Motivação profissional de médicos internos de Medicina Geral e Familiar, em
Portugal: estudo de adaptação de um instrumento de avaliação
1. Introdução
Na última década, a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) tem vindo
a sofrer as repercussões de uma crise, relacionada com a lacuna de interesse
dos médicos por especialidades generalistas (Dwinnell e Adams, 2001). Em
Portugal, como em outros países (Lawson e Hoban, 2003), verifica-se um
afastamento constante dos médicos recém-licenciados, optando cada vez menos por
especialidades como a MGF, para o seu futuro profissional (Sá, 2005). Este
facto ocorre aliado a um padrão de escolha, nos últimos dias do concurso de
ingresso na especialidade (Sequeira, 2005), apontando para a existência de uma
insuficiente classificação de candidatura, que lhes permita optar por uma
especialidade hospitalar. O cenário de crise não pode deixar de ser
considerado, perante a elevada média etária dos Médicos de Família portugueses
(Pisco, 2003) e a redução do seu número de efectivos em exercícionos Centros de
Saúde (Martins et al.,2003). Por outro lado, a existência de elevados níveis de
insatisfação profissional dos médicos de Medicina Geral e Familiar em exercício
(Hespanhol, Pereira e Pinto, 2000), reflectindo-se no seu desempenho e na
desvalorização do papel do Médico de Família, não contribui para melhorar a
imagem social da mesma.
Nestas circunstâncias, e aparentando haver pouca atracção pela escolha desta
especialidade, são múltiplas as razões que indiciam que os médicos que iniciam
a sua formação pós-graduada no internato médico de MGF, não estão motivados
para a mesma, escolhendo-a como uma alternativa, na ausência de uma saída
profissional mais consentânea com as suas perspectivas profissionais. Após a
revisão bibliográfica realizada não foram encontrados resultados de estudos de
investigação dirigidos ao estudo da motivação profissional dos médicos de MGF,
ou de outras especialidades, em particular de médicos em fase de formação
especializada. Perante esta lacuna empírica parece-nos fundamental a
identificação de instrumentos para a análise da motivação deste grupo
profissional, não apenas para um diagnóstico da situação, mas também, para
apontar estratégias de intervenção mais adequadas ao nível dos programas de
formação.
O conceito de motivação tem sido largamente estudado por múltiplos
investigadores, desenvolvendo inúmeras teorias, cujos construtos permitem o
estudo do desenvolvimento, intensidade e a persistência desse comportamento
humano, assim como dos factores que o influenciam (Jesus, 2004). Em Portugal,
destacamos os trabalhos desenvolvidos por Jesus (1996), centrados na análise da
motivação para a profissão em professores, que desenvolveu um instrumento de
medida, numa síntese integrativa dessas teorias, tendo por base uma concepção
cognitivista de motivação (Jesus, 1996). Centrando a nossa investigação no
estudo da motivação profissional, considerámos no enquadramento teórico algumas
dessas teorias, em que se baseiam as dimensões que procuramos estudar no
presente trabalho.
A Teoria Relacional de Nuttin(1980), uma das teorias cognitivistas mais
completas no âmbito do estudo da motivação, está na base do estudo empírico da
orientação motivacional para a profissão ou projecto profissional,
correspondendo ao maior ou menor direccionamento do sujeito para um determinado
domínio afectivo ou contexto de realização. A Teoria da Motivação Intrínseca
(Ryan e Deci, 1985)pretende explicar a realização e persistência do sujeito em
determinadas actividades, enquanto um fim em si mesmas, sem qualquer recompensa
extrínseca. A Teoria de Auto-Eficácia de Bandura (1997) considera que as
expectativas de eficácia pessoal, enquanto antecipação da probabilidade de
sucesso ou fracasso, exercem influência sobre o comportamento do sujeito, no
sentido de maior ou menor empenhamento. A Teoria da Aprendizagem Social de
Rotter(1954)considera que o comportamento humano é orientado para metas, e a
expectativa ou a probabilidade de um determinado comportamento alcançar uma
determinada meta é o conceito chave desta teoria. O conceito de expectativas de
controlo de resultados (ou locus de controlo) refere-se às crenças na obtenção
de um resultado a partir de um determinado comportamento.
