O efeito de um programa de exercício físico na qualidade de vida em doentes
cardíacos
Introdução
O envelhecimento da população mundial e da população portuguesa em particular é
hoje um dado adquirido, facilmente verificável pelos resultados do último censo
(Instituto Nacional de Estatística, 2011), que reflete o aumento da longevidade
da população1.
O incremento da esperança de vida encontra-se, habitualmente, associado à
acessibilidade e à qualidade do serviço de saúde, bem como a profundas
implicações sociais, culturais, económicas e individuais que favorecem o
desenvolvimento do ciclo de vida2,3.
Estamos perante um conjunto de pontos de vista sobre a saúde que, embora
atinjam o aumento da esperança média de vida, estão sujeitos a um conjunto de
fatores genéticos, biológicos, comportamentais e ambientais que podem colocar o
corpo humano suscetível a acidentes e a doenças2, entre as quais as
cardiovasculares4,5,6.
Estas doenças são revestidas de uma natureza multidimensional, com graves
consequências para o cidadão, para a sociedade e para o sistema de saúde,
devendo ser encaradas como um problema de saúde pública que urge minorar7.
Esta preocupação implica construir políticas públicas de saúde, reorientar os
serviços de saúde, criar ambientes de suporte e entreajuda, fortificar a ação
comunitária e desenvolver as capacidades e qualidades pessoais na capacitação
da comunidade, para atuar na melhoria da qualidade de vida8,9,10.
Nesta linha, a Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis (RPCS), constituída por um
conjunto de municípios, com o objetivo de divulgar e promover uma abordagem
holística da saúde, bem como melhorar a qualidade de vida dos cidadãos8,9,11,
reforça a necessidade de desenvolver projetos assentes em 3 pilares9: ambientes
promotores de apoio e cuidados, vida saudável, e ambientes urbanos saudáveis e
design.
O conceito de cidades saudáveis surge com a noção de que a cidade é o nível de
governança mais próxima da população e que, desta forma, poderá influenciar os
fatores que afetam a vida saudável e prevenir as doenças, onde se incluem as
doenças cardiovasculares8.
O projeto de Vila Franca de Xira "Compromisso Cidade Saudável"
resulta da adesão da cidade de Vila Franca de Xira à referida rede (RPCS), a
qual tem na sua base o princípio de saúde, em função das necessidades e
recursos concelhios, onde se inclui a vida saudável e os cuidados de saúde.
São eixos com o objetivo de contribuir para minimizar os fatores de risco de
progressão de doença, desenvolver fatores de proteção ao nível individual,
familiar e comunitário, bem como melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Foi com a consciência da importância de uma mobilização geral da sociedade na
preservação da saúde7,10, que o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira
uniram esforços e estruturaram um programa de reabilitação cardíaca (PRC),
utilizando os recursos comunitários, com vista a aumentar a autonomia e a
qualidade de vida dos doentes12.
Os programas de reabilitação cardíaca são, atualmente, reconhecidos como um
componente essencial do tratamento das doenças cardiovasculares10,13,
resultante de equipas multifacetadas e coordenadas, com vista a otimizar o
doente com patologia cardíaca ao nível físico, psicológico e social10,13,14,15.
Estabilizar, abrandar ou mesmo reverter a progressão do processo
aterosclerótico subjacente, reduzindo a morbilidade, a mortalidade e os
reinternamentos, representa o âmago dos programas de ambulatório10,13,14,15.
Programas que quebram o período de imobilização prolongado a que os doentes são
sujeitos, sensibilizando-os para a importância do efeito terapêutico do
exercício físico na reabilitação cardíaca, são essenciais16.
A inclusão de exercício físico, por ser planeada, estruturada e repetitiva, na
qual são efetuados movimentos corporais com o intuito de melhorar ou manter uma
ou mais componentes da condição física17, é recomendada pela comunidade
científica como um excelente meio de preservar o bem-estar físico, psíquico e
social em doentes cardíacos13,14,18,19.
No estudo Heart Failure ' Action (HF-Action), realizado por O'Connor et al.20,
com o objetivo de avaliar o efeito de um programa de exercício físico na
redução da mortalidade cardiovascular e hospitalização, verifica-se que o grupo
sujeito ao exercício físico reduz em 15% a mortalidade cardiovascular, a
hospitalização e ajuda a melhorar, de uma forma geral, a qualidade de vida dos
doentes cardíacos21.
