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EuPTCVHe0870-90252010000200005

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National varietyEu
Year2010
SourceScielo

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No que se pensa quando se pensa em doenças: estudo psicométrico dos riscos de saúde

Introdução No Relatório Mundial de Saúde de 2002, a Organização Mundial de Saúde 1 realça a importância de conhecer os motivos para que algumas intervenções de prevenção tenham mais sucesso que outras e, para tal, sublinha a necessidade de caracterizar o modo como o público constrói as suas representações dos riscos de saúde. O interesse em conhecer estas representações motivou inúmeros estudos que procuraram descrever a percepção de problemas de saúde específicos, associar esta variável à probabilidade de serem adoptados comportamentos saudáveis 2-4 e conhecer as variáveis individuais que antecedem estas representações, como o sexo, a idade ou a cultura 5.

Como abordagem metodológica que contribui para aceder à representação dos riscos, o paradigma psicométrico permite responder à questão de como se diferenciam os riscos entre si (e não de como se diferenciam os indivíduos relativamente à representação dos riscos) 6. Muitos estudos desenvolvidos nesta tradição apresentam representações comparativas de uma grande quantidade de riscos. No entanto, os conjuntos de riscos analisados em grande parte dos estudos são heterogéneos, no sentido em que são representados conjuntamente riscos de saúde, riscos provenientes de tecnologias, riscos ambientais, entre outros. Procuraremos neste estudo avaliar um grupo de riscos homogéneo.

Debruçamo-nos em especial sobre os riscos de saúde, uma vez que não existe na literatura um estudo exaustivo da sua representação comparativa.

O conteúdo da representação de um risco determinado está intimamente associado ao grau em que este é ou não avaliado como aceitável. Isto significa que a representação negativa de um risco de saúde poderá implica um menor grau de tolerância à exposição, enquanto uma representação positiva determina uma maior tolerância à exposição a esse risco 7. O pressuposto é que aqueles que se dedicam à comunicação dos riscos de saúde compreendam a forma como as pessoas pensam sobre as ameaças e, em consequência, como respondem à exposição.

Representações consolidadas sobre uma ameaça à saúde não são facilmente alteráveis através da exposição a informação objectiva acerca do problema. A ponderação das representações prévias dos riscos de saúde pode aumentar a eficácia do processo de comunicação e melhorar a possibilidade de mudar atitudes e de influenciar o comportamento.

Percepção de riscos de saúde O estudo dos riscos de saúde, tal como o estudo dos riscos ambientais ou dos riscos físicos, desenvolve-se em duas abordagens concorrentes. A primeira abordagem compreende uma análise objectiva, que parte da identificação do risco, da sua quantificação e da caracterização das ameaças à saúde humana 8. A segunda abordagem, eleita pelas ciências sociais, estuda a forma como os leigos percepcionam subjectivamente os riscos aos quais estão expostos 8-10. O primeiro tipo de abordagem, associado à apreciação dos peritos, designa-se por avaliação do risco, enquanto a segunda abordagem, atribuída à avaliação produzida pelo público leigo, se designa na literatura por percepção do risco.

É patente que o fundamento teórico e metodológico do estudo da percepção dos riscos de saúde não difere significativamente do estudo dos riscos provenientes de ameaças ambientais ou de outros campos específicos. No entanto, existe no estudo dos riscos de saúde uma necessidade de criar modelos que procuram associar a representação cognitiva dos riscos à tentativa de previsão do comportamento. Um exemplo desta necessidade é o modelo de crenças de saúde 2-4, onde o comportamento de saúde é associado à avaliação do nível de ameaça pessoal e à percepção de que determinada prática vai reduzir esse risco de forma eficaz. A percepção da ameaça individual é, por sua vez, influenciada pelos valores associados à saúde, crenças específicas acerca da vulnerabilidade a uma doença particular e crenças sobre as consequências da doença. Estudos que recorreram a este modelo mostraram que, por exemplo, a adesão a uma dieta, à prática de sexo seguro, à vacinação, ao controle da saúde oral e à prática regular de exercício se relacionam com a percepção de susceptibilidade ao problema de saúde associado, à crença de que o problema de saúde é grave e à percepção de que os custos dos comportamentos preventivos são menores que os seus benefícios 11,12. Outros modelos procuram associar a representação dos riscos ao comportamento. É, no entanto, verdade que na maioria dos casos o poder preditivo destes modelos é deficiente e que o salto entre a percepção individual e o comportamento (ou até mesmo a intenção comportamental) é demasiado grande 5.

Numa abordagem igualmente associada à psicologia cognitiva, os modelos de deficit centram-se nos processos internos, nas limitações mentais e na forma como os processos de percepção do risco são moldados pelas limitações. Para analisar estes aspectos avaliam-se as probabilidades que os indivíduos atribuem de virem a ser afectados por determinado risco. Estas probabilidades são comparadas com as estimativas científicas, olhando-se para o erro cometido pelos leigos. Dentro desta perspectiva enquadram-se, por exemplo, a teoria do prospecto 13.

