Qualidade de vida em pessoas idosas no momento de internamento hospitalar
Introdução
O envelhecimento populacional torna mais relevantes tópicos como a qualidade de
vida (QV) em pessoas idosas. O interesse neste tema tem-se acentuado nas
últimas décadas, com grande ênfase na dependência/autonomia1. A QV é um
constructo multidimensional, influenciado por fatores como estado de saúde,
rede social e familiar, situação económica e atividades de lazer2. A QV é
subjetiva, pois trata-se da perceção individual. As diferenças de QV entre
pessoas idosas têm sido explicadas por estilos de vida, condições
sociodemográficas e características pessoais3.
Em Portugal não foram encontrados estudos sobre hospitalização e QV. Contudo, a
pesquisa internacional mostra que, principalmente nas pessoas idosas, na
sequência de um internamento hospitalar tende a ocorrer diminuição da
capacidade funcional e da perceção de QV, associada à maior prevalência de
comorbilidades4,5. É pertinente conhecer a QV das pessoas idosas no momento do
internamento hospitalar para melhor planear os serviços e recursos durante o
internamento, respondendo com mais eficácia às suas necessidades e
características. Este estudo analisa a QV de pessoas idosas no momento de
internamento hospitalar, considerando a influência de variáveis
sociodemográficas. Os resultados têm implicações para o desenvolvimento de
medidas que visem melhorar os cuidados aos clientes idosos durante o
internamento hospitalar.
Qualidade de vida, envelhecimento e hospitalização
O prolongamento da vida humana, que ocorre a nível mundial, é uma das maiores
conquistas da humanidade, exigindo que os anos conquistados sejam acompanhados
de QV6-9. O envelhecimento é um processo heterogéneo e complexo, normal,
universal e inevitável, vivenciado de forma individual e singular8.
A QV é um conceito subjetivo, complexo e multidimensional, determinado pela
perceção individual e por fatores ambientais e biológicos (como idade, etnia,
cultura e estatuto socioeconómico). Trata-se de um conceito dinâmico que varia
ao longo do tempo, tendo em conta as aspirações, ambições e perceções
individuais em cada momento da vida10. Neste estudo adota-se a definição da OMS
(1994), que também é a definição utilizada no Programa Nacional para a Saúde
das Pessoas Idosas11. A QV12 segundo a OMS "é uma perceção individual da
posição na vida, no contexto do sistema cultural e de valores em que as pessoas
vivem e relacionada com os seus objetivos, expectativas, normas e preocupações.
É um conceito amplo, subjetivo, que inclui de forma complexa a saúde física da
pessoa, o seu estado psicológico, o nível de independência, as relações
sociais, as crenças e convicções pessoais e a sua relação com os aspetos
importantes do meio ambiente". Nesta definição prevalece a ideia de
subjetividade (perspetiva individual), multidimensionalidade (várias
dimensões), umas positivas e outras negativas (para uma "boa" QV é
necessário alguns elementos estarem presentes e outros ausentes), envolvendo
influência de fatores internos e externos (por exemplo, hábitos e estilo de
vida).
A QV nas pessoas idosas assume contornos específicos, pois existem diferentes
formas de ser idoso e diferentes padrões de envelhecimento10. Nesta fase da
vida a QV associa-se ao passado (principalmente aos estilos de vida adotados),
ao presente (sobretudo na forma como se encara o envelhecimento) e às
perspetivas de futuro, mesmo que limitado (nomeadamente no sentido e projetos
para os próximos tempos de vida)3,13,14. Frequentemente, a QV nas pessoas
idosas tem sido associada à (in)dependência funcional, pois o aumento da idade
tende a ser acompanhado pela deterioração de capacidades funcionais e aumento
de doenças que potenciam a dependência9,15. De sublinhar que nas pessoas idosas
há tendência para utilizar o estado de saúde e QV como sinónimos, contudo, a
distinção deve ser efetuada16: a QV pode ser consequência do estado de saúde,
mas a saúde é apenas um dos determinantes da QV. Além disso, outros aspetos
influenciam a QV nos mais idosos, tais como15: rendimentos (por exemplo, as
reformas baixas, insuficientes para enfrentar as necessidades, limitam a
autonomia e diminuem a QV); reforma (pode levar à perda de papéis sociais e
diminuição da autoestima); e o afastamento do meio (por exemplo através da
institucionalização ou saída da própria casa para viver com um filho/a). Assim,
a QV nas pessoas idosas depende da aquisição de atitudes e processos de coping
que lhe permitam adaptar-se (capacidade adaptativa), encontrando formas (dentro
das suas circunstâncias) de permanecer envolvida com o seu meio17.
