Promoção da saúde e desenvolvimento local em Portugal: refletir para agir
Saúde e desenvolvimento
A saúde é um fator fundamental para o desenvolvimento. Os indivíduos e as
populações saudáveis vêm aumentada a sua capacidade de adaptação às mudanças.
Sob uma perspetiva de adaptação social e adequação às situações, a saúde
insere-se num quadro conceptual organizador dos recursos individuais e
coletivos1.
A perceção ou a definição de saúde varia, no espaço e no tempo, de acordo com
as circunstâncias e os valores das sociedades, mas a saúde deve constituir-se
sempre como um instrumento para promover a qualidade de vida. Para Hall e
Lamont, o nível de saúde é um padrão de referência face ao qual se pode
estabelecer se uma sociedade é, ou não, bem-sucedida2. Sob esta perspetiva, a
saúde pode ser medida através da sua contribuição para assegurar os padrões de
vida material, social e cultural, necessários ao desenvolvimento pleno das
capacidades humanas.
A saúde é um investimento no desenvolvimento humano e económico, fundamental na
luta contra a pobreza e para garantir o desenvolvimento sustentado; a segurança
e a proteção na saúde constituem as pedras basilares da segurança humana3,4.
A Agenda Global de Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS), apela a uma
maior visibilidade política da saúde, dando ênfase a que esta deve ter
repercussão quer na agenda económica, em resultado não apenas do impacto
negativo da má saúde, mas, também, da sua relevância para a produtividade
global dos países, quer na agenda da justiça social, considerando que a saúde é
um valor e um direito humano5. A Estratégia Saúde 20206 reforça esta visão.
"Saúde em todas as políticas", uma estratégia preconizada pela
OMS7, implica setores como os da economia e do emprego, dos transportes, da
gestão do território e da cultura, da educação e da infância, da agricultura e
da alimentação, dos ambientes e da sustentabilidade, por exemplo, o que torna
particularmente importante a avaliação do impacto na saúde das políticas dos
vários domínios. Por sua vez, a saúde, tem repercussões sociais e políticas.
A Estratégia Saúde 20206 vem reforçar a importância das ações transversais para
a saúde e o bem-estar, nos governos e na sociedade ("all of government
and all of society approaches"), reconhecendo a necessidade de um grande
reforço das capacidades de intervenção no domínio da saúde pública, novamente
enfatizada pelo Comité Regional da Europa, em setembro de 20128.
Com a progressiva urbanização e necessidade de resposta a problemas específicos
ao nível local, justifica-se, cada vez mais, um aumento da descentralização,
com reforço das competências e de meios do poder local para atuação no
território específico, onde as pessoas de facto vivem.
A conferência de Otawa9 constituiu um marco de referência na definição de
funções-chave para atingir a saúde como a de capacitar os atores e as
instituições para a mediação em saúde. A partir de então, a saúde é vista como
um investimento e toma forma o paradigma salutogénico que se focaliza nas
capacidades de resiliência dos indivíduos e dos grupos, procurando alavancar as
potencialidades e os recursos existentes. A saúde tem implicações no modo como
as pessoas são capazes de lidar com as mudanças sociais e económicas e com a
possibilidade coletiva de ajustamento, determinando até que ponto conseguem
encontrar soluções apropriadas para os seus problemas e fortalecer a sua
resiliência, quer a nível individual quer do grupo social.
O relatório da "Commission on the Measurement of Economic Performance and
Social Progress" (CMEPSP)10 faz notar que em situações de rápidas
mudanças económicas a saúde está em risco, salientando que é fundamental
existirem fortes sistemas de coesão e de proteção social. Reconhecendo que
existe uma estreita relação entre o investimento no sistema de saúde e os
ganhos em saúde e crescimento económico e que, reciprocamente, através do
crescimento económico se produzem ganhos em saúde, a Comissão recomenda aos
governos que invistam em saúde, tendo em conta que esta é uma área essencial
para o crescimento sustentado e que, de forma integrada com a educação e as
infraestruturas físicas, contribui para a qualidade de vida.
