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EuPTCVHe0871-34132010000200001

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National varietyEu
Year2010
SourceScielo

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Disfunção Sexual na Doença de Parkinson

Introdução A Doença de Parkinson (DP) está associada a disfunção sexual (1). No entanto, apenas uma minoria dos doentes recebe apoio para as suas preocupações sexuais (2).

Os casais em que um dos parceiros tem DP têm uma elevada prevalência de perturbações sexuais. Os profissionais de saúde devem abordar os aspectos de saúde sexual no tratamento da DP (3).

A DP associa-se a perturbações da função sexual na medida em que é uma doença que atinge vários sistemas provocando alterações motoras, autonómicas, emocionais e cognitivas. Os sintomas motores como a rigidez, o tremor, a imobilidade, a dificuldade nos movimentos finos dos dedos, podem limitar o toque íntimo necessário para a excitação sexual. A modificação da aparência, o excesso de sudação, a sialorreia e as alterações na marcha tornam os doentes menos atraentes. Por outro lado, alguns dos fármacos antiparkinsónicos influenciam a função sexual podendo aumentar o desejo sexual (3). Devido à DP, 41,9% dos homens e 28,2% das mulheres cessam a sua actividade sexual, verificando-se uma insatisfação geral com a vida sexual em 65,1% dos homens e 37,5% dasmulheres,e uma elevada prevalência de disfunção sexual (2).

A depressão, a ansiedade e a fadiga contribuem para a disfunção sexual (3).

Este estudo teve como objectivo avaliar a função sexual dos doentes com DP do sexo masculino e feminino e a determinação dos factores preditivos para a presença de limitações sexuais.

Métodos A amostra deste estudo foi obtida na consulta da Unidade de Doenças do Movimento do Serviço de Neurologia do Hospital de São João-EPE (HSJ-EPE).

O grupo de controlo foi ajustado para a idade e sexo. Os indivíduos com doença neurológica foram excluídos do grupo de controlo.

Um neurologista ficou responsável pelo diagnóstico e pelo estadiamento Hoehn- Yahr dos doentes (4). Os doentes estavam com tratamento farmacológico dopaminérgico avaliado na forma de dose diária equivalente de levodopa (DDEL).

Os doentes com pontuações no Mini Mental State Examination(5) inferiores a 20 foram excluídos.

A presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemia foi avaliada.

Para a avaliação quantitativa dos sintomas psiquiátricos foi usado o Inventário de Sintomas Breve (BSI) (6) validado para a população Portuguesa (7). Trata-se de um questionário de auto-resposta em que os sujeitos classificam o grau em que determinado sintoma os afectou durante a última semana. Este inventário avalia sintomas psicopatológicos em 9 dimensões básicas de psicopatologia (somatização; obsessão-compulsão; sensibilidade interpessoal; depressão; ansiedade; hostilidade;ansiedade fóbica; ideação paranóide; psicoticismo).São utilizados os índices dos vários domínios e o Índice Geral de Sintomas (IGS) para a avaliação dos resultados.

A sintomatologia depressiva foi avaliada com a versão Portuguesa do Inventário de Depressão de Beck - BDI (8-10). A cotação do instrumento permite que a intensidade da sintomatologia depressiva seja categorizada: sem sintomas depressivos (0-13), sintomas depressivos leves (14-19), sintomas depressivos moderados (20-28) e sintomas depressivos graves (pontuação superior a 29).

A função sexual foi avaliada através das versão portuguesas do Índice Internacional de Função Eréctil (IIFE) e do Índice de Funcionamento Sexual Feminino (IFSF).

O IIFE é um questionário de auto-resposta composto por 15 itens, divididos em 5 categorias: função eréctil, função orgásmica, desejo sexual, satisfação no coito e satisfação global. Os intervalos da pontuação total permitem classificar a gravidade da Disfunção Eréctil (DE) em cinco grupos: sem DE (26- 30), DE ligeira (22-25), DE ligeira a moderada (17-21), DE moderada (11-16) e DE grave (6-10) (11). O IIFE foi traduzido e validado para português (12). O IFSF é uma escala de auto-resposta que permite a avaliação da função sexual em mulheres constituída por 19 itens divididos em 6 subescalas: desejo, excitação, lubrificação, orgasmo, satisfação, desconforto/dor.

A pontuação pode variar de 4 a 95. Pontuações mais elevadas indicam um maior grau de função sexual (13). O IFSF foi traduzido e validado para português (14- 15).

O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do HSJ-EPE.

A análise das variáveis contínuas foi realizada utilizando o Mann-Whitnney U- teste e as variáveis categóricas foram analizadas com o teste Qui-quadrado.