Para além dos aspectos motivacionais, a capacidade de adopção de comportamentos
assertivos traduz uma comunicação efectiva, resultando na objectividade do
discurso e num clima relacional mais agradável e produtivo, com múltiplos
benefícios (Hartley, 2005; Back e Back, 1999; Leebov, 2003). O exercício da
actividade médica desenrola-se num ambiente profissional, em que imperam as
relações interpessoais. Na consulta de MGF, a relação médico-doente assume
particular importância, num modelo que se deseja mais relacional e empático
(WONCA, 2002). Estudos publicados em Portugal revelam que a relação médico-
doente é considerada pelos Médicos de Família como um dos aspectos que mais
contribui para a sua satisfação profissional (Hespanhol, Costa Pereira, &
Sousa Pinto, 2000; Graça, 2005). O estilo assertivo, na complexidade da
actuação do Médico de Família, ao proporcionar maior satisfação profissional
poderá contribuir igualmente para o seu empenhamento, no sentido de uma maior
motivação profissional. Em Portugal, foi utilizado um instrumento dirigido ao
estudo de competências assertivas, em investigações realizadas com enfermeiros
(Amaro e Jesus, 2006), do qual seleccionámos a dimensão que representa a
«Capacidade de adopção de comportamentos assertivos com os pacientes», no
sentido de analisar a relação entre esta variável e a motivação profissional
dos médicos que escolhem a MGF para o seu futuro profissional.
O objectivo deste estudo é contribuir para a adaptação e validação de um
instrumento de medida, destinado à análise da motivação para a profissão, em
contexto de formação médica pós-graduada, no internato médico da especialidade
de Medicina Geral e Familiar.
2. Métodos
2.1. Participantes
O processo de adaptação do instrumento realizou-se com a aplicação à totalidade
dos médicos que iniciaram o Internato Médico de MGF, durante o ano de 2005
(N = 228). A população é constituída pelos médicos que responderam ao
questionário (n = 109), apresentando-se a sua caracterização demográfica e
profissional (Quadro I).
Quadro I
Caracterização sócio-demográfica e profissional da população
Com idades compreendidas entre os 24 e os 53 anos (M = 30,21; DP = 6,28) e
predominando o grupo etário entre os 26 e os 34 anos, a maioria são mulheres
(76,2%) e 20,2% são de nacionalidade estrangeira. Com um tempo médio de
exercício de Medicina de 3,02 anos (DP = 3,86; amplitude = 23 anos), e estando
a maioria dos médicos licenciados há menos de 5 anos (79,6%), a sua
distribuição geográfica, em termos de colocação no internato, revela uma maior
representatividade da zona Sul (45,9%), neste estudo.
