Um outro nome para uma realidade em mudança
EDITORIAL
Um outro nome para uma realidade em mudança
Raquel Braga*
*Directora da Revista Portuguesa de Clínica Geral
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A Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral mudou de nome. A
modificação do nome para Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
(APMGF) foi votada por unanimidade, em Assembleia Geral, a 26 de Novembro de
2011. Dá-se início a mais um capítulo na história desta Associação, que é mais
ou menos indissociável do percurso da Medicina Geral e Familiar portuguesa.
Esta alteração, ansiada por muitos dos médicos de família que sempre lutaram
pela afirmação da especialidade, ocorre, naturalmente, num momento em que a
própria Associação se encontra em evolução, ansiando por consolidar a sua
maturidade associativa e o seu papel de sociedade científica.
Nos últimos 6 anos, vivemos tempos de transformações na Medicina Geral e
Familiar e, podemos dizê-lo com objectiva segurança, globalmente essas mudanças
foram positivas para todos nós.
A reforma dos Cuidados de Saúde Primários, iniciada em 2005,1 a aprovação de
programa de internato de Medicina Geral e Familiar,2 com o aumento da sua
duração de 3 para 4 anos, vieram reforçar a importância e o reconhecimento da
nossa especialidade dentro de portas e, a nível internacional, mostrar que
Portugal conduz a formação nesta especialidade médica com mais evidente empenho
que outros países, afastando-se da senda daqueles que, por motivos utilitários,
persistem em considerar esta área médica como terreno indiferenciado.
Igual percurso percorreram alguns países estrangeiros que se distanciaram da
denominação de Clínica Geral, optando pela de Medicina Geral ou Medicina
Familiar, para assumirem uma clivagem com a falta de especialização ou de
formação pós-graduada dos médicos indiferenciados que se ocupam de actividades
clínicas generalistas ou mais direccionadas para certos campos de actuação.
Em Portugal, há muito que esta distinção é clara na denominação dos médicos e
da carreira, embora infelizmente alguns enganos grosseiros continuem a ser
perpetrados pelos órgãos de decisão, quer pela contratação de médicos
indiferenciados para funções de Médico de Família, quer pela demonstração
falaciosa ao público carenciado de cuidados médicos, de que médicos
indiferenciados, ou diferenciados em áreas completamente distintas, podem ser
assemelhados e mesmo assumir as funções de verdadeiros Médicos de Família.
Mudar o nome da Associação significa assumir de uma vez por todas que os
médicos que a integram são especialistas em Medicina Geral e Familiar, com um
processo de graduação exigente, que é reconhecido pela sua qualidade.
Este é um passo importante e que poderá ter uma função esclarecedora, sobretudo
para o exterior.
Não foi fruto de uma «crise de identidade juvenil», mas antes de um processo
evolutivo deliberadamente lento que, não querendo romper abruptamente com o
passado, tem vindo a admitir com orgulho que a vertente generalista da nossa
especialidade se coaduna bem com a anterior denominação não pejorativa e muito
dignificante de «Clínica Geral».
Sem dúvida que a nossa especialidade é generalista no seu espectro de actuação,
englobando todos os problemas de saúde e todas as vertentes física, psíquica e
social.3,4,5 É generalista no alvo de acção, actuando desde a pré-concepção até
à gravidez, infância, maturidade, senescência, à morte e ao luto...
É generalista na abrangência, desde a promoção da saúde à prevenção da doença,
até à medicina curativa, que ocupa a maior parte do nosso tempo.
É generalista no amplo campo de interesses consignado no perfil do médico de
família que, como em nenhuma outra especialidade, reflecte áreas que extravasam
e complementam a própria medicina, como a área da formação, da investigação, da
articulação de cuidados, da advocacia dos pacientes, das funções de gestão da
saúde...3
É generalista na continuidade dos cuidados, na acessibilidade e na
globalidade.5
É evidente que mais este passo em frente na afirmação da nossa especialidade,
bem como todas as razões enumeradas para estarmos satisfeitos com a sua forte
identidade, evolução e desempenho, não devem fazer com que descuremos uma
observação atenta do que se passa à nossa volta, pois uma mudança radical de
enquadramento do Sistema Nacional de Saúde poderá vir a afectar, para o bem e
para o mal, todos nós e, em última análise, os cuidados de saúde prestados à
população.
A posição da Medicina Geral e Familiar, que ultimamente tem vindo a consolidar-
se no centro do sistema de saúde, não pode nem deve desviar-se do local onde se
implementou, sob pena de desperdiçarmos 35 anos de evolução duramente
conseguida.
É preciso estramos atentos, vigilantes e interventivos, porque não são só os
nomes que mudam... as realidades também estão em mutação.