Foram aplicadas análises de regressão linear para teste de factores preditivos para a disfunção sexual na DP.

A informação foi analisada usando a versão 16 do SPSS (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

Resultados A mediana das idades para as mulheres foi de 64 anos e para os homens foi de 63 anos. A maioria das mulheres e homens estavam casados, eram católicos e estavam reformados. A mediana da escolaridade em ambos os sexos foi de 4 anos. Das mulheres, 41% estavam no estadio II de HY. Dos homens, 44,2% estavam no estadio III de HY. A duração da doença teve uma mediana de 10 anos para as mulheres e 11 anos para os homens . Os doentes de ambos os sexos estavam medicados com uma DDEL com a mediana de 600; realizaram cirurgia de estimulação cerebral profunda do núcleo subtalâmico (DBS-STN), 48,7% das mulheres e 32,7% dos homens (Tabela 1).

Função sexual nos homens A pontuação total do IIFE difere significativamente entre casos e controlos (p<0,01), assim como em todos os 5 domínios, sendo mais reduzida nos casos (Tabela_2 ).

Estiveram sexualmente activos nas ultimas 4 semanas 45,7% dos doentes.

A prevalência de Disfunção Eréctil nos doentes foi de 57,7%.

Os doentes com tratamento antidepressivo apresentavam pontuações no IIFE significativamente menores do que aqueles sem este tratamento (p<0,01).

Os doentes com hipertensão arterial não apresentaram diferenças no IIFE.

A duração da doença correlacionou-se negativamente com o IIFE (rho=- 0,33;p<0,05).

Na análise de regressão linear foram factores preditivos do IIFE a duração da doença e a idade (Adjusted R square= 0,43; p<0,01) não sendo preditivas as variáveis BDI, IGS do BSI, DDEL e a escolaridade (Tabela_3 ).

Função sexual nas mulheres Os casos e os controlos têm pontuações reduzidas no IFSF. Verifica-se uma diferença estatisticamente significativa no domínio desejo entre casos e controlos com prejuízo das doentes (p<0,01) (Tabela_4 ).

A idade das doentes correlacionou-se negativamente com o IFSF (rho= -0,47; p<0,01). A escolaridade das doentes correlacionou-se positivamente com o IFSF (rho= 0,51;p<0,01).

Não se encontrou nenhuma correlação significativa entre o IFSF e a duração da doença, a DDEL, o BDI, e o BSI.

Comorbilidades médicas A presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemia foi avaliada pela observação das prescrições médicas. Observou-se uma prevalência de hipertensão arterial de 8,8% nos doentes do sexo masculino e 6,7% no sexo feminino.

Nenhum dos doentes apresentava diabetes mellitusou dislipidemia.

A presença de hipertensão arterial não condicionou diferenças na função sexual de homens ou mulheres com DP.

Avaliação psicopatológica O IGS do BSI difere significativamente entre casos e controlos do sexo masculino (p<0,01), assim como em todos os 9 domínios, sendo superior nos casos (Tabela_5 ).

A pontuação obtida no BSI difere significativamente entre as doentes e os controlos do sexo feminino nos domínios de ansiedade fóbica (p<0,01) e de sensibilidade interpessoal (p<0,01) sendo superior nas doentes (Tabela_6 ).

Não existem diferenças no BSI entre homens e mulheres com DP.

No caso dos controlos existem diferenças significativas entre homens e mulheres tendo estas maiores pontuações nos domínios somatização, depressão, ansiedade, psicoticismo e paranóia (p<0,01).

Sintomatologia depressiva A pontuação do BDI difere significativamente entre casos e controlos do sexo masculino sendo mais elevada nos casos ( p<0,01) (Tabela_5 ). A pontuação do BDI não difere significativamente entre casos e controlos do sexo feminino (Tabela_6 ). Não diferenças significativas entre os doentes do sexo masculino e feminino na pontuação do BDI. No caso dos controlos existem diferenças significativas entre homens e mulheres tendo estas maiores pontuações (p<0,01).

Na comparação por categorias de gravidade de sintomatologia depressiva não existem diferenças significativas entre os doentes de ambos os sexos. Os doentes do sexo masculino têm uma prevalência de sintomas depressivos de 55,8% e os do sexo feminino de 43,3%. A prevalência de sintomas depressivos nos controlos foi de 10% nos homens e de 27,6% nas mulheres. A utilização de antidepressivos no total dos doentes foi de 61,3% nas mulheres e de 32,7% nos homens. Dos doentes medicados com antidepressivos apresentavam sintomas depressivos residuais 26,1% dos homens e 76,5% das mulheres. Dos doentes com sintomas depressivos não estavam medicados com antidepressivos 62,1% dos homens e 57,1% das mulheres.