2.2. Instrumento
Para esta investigação optou-se pela identificação e posterior adaptação de
escalas de medida utilizadas anteriormente em investigações em Portugal,
incluindo:
O Questionário de Avaliação de Motivação Profissionalelaborado por Jesus
(1996), que consiste num instrumento de medida de auto-preenchimento, destinado
a avaliar a motivação profissional, composta por várias sub-escalas
representando construtos cognitivo-motivacionais. Desse instrumento, foram
seleccionadas as seguintes medidas: «Projecto Profissional» (três itens de
resposta semi-estruturada, com três opções de resposta), «Empenhamento
Profissional» (11 itens com sete opções de resposta tipo Likert), «Motivação
Intrínseca» (quatro itens com sete opções de resposta tipo Likert),
«Expectativas de Eficácia» (seis itens com sete opções de resposta tipo
Likert), «Expectativas de Controlo de Resultados» (oito itens com sete opções
de resposta tipo Likert), «Motivação Inicial» (sete itens com cinco opções de
resposta) e «Apoio Fornecido no Estágio» (12 itens com sete opções de resposta
tipo Likert);
A Escala de Avaliação de Comportamentos Assertivos do Enfermeiro,
desenvolvida por Amaro e Jesus (2005), da qual seleccionámos a escala que
avalia a adopção de comportamentos assertivos com os pacientes, identificada no
presente estudo pela dimensão «Assertividade» (seis itens com seis opções de
resposta tipo Likert),para a análise da relação entre a mesma e as variáveis
motivacionais;
O questionário de caracterização sócio-demográfica e profissional da
população deste estudo, elaborado para o presente trabalho, para avaliar:
idade, género, nacionalidade, ano de licenciatura, tempo de exercício de
medicina e localização do Centro de Saúde.
2.3. Metodologia de adaptação e validação da escala
No processo de adaptação dos itens, e de acordo com as recomendações dos
autores das escalas, utilizou-se uma metodologia semelhante a uma adaptação
cultural, que passou pelas seguintes fases:
Escolha dos construtos ou dimensões a utilizar (itens a incluir na escala) a
partir das escalas anteriormente referidas;
Conversão do conteúdo dos itens, especificando-os para a área médica. Tentou-
se manter o sentido do seu conteúdo no instrumento original, especificando-os
para questões relacionadas com a prática médica, orientada para o contexto da
especialidade de MGF. Tendo subjacente o modelo teórico que fundamenta os
princípios da definição da especialidade de MGF (WONCA, 2002), tentou-se
salientar a importância da abordagem centrada no paciente, do contexto
familiar, da promoção da saúde e prevenção da doença, da continuidade de
cuidados, assim como a comunicação e relação médico-doente. Com base nesse
modelo, foi feita a especificação do conteúdo dos itens para situações ligadas
ao exercício da actividade profissional em MGF, ou seja, centradas na consulta,
que constitui a principal e mais complexa actividade desta especialidade, tendo
sempre presente a necessidade de os colocar ao mesmo nível de especificidade;
Análise da especificidade dos itens por um especialista na área da MGF, tendo
ocorrido as principais alterações na medida destinada a medir o «Empenhamento
profissional», em particular nos itens 6, 8, 11, 12, 13, 14, assim como nos
itens 19, 21, 22, 23, 24 da medida «Expectativas de Eficácia», item 39 da
medida «Expectativas de Controlo de Resultados» e itens 36 e 39 da medida
«Motivação Inicial»para a especialidade de MGF;
Análise da especificidade dos itens por um especialista na área da
Psicologia, tendo sido considerado que as alterações propostas não alteram o
conteúdo dos construtos que se pretende analisar;
Análise comparativa das duas versões (original e adaptada) e avaliação da sua
qualidade linguística;
Construção da versão prévia do instrumento, assumindo-se que a versão
adaptada à área médica é linguística e conceptualmente equivalente à versão
original.
Para garantir a utilização deste instrumento com um grau de confiança
aceitável, e tratando-se de uma população diferente daquelas em que os
instrumentos de origem foram utilizados, considerámos a necessidade da sua
validação e verificação das qualidades psicométricas, pelo que utilizámos a
seguinte metodologia:
a) Análise da validade de conteúdo através de validação facial do
instrumento, para o que se utilizou um comité de peritos, constituído por dois
psicólogos, entre os quais o próprio autor do Questionário de Motivação
Profissional(Jesus, 1997), e dois médicos da especialidade de MGF. O objectivo
era garantir a sua equivalência conceptual, analisando a coerência dos itens, a
sua equivalência cultural, a sua especificidade à área médica, para que as
situações apresentadas correspondessem às vivências do contexto da cultura
médica em causa.
