Evolução do Pré-Termo com Displasia Broncopulmonar
Introdução
O recém-nascido pré-termo do início deste século está beneficiado, no que diz
respeito aos cuidados peri e nenonatais, relativamente aos pré-termos nascidos
em 1960.1As práticas actuais de cuidados intensivos neonatais, incluindo o uso
antenatal de corticosteróides, terapêutica com surfactante exógeno, ventilação
menos invasiva, nutrição parentérica, entre outras, permitiram o aumento da
taxa de sobrevivência do extremo pré-termo (peso ao nascimento <1000g) de
valores próximos do zero para 50% -70%.2Acompanhando o aumento de
sobrevivência, verificou-se um aumento da prevalência da displasia
broncopulmonar (DBP), no entanto, com aparente redução da sua severidade.3,4A
apresentação clássica da DBP, originalmente descrita por northway é agora menos
comum,5contudo, o recém-nascido de extremo baixo peso com necessidade de
ligeiro apoio ventilatório e oxigenoterapia tem evoluído para a referida nova
displasia,6 em que as alterações do desenvolvimento pulmonar levam a
simplificação alveolar.
Estudos de seguimento de pré-termos com DBP demonstraram alterações da função
pulmonar, incluindo obstrução das vias aéreas, hiperinsuflação pulmonar e
hiperreactividade brônquica.7-10A morbilidade respiratória verificada nos
primeiros anos de vida tem-se associado a maior necessidade de medicação e
admissões hospitalares.11
Utilização dos cuidados de saúde em idade pré-escolar
Os doentes afectados de DBP que apresentam maior severidade da doença são
aqueles que mantêm dependência de oxigenoterapia ao termo e na alta para o
domicílio. A possibilidade de efectuar oxigenoterapia no domicílio permite uma
alta mais precoce do hospital,12principalmente se ainda necessitam de
alimentação por sonda naso ou orogástrica.13O crescimento e remodelação
pulmonar resultam em progressiva melhoria da função pulmonar e poucos doentes
com DBP permanecem dependentes de oxigénio para além dos dois anos de
idade.14Já foi demonstrado que doentes com necessidade de oxigénio no domicílio
apresentam mais frequentes e mais prolongados re-internamentos hospitalares e
consequentemente maiores custos para o serviço nacional de saúde, nos primeiros
dois anos de vida.15um estudo recente, efectuado por Greenough A e
colaboradores,14também demonstrou uma maior taxa de re-internamentos e
necessidade de recursos de saúde nos doentes com DBP, entre os quatro e os seis
anos de vida, que requereram oxigénio no domicílio nos primeiros dois anos de
vida. Mais de 50% dos doentes com DBP requerem re-hospitalização nos primeiros
anos de vida, com a maior frequência verificada nos primeiros dois anos, no
entanto, aos 14 anos a hospitalização é já pouco frequente.16
A re-hospitalização pela infecção por vírus sincial respiratório nos primeiros
dois anos de vida tem sido associada a um aumento da necessidade de cuidados de
saúde até aos cinco anos de idade e mex-pretermos com DBP. Um estudo conduzido
por Greenough A e colaboradores,17demonstrou redução do calibre das vias aéreas
na idade escolar nas crianças com DBP com infecção e re-hospitalização pelo
vírus sincicial respiratório nos primeiros dois anos de vida. Esta redução do
calibre das vias aéreas traduziu-se por diminuição do volume expiratório
forçado aos 0,75s (FEV0,75), diminuição da relação FEV (0,75)/ capacidade vital
forçada e fluxos aos 50% e 75% da capacidade vital. Este estudo também
verificou uma diminuição do recurso aos cuidados de saúde como aumento da
idade, independentemente das hospitalizações por vírus sincicial respiratório.
Actualmente com a utilização do anticorpo monoclonal para o vírus sincicial
respiratório (palivizumab) a taxa de re-internamentos por bronquioliteparece
estar a diminuir.
