva total em bases, ou seja de
minerais alteráveis (Teixeira, 2006; Teixeira et al., 2006), bem como a acções
de rejuvenescimento e, até, à afectação das características dos solos na área
de influência de termiteiras (Ricardo et al., 2001).
Sublinha-se que, além das qualificações decorrentes das características do
complexo de troca catiónica, alguns Ferralsolos em Angola podem também ser
considerados ao primeiro nível ("prefix qualifiers"; WRB, 2006)
como plínticos, ácricos líxicos ou úmbricos; a segundo nível ("suffix
qualifiers"), alguns desses solos poderão qualificar-se como sômbricos,
férricos, húmicos, arénicos, argílicos, ródicos ou xânticos (CEP, 1985, 1995,
1997a, 2000, 2002 e 2009; CEPT, 1981; MPA, 1959, 1961 e 1968; MPAM e CEPT,
1968).
O complexo de troca e a gestão do solo
Os resultados do presente estudo indicam inequivocamente que os solos
estudados, para as condições de reacção vigentes (ao pH do solo) apresentam
baixa capacidade de troca catiónica efectiva e, por isso, uma baixa retenção de
catiões não ácidos, sendo a disponibilidade dos mesmos para as plantas muito
limitada, como, aliás, é considerado para os solos das regiões tropicais
húmidas (Sanchez, 1976; Van Wambeke, 1992; Botelho da Costa, 1995; Anda et al.,
2013). De facto, de acordo com Sanchez (1976) será necessária uma capacidade de
troca catiónica efectiva de pelo menos 4 cmolc kg-1 para que o solo apresente
capacidade de contrariar a lixiviação pela retenção de catiões. Devido, por um
lado, à forte alteração ou, por outro, à textura grosseira, muitos solos das
regiões tropicais húmidas têm valores de capacidade de troca catiónica efectiva
inferiores aos níveis mínimos aceitáveis (4 cmolc kg-1). Com efeito, no
presente estudo observa-se que os valores deste parâmetro nos horizontes
superficiais são maioritariamente (77%) inferiores a 4 cmolc kg-1 e apenas 6%
são superiores a 7 cmolc kg-1 (Figura_10,_A); aliás, no caso dos Solos
Psamoferrálicos todos os valores são inferiores a 4 cmolc kg-1. Nos horizontes
subsuperficiais esses valores atingem, em geral, níveis ainda mais baixos,
sendo quase na totalidade (99%) inferiores a 4 cmolc kg-1) (Figura_10,_B).
Padrão semelhante para a capacidade de troca catiónica efectiva foi também
relatado num estudo sobre a produtividade de culturas em Angola (Asanzi et al.,
2006), em que apenas dois num universo de 23 solos (horizontes superficiais) do
Planalto Central de Angola apresentavam valores superiores ao limiar de 4 cmolc
kg-1.
Além da baixa capacidade de troca catiónica efectiva deve ser sublinhado que o
teor de Al3+ de troca, não apresentando as mais das vezes valores muito
elevados, corresponde a percentagens de saturação acima dos limiares
considerados aceitáveis (Sanchez, 1976). Nestas circunstâncias, também deve ser
reconhecido que as concentrações de Ca2+ e de Mg2+ de troca (as bases mais
abundantes nos solos estudados) atingem valores muito baixos (nomeadamente no
caso do Mg2+), o que está em consonância com a baixa reserva total em bases que
os mesmos apresentam (Teixeira, 2006). As deficiências, entre outras, de
cálcio, magnésio e potássio nos Solos Ferralíticos de Angola (Azanzi et al.,
2006; Dias et al., 2006; Ucuassapi, 2006) são reflexo dessa fraca capacidade de
retenção de catiões não ácidos. Assim, é por demais evidente que os sistemas de
gestão do solo devem considerar o acréscimo dessas concentrações para aumentar
a disponibilidade de tais nutrientes.