A qualidade de vida, apesar de ser um termo universal de difícil definição,
representa a perceção individual da posição da pessoa na vida, no contexto, na
cultura e nos valores22. É um conceito amplo, subjetivo, que inclui, de forma
complexa, a saúde física da pessoa, o seu estado psicológico, o nível de
independência, as relações sociais, as crenças e convicções pessoais e a sua
relação com os aspetos importantes do meio ambiente23,24,25.
Ao investigar o efeito do exercício físico na qualidade de vida em doentes
cardíacos, Bocalini et al.26, observam melhorias estatisticamente
significativas na qualidade de vida em doentes sujeitos ao exercício físico. Ao
analisar a variação percentual entre os grupos (sem exercício físico vs. com
exercício físico), verificam-se variações percentuais superiores no grupo
sujeito ao exercício físico ao nível da componente física (2 ± 1 vs. 23 ± 4%),
do estado psicológico (1 ± 1 vs. 20 ± 2%), do social (3 ± 2 vs. 16 ± 1%) e
ambiental (2 ± 1 vs. 15 ± 2%).
Foi com o propósito de que o exercício físico seja seguro e eficaz, em doentes
cardíacos, no aumento da qualidade de vida13,20,21,27,28,29, bem como atendendo
ao número crescente de doentes e à dificuldade na adesão, quer por razões
pessoais, quer pelo deficiente financiamento da reabilitação cardíaca7,16, que
o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira estabeleceram uma parceria e
celebraram um protocolo de cooperação no âmbito do PRC.
Este Programa de Reabilitação Cardíaca visa dar resposta à epidemia de doenças
crónicas e não transmissíveis, através de abordagens integradas na população,
focada nos fatores de risco de progressão da doença coronária através de ações
sustentáveis, com o objetivo de promover o retorno do doente a uma vida ativa e
autónoma, enquanto parte integrante do processo de tratamento após um evento
cardíaco, bem como recuperar e manter um ótimo nível fisiológico, psicológico e
social.
Mas será que um programa de exercício físico supervisionado realizado na
comunidade logo após alta hospitalar potencia a qualidade de vida dos doentes?
É essa a grande questão que se coloca ao promover uma intervenção na comunidade
o mais precoce possível.
Objetivos
Pretende-se com o presente estudo analisar e comparar os resultados da
aplicação do exercício físico supervisionado, no programa de reabilitação
cardíaca, em fase de ambulatório precoce, com os dados obtidos pelos doentes
sujeitos apenas ao tratamento convencional. Avaliar a qualidade de vida geral,
bem como a função emocional, física e social relacionada com a doença cardíaca.
Método
Desenho do estudo
Optou-se por realizar um estudo, com uma duração superior a 3 meses, dividindo
os doentes cardíacos em 2 grupos. Um dos grupos foi exposto a um programa de
exercício físico supervisionado (grupo ES), enquanto o outro grupo foi
submetido ao tratamento convencional com indicações para realizar exercício
físico (grupo TC).
Sujeitos
Foram recrutados doentes cardíacos de ambos os sexos, entre os 28 e os 80 anos,
considerando os seguintes critérios de inclusão: risco baixo a moderado segundo
American Heart Association (AHA)30 e American Association of Cardiovascular and
Pulmonary Rehabilitation (AACVPR)31 ou que, por avaliação do médico/
a cardiologista, estão aptos para o estudo mencionado.
Critérios de inclusão
Foram incluídos no estudo os sujeitos que, segundo a estratificação do AHA para
a participação e supervisão da atividade física30 e segundo a estratificação do
risco da AACVPR para eventos cardíacos durante o exercício físico31, preenchiam
os seguintes critérios: classe B para a participação e supervisão com base AHA;
capacidade funcional superior a 6 Metabolic Equivalent Task (MET) ou
equivalente metabólico; ausência de sinais ou sintomas após evento (Enfarte do
miocárdio [EM], Percutaneous Transluminal Coronary Angioplasty [PTCA], Coronary
Artery Bypass Graft [CAGB]); hemodinamicamente estáveis, com uma fração de
ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) superior a 40%; ausência de arritmias;
doentes que em consulta apresentavam múltiplos fatores de risco, embora não
tendo tido nenhum evento cardíaco; doentes que não apresentavam limitações
físicas intelectuais e sociais para integrarem o programa; doentes que,
reunindo todas estas condições e através de consentimento informado, aceitaram
integrarem o estudo referido; doentes que não preenchiam os critérios de
inclusão, mas, por avaliação do médico/a cardiologista, estavam aptos para o
respetivo estudo.
