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EuPTCVHe0871-34132009000300001

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National varietyEu
Year2009
SourceScielo

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Qualidade e Satisfação com a Prestação de Cuidados na Patologia Avançada em Medicina Interna O envelhecimento populacional multiplicou o número de doentes com patologias crónicas avançadas, progressivas e debilitantes, cujo percurso se pauta por contactos cada vez mais frequentes com instituições médicas, nomeadamente em ambiente de internamento.

Em 2004, em Inglaterra e País de Gales, mais de 85% dos cerca de 30 mil óbitos anuais de pessoas com idade superior aos 75 anos, ocorreu fora do domicílio.

Mais de metade destas mortes foram hospitalares. Projecções para 2030 prevêem uma duplicação do número anual de óbitos, para esta faixa etária (1).

Para muitos doentes portadores de patologia crónica, a hospitalização equivale a um momento de crise, consequente à alteração da condição global, muitas vezes não totalmente reversível. Proporciona oportunidade para redefinição da estratégia dos cuidados médicos prestados. A Medicina Interna, por definição uma disciplina holística, é frequentemente responsável pelo acompanhamento no internamento, dos doentes em fase terminal de vida, momento complexo e desafiante.

O respeito pela vontade e preferências do doente terminal, na definição dos objectivos terapêuticos, é princípio basilar na aferição da qualidade da prestação de cuidados médicos. Em Portugal, e em especial na área da Medicina Interna, não informação disponível sobre a forma como a actuação da equipa de saúde se intersecta com os objectivos pessoais dos doentes e famílias. Abrir caminho na avaliação desta problemática, foi a principal motivação para a realização deste documento.

MÉTODOS Foi feito um estudo prospectivo descritivo e transversal, em ambiente de internamento, numa unidade de Medicina Interna, com uma lotação de 46 camas e integrada no Hospital Geral de Santo António, hospital universitário, vocacionado para tratamento de doentes agudos e doentes crónicos descompensados. À data do estudo ainda não haviam sido oficialmente implementadas, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e não existia na instituição nenhuma equipa especialmente vocacionada para a prática de cuidados paliativos.

No período de tempo compreendido entre Março e Maio de 2007, dos 174 doentes admitidos a internamento, 40 (22,9%) apresentaram critérios de inclusão no estudo, ou seja, permaneciam internados mais de 5 dias e tinham doença crónica, entendida como avançada, conforme os critérios constantes na tabela 1.

Tabela 1 - Critérios de Admissão (2).

Os dados demográficos relevantes e referentes à doença principal, são apresentados na tabela 2. O grau de dependência inerente à patologia de base foi avaliado pelo Índice de Karnofsky (5) e pelo Índice de Katz (6). O Índice de Karnofsky é uma escala numérica contínua entre os valores 0 e 100, em que a valores mais baixos correspondem maior grau de debilidade global do estado de saúde. O Índice de Katz de Independência para Actividades Quotidianas, expresso numa variável númerica ordinal, de zero a seis, pretende caracterizar o grau de dependência de adultos idosos nos domínios da realização da higiene, cuidados pessoais, transferências, alimentação e continência esfincteriana; valores mais baixos nesta escala implicam menor grau de autonomia.

Tabela 2 - Características gerais.

Foi realizada uma entrevista directa a 33 doentes (82,5% da população elegível) com capacidade anímica para responder a, pelo menos, três quartos do questionário e sem déficits cognitivos (n=16), caso contrário, aos respectivos cuidadores (n=17) (Figura 1). O questionário visava perceber a importância relativa de vários domínios da prestação de cuidados médicos na definição da qualidade assistencial, bem como o correspondente nível de satisfação. Uma escala simplificada de Likert, com três níveis, foi usada para avaliar o grau de importância ("nada importante"; "importante"; "muito importante") e de satisfação ("insatisfeito"; satisfeito"; "muito satisfeito").

Fig. 1 - Constituição da população amostral.

Foi ainda calculado o índice de oportunidade de melhoria da prestação de cuidados, em condições idênticas a estudo anterior (7), considerando-se como oportunidade sempre que um doente/prestador de cuidados considera estar menos que "muito satisfeito", num item que considerou como "muito importante". O número de oportunidades, em relação ao número total de doentes, constitui o índice de oportunidade de melhoria da prestação de cuidados.