A QV nas pessoas idosas é relevante para compreender o processo de
envelhecimento e para desenvolver estratégias que visem o bem-estar nesta fase
de vida. Um internamento hospitalar, em qualquer idade, é um momento vivido com
elevada ansiedade; torna-se mais complexo nos mais idosos pela associação à
morte, dependência e doença. Além disso, a hospitalização tende a reforçar
sentimentos negativos da pessoa idosa, principalmente porque fica mais frágil,
ansiosa e com sensação de isolamento18. A literatura indica que, após a alta
hospitalar, principalmente as pessoas idosas tendem a apresentar declínio
funcional e maior morbilidade e mortalidade nos meses seguintes19.
As taxas e duração de internamento hospitalar são superiores nas pessoas
idosas, por comparação com as observadas noutros grupos etários20. Alguns dados
hospitalares portugueses indicam que mais de um terço do total das altas
hospitalares corresponde a pessoas com mais de 65 anos, sendo que cerca de 53%
têm períodos de internamento superiores a 20 dias21. Segundo Boltz e
Harrington22, entre 2002-2017 haverá um aumento de 78% de internamentos
hospitalares de pessoas idosas e de 16% nos restantes grupos etários. Cerca de
metade dos internamentos tem como principais causas doenças do foro
circulatório e respiratório4,23-26. Hayes27 indica que em cada pessoa
idosa independente tendem a existir 3 problemas crónicos, que são a principal
causa de internamento hospitalar devido a descompensação da doença. Em Portugal
os dados são similares, indicando que as principais causas de hospitalização
são doenças dos aparelhos respiratórios e circulatórios.
Em Portugal não foram encontrados estudos sobre hospitalização e QV. É
pertinente conhecer a QV das pessoas idosas quando chegam ao internamento
hospitalar para poder planear serviços que respondam às suas necessidades,
vulnerabilidades e forças, mantendo ou reforçando a sua QV e minimizando o
impacto da doença e do internamento.
Objetivos
Este estudo analisa a QV da pessoa idosa no momento de admissão num
internamento hospitalar, analisando a influência de variáveis
sociodemográficas, patologia e antecedentes clínicos. Os resultados são
relevantes para o planeamento de medidas de promoção da QV no âmbito dos
cuidados às pessoas idosas durante o internamento hospitalar.
Métodos
Foi adotada uma metodologia quantitativa, de características descritivas,
comparativas e correlacionais. Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética
(n.° 762/CA) do Hospital Infante D. Pedro, E.P.E., em 14 outubro de 2009.
Instrumentos
No estudo utilizou-se o questionário compreendendo várias questões e uma
escala: i) dados socioeconómicos (sexo, idade, escolaridade, profissão anterior
à reforma, local de residência, diagnóstico ou motivo de internamento, data de
internamento, tipo de apoio social recebido); ii) EasyCare, versão portuguesa
validada em 200928.
EasyCare (sistema de avaliação de idosos)
O EasyCare foi desenvolvido no âmbito do programa European Prototype Care
(EPIC), como um instrumento de rápida e simples utilização, para identificar
múltiplas necessidades e avaliar diferentes domínios de QV em pessoas idosas (≥
75 anos). O instrumento foi construído com base noutras escalas: índice de
Barthel; SF-36 Health Survey; Geriatric Depression Scale, Dukes OARS; IALD
Scales; WHO-11 Counties Survey Instrument; Cognitive Impairment Test. A
primeira versão (2002) foi validada para a população portuguesa por Sousa,
Galante e Figueiredo1; os resultados revelaram boas qualidades psicométricas.
Em 2008, a Universidade de Sheffield, com representantes de outros países,
reuniram para atualizar o instrumento. Surge a versão 2009, destinada a pessoas
idosas com ≥ 65 anos de idade.