Critérios de exclusão
Os sujeitos que apresentaram as seguintes indicações não participaram no estudo
referido: angina instável; tromboembolismo recente; infeção aguda ou febre de
origem desconhecida; bloqueio auriculoventricular (AV) de 3.° grau; pericardite
e miocardite aguda; arritmia não controlada; insuficiência/estenose mitral ou
insuficiência/estenose aórtica; insuficiência cardíaca congestiva ( ICC)
descompensada; hipertensão arterial (HTA) descontrolada; depressão do segmento
ST > 2 mm; diabetes descompensada31.
Instrumentos de avaliação
Avaliação do risco de segurança pós-evento
Foi realizada com base na avaliação do risco clínico de segurança pós-evento da
AACVPR31, os critérios do AHA para o exercício físico30 e a classificação de
insuficiência cardíaca do New York Heart Association (NYHA)32.
Qualidade de vida
A qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) na doença cardíaca foi
avaliada com base no questionário MacNew29. O MacNew é constituído por 27 itens
divididos em 3 funções (física, emocional e social), em que se abordam os
sintomas de angina de peito, falta de ar, cansaço e de tonturas. A pontuação
máxima possível, em qualquer domínio, é de 7 pontos (QVRS alta) e o mínimo é um
(QVRS pobre).
É de salientar que as respostas em falta não contribuíram para a pontuação, por
exemplo: nos casos de 10 dos 14 itens respondidos, a pontuação calculada foi a
média das 10 respostas. A pontuação global foi calculada com a média de todos
os itens29.
O MacNew foi validado para a população portuguesa num estudo que envolveu 150
doentes com síndroma coronário agudo com um teste-reteste (r > 0,72),
concluindo que o questionário é um instrumento válido na avaliação QVRS28.
Procedimentos
Os doentes cardíacos que preencheram os critérios de inclusão foram convidados
a participar no PRC, garantindo o acesso de todos ao efeito terapêutico do
exercício físico supervisionado. Neste grupo, determinou-se a alocação dos
doentes atendendo aos que consentiram participar nas sessões de exercício
físico supervisionados (grupo ES) e os que, por motivos diversos, optaram por
não participar nas referidas sessões (grupo TC).
Neste sentido, transmitiu-se, através de consentimento informado, o propósito e
os procedimentos do estudo, a privacidade dos dados e os possíveis riscos e
benefícios, tendo a cada uma das especialidades pertencido as seguintes
funções:
Medicina
Os doentes foram analisados pelos médicos cardiologistas, os quais solicitaram
e avaliaram todos os exames e análises necessárias para inclusão dos doentes no
estudo, bem como a supervisão do programa de reabilitação cardíaca, quer em
fase hospitalar, quer em fase ambulatória.
Enfermagem
Além de ser o elo de ligação entre o doente, o cardiologista e a equipa de
reabilitação cardíaca, incluindo o especialista de exercício físico,
realizaram, em conjunto com o cardiologista, a avaliação inicial e aplicaram o
questionário MacNew.
Dietista
Avaliou e educou nutricionalmente os doentes cardíacos, quer no internamento,
quer na consulta, sempre que necessário, em situações cuja adequação ou
correção alimentar fosse complementar com a terapêutica.
Cardiopneumologia
Aplicaram métodos e técnicas de diagnóstico, através de equipamentos com uma
base eletrónica e informática, com vista a obter imagens que permitam fazer o
diagnóstico médico.
Fisioterapia
Orientaram os doentes e familiares para adotar medidas com o intuito de
maximizar a funcionalidade do doente, tendo em conta as suas diferentes
dimensões.
Especialista de exercício físico
Concretizou e executou as ações de organização e realização do planeamento
geral, com vista ao acompanhamento dos doentes cardíacos, de baixo a moderado
risco, após devida indicação médica, assegurando a prescrição e o
desenvolvimento da atividade física e do exercício físico num ambiente de
qualidade e segurança.