Crises e resiliência
A crise económica e financeira tem repercussões sobre a saúde, destacando-se os
efeitos negativos na saúde mental, observados através do aumento dos
homicídios, dos suicídios, da depressão, do consumo de álcool e de outras
substâncias10,11,12. À medida que se agravam os constrangimentos financeiros,
aumenta a pressão sobre o sistema de saúde e os outros sistemas sociais no
sentido de manterem respostas adequadas às necessidades das populações. A
redução dos serviços governamentais e não governamentais coloca tensão na
capacidade de os atores individuais e coletivos responderem às dificuldades, em
que se incluem, com particular expressão, as de acesso aos serviços de saúde.
A situação de crise económica facilita a deterioração das condições de
trabalho, a perda do estatuto social, a redução do poder de compra, a
alimentação menos saudável, provocando um sentimento de impotência em cada vez
maior número de pessoas. Os efeitos da crise agravam o fosso das desigualdades
sociais, colocando em causa os direitos humanos. Simultaneamente, os cidadãos
perdem a confiança na capacidade de governança pública e na eficácia e
transparência das democracias representativas. É de esperar uma maior
fragilidade das relações sociais e da solidariedade, a ocorrência de alterações
na estrutura das famílias, o aumento do vandalismo e de outras formas de
violência, em grande medida em resultado de um crescente número de
desempregados, de pobres e de sem abrigo e da competição por recursos para
suprir as necessidades básicas para a subsistência.
O aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão social, que dominam o cenário
atual de grande parte dos países europeus, exige dos setores sociais abordagens
integradoras das várias facetas dos problemas. O modelo dos determinantes
sociais da saúde considera que as políticas públicas são um dos conjuntos de
fatores mais importantes a ter em conta, pelo que se torna importante perceber
se as estruturas do poder, sobretudo ao nível local, as organizações, os
mecanismos de governança geral e dos serviços estão concatenados para a
obtenção de resultados positivos no bem-estar geral da população e, em
particular, na sua saúde13.
Em Portugal, a modificação dos padrões de vida, a segregação espacial, o
isolamento, o decréscimo de oportunidades para aumentar o rendimento e também a
diminuição de recursos do emprego, contribuem para a emergência contínua de
novas formas de vulnerabilidade. Em especial, em relação aos grupos de cidadãos
em situação de pobreza, o aumento do custo de vida, a dificuldade em encontrar
um local para habitar e a necessidade de adoção de estratégias de
autossubsistência contribuem para a maior complexidade dos problemas, quase
sempre mais agudos em contexto urbano.
Cabe recordar que Portugal é, atualmente, um dos países da OCDE com maior risco
de crianças em situação de pobreza14. No atual momento de crise, encontrar
soluções para fazer frente ao agravamento de condições sociais e económicas
constitui um desafio permanente à ação das comunidades e das instituições
formais, do setor público e do setor privado, especialmente dos organismos do
poder local. Para procurar as soluções mais adequadas, o percurso natural, já
iniciado em alguns municípios portugueses, é o de recorrer a metodologias de
investigação participada de base comunitária (IPBC), por meio das quais se
procuram identificar as formas mais adequadas de implementar estratégias ao
nível local, designadamente no âmbito da promoção da saúde. Na IPBC, os atores
locais são protagonistas da investigação e, pela sua participação ativa, vão
construindo o próprio empowerment. Compete à comunidade a decisão de quais os
problemas a estudar em lugar de serem os investigadores ou os financiadores a
decidirem de acordo com os seus interesses. A comunidade deve ser envolvida,
também, diretamente na análise, na interpretação de resultados e nas propostas
de ação15.
Imbutir criatividade na ação
Neste contexto de mudança e de instabilidade social, patente ou potencial,
continuam a prevalecer, contra o que seria desejável, os paradigmas
tradicionais de desenvolvimento. As estratégias para enfrentar a crise são
pouco pensadas e pouco participadas no turbilhão da escassez de recursos e da
premência em encontrar soluções para problemas agudos. Não é dada atenção
suficiente à necessidade de se construírem mecanismos de resiliência social e à
criação de infraestruturas que os sustentem. Assim, verifica-se que a maior
parte das respostas atuais à crise despreza a necessidade de "inovação
social" e as potencialidades de programas experimentais e observacionais
que já demonstraram eficácia.