Em situações de decisão complexas não procedemos a uma análise exaustiva da informação. Segundo a teoria do prospecto, neste tipo de situação recorremos a regras simples ou a heurísticas cognitivas. Encontramos um exemplo deste tipo de processo no efeito do enquadramento, segundo o qual as pessoas estão mais dispostas a optar por decisões arriscadas quando o problema de decisão lhes é apresentado focando os ganhos do que quando são focadas as perdas 12. Num problema designado como "doença asiática" as pessoas são confrontadas com dois planos alternativos que visam combater uma doença que pode vir a matar 600 pessoas. Os dois planos podem ser apresentados de duas formas alternativas, uma onde se focam os ganhos e outra onde se focam as perdas. Um plano A salva 200 pessoas (enquadramento positivo) ou, dito de outra forma, se esse plano for adoptado morrem 400 pessoas (enquadramento negativo). Num plano B um terço de possibilidades que as 600 pessoas se salvem e dois terços de possibilidades que ninguém se salve (enquadramento positivo) ou, apresentando os resultados pela negativa, um terço de possibilidade de que ninguém morra e dois terços de possibilidades de que as 600 pessoas morram (enquadramento negativo). Os resultados mostram que, perante o mesmo problema, as pessoas tomam as decisões mais arriscadas quando o enquadramento é positivo mas optam pelas decisões mais seguras quando o enquadramento é negativo.

Outra perspectiva que demonstra a existência de vieses sistemáticos na forma como as pessoas avaliam os problemas é o modelo que descreve um desvio optimista na avaliação do risco. De acordo com Weinstein 14,15 este desvio é atribuível a um erro de processamento com origem em factores como a comparação dos indivíduos com outros que se encontram mais expostos ao risco e da sobreavaliação da capacidade individual para evitar o risco. A aplicação deste modelo está patente, por exemplo, num estudo onde se analisa o efeito dos comportamentos que ampliam ou reduzem o risco (sexo inseguro ou sexo seguro) sobre o optimismo irrealista em relação à SIDA 16. Os resultados mostram que, quando são focados os comportamentos que reduzem o risco, o optimismo irrealista aumenta através do aumento da percepção de vulnerabilidade dos outros.

Outros estudos da representação dos riscos de saúde recorrem ainda a abordagens como a teoria das representações sociais 17 ou os modelos de crenças e valores grupais 18,19. Um exemplo deste tipo de abordagem encontra-se no estudo desenvolvido por Pitts 18, onde o autor defende a tese de que a não adesão à vacinação depende, em grande medida, da crença de que a vacinação é desnecessária e perigosa.

Neste estudo recorremos a um dos paradigmas mais influentes no estudo da percepção do risco. Através do paradigma psicométrico procuraremos chegar à representação comparativa de um grupo de riscos de saúde e revelar as dimensões subjacentes à avaliação desses riscos.

O paradigma psicométrico O paradigma psicométrico surge como resposta a uma questão premente na sociedade actual. Algumas das novas actividades e tecnologias, desenvolvidas com o propósito de melhorar a qualidade de vida, e que trazem benefícios inigualáveis, trazem simultaneamente prejuízos que se vêm a revelar na saúde, no ambiente e na qualidade de vida das populações. Na avaliação dos novos riscos é então necessário encontrar um equilíbrio entre custos e benefícios 7,20,21. Dentro desta relação, é ainda necessário compreender que riscos são aceitáveis, porque os benefícios superam os custos, e que riscos são inaceitáveis porque comportam custos que não são compensados pelos seus benefícios 7,22,23. A questão "how safe is safe enough" 7 é colocada pelos fundadores do paradigma psicométrico no sentido de avaliar as preferências expressas pelas pessoas relativamente às fontes de risco.

Em 1978 Fischhoff [et al.] 7 publicam o primeiro trabalho que se debruça sobre o problema da aceitação do risco através de uma abordagem que recorre a métodos psicométricos para avaliar as preferências expressas pelos indivíduos face a um conjunto de fontes de risco. Isto significa que procuram avaliar e quantificar as atitudes do público relativamente à relação entre custos e benefícios associada a diversas actividades 7,22,23. O paradigma criado serve ainda para testar o grau de influência de um conjunto de variáveis moderadoras sobre a percepção dos riscos. Nomeadamente, os autores procuram testar a influência da exposição ao risco ser ou não involuntária, desconhecida, incontrolável, com potencial para provocar efeitos catastróficos, com consequências imediatas ou do risco ser conhecido do público e dos cientistas 7,24.

O paradigma psicométrico foi desenvolvido para revelar os factores psicológicos que determinam a percepção do risco. A abordagem enquadra-se numa perspectiva teórica onde o risco é definido pelos indivíduos de forma subjectiva, sendo a sua percepção influenciada por uma grande diversidade de factores psicológicos e sociais. Muitos destes factores, assim como a relação entre eles, são quantificáveis e podem ser representados num modelo que ilustra as respostas das pessoas face às fontes de risco com que são confrontadas 10.