Garantida a adequação e compreensibilidade dos itens de cada uma das sub-
escalas e a adequação da sua estrutura global à população a estudar, realizou-
se o pré-teste, no sentido de testar a sua versão final. Verificou-se que os
sujeitos respondiam à globalidade dos itens, que as respostas dadas se
distribuíam pelas várias opções de resposta e que havia tendência para escolher
diferentes opções de resposta para o mesmo item. O questionário foi considerado
globalmente acessível, sem dificuldades nas respostas, pelo que se manteve a
sua estrutura prévia.
b) Análise da validade de construto, através da análise descritiva dos itens e
de cada dimensão ou sub-escala que constitui o instrumento, análise da
fiabilidade ou consistência interna das escalas e análise da sensibilidade do
instrumento para cada sub-escala, assim como a identificação do modelo
explicativo.
O instrumento utilizado foi alvo de alterações de alguns dos itens em relação
aos instrumentos de origem e foi aplicado a populações diferentes daquelas
utilizadas nessas investigações. Para um instrumento utilizado nestas
circunstâncias deve ser considerada a necessidade de analisar a estrutura
factorial, neste caso, de cada escala de medida que o compõe (Anastasi, 1990).
Atendendo às diferentes opções de resposta aos itens que compõem as várias
medidas em análise, assim como ao número diferente de sujeitos que compõem a
amostra para análise da medida «Apoio Fornecido no Estágio», seria indicado
realizar individualmente a análise factorial para cada uma dessas escalas.
Através desse estudo para cada sub-escala, verificou-se que não foi possível
reduzir mais a complexidade da estrutura da maioria das escalas incluídas neste
instrumento, atendendo a que as mesmas são compostas por um número reduzido de
itens. Deste modo, foi adoptada a mesma linha metodológica dos autores das
escalas que adaptámos, apresentando-se apenas os resultados dos testes já
anteriormente descritos, e considerando-se confirmada a estrutura factorial do
instrumento.
2.4. Procedimentos
O processo de adaptação iniciou-se com a solicitação de autorização aos autores
das escalas para a sua adaptação, validação e utilização na área médica, em
Portugal, obtendo-se igualmente a aprovação das instituições coordenadoras da
formação em Internato Médico de MGF.
Procedeu-se à adaptação dos itens para a área médica, seguida da análise de
verificação das suas qualidades psicométricas, após um pré-teste em que se
utilizaram dez médicos com características semelhantes aos sujeitos que
constituem a população do estudo.
Para a recolha de dados, procedeu-se à elaboração de uma listagem de todos os
médicos que iniciaram o internato em 2005. Asseguradas as questões éticas,
elaborou-se um questionário de auto-preenchimento, enviado pelo correio, tendo
sido garantida a confidencialidade das respostas a utilizar somente para fins
de pesquisa científica.
Quanto à análise estatística, utilizaram-se medidas descritivas, análise de
correlação item-total, análise de consistência interna (coeficiente Alphade
Cronbach), coeficiente de CorrelaçãodePearsoneTesteTpara análise da
sensibilidade do instrumento, assim como análise de regressão múltipla para
identificação do modelo explicativo.
A versão final do instrumento, elaborado após o pré-teste e utilizado nos
estudos de campo, pode ser vista em
Anexo
.
3. Resultados
A análise descritiva da totalidade dos itens (Quadro II) demonstra que os itens
com média mais equilibrada e uma distribuição mais uniforme dizem respeito à
medida que pretende analisar o apoio fornecido durante o estágio no internato
de MGF (itens 46 a 57, cujos valores de Alpha de Cronbach (se o item for
eliminado) se mantêm bastante elevados em quase todos eles.
Quadro II
Análise descritiva de cada item das escalas de medida incluídas no instrumento
e correlação item-total da escala
Pela análise correlacional entre os itens e o valor total em cada escala a que
pertencem, sem o peso do item em causa (Quadro II),para avaliar o rigor da
selecção dos itens, observa-se que as correlações são todas superiores a 0,3
(p < 0,05), concluindo-se que os mesmos podem ser considerados para avaliar os
construtos que se pretendem medir.