O EasyCare (2009) envolve 2 componentes: EasyCare Standard (dados
sociodemográficos, aspetos sensoriais, autocuidado, mobilidade, segurança,
condições de habitação, situação financeira, atividade física e saúde mental e
bem-estar); EasyCare Supporting Instruments (permite obter dados adicionais
sobre cuidadores informais e medicação). Neste estudo apenas se aplicou a
componente standard. A validação linguística para Portugal foi efetuada por
Sousa, Figueiredo e Guerra9. O EasyCare apresenta um sistema de pontuação, em
que valores mais elevados significam menor QV e maior incapacidade; a pontuação
pode variar entre um mínimo de 4 e um máximo de 144. O EasyCare é administrado
à pessoa idosa para obter a sua perceção sobre as suas competências. Assim, a
principal limitação é a impossibilidade de aplicação a pessoas que não se
possam exprimir (afasia ou outras alterações da linguagem ou alterações
cognitivas).
Procedimentos
Neste estudo foi utilizada uma amostra não probabilística (intencional), sendo
selecionadas pessoas idosas (≥ 65 anos) internadas no serviço de Medicina 1, 2
e 3 do Hospital Infante D. Pedro, E.P.E. Este local foi escolhido
intencionalmente por ser o local de trabalho da autora e por ser uma
instituição parceira da Universidade de Aveiro. Além disso, Nicolau et al.29
analisaram a mortalidade e internamentos hospitalares por concelhos de Portugal
Continental, verificando que o distrito de Aveiro apresenta uma das taxas mais
elevadas de internamentos hospitalares do país; optou-se pelo serviço de
Medicina Interna porque apresenta as taxas de internamento mais elevadas de
pessoas idosas.
O tamanho da amostra foi determinado após pesquisa sobre o número de doentes
com ≥ 65 anos admitidos no serviço de Medicina Interna em 2009 (ano anterior à
recolha dos dados), através do Gabinete de Gestão de Informação do Hospital.
Verificou-se o internamento de 391 pessoas idosas em 2009; uma amostra
representativa30 incluiria 196 participantes para um erro amostral de 5% e um
nível de confiança de 95%; mas optou-se por 250 participantes, considerando a
potencial morte experimental (este estudo faz parte de um projeto de
investigação que analisa a influência da hospitalização na QV em 3 fases:
admissão, alta e 6 meses após o internamento).
Para esta amostra foram definidos critérios de inclusão e exclusão. Os de
inclusão são: idade ≥ 65 anos, apresentar discurso coerente, orientado no tempo
e no espaço, auto e halo psiquicamente. Os critérios de exclusão são: défice
cognitivo, debilidade intelectual com perda da crítica e capacidade de
julgamento e capacidade de aprendizagem, alteração da comunicação (i. e. afasia
de expressão e compreensão e atrasos significativos da linguagem), patologias
associadas que alterem a capacidade cognitiva (por exemplo, síndrome de Down,
doença de Alzheirmer, doença de Parkinson e doenças do foro psiquiátrico).
Os 250 questionários foram administrados por entrevista no momento de admissão
do doente no serviço; após o acolhimento pelo profissional de serviço, os
doentes eram contactados pela autora da investigação que pedia a sua
colaboração. As entrevistas decorreram no hospital, sempre em locais que
respeitavam a privacidade, após a assinatura do consentimento livre e
esclarecido. A recolha de dados decorreu entre janeiro e agosto de 2010. A
duração média das entrevistas foi de 30/40 minutos. As pessoas idosas,
especialmente as que vivem sós, necessitavam contar as suas histórias de vida,
prolongando as entrevistas.
Amostra
A amostra é constituída por 250 participantes, 50,4% do sexo feminino (tabela
1). A média etária é de 79,63 anos (DP = 7,64), residindo 59,6%, em meio
urbano. Quanto ao estado civil, 49,2% dos entrevistados são casados, 44,4% são
viúvos e 2,4% são divorciados. Observa-se que 41,6% vive em casal, 39,2% em
família e 6% estão institucionalizados. A maioria dos participantes encontra-se
aposentada (62%). Em relação ao rendimento: 70% indica ser
"suficiente" e 26,4% refere que "não chega para as
necessidades". Verifica-se predomínio de baixa escolaridade, sendo a
média de 2,4 anos de escolaridade (DP = 2). Em relação ao apoio social: 85,2%
- sem apoio; 7,2% - lar de idosos; 6,8% - apoio domiciliar.
O diagnóstico clínico ou motivo de internamento (categorizados de acordo com os
aparelhos do corpo humano) inclui: 36,8% - doenças respiratórias (51,1%
do sexo masculino); 18,8% - com multipatologias (51,1% do sexo feminino);
14,4% do aparelho neuro-hormonal (61,1% do sexo feminino); 11,6% do aparelho
circulatório (62,06% do sexo feminino). Quanto aos antecedentes clínicos: 44%
- mulitpatologias; 21,6% - aparelho circulatório; 9,2% -
antecedentes clínicos relevantes (tabela_2).