O modelo assume a forma de uma taxionomia de fontes de risco, onde as dimensões psicológicas usadas para avaliar o risco podem ser resumidas em dois factores: o factor "risco assustador" e o factor "risco desconhecido" 7,25. O primeiro factor caracteriza-se pela percepção de ausência de controlo, de terror, de iminência de uma catástrofe, de que o risco tem consequências fatais e apresenta uma distribuição desequilibrada entre custos e benefícios. O segundo factor reúne características como o facto de o risco não ser observável, de ser desconhecido, novo e com manifestação diferida 10. Os estudos psicométricos colocam as fontes de risco dentro de um mapa cognitivo definido pelos factores acima referidos, permitindo esclarecer quais os motivos que fazem com que as pessoas percepcionem diferentes fontes de risco de forma diferente 26.

Estando centrada sobre as questões da avaliação e da representação cognitiva das ameaças, a abordagem psicométrica raramente foi testada numa perspectiva de previsão do comportamento. Este aspecto é referido como uma limitação, por o paradigma apenas permitir responder a questões hipotéticas, com uma ligação diminuta ao comportamento 27. No entanto, em termos conceptuais acredita-se que a percepção do risco influencia o comportamento dos indivíduos 10,28, uma vez que se encontram intimamente associadas a aspectos atitudinais 6. Os resultados obtidos com esta abordagem mostram que a representação dos riscos se relaciona com a necessidade de redução do risco e com uma menor tolerância à exposição 7, o que se deverá traduzir em comportamentos equivalentes.

Lima 29,30 salienta a importância da perspectiva psicométrica por permitir quantificar a avaliação do risco feita pelos leigos. Esta quantificação reveste-se de características próprias por ser representável num espaço multidimensional, opostas à avaliação dos peritos, representável de forma unidimensional. Um outro aspecto diferenciador é que a representação dos riscos não é nem imutável, nem puramente cognitiva. A observação de diferentes representações de riscos em diferentes populações indica que a representação dos riscos tem origem na partilha social e que as dimensões usadas pelos leigos para avaliar os riscos são, em grande medida, dimensões afectivas 31.

Em grande parte dos estudos que recorrem ao método psicométrico pede-se aos participantes que classifiquem um conjunto diversificado de fontes de risco em escalas que qualificam os riscos numa série de aspectos, entre as quais se pode referir, por exemplo, o grau em que o risco é novo ou antigo, assustador ou não assustador, conhecido ou desconhecido. Estas variáveis agrupam-se, em grande parte dos estudos, nas duas dimensões referidas: risco assustador e risco desconhecido. Os estudos desenvolvidos dentro deste paradigma centram-se na aceitação dos riscos em função do seu posicionamento no espaço formado pelas duas dimensões referidas. Procuram também determinar quais as características individuais que condicionam a percepção dos riscos, tendo encontrado efeitos do sexo, idade, origem étnica, nacionalidade e classe social 32. Finalmente, concentram-se na influência de variáveis associadas a orientações disposicionais como, por exemplo, a confiança 33 ou na conciliação das várias abordagens, tentando encontrar em simultâneo as características dos riscos e a influência de factores sociais. Em grande parte dos estudos desenvolvidos são caracterizados conjuntos de riscos heterogéneos. No entanto, alguns estudos centram-se em conjuntos homogéneos, como é o caso do estudo acerca dos riscos associados à alimentação 34.

Dentro dos estudos que abrangem conjuntos heterogéneos incluem-se alguns riscos de saúde como, por exemplo, a SIDA 35-41mas, principalmente, situações ou tecnologias que constituem potenciais riscos para a saúde, como o consumo de antibióticos ou a cirurgia 7,23,42. Outros estudos abordam riscos de saúde sem, no entanto, tentar caracterizar o risco dentro das dimensões do paradigma psicométrico. Por exemplo, em alguns estudos pede-se aos participantes que estimem o número de mortes associadas a determinados riscos de saúde ou que simplesmente avaliem a importância desse risco 35,38,43.

A tabela 1 apresenta alguns riscos de saúde contemplados em estudos realizados com conjuntos de riscos diversificados e com recurso às dimensões do paradigma psicométrico. Apesar de os dados terem sido recolhidos em amostras de diferentes proveniências nacionais e culturais, o posicionamento dos riscos nos diversos estudos é quase sempre semelhante. No entanto, a informação existente não é suficientemente exaustiva relativamente aos riscos de saúde, existindo dados que permitem afirmar que os factores culturais e individuais têm impacto sobre a forma como os riscos são percepcionados 44.

Tabela 1 Posição de riscos de saúde nas dimensões risco assustador e desconhecido

Não obstante a existência de resultados relativos às ameaças à saúde, o paradigma nunca foi usado para estudar de forma exclusiva a representação de riscos de saúde. Os primeiros estudos realizados, publicados em 1978 e 1980, incidiam sobre um conjunto de 90 tecnologias de origens diversas, entre as quais se encontram riscos associados à saúde, como a vacinação ou as doenças associadas ao consumo de tabaco 10,23. Desde então o paradigma tem sido usado por inúmeros autores para estudar conjuntos de riscos heterogéneos 41,45,46 e conjuntos homogéneos 34,47. Em grande parte dos casos os resultados encontrados revelam uma estrutura bi-factorial semelhante à encontrada nos primeiros estudos. Temos então motivos para acreditar que a representação dos riscos de saúde se processa dentro de uma estrutura factorial semelhante.