Um estudo de Hennessy Em e colaboradores18demonstrou que aos seis anos de idade
os extremos pré-termo com DBP apresentavam pieira e sintomas associados mais
frequentemente que os ex pré-termo sem DBP e apresentavam uma probabilidade 2,5
vezes superior de terem seguimento por pediatra. Apresentavam, no passado,
maior utilização de medicação como corticosteróides inalados e
broncodilatadores e tinham, também, sido diagnosticados como asmáticos duas
vezes mais. Este estudo não demonstrou diferença entre o sexo masculino e
feminino na frequência de pieira e utilização de medicação. A maioria das
admissões hospitalares ocorreu nos primeiros dois anos de vida, por motivos
respiratórios. Várias crianças foram internadas mais de uma vez, sendo os
principais motivos a infecção do tracto respiratório inferior, a bronquiolite e
dispneia/pieira. Este estudo demonstrou maior prevalência de alterações da
caixa torácica (sulco de harrisson, hiperinsuflação, desvio da traqueia, sinais
agudos) aos seis anos de idade nos extremos pré-termo, bem como menores fluxos
expiratórios forçados, sobretudo nos pré-termos com DBP e dentro destes,
valores mais baixos foram verificados nos que tiveram alta para o domicílio
dependentes de oxigenoterapia. Neste estudo, a história familiar de atopia não
apresentou associação significativa com a evolução para DBP, duração da
terapêutica com oxigénio ou com a necessidade do uso de corticosteróides
inalados ou broncodilatadores. Este estudo demonstrou associação entre
tabagismo materno durante a gestação e o desenvolvimento de DBP, bem como pior
função respiratória até aos seis anos de idade e presença de hábitos tabágicos
em casa.
Função pulmonar na infância e final da adolescência
Crianças nascidas de pré-termo, particularmente as que desenvolveram DBP,
demonstraram evidência de obstrução das vias aéreas (maior resistência das vias
aéreas e hiperinsuflação) nos dois primeiros anos de vida, sendo as alterações
mais marcadas nas crianças com pieira.19um estudo mais recente demonstrou uma
associação entre os dias de pieira e o grau de hiperinsuflação.20
Estudos com seguimento mais prolongado, demonstraram melhoria da DBP com o
avançar da idade, incluindo a função pulmonar, embora anomalias persistam até à
idade escolar e mesmo mais tarde, principalmente nas crianças com sintomas
respiratórios recorrentes. As crianças com DBP apresentaram fluxos reduzidos,
absolutos e corrigidos para a altura, sugerindo um crescimento das vias aéreas
inferior ao normal.21Uma forte correlação entre fluxo expiratório máximo na
capacidade residual funcional (VmaxCRF) aos dois anos de idade e o volume
expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) na idade escolar, sugere
limitação persistente do fluxo nas vias aéreas.21Numa série, alterações da
função das vias aéreas e hiper-insuflação foram detectadas em crianças entre os
oito e os10 anos, principalmente nos que apresentaram DBP, no entanto,
verificou-se melhoria da função pulmonar entre os oito e os 14 anos, sobretudo
nas crianças nascidas com menos de 1000 g.22
Lex Wd e colaboradores23avaliaram a função respiratória aos 18 anos de 147 ex
recém-nascidos prétermo, 33 (22%) com DBP, tendo medido o fluxo expiratório
forçado no primeiro segundo (FEV1), fluxo expiratório aos 75% (V´EMAX 75%), 50%
(V´EMAX 50%) e 25% (V´EMAX 25%) da capacidade vital e fluxo meso-expiratório
forçado (FEF 25-75%). Os volumes pulmonares avaliados incluíram: capacidade
vital forçada (CVF), capacidade pulmonar total (CPT) e o volume residual (VR).