Médicos assistentes, responsáveis pelo cuidado do doente nointernamento, responderam a um questionário, inquirindo o clínico àcerca da importância que presumia que o respectivo doente atribuía aos vários domínios do cuidar. A taxa de resposta ao inquérito médico foi de 78,8% (n=26).

O inquérito foi conduzido por elementos externos à unidade e ao internamento, previamente treinados para a recolha de dados, por forma a não influenciarem respostas de doentes e familiares.

Foi construída uma base de dados no programa informático SPSS 12.0 (SPSS para Windows, versão 12.0, SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos da América) e tratada para estatística descritiva e inferencial. O grau de concordância entre médico e doentes/cuidadores foi avaliado pelo coeficiente kappa, assumindo-se como nível de significância, para os testes estatísticos efectuados, o valor de 0,05.

RESULTADOS Importância e satisfação com o cuidados prestados A tabela 3 mostra a distribuição dos graus de importância e de satisfação atribuídos a cada elemento da prestação de cuidados. O índice de oportunidade para melhoria da prestação de cuidados está igualmente listado e ilustrado graficamente na figura 2.

Tabela 3 - Importância e Satisfação atribuída aos vários domínios do cuidar (números absolutos).

Fig. 2 - Índice de Oportunidade para incremento da qualidade assistencial.

Os aspectos que mais contribuíram para a definição da qualidade da prestação de cuidados dos doentes internados/cuidadores foram (1) a transmissão correcta de informação quanto ao diagnóstico e prognóstico associado à doença, (2) a promoção do alívio sintomático e (3) a acessibilidade a apoio ou aconselhamento médico no domicílio. Estes aspectos apareceram referidos como "muito importantes", positivamente destacados relativamente a outros aspectos como a informação sobre o tratamento a efectuar, a participação de doente/ cuidadores na decisão da equipa e as questões relacionadas com a confiança na equipa médica/enfermagem, por sua vez, mais valorizados que as questões hoteleiras e ligadas a cuidados religiosos. Directivas de fim de vida, nomeadamente relacionadas com a decisão de (não) reanimação, foram consideradas como "nada importantes" por mais de metade dos doentes. O conforto físico do internamento foi mais valorizado pelos cuidadores enquanto que os doentes valorizaram mais "não se sentir fardo para familiares/ cuidadores".

Nenhum doente se mostrou completamente satisfeito com todos os domínios explorados e 50% dos doentes e 30% dos cuidadores estavam muito satisfeitos na apreciação global da qualidade assistencial. Doentes oncológicos mostraram menor satisfação que doentes crónicos não oncológicos (X2:4,15;p=0,03). Os doentes/cuidadores referiram estar "muito satisfeitos", principalmente com a informação sobre a terapêutica recebida (36,4%) e com a possibilidade de participar nas decisões da equipa (36,4%). Doentes expressaram maior confiança que os seus cuidadores na relação de confiança com a equipa saúde. Um terço dos doentes estava "muito satisfeito" com o alívio sintomático conseguido em internamento, enquanto que 3% consideravam-se insatisfeitos quanto a este aspecto. Nenhum doente se encontrava insatisfeito quanto à atenção dispensada às questões religiosas.

Por outro lado, 6/15 doentes e 10/17 cuidadores encontravam-se insatisfeitos com a acessibilidade a cuidados médicos, especialmente nos centrados no domicílio; cerca de 6,3% da população em estudo estava muito satisfeita com esta vertente dos cuidados médicos prestados.

A perspectiva de doentes/cuidadores e respectivos médicos assistentes O alívio sintomático e o fácil acesso a cuidados médicos centrados na comunidade/domicílio, foram percebidos pela equipa médica como os mais importantes domínios do cuidar, sendo classificados como "muito importante" por 88,5% e 34,6% dos médicos respondentes (Tabela 4). Cerca de 30,8% dos médicos presumiam que os seus doentes/cuidadores valorizavam como "muito importantes" aspectos da prestação de cuidados relativos à informação relacionada com a terapêutica efectuada ou a efectuar e com a possibilidade de participar nas decisões da equipa. Metade dos médicos assistentes presumiam que os seus doentes não prestavam qualquer importância à informação acerca do diagnóstico e prognóstico; menos de um quarto consideraram que doentes valorizariam muito este aspecto (Tabela 4).