Após a divisão dos doentes, submeteu-se os do grupo ES a um plano de
intervenção estruturado em 3 fases (inicial, melhoria e manutenção). A dose do
exercício foi prescrita segundo a frequência, intensidade, tempo e tipo de
exercício, conforme a devida estratificação do risco14 e recomendações da
AACVPR33.
Exercício físico supervisionado
O grupo ES foi sujeito a um treino multicomponente, genericamente definido como
uma combinação de exercício aeróbio, de coordenação, de equilíbrio, de força e
de flexibilidade34, realizado 3 vezes por semana, num pavilhão gimnodesportivo.
As sessões de exercício físico foram compostas por um momento de aquecimento,
parte fundamental e retorno à calma/alongamentos. Na fase inicial do programa,
foi dada maior importância ao aquecimento e ao retorno à calma, ficando a parte
fundamental reduzida a uma parte de adaptação do organismo ao exercício físico.
Nas fases mais avançadas (melhoria e manutenção), aumentou-se a parte
fundamental, diminuindo o aquecimento e o retorno à calma.
Tratamento convencional
Os participantes no grupo TC receberam um conjunto de informações, materiais
educativos e recomendações sobre o exercício físico. Solicitou-se ao grupo
referido para aumentar a sua atividade física, bem como a realização de
exercício físico com uma frequência de 3 vezes por semana, com pelo menos 48 h
de intervalo entre sessões de treino, com uma intensidade de 11 a 13 do índice
de perceção do esforço (IPE), escala de Borg30, com 40 a 50% da frequência
cardíaca de reserva ou uma frequência cardíaca de repouso mais 20 bpm. O tempo
recomendado foi de pelo menos 30 min por sessão, de forma contínua ou
acumulada. Já em relação ao tipo de exercício, salientou-se os que não
implicassem demasiado stress ortopédico, como a marcha.
Recolha de dados
Após a deliberação da Comissão de Ética do Hospital de Vila Franca de Xira,
procedeu-se ao recrutamento dos doentes, através de consentimento informado,
com vista a participarem no presente estudo. Aquando das devidas autorizações,
executou-se a recolha dos dados, recorrendo à base da fase hospitalar e de
ambulatório precoce obtidos nas várias consultas de follow-up após nota de
alta, assim como as avaliações realizadas ao terceiro, sexto e décimo segundo
mês.
Análise estatística
O tratamento estatístico dos dados foi realizado recorrendo ao software SPSS
(IBM, SPSS statistics 19 graduate pack). A média e o desvio padrão (estatística
descritiva) foram calculados para todas as variáveis em estudo, utilizando o
Paired Samples T-Test para testar a diferença da média amostral dentro dos
grupos em estudo.
Para determinar a significância dos resultados, relativa à comparação entre
grupos (grupo ES vs. grupo TC), procedeu-se à aplicação do teste não
paramétrico (Mann-Whitney) e do teste paramétrico (Independent Samples T-Test)
de 2 medidas independentes. Os pressupostos deste método estatístico,
nomeadamente, a normalidade da distribuição e a homogeneidade de variâncias nos
2 grupos foram avaliadas, respetivamente, com o teste de Kolmogorov-Smirnov com
a correção de Lilliefors e com o teste de Levene35. As diferenças
estatisticamente significativas foram consideradas entre médias para um
p < 0,05.
Já a variação percentual foi analisada pela razão entre a avaliação inicial e
final, através do Independent Samples T-Test, expressa na forma de percentagem
para comparar os 2 grupos em estudo.
Resultados
Foram identificados 107 doentes na base de dados do programa de reabilitação
cardíaca, em fase hospitalar, elegendo apenas 52 doentes para o presente
estudo.
Desenho do estudo
Dos 52 doentes elegíveis para o estudo, 22 constituíram o grupo TC,
representando os que referiram falta de tempo 4 (18%), falta de transporte 5
(23%), incompatibilidade com a sua vida profissional 9 (41%), falta de
motivação 2 (9%) ou que não expressaram razões para participar no grupo de
exercício físico supervisionado 2 (9%). Os restantes 30 doentes foram incluídos
no grupo ES (exercício físico supervisionado) (Tabela_1).