Agrupados os itens em cada uma das dimensões a que pertencem, e na análise para
verificação da fidelidade do instrumento obteve-se um valor de Coeficiente
Alpha de Cronbach em cada sub-escala, após os itens estandardizados (Quadro
III),que se situa entre o valor mínimo de 0,69 na dimensão «Expectativas de
Controlo» e o valor máximo de 0,92 na dimensão «Apoio Fornecido no Estágio».
Considera-se que a consistência interna das medidas utilizadas é
suficientemente elevada, para se aceitarem como adequadas na avaliação das
variáveis em causa, podendo afirmar-se que a escala é homogénea, sendo muito
provável que produza respostas consistentes.
Quadro III
Análise da consistência interna, para cada escala de medida
Na análise da sensibilidade do instrumento, verificam-se diferenças entre as
pontuações das escalas e a idade dos médicos internos, existindo uma correlação
positiva, com significado estatístico, que demonstra a existência de influência
entre a idade e a «Expectativas de Eficácia»,assim como entre a idade e o
«Empenhamento Profissional» (Quadro IV).Embora não existindo uma diferença
estatisticamente significativa, para um nível de significância de 5%, verifica-
se uma correlação positiva entre a idade e o «Projecto Profissional»
(p = 0,06), e uma correlação negativa entre a mesma e a percepção sobre o
«Apoio Fornecido no Estágio»(p = 0,06) (Quadro IV).Em relação à experiência
profissional anterior, existe uma correlação positiva com as medidas Projecto
Profissional e Expectativas de Eficácia.
Quadro IV
Análise de correlação entre as componentes da escala e as variáveis idade e
experiência profissional
Analisando a mesma relação com as outras variáveis em estudo (Quadro
V),verifica-se uma relação positiva e estatisticamente significativa entre a
variável «Expectativas de Eficácia»e o ano de licenciatura dos médicos (Dif.
M = 2,31).
Quadro_V
Análise de relação entre as componentes da escala e as outras variáveis de
caracterização da população
Não existindo uma diferença estatisticamente significativa, para um nível de
significância de 5%, verifica-se igualmente uma relação negativa entre o género
e a «Motivação Inicial»(p = 0,06) e uma relação negativa entre o mesmo e a
capacidade de adopção de comportamentos assertivos (p = 0,08) ou a
«Assertividade» (Quadro V).Desta forma, podemos afirmar que o presente
instrumento adaptado à área médica é sensível a algumas variáveis do perfil
socioprofissional dos sujeitos que integram a população.
Pelo estudo da influência das variáveis preditoras sobre as variáveis
dependentes (ou de critério) da motivação para a profissão, o «Projecto
Profissional» e o «Empenhamento Profissional», consideradas os principais
indicadores de motivação profissional (Quadro VI),conclui-se que o conjunto das
mesmas permite prever 41% da variância da variável «Projecto Profissional»,
sendo explicada fundamentalmente pela dimensão «Motivação Intrínseca»
(b = 0,58; p = 0,00) e «Motivação Inicial» (b = 0,39; p = 0,00). Assim, para
estes médicos a sua orientação motivacional para a especialidade de MGF,
enquanto projecto profissional, é tanto maior quanto maior fôr a sua motivação
inicial para ser Médico de Família, e quanto mais estiverem intrinsecamente
motivados para esta especialidade.
