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EuPTCVHe0871-34132008000100002

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National varietyEu
Year2008
SourceScielo

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Angiomatose Bacilar em Doente Imunocompetente A Propósito de um Caso Clínico

INTRODUÇÃO As Bartonella são pequenos bacilos Gram-negativos, intracelulares facultativos que aderem e invadem as células endoteliais e os eritrócitos. São de crescimento lento e requerem sangue (5 10%) e um ambiente rico em CO2 para o seu isolamento (1).

Incluem várias espécies, algumas patológicas para o Homem, principalmente, Bartonella henselae, Bartonella quintana, Bartonella bacilliformis...

A Bartonella henselae tem como reservatório os gatos, principalmente aqueles com menos de um ano de idade, causando-lhes bacteriémia, sem evidência de doença.

A transmissão humana de Bartonella henselae faz-se através dos arranhões e mordidas desses gatos.

A Bartonella quintana tem como reservatório o Homem e transmite-se através do piolho humano. A sua infecção está associada a condições socio-económicas precárias.

A Bartonella bacilliformis tem também como reservatório o Homem e transmite-se pela picada de Phlebotomus, um insecto existente na área geográfica dos Andes.

Estes agentes causam um amplo espectro de doenças, incluindo Verruga peruana, Angiomatose bacilar, Peliose bacilar, Febre Oroya, Febre das trincheiras, Doença da arranhadura do gato, endocardite e bacteriémia. A Doença da arranhadura do gato é a manifestação humana mais comum provocada pela infecção por Bartonella.

As manifestações da infecção variam com o estado imunológico do doente (2,3). Assim, a Bartonella henselae, em doentes imunodeficientes geralmente causa uma resposta angiogénica característica da Angiomatose bacilar e, em doentes imunocompetentes, uma resposta granulomatosa característica da Doença da arranhadura do gato.

CASO CLÍNICO Trata-se de um homem com 29 anos, sem antecedentes relevantes, sem viagens recentes ao estrangeiro, sem medicação habitual e com dois animais domésticos (um gato com mais de 1 ano de idade e um cão).

O doente apresentou quadro clínico de rinorreia serosa, tosse não produtiva, odinofagia e mialgias generalizadas, com duas semanas de evolução. Seguidamente, surgiu uma primeira lesão eritemato-papular na falange distal do dedo da mão esquerda e, durante um mês, houve extensão de lesões eritemato-papulares dolorosas pelo corpo. O doente não apresentava outras queixas.

Foram-lhe pedidos vários exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente, análises com hemoglobina de 15,5 g/dL, plaquetas de 238x109/L, TGO, TGP, ureia e creatinina normais, proteína C reactiva ligeiramente elevada (8,3 mg/L) e velocidade de sedimentação normal. O sedimento urinário era normal e as serologias de rotina, isto é, anticorpo IgM para o vírus Herpes simplex 1 e 2, anticorpo IgM para Toxoplasma gondii, reacção de T.P.H.A. e reacção de VDRL, anticorpo IgM do Citomegalovírus, anticorpos da Borrelia burgdorferi (Doença de Lyme), reacção de Wright, anticorpo IgM do vírus da Rubéola eram negativas. A radiografia torácica e o electrocardiograma não mostraram alterações. O estudo imunológico foi normal, com contagem de linfócitos T CD4+ de 1154/mm3. Os marcadores víricos para a Hepatite B, nomeadamente, anticorpo anti-HBs, antigénio HBs, anticorpos IgM e IgG anti-HBc foram negativos e para a Hepatite C (anticorpo anti-VHC) também. Os anticorpos para o VIH 1 e 2 foram negativos. A ecografia abdominal mostrou, ao nível do hilo hepático, múltiplas adenomegalias, sem outras alterações.

O doente foi internado para estudo de lesões cutâneas e adenomegalias.

À admissão hospitalar, apresentava-se com bom estado geral, apirético, sem adenomegalias palpáveis e com várias lesões cutâneas. Essas lesões apresentavam-se na forma de pápulas, placas e pústulas com sinais inflamatórios, com tamanho variável de 0,5 a 1,5 cm de maior diâmetro, nas mãos, pavilhão auricular esquerdo, tronco, dorso, membros inferiores, alguns com halo eritematoso e algumas também com halo descamativo, algumas com ulceração, outras com crosta (Figura 1).

Apresentava também lesões papulares de cor vinosa no e dedos da mão esquerda e no , , e dedos da mão direita (Figura 2) e duas lesões eritematosas lineares, uma ao nível da região do apêndice xifóide e outra ao nível da articulação metacarpofalângica do dedo da mão direita, segundo o doente, devido a arranhões do seu gato. A úvula apresentava uma pequena lesão ulcerada.

Foi-lhe realizada TC cervico-toraco-abdomino-pélvico que mostrou numerosas adenomegalias hipodensas em conglomerado na região celíaca e região portocava, estendendo-se desde o plano do tronco celíaco até ao plano dos hilos renais, com diâmetro conjunto de cerca de 25 mm, sem outras adenomegalias e fígado e baço normais.