Doentes submetidos a DBS-STN A amostra deste estudo apresenta um número considerável de doentes submetidos a DBS-STN, dado ter sido recolhida numa consulta de um centro terciário.

Quando comparámos os doentes submetidos a DBS-STN com os tratados apenas farmacologicamente observamos que no caso dos homens os primeiros têm uma maior duração de doença (p<0,01); têm pontuações menores no IIFE (p<0,01); apresentam uma prevalência de disfunção eréctil de 82,4% (face a 48,6% dos tratados apenas farmacologicamente); têm pontuações no BDI mais elevadas (p<0,01), assim como, nos domínios do BSI depressão,ansiedade fóbica e comportamentos obsessivo- compulsivos (p<0,01); estão mais medicados com antidepressivos (p<0,01); apresentam uma prevalência de sintomas depressivos de 70,6% (face a 48,6% dos tratados apenas farmacologicamente).

As mulheres submetidas a DBS-STN apresentam maiores DDEL (p<0,01); não apresentam diferenças significativas no IFSF; têm pontuações maiores no BDI (p<0,01) e nos domínios do BSI: depressão e psicoticismo (p<0,01); apresentam uma prevalência de sintomas depressivos de 57,1% (face a 31,2% das tratadas apenas farmacologicamente).

Discussão Neste estudo foram observadas diferenças significativas no funcionamento sexual e na psicopatologia dos doentes com DP face aos controlos.

Os homens com DP têm uma maior probabilidade de sofrerem de disfunção eréctil, de apresentarem maior sintomatologia depressiva e maior sofrimento psicológico.

Na nossa amostra os doentes com DP apresentam menor desejo sexual assim como apresentam alterações do orgasmo, erecção e satisfação sexual, o que está de acordo com outros autores (16). A prevalência de DE neste estudo foi de 57,7%, sendo que os resultados descritos na literatura podem variar entre de 64,8% (2) e 53% (17).

Para além da DE um elevado número de doentes que cessam a sua actividade sexual. Na nossa amostra 54,3% dos homens e 41,2% das mulheres com DP cessaram a sua actividade sexual o que está de acordo com os resultados de outros autores (2).

Na análise de regressão linear os factores preditivos para a deterioração da função sexual foram a duração da doença e a idade dos doentes. O facto de a duração da DP influenciar negativamente a função sexual é apoiado por Koller e por Jacobs que observaram, respectivamente, um efeito deletério da duração da doença na função eréctil (16, 28). Este facto pode ser explicado pela presença de uma maior sintomatologia motora e não-motora, incluindo alterações autonómicas da DP.

Na população em geral, o principal factor preditivo para a presença de disfunção sexual é a idade (12). Assim, era de esperar que a idade fosse também um factor preditivo do IIFE nesta amostra.

No nosso estudo não foi possível evidenciar o efeito de outros factores na função eréctil, como a escolaridade e a sintomatologia depressiva. O nível de escolaridade pode ter um efeito positivo sobre a função eréctil. A presença de sintomatologia depressiva pode condicionar a existência de deterioração da função sexual (12).

Os doentes com tratamento antidepressivo apresentavam uma deterioração da sua função sexual o que era esperado dado ser um efeito lateral frequente destes psicofármacos.

Nas mulheres com DP a deterioração da vida sexual é estimada em 78,1% das mulheres (2).

Neste estudo as doentes apenas se distinguiram dos controlos no domínio do desejo, tendo menores pontuações, o que está de acordo com Kummer et al. que descreveram alterações do desejo sexual em 65,7% das mulheres (19). O IFSF correlacionou-se positivamente com a escolaridade e negativamento com a idade o que está de acordo com outros autores (20).

Todas as mulheres exprimiram perturbações relacionadas com a excitação e o orgasmo. Não se verificou, todavia, o aumento de dor ou a insatisfação com a vida sexual.

As mulheres têm mais disfunções sexuais do que os homens, na população geral (20). Cerca de 50% das mulheres na menopausa têm um problema sexual (21).

Todavia, o impacto da DP é maior na sexualidade dos homens do que nas mulheres.

Como hipóteses para explicar o facto dos homens serem mais afectados podemos sugerir que os homens podem ser mais sensíveis às perdas dopaminérgicas; ou poderá existir uma diminuição dos níveis de testosterona nestes doentes.