Face a esta forma "tradicional" de intervir, é necessário investir
na alavancagem dos recursos a nível local, quer promovendo a descoberta de
novas formas de fazer as coisas, através da criatividade e da auto-organização,
quer pelo reconhecimento das potencialidades dos indivíduos, dos grupos e das
organizações. Sabendo-se que os setores sociais são muito vulneráveis à
diminuição do financiamento, torna-se importante abolir as redundâncias,
estabelecer novos padrões de trabalho, encontrar novas formas de cooperação e
de comunicação entre os vários setores e com as forças vivas da comunidade.
Para se produzir o desenvolvimento local é necessário, para além da integração
política e da governança participativa, aos vários níveis, gerar quadros de
referência capazes de dar significado à ação. A inovação e as soluções
criativas emergem sempre que as pessoas se integram plenamente na comunidade,
investem nas relações de vizinhança, participam na vida local. Os municípios
devem estimular o envolvimento dos cidadãos, em particular, face à necessidade
de encarar situações novas, sendo cada vez mais reconhecido o papel das
comunidades nos processos de investigação sobre a mudança social.
Quando se pretende que a mudança se constitua como uma oportunidade de
capacitação e de construção da resiliência à adversidade cabe salientar, como
especialmente adequada, a IPBC16, em que os membros da comunidade são
protagonistas da investigação e, com isso, acionam o seu próprio
desenvolvimento, como atrás referido.
Entre outras iniciativas promotoras da capacitação dos municípios e das suas
populações nasceram, nos finais da década de 80 e na década de 90 do século XX,
a rede das cidades educadoras e a rede das cidades saudáveis, respetivamente.
Ambas se apoiam nos conceitos da interdisciplinaridade e da transversalidade,
nos princípios do empowerment da participação e da avaliação, no respeito e na
inclusão das diferenças, na promoção da equidade, na responsabilidade, no
desenvolvimento sustentável e na cidadania democrática17,18.
Poder local e saúde em Portugal
O regime ditatorial que perdurou ao longo de mais de 4 décadas no último
século, em que tudo era controlado pelo Estado (Estado-Providência),
desresponsabilizava e minimizava a capacidade de intervenção e iniciativa dos
cidadãos, desmobilizava, ou mesmo punia, qualquer tentativa de participação.
A implantação da democracia veio atribuir às autarquias um papel de gestão em
alguns domínios sociais, como a educação nos primeiros anos de escolaridade e a
ação social. A conscientização por parte das autarquias sobre o papel que têm
na saúde dos munícipes e as expectativas que estes passaram a ter acerca da
proteção, que consideram ser-lhes devida ao votarem num elenco governativo,
está a levar progressivamente a uma maior responsabilização neste domínio. Os
profissionais de várias áreas, os cidadãos e suas organizações têm vindo a
debruçar-se sobre as ações e os mecanismos que podem favorecer ou prejudicar a
saúde, tendo em conta que o Estado-Providência está em declínio e que o poder
local terá de assumir a liderança dos processos conducentes ao bem-estar das
populações que fazem parte do seu território.
O envolvimento dos municípios nas questões tradicionalmente entendidas como do
setor da saúde está longe da expressão que assume noutros países. Só desde há
cerca de duas décadas um número relativamente pequeno de autarquias se tem
vindo a empenhar, explicitamente, nesta vertente da vida dos cidadãos. O
envolvimento, como é de esperar, tem implicações no desenho das políticas, na
governação e na intervenção direta. Recentemente, no âmbito da Reforma dos
Cuidados de Saúde Primários, alguns municípios iniciaram a colaboração com as
Unidades de Saúde Pública na identificação dos principais problemas de saúde e
no planeamento das intervenções. Atualmente, assiste-se, em simultâneo, à
continuação da implementação da Reforma que, embora visando uma maior equidade
no acesso e na proximidade dos prestadores de cuidados aos cidadãos, na linha
da conferência de Alma-Ata19, se confronta, agora, com a ativa procura de
contenção nas despesas do setor, encerrando-se serviços e criando-se mecanismos
de dissuasão da procura. Neste cenário, surgem iniciativas de algumas
autarquias na oferta de serviços alternativos às populações, ao mesmo tempo que
começam a aparecer estudos de avaliação económica e de impacto que analisam a
possibilidade de gestão dos serviços de saúde por parte dos municípios20.