A primeira lesão cutânea que surgiu no doente foi biopsada. O exame anatomo-patológico revelou infiltrado mononuclear, sem saliência de vasos ou células endoteliais tumefactas; a pesquisa de microorganismos pela coloração Warthin-Starry foi negativa; o exame bacteriológico cultural do tecido foi negativo e a pesquisa por PCR de ADN de Bartonella spp. foi positiva. A serologia para Bartonella spp por reacção de imunofluorescência indirecta foi negativa e a pesquisa por PCR de ADN de Bartonella spp no sangue foi positiva.

O doente foi medicado com doxiciclina 100 mg 12/12h, com melhoria das lesões cutâneas, logo após início do antibiótico. Teve alta com indicação para manter tratamento com doxiciclina durante três meses e evitar mordidas e arranhões do gato. Após um mês de tratamento, as lesões cutâneas tinham desaparecido e a TC abdominal de controlo, efectuada três meses após o fim do tratamento, era normal.

DISCUSSÃO Trata-se de um caso clínico de Angiomatose bacilar com atingimento cutâneo (pele e mucosas) e ganglionar, com bacteriémia.

A Angiomatose bacilar é uma doença rara, causada por Bartonella henselae e Bartonella quintana. Neste caso clínico, não houve identificação da espécie, mas o agente etiológico mais provável é a Bartonella henselae, que é transmitida pelo gato.

É uma doença sistémica de manifestação cutânea frequente. As lesões cutâneas caracterizam-se como papulosas, angiomatosas ou papulo-nodulares, de tamanho variável, eritemato-vinosas ou da cor da pele e de superfície lisa ou com crostas. Podem ser isoladas ou múltiplas, localizadas ou disseminadas, compressíveis, tensas ou friáveis. As apresentações menos frequentes são placas endurecidas e hiperpigmentadas. Algumas vezes, acompanham-se de adenomegalias locais e, geralmente, são extremamente dolorosas.

O quadro clínico pode ser precedido ou acompanhado por febre, anorexia, emagrecimento, dor abdominal, náuseas, vómitos e diarreia, especialmente quando comprometimento visceral, nomeadamente, fígado e baço.

A Angiomatose bacilar é descrita essencialmente em doentes imunodeficientes: medicados com imunossupressores, doentes com linfomas/leucemias ou infectados pelo VIH. Foi em 1990, que Cokerell et al descreveram o primeiro caso de Angiomatose bacilar em imunocompetentes (4). Este doente embora tivesse uma contagem de linfócitos T CD4+ normal, no início da doença actual, apresentou um quadro clínico compatível com síndrome gripal, infecção viral que diminui transitoriamente as defesas do organismo.

A clínica da Angiomatose bacilar orienta muitas vezes para o diagnóstico, mas este deve ser confirmado por exames auxiliares de diagnóstico.

O exame histológico, principalmente da biópsia das lesões cutâneas, é o preferido. Tipicamente, à microscopia óptica, observa-se proliferação capilar disposta em lóbulos, células endoteliais tumefactas e resposta inflamatória com neutrófilos (4). A coloração de prata como Warthin-Starry identifica os bacilos, no interstício entre os vasos, e, pela imunocitoquímica, diferencia-se Bartonella henselae de Bartonella quintana (1). Neste caso clínico, o resultado do exame histológico de biópsia cutânea não foi característico, talvez porque a lesão biopsada, macroscopicamente, apresentava sinais de necrose.

Os outros exames auxiliares de diagnóstico de Angiomatose bacilar são a pesquisa por PCR de ADN de Bartonella spp., o exame cultural de sangue e dos tecidos e a serologia para Bartonella spp.

A pesquisa por PCR de ADN de Bartonella spp. é um exame que nem sempre está disponível, mas tem sensibilidade elevada, principalmente, se a pesquisa for realizada em tecido afectado (5-8). O exame cultural de sangue e dos tecidos, pelas características do bacilo, raramente permite isolar o microorganismo. A serologia para Bartonella spp. (por reacção de imunofluorescência indirecta ou pelo método de ELISA) tem sensibilidade e especificidade baixas (7,8).

Os diagnósticos diferenciais de Angiomatose bacilar incluem: Sarcoma de Kaposi (de salientar que a Angiomatose bacilar e o Sarcoma de Kaposi podem coexistir num mesmo doente, principalmente doentes infectados pelo VIH, com contagem de linfócitos T CD4+ baixa), Granuloma piogénico, Verruga peruana (cuja etiologia é a Bartonella bacilliformis), Linfoma cutâneo de células T, Linfoma de Hodgkin e Linfoma não-Hodgkin e infecção por micobactérias atípicas (9).

O tratamento consiste em antibioterapia: eritromicina ou doxiciclina, e a resposta ao tratamento é, geralmente, rápida. Embora a duração do tratamento ainda não tenha sido definida, sabe-se que deverá ser longa - dois a quatro meses (10).

A Angiomatose bacilar é uma doença com bom prognóstico que raramente recidiva se o tratamento for completo. Porém, em doentes não tratados, é potencialmente fatal, principalmente, em doentes imunodeficientes (2).


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