O efeito negativo dos antipsicóticos sobre a função sexual não foi possível de se evidenciar neste estudo. O efeito negativo dos antidepressivos foi evidenciado nos homens mas não nas mulheres, assim é de sugerir a existência de um agravamento da função sexual prévio à administração destes fármacos nas mulheres.

O uso da terapêutica antiparkinsónica não evidenciou um efeito positivo no funcionamento sexual dos doentes. É de referir, todavia, que existiram três casos de doentes jovens (dois doentes do sexo masculino e um do sexo feminino) com aumento do desejo, da frequência sexual e com dificuldades em atingir o orgasmo. Estes doentes estavam medicados com ropinirol em dose superior a 20 mg e em dois casos existia a associação com selegilina. Neste estudo, não foi utilizado nenhum instrumento específico para detectar formas de hipersexualidade, tendo estes casos sido relatados espontaneamente pelos doentes.

Segundo Castelli et al.(22) a realização de DBS-STN tem um efeito positivo na sexualidade dos doentes do sexo masculino. Na nossa amostra os doentes submetidos a DBS-STN tinham uma maior deterioração da função sexual, assim como apresentavam uma maior duração da doença.

Quando comparámos os doentes submetidos a DBSSTN com aqueles apenas tratados farmacologicamente verificamos que estes têm uma maior probabilidade de estarem deprimidos e de terem um maior nível de mau estar psicológico geral, o que é traduzido pelas pontuações mais elevadas do BDI e do BIS, respectivamente.

Observamos, ainda, que estes doentes tendem a ser mais idosos e a terem uma maior duração de doença. Assim, como corolário do que havia sido exposto, estes doentes têm uma maior probabilidade de ter uma pior função sexual.

no caso das mulheres não se observa uma variação no funcionamento sexual daquelas submetidas a cirurgia e das tratadas apenas farmacologicamente.

Poderíamos questionar se a presença de disfunção sexual é uma manifestação não- motora da DP. Esta questão foi respondida por Lipe et al. tendo concluído que a disfunção sexual acompanha a DP mas não é especifica desta.

Lipe et al.verificaram que existia uma igual deterioração do funcionamento sexual em homens casados com DP e em homens com artrite crónica com o aumento da idade, da gravidade da doença e com a presença de depressão, sugerindo assim que a DP não condiciona um maior agravamento da função sexual do que outras doenças crónicas que não envolvam o sistema nervoso central (1). No entanto, Gao et al. sugerem que a DE precede o desenvolvimento da DP. Os homens com DE têm um risco 3,8 superior de desenvolverem DP (23).

A prevalência de depressão nos doentes com DP é estimada em 62% (24). Neste estudo a prevalência de depressão foi de 51,2% no total dos doentes, sendo que no caso dos doentes do sexo masculino têm uma prevalência de depressão de 55,8%, e os do sexo feminino de 43,3%.

Dos doentes com sintomas depressivos não estavam medicados com antidepressivos 62,1% dos homens e 57,1% das mulheres.

Isto deve alertar para a necessidade de maior sensibilidade para o diagnóstico de depressão e optimização do tratamento, o que ressalta a importância de um psiquiatra integrar a avaliação destes doentes.

Neste estudo existem certas limitações. A elevada proporção de pacientes que realizaram neurocirurgia, a realização do estudo num centro terciário, um nível educacional baixo, o baixo tamanho amostral (e subsequente distribuição por género) limitam a generalização dos resultados.

Não foi avaliada a presença de disfunção sexual prémórbida, assim como o nível de funcionamento sexual pré-mórbido. Os jovens com DP não foram avaliados de modo específico sendo a mediana de idades situada na faixa etária dos 60-70 anos. Não foram avaliados quais os aspectos da DP que mais contribuíam para as disfunções sexuais. No que se refere ao impacto na vida sexual das (os) companheiras(os) não houve uma avaliação específica. Estas limitações devem ser ultrapassadas em estudos futuros.

Conclusões Este estudo alerta-nos para a elevada prevalência de perturbações sexuais nos homens e mulheres com DP. Os doentes do sexo masculino têm uma deterioração da vida sexual, cujos factores preditivos são a duração da doença e a idade.

Estes doentes devem ser questionados sobre as suas preocupações sexuais e ser- lhes oferecido o tratamento disponível.

No que se refere à prevalência de sintomas psicopatológicos em geral, e de sintomatologia depressiva em particular, podemos dizer que os homens com DP têm uma maior probabilidade de estarem numa situação de maior sintomatologia depressiva e de maior sofrimento psicológico face aos controlos saudáveis.

A colaboração de Psiquiatria na observação destes doentes é, assim, aconselhada quer para a avaliação psicopatológica quer para a potencial abordagem e tratamento a perturbações sexuais.


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