Peritos vs. leigos O estudo da percepção do risco baseia-se na ideia que a avaliação dos riscos feita pelos peritos se diferencia da avaliação dos leigos, na medida em que os primeiros avaliam os riscos em função da probabilidade de ocorrer um resultado indesejado ou negativo, enquanto os segundos os avaliam em função de uma percepção subjectiva das suas consequências 8,48. Os critérios usados pelos peritos para avaliar o risco são caracterizados na literatura como sendo objectivos, sensatos e racionais. Pelo contrário, o público leigo confia em critérios subjectivos, hipotéticos, emotivos, pouco sensatos e pouco racionais 49.. A caracterização dos dois processos serve, na literatura desta área, para atestar a maior qualidade do primeiro tipo de julgamento. No entanto, a literatura revela muitas vezes que os desvios encontrados nos julgamentos produzidos pelos leigos, como o facto das mulheres produzirem avaliações do risco mais elevadas que os homens, se encontram também nos julgamentos produzidos pelos peritos. Por exemplo, num estudo acerca da avaliação de riscos químicos, as mulheres peritas sobreavaliam os riscos comparativamente aos homens peritos, replicando o padrão de diferenças entre sexos encontrado em estudos desenvolvidos com amostras de leigos 50.

A crença expressa na literatura acerca da diferença entre leigos e peritos e da superioridade dos julgamentos produzidos por peritos apresenta alguns aspectos problemáticos. O primeiro aspecto relaciona-se com a classificação de determinados indivíduos como peritos, sem que a sua competência na avaliação de um risco particular seja apreciada 51. De forma ideal, o título de perito deverá ser atribuído a alguém com competência específica no risco em análise, o que raramente sucede nos estudos que utilizam esta classificação. Um segundo aspecto prende-se com a ausência de validade ecológica das tarefas a que se submetem os peritos, o que significa que os indivíduos são confrontados com tarefas e formas de avaliação dos riscos que não lhes são familiares 52,53.

Finalmente, a qualidade dos julgamentos produzidos por ambos os grupos nunca é objectivamente avaliada, o que impossibilita afirmar com certeza que os julgamentos dos peritos são superiores aos dos leigos.

Tomando em consideração os aspectos referidos, temos pouco fundamento para afirmar que os peritos vão produzir representações diferentes das dos leigos ou que vão avaliar os riscos apresentados de forma a minimizá-los, como defendem alguns autores 54,55.

Experiência com o risco A experiência ou o contacto directo com as fontes de risco produzem um processo de adaptação, que altera a forma como é representada a vulnerabilidade individual ao perigo. A análise da referida representação aponta para uma alteração no sentido da redução da percepção de susceptibilidade e de uma sobreavaliação da capacidade individual para lidar de forma eficaz com o risco.

Esta tese é explanada no modelo da adaptação cognitiva 56,57, onde se refere que a resposta a uma ameaça produz um processo de adaptação que conduz ao aumento ilusório da percepção de controlo e de uma perspectiva optimista sobre o futuro. Muitos dos estudos desenvolvidos focam a exposição a riscos ambientais, como os sismos 41,58 ou à introdução de novas tecnologias, como é o caso da instalação de centrais de incineração de resíduos sólidos 29.

Contrariamente ao esperado, muitos estudos desenvolvidos no campo da psicologia da saúde revelam que uma experiência pessoal com determinado risco produz um aumento relativo da avaliação da sua importância 59-62. No entanto, Halpern- Felsher, Milltein, Ellen, Adler Tschann e Biehl 63 apresentam situações de risco condicionadas (e.g. contrair cancro do pulmão se fumar) e obtêm o padrão contrário. Quando o risco é condicionado as pessoas com experiência avaliam a probabilidade de virem a sofrer com esse risco como menos provável. Numa tentativa de esclarecer o impacto da experiência na percepção do risco, Barnett e Breakwell 64 desenvolvem uma medida detalhada, onde se avalia a experiência quanto à valência do impacto, o resultado da exposição e a frequência do contacto. Os resultados associam os três aspectos avaliados à percepção do risco, no entanto variam consoante o contacto com o risco foi ou não voluntário. Apenas a exposição involuntária implica que um maior contacto com o risco produz uma maior preocupação.

Considerando os resultados obtidos no conjunto dos estudos que observam esta variável, temos então razão para acreditar que o contacto com o risco de saúde se associará a um aumento da sua importância. Isto significa que a exposição involuntária a um risco de saúde irá provocar um agravamento da percepção de que esse risco é assustador.

Objectivo e hipótese O estudo apresentado recorre ao paradigma psicométrico para caracterizar um conjunto de riscos de saúde. O objectivo é encontrar a disposição destes riscos dentro da estrutura de dois factores, acedendo à sua representação comparativa.

Pensamos ser possível reproduzir a estrutura factorial encontrada noutros estudos que recorrem ao mesmo paradigma, colocando a hipótese que as dimensões subjacentes à avaliação dos riscos de saúde são as mesmas que as pessoas usam quando avaliam outros conjuntos de riscos, quer sejam conjuntos heterogéneos, quer homogéneos.