A criação, pela OMS, do movimento das cidades saudáveis, em 1992, despertou,
nalgumas autarquias, a vontade de aderir aos seus princípios e práticas,
existindo hoje em Portugal 29 identificadas como "cidades
saudáveis", que integram a Rede Portuguesa das Cidades Saudáveis21.
Adotando o planeamento sistemático que enfatiza a necessidade de combater as
desigualdades na saúde e a pobreza urbana, este movimento pugna por uma
governança participada e um modelo de abordagem baseado nos determinantes
sociais, económicos e ambientais da saúde22.
O projeto de capacitação em promoção da saúde
Com vista a melhor compreender o panorama nacional quanto à implicação
consciente das autarquias no domínio da saúde, o Instituto Nacional de Saúde
Doutor Ricardo Jorge (INSA, I.P.) e a Escola Nacional de Saúde Pública da
Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL), no âmbito do Projeto de Capacitação em
Promoção da Saúde (PROCAPS), efetuaram um estudo que integrou todos os
municípios do país23, na sequência do qual teve lugar a conferência
"Comunidades, Autarquias e Saúde" (CAS) que mobilizou profissionais
de saúde e agentes autárquicos e que teve o apoio do Alto Comissariado da Saúde
(ACS) e da OMS. À luz dos resultados da conferência e de todo o trabalho então
desenvolvido, pretende-se agora refletir sobre a conscientização e a preparação
das autarquias para a assunção da defesa e a promoção da saúde no seu percurso
de intervenção neste domínio.
O projeto PROCAPS foi enquadrado nas atribuições legais dos organismos
envolvidos, nomeadamente das autarquias (artigo 22.°, da Lei n.° 159/99 de 14
de setembro), do Ministério da Saúde (artigo n.° 2, do Decreto-Lei n.° 212/2006
de 27 de outubro), das Administrações Regionais de Saúde (ARS) (artigo. 3.°, do
Decreto-Lei n.° 222/2007 de 29 de maio) e dos Agrupamentos de Centros de Saúde
(ACES) e suas estruturas (artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 28/2008 de 22 de
fevereiro).
Em 2008, deu-se início ao estudo PROCAPS para conhecer qual a perceção das
autarquias acerca das suas competências e capacidades na área da saúde. Este
estudo teve como objetivos23:
Diagnosticar o hiato existente entre a situação real e a desejável, tal como
prevista no Plano Nacional de Saúde (PNS) 2004-2010, na atuação dos municípios
em promoção da saúde e prevenção da doença.
Colaborar na identificação de necessidades de capacitação de recursos humanos
(competências, instrumentos e redes).
O ponto de partida no lançamento do estudo foi a organização de 2 reuniões em
que participaram 47 técnicos de 22 municípios, particularmente sensíveis ao
tema da saúde e que estavam envolvidos na Rede Portuguesa das Cidades Saudáveis
e/ou na Rede Portuguesa das Cidades Educadoras, bem como alguns técnicos das
autarquias que haviam colaborado, alguns meses antes, na discussão dos novos
estatutos do INSA, I.P.
Perceção sobre o papel das autarquias na saúde. Resultados de uma análise
Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats
Na segunda reunião foi realizada uma análise Strengths, Weaknesses,
Opportunities, Threats (SWOT)24 com a participação daqueles parceiros para
apreciar as contingências do trabalho autárquico em saúde. Os resultados foram
os seguintes:
Pontos fortes
Experiência autárquica de trabalho em rede.
Disponibilidade de indicadores de qualidade de vida.
Instrumentos de planeamento (Cartas Educativas, Perfis Municipais de Saúde
(PMS), Planos Diretores Municipais (PDM, etc.).
Pontos fracos
Saúde "escondida" noutras áreas.
Dificuldade em desenvolver parcerias com os Centros de Saúde.
Falta de dados (indicadores relacionados com a saúde) a nível da autarquia.
Falta de instrumentos para medir o nível de saúde a nível
"micro".
Falta de técnicos capacitados (necessário definir competências para formação)
para o levantamento de necessidades em saúde em cada município.
Oportunidades
Estabelecimento de parcerias com entidades privadas e públicas
(universidades, serviços de saúde, indústria farmacêutica, outras).
Abordagem "Saúde em todas as políticas".
Plano Nacional de Saúde (articulação do setor da saúde com autarquias, HIA,
intersetorialidade).