Tabela 4 - Importância que cada médico assistente presume para o respectivo doente (números absolutos; poderão haver médicos que não responderam a alguns dos itens).

Quando foi pedido aos médicos assistentes para seleccionar apenas os três domínios mais importantes do cuidar para o doente/cuidador, o "alívio sintomático"obteve 23/26 das respostas, seguido dos "condições físicas do internamento" (13/26) e da "necessidade de não se sentir uma sobrecarga para os cuidadores" (8/26).

DISCUSSÃO Este estudo, embora de pequena dimensão, representa um primeiro esforço, inédito entre nós, direccionado para o melhor entendimento dos factores que mais directamente influenciam a qualidade assistencial de doentes com patologia crónica avançada. Mesmo em hospitais gerais, tendencialmente vocacionados para o tratamento da patologia aguda, é expressiva a percentagem de doentes admitidos com agudizações de patologia crónica terminal. Este grupo de doentes requer das instituições uma atenção particular ao conjunto das suas necessidades especiais. A menor satisfação global sentida pela população oncológica reforça a ideia que os cuidados de saúde devem ser individualizados, centrados no doente. A clássica relação 25%/75% de peso relativo de doentes oncológicos e não oncológicos, descrita na população geral de doentes crónicos avançados, foi também encontrada no nosso estudo (8).

Apesar das opiniões dos cuidadores poderem não traduzir fielmente o ponto de vista de doentes (caso tivessem capacidade cognitiva para se expressar) (9), parece evidente que doentes e suas famílias esperam informação e acompanhamento das respectivas instituições de saúde.

Médicos assistentes sobrevalorizaram a importância dada pelos doentes/ prestadores à discussão sobre a terapêutica, sendo claro que estes procuram mais informação sobre diagnóstico e prognóstico e acompanhamento centrado nos cuidados domiciliários.

Não deixa de ser um paradoxo o facto dos doentes desvalorizarem a importância da discussão sobre decisões de fim de vida, tais como o suporte vital, considerado item de menor importância, o que determinou um baixo índice de oportunidade. Este comportamento espelha o contexto socio-cultural típico das sociedades modernas, e em especial da realidade nacional, em que a morte é ainda repudiada e os cuidados de saúde são vistos com um forte pendor curativo, mesmo quando esta perspectiva deixou de ser realista. Fried et al.

demonstrou que os doentes são capazes de realizar opções quanto ao planeamento de directivas de fim de vida ou respeitantes a outras opções terapêuticas, se conseguirem perceber os factores relacionados com agressividade das intervenções (por exemplo, o consumo de tempo em internamento e a invasividade dos procedimentos) e o resultado esperado, nomeadamente quanto à capacidade funcional e cognitiva, resultante das opções adoptadas (10). Isto reforça a necessidade da aquisição de capacidades técnicas e humanas por parte das equipas de saúde, por forma a permitir a discussão sobre o impacto esperado da doença e dos tratamentos nos vários aspectos bio-psico-sociais e espirituais de doentes e cuidadores. No entanto, no nosso estudo, tal como no trabalho de Heyland et al., parece ser mais importante que os doentes possam reconhecer quem é a equipa responsável por eles, tê-la disponível e acreditar nas suas capacidades e decisões, do que ser directamente responsável nas decisões (7).

Melhores acessos a cuidados (centrados na comunidade/domicílio), mais informação diagnóstica e prognóstica, acesso a alívio sintomático e promoção de confiança na equipa, surgem como prioridades estratégicas de melhoria da qualidade assistencial. Tratar de doentes crónicos com patologia avançada impõe o uso de novas abordagens, baseadas em práticas de excelência na capacidade comunicacional, para além da aquisição de competências técnicas específicas dirigidas ao controlo de sintomas.

CONCLUSÃO Cuidar de doentes terminais implica construção de um plano que envolva questionário dirigido directamente ao doente/cuidadores de modo a adequar estratégias e aumentar a satisfação com os cuidados recebidos. Uma vez que os médicos não têm a percepção exacta das preferências de doentes/cuidadores, a inquirição sistemática relativamente aos múltiplos aspectos relacionados com o cuidar permite orientar a atenção da equipa de saúde para os aspectos que vão ao encontro das expectativas dos doentes.


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