Características da amostra
Ao observar a Tabela_2, verificou-se uma percentagem superior do sexo
masculino, bem como o enfarte agudo do miocárdio (EAM) e a angioplastia
transluminal percutânea (PTCA) como o diagnóstico mais referido. Os fatores de
risco mais objetivados foram a inatividade física, o excesso de peso, a
dislipidemia, a hiperglicemia e a HTA.
Ao comparar a idade dos participantes, na Tabela_3, podemos constatar que não
se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, tendo
o mesmo sido verificado em relação aos dias de internamento.
É de referir que também não se observaram diferenças estatisticamente
significativas (grupo ES vs. grupo TC) ao nível dos ß -bloqueadores
(6,14 ± 10,46 mg vs. 5,46 ± 5,97 mg), inibidores da enzima de conversão da
angiotensina (IECA) (6,07 ± 11,64 mg vs. 2,50 ± 4,64 mg), diuréticos
(1,00 ± 2,68 mg vs. 1,05 ± 3,15 mg), antidiabéticos (130,17 ± 428,18 mg vs.
2,63 ± 11,47 mg), antiagregantes (162,50 ± 67,83 mg vs. 169,74 ± 27,10 mg) e
estatinas (23,00 ± 17,65 mg vs. 38,42 ± 53,23 mg), não tendo sido contemplados
3 elementos do grupo TC, por dificuldade na aferição da medicação.
Intervenção
Os doentes incluídos no grupo ES realizaram uma média de 40,80 ± 9,76 sessões
( X ± DP), com uma intensidade de 43,11 ± 21,03 por cento da frequência
cardíaca de reserva (Karvonen)30, correspondendo a frequências cardíacas de
89,30 ± 19,02 bpm e um índice de perceção do esforço de 12,41 ± 0,71
(moderado). Durante a realização das sessões de treino obtiveram valores
tensionais de 115,94 ± 14,99 (TAS) e 75,51 ± 9,83 (TAD), originando um duplo
produto (DP) de 10 391,30 ± 2 780,51 (FC × TAS). Já o tempo despendido nas
sessões de exercício físico foi de 40,76 ± 8,23 min, em sessões
multicomponentes envolvendo a marcha, transposição de obstáculos, jogos de
grupo, exercícios com bola (receção e lançamento de bola em superfícies
estáveis) e exercício envolvendo o peso do próprio corpo.
Avaliação da qualidade de vida
O período entre a avaliação inicial e final para a qualidade de vida foi de
6,36 ± 2,62 meses para o grupo ES e de 8,25 ± 3,33 meses para o grupo TC. Na
avaliação mencionada não se contemplou 16 (53%) participantes do grupo ES e 10
(45%) do grupo TC, por não terem preenchido os questionários de qualidade de
vida relacionada com a doença cardíaca.
Ao observar as diferenças na qualidade de vida do grupo ES (Tabela_4),
verificaram-se melhorias estatisticamente significativas ao nível das emoções
[t(13) = -3.497; p = 0,004], da função física [t(13) = -3.207; p = 0,007], da
função social [t(13) = -3.470; p = 0,004] e da qualidade de vida em geral [t
(13) = -3.466; p = 0,004]. Já em relação ao grupo TC, sujeito aos cuidados
usuais, observou-se apenas melhorias estatisticamente significativas ao nível
da função física [t(11) = -2.658; p = 0,022].
Comparação entre grupos
As diferenças observadas entre as médias da qualidade de vida geral, emocional,
física e social entre os 2 grupos (Tabela_5) não foram estatisticamente
significativas na avaliação inicial, bem como da função física na avaliação
final. Já o mesmo não foi observado ao nível da avaliação final para a função
emocional [t(24) = 2.863; p = 0,009], função social [t(24) = 2,230; p = 0,035]
e qualidade de vida em geral [t(24) = 2.486; p = 0,020].
Em relação à variação percentual, averiguou-se que o grupo ES obteve uma taxa
percentual crescente na qualidade de vida geral (+ 53,86%) muito superior à
obtida pelo grupo TC (+ 2,96%).