Transferência de competências para os municípios: comissões municipais de
saúde comunitária.
Ameaças
Dificuldade em demonstrar resultados em promoção da saúde, a curto prazo
(falta de indicadores intermédios de monitorização de investimentos).
Pouca visibilidade (política) da promoção da saúde.
Perceção sobre o papel das autarquias na saúde. Questionário a nível nacional
Com base na análise SWOT foi obtida informação para o desenho de um
questionário que posteriormente foi aplicado a todos os municípios do país, com
exclusão das regiões autónomas. Este veio a ser elaborado no decurso de duas
outras reuniões. No início de 2009, procedeu-se a uma reunião em que
participaram o INSA, I.P (Departamento de Promoção da Saúde e Doenças Crónicas
e Departamento de Epidemiologia), a ENSP e as 5 ARS. As dimensões do
questionário foram estruturadas de acordo com as sugestões recebidas e foram
também incluídas perguntas sobre as necessidades de formação e informação dos
profissionais das autarquias, a informação de que dispõem sobre a saúde, os
hábitos e estilos de vida saudáveis e a sua experiência em participação
comunitária, com as famílias e em práticas de empowerment.
O questionário foi aplicado online, entre os meses de abril e setembro de 2009,
tendo sido apresentado o relatório dos resultados em fevereiro de 2010.
Foi possível contar com a participação de 30% do total das autarquias do
continente23. Todas consideraram que o envolvimento nas políticas de Promoção
da Saúde é importante (48; 53,9%) ou muito importante (41; 46,1%). Elegeram
como áreas prioritárias neste domínio: a saúde, a ação social e a educação.
Mencionaram que para desenvolver intervenções na área da Promoção da Saúde
necessitariam de mais verbas do Estado (1.°), de candidaturas a projetos
específicos (2.°) e de mais profissionais de saúde (médicos, enfermeiros)
(3.°). As competências referidas como mais necessárias em Promoção da Saúde
referem-se a mobilizar os parceiros relevantes (1.°), a negociar e construir
parcerias (2.°), ao trabalho em equipa (3.°), situando-se as competências de
caráter metodológico no fundo da tabela: Gerir informação e conhecimento
(18.°), Selecionar instrumentos de avaliação (19.°) e Aplicar investigação/ação
em situações de mudança (20.°). Quanto à informação disponível nas autarquias,
apenas 2 dos 37 indicadores relacionados com a saúde estão disponíveis em 100%
(73) das autarquias respondentes (Existência de escolas com cantina ( ) e
espaços verdes com acesso público).
Encontro "Comunidades, Autarquias e Saúde"
Coligidos os resultados dos questionários, tornou-se evidente o interesse das
autarquias em intervir na saúde. Contactou-se o Gabinete Regional da
Organização Mundial de Saúde, em Veneza, que se comprometeu a apoiar uma
iniciativa em Portugal que juntasse profissionais de saúde e autarcas. Assim,
foi promovida a realização do Encontro CAS de âmbito nacional, que decorreu em
Lisboa, em abril de 2011, com a participação de cerca de 200 profissionais de
saúde e de 150 autarcas, e de profissionais de outros setores como a educação e
a ação social, além dos convidados estrangeiros, representando a OMS.
Este Encontro teve como objetivos:
Construir um compromisso de articulação entre o planeamento e a intervenção
autárquica na saúde e os planos de saúde de âmbito nacional, regional e local,
especificando instrumentos e processos, através da compreensão dos instrumentos
e métodos usados pelas autarquias para o planeamento em saúde das comunidades,
a definição de prioridades locais, o desenho e a implementação de intervenções,
a articulação intersetorial e com os serviços de saúde e a avaliação da
efetividade das intervenções e do impacto das políticas autárquicas na saúde.
Conhecer as boas práticas nacionais e internacionais de planeamento
autárquico e de articulação entre autarquias, serviços de saúde e planeamento
nacional/regional em saúde.
Desenvolvimento da capacidade das autarquias para promover a saúde, bem como
fortalecer essa capacidade e permitir a sua avaliação.
Com base nos resultados do estudo PROCAPS, nas conclusões das reuniões com as
ARS e de acordo com o parecer dos atores-chave chamados à organização do CAS,
estabeleceram-se os temas para 4 workshops:
1. Como reforçar o trabalho dos cuidados de saúde primários e das autarquias
para obtenção de ganhos em saúde?