Procuraremos identificar algumas fontes possíveis de variabilidade na percepção dos riscos de saúde, como é o caso da experiência pessoal com risco ou do facto de se ser profissional de saúde, sendo-se perito desta área. De acordo com a literatura apresentada esperamos que o grupo de profissionais de saúde não apresente uma representação ou avaliações do risco diferentes das apresentadas pela restante amostra. Esperamos também que a experiência anterior com os riscos produza um agravamento da percepção do risco.

Método Participantes O questionário foi distribuído em duas grandes organizações públicas, numa organização de saúde e numa universidade. Responderam 191 indivíduos, 30,7 % (n = 58) dos quais eram homens e 69,3 % mulheres (n = 131). Dois participantes não assinalaram o seu sexo. A idade média é de 34,6 anos (DP = 13,8). O participante mais novo tem 17 anos e o mais velho 75 anos. Em média os participantes têm 13,8 anos de escolaridade (DP = 2,7). Os participantes com menor escolaridade estudaram durante 9 anos e os participantes com mais anos de escolaridade estudaram 21 anos. Dez participantes não assinalaram o número de anos que passaram na escola. Sessenta e seis participantes são estudantes universitários. Os restantes participantes têm profissões diversificadas como médicos (n = 12), técnicos de estatística (n = 21) ou administrativos (n = 15).

Oito participantes não referiram a sua situação profissional. No total, a amostra conta com 19 peritos. A maioria dos participantes esteve exposto a um dos riscos de saúde analisados (97,9 %), 72,8 % refere ter sofrido com a exposição a pelo menos um dos riscos e 91,6 % tem ou teve uma pessoa próxima exposta a um dos riscos. Como se pode observar na tabela 2, a exposição varia muito de risco para risco. A depressão é o risco ao qual os participantes afirmam estar mais expostos (63,4 %). Seria expectável que riscos muito frequentes, como constipação ou a gripe, fossem reportados por um maior número de participantes. Este resultado deve-se, provavelmente, ao facto de se ter perguntado aos participantes se estavam expostos a constipações ou a gripes frequentes. Excluindo os riscos com os quais nenhum dos participantes teve experiência directa ou indirecta, como o ébola ou a gripe das aves, o risco com menor incidência de exposição é a SIDA.

Tabela 2 Número de participantes expostos aos riscos

Instrumento É usado um instrumento de avaliação onde quinze riscos de saúde são classificados em oito itens. Os riscos de saúde apresentados são a depressão, gripe, constipação, infecção por ébola, alcoolismo, hepatite, dependência de drogas, diabetes, gripe das aves, ferimentos decorrentes de acidentes de viação, anorexia, tuberculose, doenças cardiovasculares e SIDA. Os riscos foram seleccionados a partir dos resultados de um estudo prévio, onde se questionaram 60 pessoas relativamente à probabilidade de virem a ser afectadas por 20 fontes de risco. Foram seleccionados para este estudo riscos indicados como sendo de alta probabilidade, como a constipação, a gripe ou a depressão e riscos indicados como sendo de baixa probabilidade, como o risco de contrair SIDA, hepatite ou de ficar dependente de drogas ou álcool. Os restantes riscos foram escolhidos a partir da análise da literatura. O critério que presidiu à escolha dos riscos foi o de obter um conjunto de riscos contrastados em termos da percepção de susceptibilidade.

Os riscos foram classificados em oito diferenciais semânticos seleccionados dentro dos 12 usados por Slovic, Fischhoff e Lichtenstein 23 para classificar as fontes de perigo. Foram seleccionados quatro diferenciais pertencentes ao factor "risco assustador" e quatro pertencentes ao factor "risco desconhecido".

A redução do número de diferenciais permite reduzir a dimensão do questionário, sem que se verifique uma perda considerável em termos da caracterização dos riscos, uma vez que os itens retirados se encontram, tradicionalmente, muito relacionados com os que são usados neste estudo. Os diferenciais encontram-se dispostos numa escala de um a nove pontos, que varia entre: risco controlável e risco incontrolável; risco assustador e risco não assustador; risco fatal e não fatal; exposição voluntária e exposição involuntária; afecta-me e não me afecta; desconhecido e conhecido; novo e antigo; com efeitos imediatos e com efeitos diferidos.

Foram construídas três versões equivalentes do questionário, onde os riscos são apresentados em ordens diferentes. Esta precaução evita a existência de enviesamentos sistemáticos na avaliação devido à sequência de apresentação dos riscos.

Foram também recolhidos dados sobre a idade, sexo, habilitações e profissão dos participantes, assim como informação relativa à exposição a cada um dos riscos apresentados por parte do participante ou de alguém próximo (e.g. "alguma vez sofreu de diabetes" e " alguém próximo de si sofreu de diabetes").

Procedimento Os indivíduos foram abordados individualmente, sendo-lhes dada a indicação que iriam participar num estudo sobre riscos de saúde. O preenchimento do questionário foi feito sem tempo limite. Todas as dúvidas foram esclarecidas, excepto nos casos em que as pessoas não conheciam determinada doença. Nesse caso pedia-se que deixassem a avaliação desse risco em branco, passando aos seguintes.

Resultados Agregação dos dados para a análise Os estudos realizados na tradição do paradigma psicométrico efectuam as suas análises factoriais, não sobre as observações individuais, mas sobre dados agregados. Isto significa que se encontram valores médios da classificação de cada risco em cada um dos diferenciais usados para a sua avaliação. As três dimensões de dados (risco × diferenciais × participantes) são reduzidas a uma matriz com duas dimensões (risco × diferenciais) 26.