Análise dos dados
A análise dos dados baseia-se na estatística descritiva, correlacional e
classificatória, apoiada no uso do software SPSS versão 19.
As variáveis sociodemográficas são apresentadas através da estatística
descritiva. Começamos por analisar as qualidades psicométricas do EasyCare para
a amostra em estudo. Procedeu-se à análise em componentes principais (com
rotação varimax) usando os 21 itens da escala (tabela_3) recomendados pelos
autores. Depois calculou-se a consistência interna através do α de Cronbach.
Para estabelecer grupos de participantes no momento de admissão hospitalar
procedeu-se à análise de clusters (K-means). Adotou-se uma solução de 3
clusters, por ser a mais ajustada aos resultados (tabela_4). Em seguida
analisou-se a existência de alguma diferença ou tendência diferenciadora dos
clusters em termos de sexo, residência, estado civil, "com quem
vive", situação profissional, diagnóstico, antecedentes clínicos e apoio
social. Para tal procedeu-se ao cálculo das frequências esperadas que se
comparam com as observadas, utilizando o χ2 (qui-quadrado), que indica o desvio
dos valores observados em relação ao valor esperado. Em relação às variáveis
rendimento, escolaridade e idade calcularam-se as médias de cada cluster,
existindo diferenças estatisticamente significativas em todas as variáveis
(tabela_6). Em seguida analisou-se, calculando frequências observadas e
esperadas, como os clusters variam com as restantes questões do instrumento
(tabela_7). Efetuou-se a análise através de médias e comparação com ANOVA das
restantes questões do EasyCare (tabela_8). Os pressupostos para a aplicação
desta ANOVA (normalidade e homogeneidade) foram cumpridos.
Resultados
EasyCare: estudo das qualidades psicométricas
Através da análise em componentes principais obteve-se uma solução de 3 fatores
que explicam 66,2% da variância (tabela_3).O cálculo das contribuições de cada
item para cada fator permitiu obter a seguinte organização fatorial (tabela_3):
fator 1 - Sentidos (itens que traduzem aspetos sensoriais); fator 2
- Atividades de vida diária (AVD) (itens que representam as atividades
quotidianas de autocuidado); fator 3 - Atividades instrumentais da vida
diária (AIVD) (itens que descrevem atividades necessárias à adaptação ao
ambiente, envolvendo capacidades cognitivas).
A consistência interna através do α de Cronbach apresenta valores que variam:
Sentidos (fator 1) = 0,55; AVD (fator 2) = 0,89; AIVD (fator 3) = 0,93. A
consistência interna da escala global apresenta um valor muito satisfatório (α
= 0,93).
Grupos de qualidade de vida
Os grupos de participantes organizados por clusters (tabela_4) foram
classificados em: cluster 1 - dependentes (27,6%), envolve participantes
dependentes nas AVD e AIVD; cluster 2 - dependentes moderados (32,8%),
engloba pessoas dependentes nas AIVD e pouco dependentes nas AVD; cluster 3
- independentes (39,6%), inclui participantes independentes nas AVD e
AVID e sem problemas sensoriais.
Os resultados indicam distribuições diferentes nas variáveis (tabela_5): estado
civil (existem mais viúvos e menos casados do que o esperado no grupo dos
dependentes e dependentes moderados; existem menos viúvos e mais casados no
grupo dos dependentes); com quem vive (no grupo dos dependentes existem mais
participantes a viver em família, instituição e sozinhos, e menos a viver em
casal do que o esperado; no grupo dos dependentes moderados existem menos a
viver em instituição do que o esperado; nos independentes há mais participantes
a viver em casal e menos a viver em família do que o esperado).
Os resultados demonstram que quem é dependente tem uma média etária superior,
apresenta escolaridade inferior e tem os rendimentos mais baixos (tabela_6). Os
dependentes moderados apresentam valores intermédios; os independentes são mais
novos, têm escolaridade superior e os rendimentos mais elevados.
Em relação aos problemas com a boca ou dentes (domínio "Cuidar de
Si") e com os pés e com a pele (domínio "Mobilidade")
verifica-se que no grupo dos dependentes existem mais participantes do que o
esperado com esses problemas; no grupo dos independentes existem menos do que o
esperado (tabela_7).