2. Melhor informação, melhor decisão, melhor saúde: como se articulam e
cooperam as diferentes partes interessadas dos níveis nacional, regional e
local, para uma melhor observação e planeamento em saúde?
3. Pensar global, agir localmente: como coordenar melhor a governance a nível
nacional, regional e local para intervenções locais mais capazes?
4. Fazer melhor com o que se tem: como analisar e avaliar as políticas e as
estratégias nacionais regionais e locais para a redução das desigualdades em
saúde?
Os workshops contaram, cada um, com a participação de cerca de 50
profissionais.
Principais conclusões dos workshops:
O reconhecimento da pouca participação e do envolvimento da comunidade.
A importância do papel do Conselho na Comunidade pela representatividade
comunitária social e relevância das competências na tomada de decisão.
A necessidade de partilhar de resultados e de conhecer os ingredientes-chave
para o sucesso dos projetos com impacto positivo na comunidade e conhecer
fatores de insucesso.
A importância de se criar um grupo estratégico nacional que defina uma
estratégia única para a informação em saúde, as necessidades de informação a
cada nível, definir e consensualizar termos e conceitos, harmonizar e articular
os diferentes níveis. (Nota: foi assumido um compromisso pela DGS na melhoria
da qualidade de informação em saúde, pela ACSS, IP, na inclusão de indicadores
de morbilidade ao nível dos cuidados de saúde primários e pelo INSA, IP, na
disponibilização de instrumentos e métodos de avaliação em saúde).
Deve ser atribuída ao cidadão maior participação ativa, poder de decisão,
cooperação e avaliação.
Deve ser desenvolvida uma nova cultura de saúde, capaz de envolver e fomentar
a confiança, minimizando as relações assimétricas de poder.
Há que trabalhar para uma verdadeira parceria no sistema de saúde.
Deve ser promovida a cidadania em saúde reforçando, principalmente, o
envolvimento público dos jovens, numa dinâmica que integre a produção e a
partilha de informação e o conhecimento (literacia em saúde).
A importância de as autarquias investirem no desenvolvimento da saúde,
aumentando o capital social, diminuindo a exclusão social, as desigualdades na
saúde, promovendo o desenvolvimento socioeconómico, entre outros.
É necessário desenvolver um modelo de intervenção local, em que sejam
definidos caminhos comuns, com enfoque nos determinantes sociais.
Contributos dos especialistas da Organização Mundial de Saúde
Erio Ziglio, diretor do Gabinete da OMS-Europa22, apresentou o que considera
serem os 5 principais problemas de saúde: o aumento da iniquidade em saúde;
necessidades de investimentos mais equilibrados ("continuamos mais
focados no tratamento e no indivíduo do que na promoção da saúde e na
população"); necessidade de reforçar o papel dos sistemas de saúde;
consistência de ação em saúde em conjunto com os outros setores (importância da
consistência nos diferentes níveis de intervenção em saúde); melhor governança
aos níveis da cooperação, da coordenação (ajuste de políticas setoriais) e de
integração de políticas.
Apontou, face a estes problemas, 5 medidas principais a tomar:
1. Capacitar (nacional/local), ou seja, aumentar o know-how dos profissionais.
2. Gerir os sistemas de uma forma integrada e não promover apenas intervenções
isoladas.
3. Diminuir fatores de risco, diminuir as condições de risco e maximizar os
recursos locais.
4. Reposicionar a saúde em termos de desenvolvimento ao nível local.
5. Maximizar os recursos da comunidade local.
A participação dos autarcas neste encontro foi reveladora da sua perspetiva e
preocupações mais prementes. Um elemento da Associação Nacional de Municípios
Portugueses comentou:
"Ainda que a saúde seja um direito constitucionalmente consagrado e uma
responsabilidade do Estado, continuam-se a verificar fortes estrangulamentos no
acesso à saúde; existe uma evidente diminuição da oferta dos serviços de saúde
junto das populações... estando os municípios limitados nas suas ações.".
Evidenciou, ainda, que "É necessário melhorar a gestão dos nossos
recursos, não podendo esta gestão fixar-se apenas na redução de custos, pois
desta forma colocaremos em risco acesso e qualidade dos serviços¿".