Neste estudo os dados relativos aos riscos de saúde são igualmente agregados numa matriz que apresenta o valor médio de cada diferencial em cada um dos 15 riscos. Para determinar a fiabilidade da pontuação agregada, é calculado o coeficiente de correlação intraclasse. Não existindo consenso sobre os valores aceitáveis para este coeficiente, alguns autores indicam o valor de 0,12 como o valor mediano de CCI 65.

Como se observa na tabela 3, e tendo em consideração o valor de referência indicado, os valores de CCI obtidos são satisfatórios, permitindo que sejam calculadas as médias das diferentes dimensões por risco.

Tabela 3 Tabela 3 - Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI)

Análise em componentes principais sobre 15 riscos de saúde A análise em componentes principais, realizada sobre as oito dimensões de avaliação e tendo como observações os valores médios dos 15 riscos analisados, pretende revelar qual a estrutura de factores subjacente à avaliação dos riscos de saúde e verificar se esta é semelhantes à do modelo bifactorial de Slovic, onde os riscos são classificados em função das duas dimensões "risco assustador" e "risco desconhecido".

Os resultados obtidos apresentam um valor de KMO de 0,535 e o teste de esfericidade de Bartlett é significativo (< 0,001). O valor de KMO é inferior ao desejável e revela que a adequação dos dados ao procedimento usado é sofrível. A favor da prossecução análise apresentam-se valores de comunalidade bastante aceitáveis, entre 0,979 e 0,689.

Contrariamente ao esperado, o modelo apresenta três componentes, que explicam 89,9 % da variância. Os componentes, que podem ser observados nas figuras 1 e 2, forma designados, respectivamente, "risco controlável" (explica 37,7 % da variância), "risco desconhecido" (explica 27,6 % da variância) e "risco assustador" (explica 24,7 % da variância).

Figura 1 ACP Representação dos componentes risco controlável (componente 1) e risco desconhecido (componente 2)

Figura 2 ACP Representação dos componentes risco assustador (componente 3) e risco desconhecido (componente 2)

Dentro desta estrutura de três componentes, a anorexia, o alcoolismo e a toxicodependência são representados como riscos controláveis, enquanto que o cancro e os ferimentos resultantes de acidentes de viação se encontram representados como incontroláveis. O ébola e a gripe das aves são os riscos representados como menos conhecidos. No outro extremo desta dimensão encontra- se a constipação. A SIDA e o cancro são os riscos representados como mais assustadores e a constipação e a gripe como menos assustadores. A distribuição dos riscos nos três componentes pode ser observada nas figuras 3 e 4.

Figura 3 Representação dos riscos de saúde nos componentes risco controlável (componente 1) e risco desconhecido (componente 2)

Figura 4 Representação dos riscos saúde nas componentes risco desconhecido (componente 2) e risco assustador (componente 3)

Por a estrutura de componentes encontrada com a consideração de todos os riscos não permitir uma boa diferenciação dos mesmos, realizou-se nova análise retirando o ébola e a gripe das aves. São retirados estes dois riscos por se encontrarem distantes dos restantes riscos estudados. Como a representação é feita por comparação, a existência de duas observações muito diferentes provoca uma aglomeração das restantes.

Análise em componentes principais sobre 13 riscos de saúde A análise produz dois componentes: "risco assustador" e "risco desconhecido" que explicam 81,95 % da variância total, como se encontra expresso na figura 5.

A análise apresenta um KMO de 0,625 e as comunalidades situam-se entre 0,562 e 0,966. O valor do KMO indica uma adequação deficiente dos dados ao procedimento realizado. No entanto, os valores das comunalidades são aceitáveis e o nível de significância do teste de esfericidade de Bartlett é menor que 0,001.

Figura 5 ACP Representação dos componentes risco assustador (componente 1) e risco desconhecido (componente 2)

A distribuição dos riscos na estrutura de componentes, representada na figura 6, revela que a maioria dos riscos é avaliada como desconhecida, à excepção da gripe, da constipação e dos ferimentos resultantes de acidentes de viação. São avaliados como menos assustadores riscos potencialmente controláveis pelos indivíduos, como a anorexia, a toxicodependência e o alcoolismo ou riscos com consequências avaliadas como menos severas, como a constipação ou a gripe. Os riscos avaliados como mais assustadores continuam a ser o cancro e os ferimentos resultantes de acidentes.

Figura 6 Representação dos 13 riscos nos componentes Risco Assustador e Risco Desconhecido

Peritos vs não peritos A diferença na representação dos riscos por parte de peritos e leigos é o factor central na literatura do paradigma psicométrico. Por este motivo foram realizadas duas análises em componentes principais: uma com os dados resultantes obtidos junto a médicos, enfermeiros e outros peritos de saúde e outra com os dados dos restantes participantes.