Quadro VI
Coeficientes beta estandardizados obtidos na equação de regressão múltipla
entre as variáveis preditoras e as variáveis de critério
O conjunto das variáveis preditoras analisadas neste estudo prevê 43,0% da
variância da variável «Empenhamento Profissional» (Quadro VI),explicada
fundamentalmente pela dimensão «Expectativas de Eficácia»(b = 0,17; p = 0,04) e
pela capacidade de adopção de comportamentos assertivos com os pacientes ou
«Assertividade»(b = 0,52; p = 0,00). Desta forma, o empenhamento profissional
dos Médicos Internos de MGF neste estudo é tanto maior quanto maiores forem as
suas expectativas de eficácia pessoal e quanto maior for a sua capacidade para
desenvolverem comportamentos assertivos em relação aos seus pacientes, durante
o seu desempenho na consulta.
4. Discussão
A necessidade de um instrumento adaptado às características culturais desta
população, válido e fiável, para a análise da motivação profissional em
contexto de aprendizagem, justificou o desenvolvimento da metodologia de
adaptação que se apresenta neste trabalho.
Perante os resultados atrás apresentados, considera-se terem sido atingidos os
objectivos propostos no presente trabalho. Tendo por finalidade a avaliação
psicométrica de um instrumento dirigido à motivação profissional, adaptado à
área médica, especificamente à motivação para a especialidade de MGF, a análise
realizada permite-nos concluir que o mesmo é um instrumento psicométrico
confiável, com uma boa consistência interna, na generalidade dos domínios que
pretende medir, ou seja, há homogeneidade nos seus componentes. No entanto,
consideramos que esta análise não dispensa a realização de investigações
complementares, que permitam novos estudos analíticos, no sentido de confirmar
as propriedades psicométricas das escalas de medida utilizadas.
Os resultados desta investigação confirmam o efeito preditor das variáveis
cognitivo-motivacionais em estudo, permitindo explicar de forma significativa a
variância das variáveis de critério, Projecto Profissional e Empenhamento
Profissional, principais indicadores da motivação para a profissão. No modelo
explicativo identificado, a análise da relação entre as dimensões Assertividade
e Empenhamento profissional, que constitui um aspecto inovador neste estudo,
atendendo à ausência de estudos sobre a mesma em medicina, demonstra existir
uma relação positiva entre as mesmas. Este aspecto poderá ter repercussões na
motivação durante a formação em situação de estágio em contexto de trabalho, em
especial porque em qualquer definição da MGF a dimensão afectiva e relacional
constitui o eixo do perfil de actuação do Médico de Família.
Considera-se relevante a existência de um instrumento de investigação na área
da motivação profissional, no actual contexto, em que se verifica um défice de
Médicos de Família em Portugal, e perante a aparente falta de interesse dos
jovens médicos por especialidades generalistas, em particular pela
especialidade de MGF. Esta aparente falta de motivação, podendo influenciar
negativamente a preparação e desenvolvimento profissional dos médicos em causa,
justifica a pertinência do presente trabalho na tentativa da identificação de
um instrumento adequado ao estudo da mesma.
Justificado pelo enquadramento teórico, considera-se que o estudo é igualmente
relevante pela evidência dos resultados obtidos no conjunto das escalas
utilizadas. Tratando-se de uma amostra representativa deste grupo profissional,
tendo em conta a administração do instrumento a todos os médicos que iniciaram
o internato de Medicina Geral e Familiar em 2005, o estudo parece demonstrar
que os médicos estudados, embora possam não estar inicialmente motivados para
escolher esta especialidade, após o início do seu internato, revelam elevados
níveis de orientação motivacional para a mesma.
Por outro lado, este estudo fornece alguns indicadores que podem ser utilizados
no desenho de programas de formação que vão ao encontro da motivação dos
médicos internos e que possibilitem aos Orientadores de Formação a realização
do seu trabalho, de forma mais eficaz e congruente com os objectivos do
processo de aprendizagem.
Podemos assim concluir que este instrumento é fiável, válido e adaptado para o
estudo da motivação profissional dos médicos no internato de Medicina Geral e
Familiar, especialidade médica essencial a qualquer sistema de saúde baseado
nos Cuidados de Saúde Primários.