Harry Burns, Diretor-Geral da Saúde da Escócia25, evidenciou que fazemos uma
abordagem baseada em défices de saúde, focada nos problemas e no
desenvolvimento de serviços para colmatar estes problemas, referindo que existe
uma obsessão pela patogénese em detrimento da salutogénese. Recordou que uma
abordagem com base na intervenção em locais específicos (assets approach) se
tem revelado como um grande potencial, verificando-se que quando o foco se
estabelece no que está disponível nas comunidades, em vez de se concentrar
naquilo que ela não tem, ou seja, nas suas necessidades, a capacidade dessa
comunidade para lidar com essas necessidades é significativamente maior.
Reflexões e propostas
O Projeto de Capacitação em Promoção da Saúde
O estabelecimento da cooperação, em rede, entre as autarquias, bem como a
identificação de práticas exemplares que sejam sistematicamente disseminadas,
através de processos interativos, deverá constituir duas das dimensões do
investimento a fazer, tal como apontam as conclusões dos workshops do Encontro
CAS, desenvolvido no âmbito do PROCAPS, da iniciativa do INSA, I.P., em
colaboração com a ENSP/UNL.
O projeto PROCAPS tornou evidente que o incentivo ao trabalho a nível local,
sob uma metodologia de investigação e de planeamento participados, é um
importante investimento para a adequação das respostas às necessidades locais.
A este propósito, cabe referir que o modelo de IPBC proporciona o
desenvolvimento de capacidades dos cidadãos e fortalece, também, a estrutura
das suas organizações16,26,27.
Atualmente, o planeamento local é ainda orientado para a "produção do
plano" em vez de se constituir como um processo de empowerment coletivo.
O planeamento deve assumir um papel relevante para tornar concreta a natureza
da ação, com vista ao desenvolvimento, entendido como uma "mudança
intencional", para além das funções tradicionais28.
Os municípios, como instrumentos do poder local, devem ser capazes de
implementar políticas que promovam a qualidade de vida, a capacidade de
empreendedorismo e a resiliência das populações. Por se constituírem como um
nível de intervenção próximo das comunidades, têm a possibilidade de melhor
compreensão dos fenómenos, das estruturas e dos mecanismos subjacentes às
dinâmicas locais. No entanto, é frequente que a sua estrutura burocrática e
hierarquizada dificulte uma abordagem flexível, responsiva e planeada aos
problemas e desafios. Neste domínio, torna-se importante a formação dos seus
profissionais para a aquisição de competências na utilização de metodologias
participativas no âmbito da intervenção em saúde e noutros domínios sociais e
ambientais.
O facto de muitos participantes no PROCAPS terem reconhecido a importância de
uma linha de base comum que dê suporte à sua intervenção coerente e mais ativa
em promoção da saúde aponta para a necessidade de uma maior aproximação entre
os setores autárquico e da saúde e o mundo académico.
O PROCAPS apresenta um grande potencial de aplicação e de evolução, podendo vir
a entrosar-se num modelo participado de diagnóstico-investigação-ação-avaliação
como, por exemplo, o PRECEDE-PROCEED29,30 usado em muitos países e lugares do
mundo para diagnosticar e planear intervenções de base comunitária e como
estratégia de capacitação para promover a qualidade de vida.
A promoção da saúde e o desenvolvimento local
Um possível referencial a explorar poderá ser o que se sugere na Figura_1.
Este esquema baseia-se nas teorias do comportamento, na literatura sobre a
governança urbana, no planeamento em promoção da saúde, nos determinantes do
bem-estar e estudos e experiências no âmbito da crise e dos seus efeitos na
saúde e na qualidade de vida.
Além do modelo PRECEDE-PROCEED, esta proposta tem, também, em conta:
- Índice Cívico que é usado na avaliação da capacidade da comunidade para lidar
com novos desafios com recurso a processos participados de resolução de
problemas31.
- Modelo de Goodman usado para explicar a capacitação da comunidade e
providenciar a base para a sua medição32.
- Quadro conceptual da Comissão dos Determinantes Socais da Saúde da OMS usado
para explicar as desigualdades em saúde e os determinantes sociais da saúde33.
- Modelo conceptual de German e Wilson da capacidade organizacional para o
desenvolvimento da comunidade34.
