Incidence and outcome of first syncope in primary care: a retrospective cohort
study
CLUBE DE LEITURA
Incidence and outcome of first syncope in primary care: a retrospective cohort
study
Alexandra Machado*
*USF Lagoa, ULS ' Matosinhos
Vanbrabant P, Gillet JB, Buntinx F, Bartholomeeusen S, Aertgeerts B. Incidence
and outcome of first syncope in primary care: a retrospective cohort study. BMC
Fam Pract 2011 Sep 27; 12 (1): 102.
Contexto
Síncope é uma perda de consciência devida a hipoperfusão cerebral global e
caracterizada por início súbito, curta duração e recuperação espontânea.
Os dados epidemiológicos são escassos e apresentados como taxas de prevalência
ao longo da vida e taxas de incidência, com grande variabilidade entre estudos
e conforme o contexto (cuidados de saúde primários vs serviço de urgência).
A etiologia da síncope é muito diversa, e a sua gravidade é determinada pela
causa subjacente. Doentes com síncope por causa cardíaca têm maior mortalidade.
Existem algumas ferramentas de estratificação do risco para determinação de
doentes com síncope em alto risco de ocorrência de evento grave (San Francisco
Syncope Rule e The Osservatorio Epidemiologico sulla Sincope nel Lazio), embora
os seus resultados se tenham mostrado inconsistentes; o National Institute for
Health and Clinical Excellence desenvolveu recentemente uma guideline para a
avaliação, diagnóstico e referenciação de jovens e adultos com perda de
consciência transitória, na qual são listados sinais de alerta para a
identificação de doentes de alto risco.
Objectivos
Determinar a incidência do primeiro episódio de síncope em cuidados de saúde
primários. Investigar a relação entre síncope e evento cardiovascular ou
traumatismo graves.
Metodologia
Coorte retrospectiva usando a base de dados Intego (rede de registo de dados
que engloba 55 centros clínicos e 90 médicos de clínica geral belgas).
Foram incluídos todos os doentes com um primeiro episódio de síncope no período
de 1994 a 2008, cada um emparelhado por idade e género com 5 doentes sem
síncope.
Os principais resultados medidos foram a incidência do primeiro episódio de
síncope por idade e género e o risco a 1 ano de eventos cardiovascular (enfarte
do miocárdio, arritmia, tromboembolismo pulmonar, acidente vascular cerebral,
hemorragia subaracnoideia) ou traumático (fractura, hemorragia intracraniana)
graves.
Em ambos os grupos foram medidas a comorbilidade cardiovascular prévia ao
evento (enfarte do miocárdio, angina, acidente vascular cerebral e
insuficiência cardíaca) e os factores de risco cardiovascular conhecidos
(hipertensão, diabetes mellitus e hipercolesterolemia).
Resultados
Foram incluídos 2785 doentes com síncope e emparelhados com 13909 doentes sem
síncope.
A incidência do primeiro episódio de síncope foi de 1.91 pessoas-ano (95% IC
1.83-1.98). A incidência foi mais alta no sexo feminino [2.42 pessoas-ano (95%
IC 2.32-2.55) vs 1.4 pessoas-ano (95% IC 1.32-1.49)] e segue um padrão
bifásico de acordo com a idade: um primeiro pico nos 15-24 anos seguido de uma
subida acentuada a partir dos 45 anos.
Eventos graves 1 ano após o primeiro episódio de síncope ocorreram em 12,3% dos
doentes, sem diferenças entre géneros. Estes eventos estavam associados a
aumento da idade [HR 1.04 (95% IC 1.03-1.04)], comorbilidade cardiovascular
prévia [HR 3.48 (95% IC 2.48-4.9)] e presença de factores de risco
cardiovasculares [HR 1.65 (95% IC 1.24-2.18)]. A análise de regressão ajustada
para idade, género, comorbilidade cardiovascular e factores de risco
cardiovascular apresenta a síncope como factor de risco independente para
evento cardiovascular ou traumatismo graves [HR 3.99 (95% IC 3.44-4.63)], com
excepção para as idades jovens <23 anos [(HR 1.75 (95% IC 0,68-4.54)]; outros
factores de risco independentes são a comorbilidade cardiovascular [HR 1.81
(95% IC 1.51-2.17)] e a idade [HR 1.03 (95% IC 1.03-1.04)].