Discussão
O presente estudo pretendeu analisar os resultados obtidos pela aplicação de um
programa de exercício físico multicomponente, numa fase de ambulatório precoce
na comunidade, e comparar os seus resultados com os doentes sujeitos apenas ao
tratamento convencional.
Os grupos em estudo apresentaram uma média de idades de 57,23 ± 9,85 anos para
o grupo ES e de 52,68 ± 14,53 anos para o grupo TC, não existindo diferenças
estatisticamente significativas entre os grupos ao nível da idade e dos dias de
internamento. O mesmo foi observado para a medicação ao nível dos ß-
bloqueadores, dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina, dos
diuréticos, dos antidiabéticos, dos antiagregantes e das estatinas.
Aquando da análise da quantidade e volume aplicado, verifica-se uma ligação às
várias posições para a prescrição de exercício físico do European Society of
Cardiology (ESC)27, American College of Sports Medicine (ACSM)30 e AACVPR33, os
quais definem para a doença cardíaca uma frequência de 3 a 5 vezes por semana,
com uma intensidade que poderá variar entre os 40 e os 70% da frequência
cardíaca de reserva e um tempo por sessão de 15 a 60 min, conforme a fase de
intervenção.
As modificações dos fatores de risco de progressão da doença cardíaca, bem como
o aumento da capacidade de funcionamento do miocárdio, contribuem para a
melhoria da função física, mental e social, as quais são fundamentais para que
o doente possa, pelos seus próprios meios, retomar a sua vida na
comunidade21,36.
Ao analisar a qualidade de vida, dos grupos (ES vs. TC), verifica-se que o
grupo ES obteve diferenças significativas, passados 6,36 ± 2,62 meses, para a
qualidade de vida geral, função emocional, função física e função social. É de
salientar que o grupo TC apenas obteve diferenças significativas ao nível da
função física.
No que respeita à variação percentual, apuraram-se taxas percentuais crescentes
da qualidade de vida do grupo ES em relação ao grupo TC para a qualidade de
vida geral (+ 58,64 vs. + 0,62%), função física (+ 52,00 vs. + 4,61%), função
emocional (+ 59,44 vs. + 3,90%) e função social (+ 53,86 vs. + 2,96%), as quais
correspondem às melhorias avaliadas no estudo de Bocalini et al26.
A qualidade de vida tem sido utilizada com um indicador na avaliação da
eficácia, da eficiência, no impacto do tratamento e na comparação entre os
procedimentos para o controlo da saúde, assim como no conhecimento do doente e
da sua adaptação às condições da vida diária37,38.
Atendendo à noção de que a qualidade de vida é considerada como um dos
resultados esperados das práticas assistenciais e das políticas públicas, no
campo da promoção da saúde37, no âmbito da parceria estabelecida entre o
Município e o Hospital de Vila Franca de Xira, observou-se um aumento da
qualidade de vida nos doentes sujeitos ao exercício físico supervisionado.
Conclusão
A convergência de esforços entre o Município e o Hospital de Vila Franca de
Xira, ao criar ambientes de suporte e entreajuda, através de um programa de
reabilitação cardíaca, realizado na comunidade logo após a alta hospitalar, com
exercício físico supervisionado, revela-se benéfica para a qualidade de vida em
doentes cardíacos.
A recuperação foi fruto da aplicação do exercício físico supervisionado com uma
duração superior a 3 meses (40,80 ± 9,76 sessões), uma intensidade de
43,11 ± 21,03% da frequência cardíaca de reserva, com um índice de perceção do
esforço de 12,41 ± 0,71 (moderado) e um tempo de 40,76 ± 8,23 min por sessão,
dando primazia à marcha, aos jogos de grupo, aos exercícios com bola (receção e
lançamento de bola) e aos exercícios que envolvam o peso do próprio corpo, como
o tipo de exercícios de eleição.
Estamos perante um excelente instrumento potenciador do aumento da qualidade de
vida geral (+ 53,86%), capaz de influenciar positivamente a função social
(+ 59,44%), função física (+ 52,00%) e a função emocional (+ 58,64%).
Com base no estudo apresentado, poder-se-á concluir que a parceria
estabelecida, entre o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira, potencia a
qualidade de vida em doentes cardíacos, sujeitos a um PRC com exercício físico
supervisionado, quando comparada com os doentes apenas sujeitos ao tratamento
convencional.