- Modelo salutogénico de Antonovsky35.
A localidade
É sabido que as localidades constroem a sua especificidade a partir de
processos de interação, articulação, relações sociais, experiências e
entendimentos em copresença. Uma localidade é a resultante de um conjunto
articulado de momentos que produzem um sentido de lugar, criando consciência
dos laços que se estabelecem com o mundo mais vasto e não um território rodeado
de limites e fronteiras. As localidades não possuem uma única identidade e, por
isso, estão recheadas de diferenças e de conflitos internos. A sua
especificidade deriva do facto de ela representar uma mistura distinta de
relações sociais cuja justaposição produz efeitos únicos, na sua acumulação com
a história do lugar em que se insere. Este entendimento permite reconhecer o
sentido do que é "local" e "global" e que tem como
resultado um número relevante de implicações para a governança. Os municípios
deverão poder coordenar, de forma efetiva, as várias vertentes da vida no seu
território, a nível social, educativo e cultural36. A abordagem pela promoção
da saúde orienta-se por estimular as interfaces entre os diferentes níveis de
governança, de atores e organizações de outros setores, cabendo aos
profissionais de saúde um papel de catalisadores desta dinâmica.
Esta linha de pensamento é reconhecida pelas redes europeias das Cidades
Saudáveis e das Cidades Educadoras que reafirmam a importância da ação ao nível
local e os laços entre o planeamento urbano, a territorialização, os espaços
verdes, a educação, a habitação, os transportes, a coesão social e a saúde nos
bairros.
Saúde, qualidade de vida e partilha de responsabilidades
No caso da saúde, os problemas, anteriormente muito focalizados nas mudanças de
comportamentos, deverão ser abordados pelos seus determinantes principais, o
que exige o envolvimento de outros setores na saúde e a avaliação do impacto
das suas políticas e ações na mesma. Hoje, a colaboração intersetorial
significa as ações dos vários setores, eventualmente, em colaboração com o
setor da saúde37. A avaliação do impacto na saúde das políticas dos vários
domínios é de particular importância, pois, ao clarificarem-se as ligações
entre políticas e ações, determinantes sociais e consequências, está-se a
contribuir para melhorar a capacidade da tomada de decisão política baseada na
evidência38.
O processo de tomada de decisão, sendo um aspeto crítico de todo o sistema
comunitário, assume grande relevância quando o foco é a saúde da comunidade.
Melhorar a saúde de um grupo populacional requer políticas promotoras da
saúde39 criadas de raiz com esse propósito.
Para que se consiga melhorar a qualidade de vida das populações e torná-las
mais aptas e empenhadas em decidir sobre o seu destino, é essencial, do ponto
de vista da efetividade mas também da ética, que seja garantido o respeito
pelos direitos humanos e pelas diferenças, assegurando mecanismos que facilitem
a participação de todos nos processos de decisão. Assim, por exemplo, se
estiver em perspetiva o delineamento de intervenções cujo objetivo seja o
aumento da coesão e do capital social numa dada comunidade e cultura, é
necessário compreender o que é preciso mudar e como. Esta ideia deve,
especialmente, ser tida em conta no desenho e implementação de políticas
direcionadas quer a aumentar a inclusão dos grupos mais vulneráveis, como as
crianças, as famílias monoparentais, os desempregados, os idosos, quer a
integrar os imigrantes.
As alianças entre os decisores políticos, as comunidades pelas quais são
"responsáveis", os profissionais e o mundo académico são
fundamentais para que se encontrem as estratégias capazes de promover,
localmente, a coesão social e conseguir um funcionamento coletivo eficaz. Só
com a implicação e a formação, em contexto, dos vários atores e a vontade
política para dar resposta cabal às necessidades das populações se pode
garantir a adequação das medidas e a sustentabilidade dos processos.
Uma comunidade saudável, por natureza, é dotada de uma matriz de unidades
sociais que permitem a participação e a colaboração. É pelos princípios da
participação, do empowerment, da corresponsabilidade e da transparência na
prestação de contas que as comunidades devem construir o seu próprio destino,
os políticos dar respostas adequadas às situações, e, em conjunto, criarem a
confiança necessária ao crescimento do capital social e à sustentabilidade dos
investimentos. Esta é também a base que explica a ligação entre a democracia e
a promoção da saúde.