Conclusões
A taxa de incidência de primeiro episódio de síncope em cuidados de saúde
primários foi de 1.91 pessoas-ano. O risco a 1 ano de evento cardiovascular ou
traumatismo graves após síncope foi de 12,3%. Aumento da idade, comorbilidade
cardiovascular e factores de risco cardiovasculares estão associados à
ocorrência de eventos graves. Comparando com o grupo de controlo, a síncope em
si é um factor de risco independente para a ocorrência de evento grave
(ajustado para idade, género, comorbilidade e factores de risco
cardiovasculares), com excepção para as idades jovens (<23 anos).
Comentário
A síncope é frequente na população em geral; apesar de ser um motivo frequente
de recurso a cuidados médicos (em ambiente de cuidados de saúde primários ou de
serviço de urgência), sabe-se que uma grande percentagem das pessoas que sofre
um episódio de síncope nunca chega a procurar aconselhamento médico.1
A etiologia da síncope nem sempre é óbvia, e a identificação de indivíduos em
risco de morte súbita pode ser difícil. É essencial, numa avaliação inicial, a
diferenciação entre síncope e outros episódios causadores de quedas. A síncope
tem origem reflexa (neuromediada) em mais de metade dos casos, e tem causa
cardíaca em cerca de um quinto dos casos.2
A estratificação do risco surge como passo essencial na avaliação de um
primeiro episódio de síncope, e a colheita de uma boa história clínica, tendo
em mente a idade, os factores de risco e a comorbilidade cardiovasculares, será
sempre o pilar da decisão clínica. A European Society of Cardiology (ESC) e o
National Institute for Clinical Excellence (NICE) têm publicações recentes em
que apresentam passos para avaliação do episódio de síncope.3,4 Embora estejam
presentes algumas diferenças, em particular no facto de o segundo preconizar a
avaliação por electrocardiograma em todos os doentes em que seja confirmado
pela história clínica o episódio de síncope, e a primeira colocar a hipótese de
não efectuar electrocardiograma caso a causa da síncope seja tida como certa
após a anamnese, em ambos os documentos estão indicados os sinais de alerta
para hospitalização e avaliação cardiovascular mais intensiva: alterações no
electrocardiograma; história pessoal de insuficiência cardíaca ou enfarte do
miocárdio; síncope durante o esforço; história familiar de morte súbita
cardíaca em idade jovem ou cardiopatia congénita; dispneia de novo; palpitações
de novo; sopro cardíaco; idade superior a 65 anos associada a síncope sem
pródromo.
Neste estudo, os resultados obtidos são maioritariamente sobreponíveis àqueles
previamente encontrados na literatura, tanto em relação à incidência de síncope
como à ocorrência de eventos graves após 1 ano (embora seja difícil a
comparação com a literatura, uma vez que os resultados de alguns estudos se
referem apenas à mortalidade, ou são apresentados de acordo com a causa de
síncope). Também os factores de risco para ocorrência de evento grave são
semelhantes aos encontrados na literatura. No entanto, é obtida uma nova
relação ' a de que a síncope em si mesma será factor de risco independente para
ocorrência de evento grave nos indivíduos com idade superior a 23 anos.
Com a vantagem de ser um estudo efectuado em doentes na comunidade, este estudo
não aborda, no entanto, as causas de síncope e sua influência em eventos
futuros, e foca unicamente o primeiro episódio de síncope com base no
pressuposto de que a síncope recorrente tem menor risco de ocorrência de evento
grave5. Mas se tal é verdadeiro no caso de síncopes múltiplas no decorrer de
vários anos, o contrário já poderá ocorrer quando estão presentes vários
episódios num curto espaço de tempo.2
O novo dado que nos é fornecido por este estudo permite reforçar a importância
da abordagem sistematizada do doente que nos surge com uma primeira queixa de
síncope, prestando particular cuidado ao seu contexto prévio de doença
cardiovascular. Este apenas poderá ser conhecido através da colocação de
questões-chave ao doente que, na maioria dos casos, nos fornece os dados
essenciais para uma boa orientação clínica.3,4