A capacidade de troca catiónica efectiva nos horizontes superficiais dos solos
estudados correlaciona-se positiva e significativamente com o teor de matéria
orgânica (r=0,5356, p<0,001) e em menor extensão com o valor do pH em H2O
(r=0,3890, p<0,01) e o teor de argila (r=0,3034, p<0.05); nos horizontes
subsuperficiais, apenas se observou correlação significativa com o teor de
matéria orgânica (r=0,2865, p<0,001). Com efeito, nos solos estudados, assim
como em muitos solos das regiões tropicais fortemente alterados (Cunningham,
1963; Brams,1971), a manutenção de elevados níveis de matéria orgânica é
crucial para a manutenção da capacidade de troca catiónica e da capacidade de
troca catiónica efectiva em níveis aceitáveis; por exemplo, Brams (1971) refere
que o decréscimo de 50% do teor de matéria orgânica em Oxissolos na Serra Leoa,
em consequência da desflorestação, reduziu em 30% a capacidade de troca
catiónica efectiva dos mesmos. Aliás, Franco e Póvoas (1995-1996) referem uma
contribuição de 75% da matéria orgânica para a capacidade de troca catiónica de
Solos Tipoferrálicos de Angola, o que expressa que a contribuição da matéria
orgânica para a capacidade de troca catiónica dos Solos Ferralíticos e solos
similares (Van Wambeke, 1992; Zech et al., 1997) é mais importante do que
noutros solos.
Assim, aumentar a capacidade de troca catiónica nos Solos Ferralíticos é um
objectivo de suma importância, sendo a correcção calcária (ou melhor, calcária
e magnésica) e o aumento do teor de matéria orgânica no solo duas vias muito
utilizadas para o efeito; por exemplo, a aplicação de dolomite, além de ser uma
medida determinante para aumentar o valor do pH e o da capacidade de troca
catiónica efectiva dos horizontes superficiais, também o é para reduzir ou
eliminar a deficiência de Ca e Mg e a eventual toxicidade associada ao Al.
Mokwunye e Hammond (1992) referem que o acréscimo do teor de matéria orgânica,
ou melhor, a aplicação de estrumes, compostos ou outros resíduos orgânicos tem
também importância decisiva no acréscimo da produtividade do solo, tanto
isoladamente como associada à aplicação de fertilizantes. A propósito, Anda et
al. (2013) relatam o efeito positivo da aplicação de composto de casca arroz e
de rocha básica moída na capacidade de troca efectiva de um Oxissolo vermelho,
bem como na concentração de Ca e Mg na solução do solo; estes efeitos
repercutiram-se também no aumento da produtividade do solo.
A aplicação de matéria orgânica também é uma fonte adicional de azoto, o que é
determinante para a redução das carências generalizadas do mesmo que foram
observadas nos Solos Ferralíticos de Angola (Dias et al., 2006); ainda, a
matéria orgânica também liberta fósforo por mineralização e contribui para
bloquear a adsorção aniónica nas superfícies dos constituintes da fracção
argilosa (Van Wambeke, 1992; Hunt et al., 2007), reduzindo a capacidade de
adsorção deste nutriente. Finalmente, o acréscimo do teor de matéria orgânica
também é um meio considerado decisivo para aumentar a resistência à erosão nos
solos Ferralíticos (Van Wambeke, 1992).
Conclusões
Os valores dos parâmetros do complexo de troca pelo método de Mehlich e do
acetato de amónio apresentam em geral elevada compatibilidade entre si,
nomeadamente no que toca aos valores do Ca2+ e do Mg2+ de troca e à soma das
bases de troca. Assim, o valor do último parâmetro a partir de qualquer dos
dois métodos, associado à acidez de troca, permite estimar a capacidade de
troca catiónica efectiva dos Solos Ferralíticos de Angola. Os valores do Al3+
de troca são generalizadamente baixos e similares aos observados para solos do
mesmo tipo, mas correspondem a um elevado grau de saturação deste elemento. A
capacidade de troca catiónica efectiva permitiu identificar que os
qualificadores geric (capacidade de troca efectiva inferior a 1,5 cmolc kg-1) e
vetic (capacidade de troca efectiva inferior a 6 cmolc kg-1) aplicam-se a uma
elevada proporção de Solos Ferralíticos. A grande maioria dos pédones estudados
indica que os Solos Ferralíticos cartografados em Angola correspondem
maioritariamente ao grupo de referência dos Ferralsolos ou à ordem dos
Oxissolos. Porém, alguns dos Solos Ferralíticos devem incluir-se noutros grupos
de referência tais como os Arenossolos (os de textura mais grosseira do que
franco-arenoso ou, seja, parte dos Solos Psamoferrálicos), os Plintossolos, os
Nitissolos, os Acrissolos, os Lixissolos e os Cambissolos. A capacidade de
retenção dos catiões exibida pelos Solos Ferralíticos de Angola é em geral
extremamente baixa, sendo, ainda assim, mais elevada nos horizonres
superficiais do que nos subsuperficiais. O acréscimo do teor de matéria
orgânica e a correcção cálcico-magnésica são duas das vias para reduzir essa
limitação, bem como para reduzir deficiências nutricionais.