Ambas a análises apresentam valores de KMO baixos (0,378 para peritos e 0,623 para leigos), no entanto os valores das comunalidades são razoáveis, variando entre 0,552 e 0,958 na análise dos peritos e 0,532 e 0,965 na análise dos leigos e o teste de esfericidade de Bartlett é significativo nos dois casos. Em ambas as análises foram obtidos dois componentes com valor próprio superior a um, que explicam 73,6 % da variância na análise dos peritos e 81,7 % da variância na análise dos leigos. O primeiro componente a surgir na análise dos peritos explica 41,9 % da variância e o segundo explica 31,7 % da variância total. Na análise dos leigos o primeiro componente explica 41,7 % da variância e o segundo 40,1 % da variância total.

A estrutura de componentes não é semelhante para peritos e leigos, como se pode observar na tabela 4. O primeiro componente das duas análises caracteriza essencialmente os riscos como involuntários e que afectam directamente o indivíduo. O segundo componente dos peritos caracteriza-se pela representação dos riscos como fatais e assustadores, enquanto o segundo componente dos leigos caracteriza os riscos como novos.

Tabela 4 Representação dos componentes para peritos e leigos

Uma vez que a estrutura factorial difere entre leigos e peritos procedeu-se à comparação da avaliação dos riscos em dois itens específicos: o item "risco assustador" e o item "risco desconhecido". Procedeu-se a duas análises de variância com medidas repetidas sobre a avaliação dos riscos nos diferenciais risco assustador e risco desconhecido, em função do risco e do facto de se ser ou não perito. Verifica-se que a avaliação dos riscos como assustadores difere significativamente em função do facto de se ser perito (F(1,176) = 5,808;p = .017) mas a interacção entre perito/leigo e risco não é significativa (F (12,165) = 1,024;p = .430). Em média os peritos avaliam os riscos como menos assustadores que os leigos (Mp = 5,1; Ml = 5,8), como se observa na figura 7.

Figura 7 Avaliação dos riscos por peritos e leigos

Leigos e peritos não se diferenciam na avaliação do risco como desconhecido F (1,172) = 0,012;p = .914), nem a interacção entre o factor leigo/perito e risco é significativa F(1,172) = 0,236;p = .627). Em média os peritos avaliam os riscos como tão desconhecidos como os leigos (Mp = 7,1; Ml = 6,9).

Efeito da experiência Com a finalidade de testar o efeito que a exposição aos riscos tem sobre a sua representação, procedeu-se a duas análises de variância com medidas repetidas sobre cada um dos componentes "risco assustador" e "risco desconhecido" em função da exposição a cada um dos riscos e do risco avaliado. Nesta análise recorreu-se a pontuações estandardizadas. Foram considerados expostos a um risco específico os participantes que sofreram da doença associada ou que tiveram alguém próximo nessa situação. Foram considerados não expostos os que nunca sofreram da doença nem tiveram alguém próximo que tenha sofrido.

Verifica-se que a avaliação do componente "risco assustador" depende da exposição ao risco (F(1,2441) = 6,445;p = 0,011). Como se observa na figura 8, quem esteve exposto a determinado risco de saúde avalia-o em média como mais assustador (M = 0,04) do que quem nunca esteve exposto (M = -0,19). A interacção entre o risco e a exposição não é significativa (F(12, 2441) = 1,369;p = 0,173).

Figura 8 Média de expostos e não expostos na componente risco assustador

Observa-se na figura 9 ue, como seria expectável, os riscos são avaliados como significativamente mais conhecidos por parte dos indivíduos previamente expostos à doença (F(1,2439) = 16,154;p < .001).

Figura 9 Média de expostos e não expostos na componente risco desconhecido

Discussão No estudo apresentado foi analisada a representação de um conjunto de 15 riscos de saúde, usando para isso nove diferenciais provenientes do paradigma psicométrico. Esperávamos, em primeiro lugar, replicar a estrutura de dois factores que caracteriza a maioria dos estudos realizados com recurso a este paradigma. Este objectivo foi parcialmente alcançado. A primeira análise realizada produziu três componentes, que reproduzem o componente "risco desconhecido" do modelo original mas decompõe o componente "risco assustador" em dois: "risco assustador" e "risco controlável".

O facto de se encontrar uma estrutura com três componentes não é inédito. Por exemplo, Goszcynska, Tyszka e Slovic 66 encontram uma estrutura composta pelos componentes "risco assustador", "risco desconhecido" e "risco novo". Jianguang 67 obtém de igual modo uma estrutura com três factores mas apenas classifica os riscos em dois deles "risco controlável" e "potencial de catástrofe".

Na estrutura descrita encontramos uma elevada concentração dos riscos junto ao ponto de origem das dimensões, o que não permite diferenciar a representação dos riscos estudados. Retirando os riscos que se encontram numa posição extrema, obtivemos então uma estrutura de dois componentes correspondente aos factores "risco desconhecido" e "risco assustador". Os riscos retirados, o ébola e a gripe das aves, são os mais desconhecidos da nossa amostra, o que poderá indicar que a percepção de controlo do risco poderá ser uma dimensão importante na avaliação de riscos novos. Na estrutura de dois componentes encontra-se uma maior dispersão dos riscos pelos quatro quadrantes, apesar da maioria dos riscos ser representada como assustadora e desconhecida. Os riscos mais assustadores são os acidentes de viação e o cancro, encontrando-se o primeiro risco no quadrante dos riscos conhecidos e o segundo nos riscos desconhecidos. Os riscos menos assustadores são a anorexia, a toxicodependência e o alcoolismo, provavelmente por os indivíduos considerarem controlável a exposição aos mesmos. Estes riscos encontram-se representados como desconhecidos, comparativamente a riscos como a constipação e a gripe que são considerados pouco assustadores e conhecidos.