No domínio "Segurança" dentro e fora de casa verifica-se que nos
dependentes existem menos participantes do que o esperado que sentem esse
problema; no grupo dos independentes mais do que o esperado sente esses
problemas.
No domínio "Local de Residência e Finanças" verifica-se: i) quanto
à satisfação com a residência, nos dependentes há mais do que o esperado que
não estão satisfeitos; nos independentes há mais satisfeitos do que o esperado;
ii) na gestão financeira, entre os dependentes e dependentes moderados há mais
participantes do que o esperado que não consegue assegurar essa gestão; nos
independentes há mais do que o esperado que consegue fazer essa gestão.
No domínio "Manter-se Saudável" observa-se que: i) quanto ao
exercício regular, nos dependentes há mais do que o esperado que não o faz; nos
independentes há mais do que o esperado a praticar exercício regular; ii) sobre
ficar com falta de ar em atividades regulares, nos dependentes há mais do que o
esperado que fica com falta de ar; nos dependentes moderados e independentes há
menos do que o esperado a revelar falta de ar. O consumo de tabaco e álcool é
referido por poucos participantes (respetivamente: 30 e 10).
No domínio "Saúde mental e Bem-estar" os dados indicam que: i)
quanto à realização de atividades significativas, nos dependentes há mais do
que o esperado que não o faz; nos independentes há mais do que o esperado que o
faz; ii) sobre sentir-se só, nos dependentes há mais do que o esperado que se
sente muitas vezes só; nos dependentes moderados há mais do que o esperado que
se sente por vezes só; e nos independentes há mais que nunca ou por vezes se
sentem sós; iii) em relação a sentir-se deprimido e com pouco interesse em
fazer coisas no último mês, nos dependentes há mais do que o esperado a sentir;
nos dependentes moderados e independentes há mais do que o esperado a não
sentir; iv) sobre preocupações com esquecimentos, nos dependentes há mais do
que o esperado que sente; nos independentes há menos do que o esperado a
sentir.
Os dados indicam que os dependentes (por comparação com os outros 2 grupos)
caíram (domínio "Mobilidade") mais vezes nos últimos 12 meses,
percecionam menos saúde e no mês passado tiveram mais dores corporais (domínio
"Saúde Mental e Bem-Estar"). Os independentes apresentam os
resultados mais favoráveis e os dependentes moderados os intermédios (tabela
8).
Discussão
Os dados revelam 3 grupos de QV: dependentes (27,6%), dependentes moderados
(32,8%) e independentes (39,6%). O grupo dos dependentes tem idade mais
elevada, rendimentos mais baixos e menor escolaridade; os independentes são
mais novos, com rendimentos superiores e maior escolaridade (os dependentes
moderados apresentam os valores intermédios). Saliente-se que muitos dos
participantes já foram internados noutros momentos da sua fase idosa, pois este
grupo etário apresenta taxas de internamento hospitalar mais elevadas que
outros grupos etários20, mas alguns enfrentam o seu primeiro internamento. A
idade, escolaridade e rendimentos são 3 variáveis que, principalmente
associadas, dão informações relevantes sobre a situação da pessoa idosa: é
expectável que pessoas mais velhas, com pouca escolaridade e baixos rendimentos
apresentem maior dependência. Esta é uma tendência reiterada na literatura,
demonstrando que as pessoas idosas de classes socioeconómicas mais baixas são
mais vulneráveis, pois ao longo da vida viveram em condições mais difíceis e
tiveram menos cuidado(s) com a saúde1.
Também no contexto familiar existem diferenças entre os grupos: existem mais
viúvos entre os dependentes e dependentes moderados e mais casados ou
divorciados nos independentes. Como os dependentes tendem a ser mais velhos, a
probabilidade de serem viúvos é mais elevada. Contudo, a literatura sugere que
as pessoas casadas tendem a sentir-se mais capazes, porque se entreajudam
enquanto casal; já os viúvos podem sentir-se um fardo e mais dependentes, pois
sentem que recebem mais do que dão (menor reciprocidade)31. Os dados indicam
que os participantes a viver em instituição tendem a ser mais dependentes,
provavelmente indicando que a família cuida dos idosos enquanto estão
independentes ou moderadamente dependentes; mas optam pela institucionalização
quando a dependência aumenta e diminui a sua capacidade de prestar cuidados
adequados1. A institucionalização, na sequência da doença/dependência, é um dos
principais medos das pessoas idosas quando são internadas; de facto, a alta
hospitalar é muitas vezes acompanhada de institucionalização ou apoio social
(como serviço de apoio domiciliar). Os serviços hospitalares terão de durante o
internamento promover a independência, mas também terão de preparar a eventual
ou provável necessidade de apoio mais frequente. Esta situação tem de envolver
a pessoa idosa internada e a família e exige dos profissionais de saúde a
capacidade de mediar decisões.