Comparando a representação obtida com a de outros estudos onde foram incluídos riscos de saúde observa-se que o posicionamento é, em muitos casos, semelhante.

O HIV/SIDA e o cancro encontram-se sempre no quadrante "risco assustador"/ "risco desconhecido" 36,39,40,66,68. O alcoolismo e a toxicodependência encontram-se sempre representados no quadrante "risco não assustador", tal como se observa neste estudo. No entanto, nos restantes estudos são classificados como riscos conhecidos, enquanto neste estudo são avaliados como desconhecidos 23,37,39,66.

De facto, a representação dos riscos não apresenta diferenças extremas entre estudos. O posicionamento dos riscos nas dimensões tem variações que podem ser consideradas moderadas e, em alguns casos, nulas, isto apesar de os resultados terem sido obtidos com amostras de nacionalidades diferentes e com conjuntos de riscos também diferentes. Tomados em conjunto, estes resultados apontam para uma representação relativamente estável e transversal dos riscos estudados.

Os resultados obtidos contrariam as visões mais cépticas relativamente à diferenciação entre a avaliação dos riscos produzida por leigos e peritos. De facto, não a estrutura factorial é diferente, como os dois grupos produzem avaliações distintas dos riscos apresentados. A apreciação deste resultado justifica a necessidade dos peritos de saúde conhecerem o sistema de representações do público leigo antes de procederem à comunicação de riscos de saúde. Uma comunicação onde emissor e receptor partem de pressupostos discrepantes tem, necessariamente, uma menor possibilidade de eficácia.

Relativamente à avaliação dos riscos, obtém-se o efeito descrito na literatura, segundo o qual os peritos subavaliam os riscos comparativamente ao público leigo 42,69.

Finalmente, os indivíduos expostos aos riscos de saúde avaliam-nos como mais assustadores do que aqueles que nunca foram expostos aos riscos. Estes resultados, que não são inéditos relativamente às ameaças à saúde, contrariam o modelo da adaptação cognitiva 56,57. Neste caso a exposição a uma ameaça não produz um processo de adaptação que conduz à minimização do risco. Pode pensar- se, no entanto, que no caso dos riscos ambientais e tecnológicos a exposição às ameaças é continuada, o que significa que a reorganização cognitiva relativamente à representação da ameaça tem um papel importante na manutenção do equilíbrio psicológico. No caso dos riscos de saúde a exposição é, em muitos casos, temporária, não exigindo uma adaptação cognitiva. Talvez no caso das doenças crónicas se produza um processo semelhante ao descrito na restante literatura do risco.

Em suma, obteve-se, neste trabalho, a indicação que a representação dos riscos de saúde é feita com base em dimensões semelhantes às obtidas nos estudos de outras fontes de risco. Apoia esta ideia o facto de se ter encontrado um estrutura bifactorial composta por uma primeira dimensão que caracteriza os riscos como assustadores e uma segunda dimensão que os classifica como desconhecidos. Os resultados obtidos representam ainda um importante contributo para a compreensão de como representam as pessoas um conjunto de riscos de saúde e qual o posicionamento relativo desses riscos dentro da estrutura descrita. A comparação com os resultados de outros autores indica-nos que essa representação é relativamente coerente. Por fim, os resultados indicam que os peritos se diferenciam do público leigo no sentido de subavaliarem os riscos e que o contacto com riscos de saúde faz com que estes sejam avaliados como mais assustadores.

Pensamos que os resultados obtidos têm implicações importantes para as áreas da comunicação e da gestão dos riscos de saúde. Dentro das implicações relevantes, podemos salientar alguns aspectos que nos parecem essenciais.

Apesar de muitos riscos serem avaliados como assustadores, riscos considerados controláveis são desvalorizados nesta dimensão. Podemos pensar que, por exemplo, a avaliação da anorexia ou do alcoolismo como pouco assustadores poderá aumentar a tolerância à exposição a estes riscos.

Outro aspecto importante relaciona-se com o facto das dimensões usadas para avaliar os riscos de saúde serem semelhantes às encontradas no estudo de outras fontes de risco. Este resultado indica que estamos a tratar de mecanismos psicológicos transversais, de nível geral, e que os profissionais de saúde podem recorrer à literatura sobre a percepção de risco, independentemente da área específica de incidência, numa procura de compreensão destes mecanismos.

Finalmente, os profissionais de saúde devem preocupar-se em conhecer o sistema de representação dos riscos do público leigo antes de iniciar o processo de comunicação. As representações prévias são dificilmente alteráveis. O processo de comunicação deve considerar o ponto de partida como uma referência.

Nem todos os processos de comunicação são eficazes, mas a compreensão dos processos psicológicos de percepção do risco e da estrutura e conteúdo das representações contribuem decisivamente para a sua melhoria.

Conflito de interesse Os autores declaram não haver conflito de interesse.


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