Os profissionais de saúde que acompanham o internamento hospitalar
(principalmente enfermeiros e médicos) sabem que tendencialmente os idosos
dependentes estão em situações sociais mais desfavoráveis. Neste caso,
destaque-se que estas pessoas tendem a delegar a gestão financeira noutros
(familiares ou instituição); com frequência fazem-no apressadamente no momento
de hospitalização, podendo não se salvaguardar e confiar em pessoas que os
defraudam32. Embora seja complexo um profissional de saúde estar atento a estas
situações, é importante que em casos suspeitos envolvam um técnico de serviço
social.
O grupo de dependentes está menos satisfeito com a sua habitação,
principalmente os institucionalizados ou aqueles que foram viver para casa de
familiares, ou seja, foram retirados da sua casa e não se sentem satisfeitos
com a sua nova habitação ou têm dificuldades de adaptação. As pessoas idosas
nutrem laços de afetividade pela sua casa, que representa/contém as recordações
da sua vida, além disso, estar em casa associa-se a sentimentos de autonomia e
independência. Quando sentem insatisfação com a casa e são internados no
hospital (local estranho e temido) é de prever períodos de desorientação que
com frequência acarretam quedas33. Neste caso, a apresentação do local é
fundamental, explicando porque um contexto hospitalar apresenta certas
características, que garantem a qualidade dos cuidados.
Os dependentes tendem a fazer menos exercício físico, a ter mais falta de ar
nas atividades quotidianas e mais problemas com a boca/dentes, pés e pele. No
internamento hospitalar isto representa mais cuidados de saúde, logo é
necessário disponibilizar mais recursos.
Os dependentes não realizam atividades importantes para si e sentem-se mais
deprimidos. O contexto de hospitalização tende a reforçar estas situações
(mesmo em pessoas não dependentes no momento da hospitalização), pelo que o
diagnóstico deve ir além da patologia, envolvendo outras esferas da vida.
Durante o internamento hospitalar a pessoa idosa vê (ou pelo menos antevê)
transformações na sua vida, ocasionando momentos de fragilidade emocional34. É
importante os profissionais de saúde identificarem situações que provocam
desconforto, procurando minimizá-las.
Limites e perspetivas de pesquisa
Será relevante comparar os resultados entre a admissão e alta hospitalar para
compreender a influência da hospitalização na QV. Também seria pertinente
perceber as relações familiares e a história de vida de cada utente para
analisar o impacto na QV. Além disso, será relevante complementar com a
perspetiva dos familiares e profissionais de saúde. Como limitação do estudo, é
importante referir a amostra. O EasyCare é um instrumento de perceção
individual sobre a QV e neste estudo obteve-se a perceção das pessoas idosas
capazes de responder ao questionário. Um próximo estudo poderá incluir utentes
mais dependentes. Este estudo é quantitativo, por isso outra pesquisa poderá
complementar com uma abordagem qualitativa, para perceber melhor o significado
da QV dos participantes.
Conclusões
Este estudo foca a QV de pessoas idosas no momento de hospitalização. Os dados
permitem compreender melhor as características das pessoas idosas quando chegam
a um internamento hospitalar, permitindo delinear ações e estratégias de
organização dos serviços e ação dos profissionais. O estudo indica 3 grupos de
pessoas idosas no momento do internamento hospitalar: independentes,
dependentes nas AVID e pouco dependentes nas AVD; dependentes. Este cenário
demonstra que os serviços hospitalares vão encontrar pacientes com diferentes
necessidades pessoais e de cuidados, assim, há que diferenciar a abordagem.
Além disso, os resultados apontam para a influência do estatuto socioeconómico,
nível educativo, estado civil e situação em que vivem (casa própria, com
familiares ou instituição). Também estas circunstâncias de vida devem ser
consideradas durante o internamento e sobretudo na preparação da alta.
Os resultados reforçam que estilos de vida, condições sociodemográficas e
características individuais são fatores preponderantes na perceção da QV e do
internamento hospitalar. Assim, é relevante que os profissionais de saúde
valorizem todas as dimensões da QV para melhor estruturarem os serviços e
cuidados hospitalares.