Dos resultados salienta-se uma função respiratória dentro dos parâmetros
normais para a idade no grupo sem DBP. No grupo com DBP verificou-se
substancial redução nas variáveis reflectindo doença obstrutiva das vias
aéreas. Também se verificou maior redução na razão FEV1/CVF desde a infância
até ao fim da adolescência, fazendo supôr uma deterioração mais rápida da
função respiratória. Esta deterioração não foi causada por diferenças no peso
ao nascimento ou restrição de crescimento intra-uterino, mas sim com a DBP per
se.
Parece ser de acordo geral que os sobreviventes com DBP apresentam função
pulmonar anormal, mesmo quando jovens adultos. O achado mais encontrado nos
vários estudos é uma redução nos fluxos expiratórios, desde a idade escolar até
jovem adulto, com fEv1 variando entre 63% a 90% do previsto.24As medições dos
volumes pulmonares mostram hiperinsuflação com aumento da razão volume residual
/ capacidade pulmonar total (VR/CPT).24
Pensando em termos de futuro torna-se necessário seguir a função pulmonar
destes recém-nascidos com DBP, nascidos na era pós-surfactante, até à idade
adulta, de modo a conhecer a história natural da doença e correlacionar com as
actuais práticas peri e neonatais. A maioria dos estudos que demonstraram
alterações da função pulmonar em adolescentes e adultos jovens eram referentes
a doentes com DBP grave. Actualmente, muito poucas crianças apresentam o quadro
clássico de DBP e a sua função pulmonar, pensa-se, irá melhorar
significativamente com a idade.16
O uso de ventilação por alta frequência oscilatória em comparação com a
ventilação convencional associou-se a menor declínio da função pulmonar, no
entanto, os estudos apresentando estes resultados não foram aleatorizados e as
crianças colocadas em ventilação por alta frequência apresentavam doença
pulmonar mais severa. Torna-se necessário o seguimento da função pulmonar de
crianças com DBP participantes em estudos aleatorizados de modo a poder
concluir acerca da eficácia da ventilação por alta frequência oscilatória a
longo prazo.16
Alterações imagiológicas
As alterações severas encontradas nas radiografias de tórax das crianças com a
forma clássica de DBP, são raramente encontradas actualmente.16A revisão de
radiografias de tórax de 60 recém-nascidos pré-termo com idade gestacional
inferior a 29 semanas, obtidas aos 28diase36 semanas de idade corrigida,
demonstrou apenas três radiografias com aspecto normal.25Hiperinsuflação e
sombras intersticiais não císticas foram frequentemente encontradas. A
presença de alterações intersticiais foi altamente predictiva de pieira
frequente aos seis meses de idade.26
As imagens por tomografa axial computorizada de tórax no seguimento de crianças
e jovens adultos com DBP e manutenção de insuficiência respiratória
demonstraram marcadas anomalias. Numa série,27todas as 23 crianças com idade
média de quatro (2 ' 13) meses, apresentaram imagens por tomografia com áreas
multifocais de hiperinsuflação, opacidades lineares e opacidades subpleurais
triangulares. Similarmente, 24 de 26 adultos jovens, com idade média nos 19
anos apresentaram imagens anormais com opacidades reticulares, distorção da
arquitectura pulmonar ou hiperinsuflação.24As imagens de tomografia
apresentaram correlação significativa com os resultados dos testes de função
pulmonar.28Um outro estudo, em indivíduos de 25 anos, revelou imagens
multifocais de atenuação do parênquima e de perfusão, bem como espessamento das
paredes brônquicas.29
Crianças30e adultos jovens31nascidos prematuramente apresentaram diminuição da
capacidade de difusão pulmonar de gases, tanto em repouso como no exercício, no
entanto, em alguns estudos este achado só se verificou em crianças com DBP.32As
possíveis explicações para a menor capacidade de difusão são a menor área de
superfície para trocas gasosas devido à redução do número de alvéolos,
espessamento das paredes alveolares devido a fibrose e/ou desigualdade da
ventilação perfusão.
Testes de exercício
Embora em pequeno número, os estudos que avaliaram a resposta do sistema
cardio-respiratório ao exercício em crianças com DBP foram encorajadores.33-
36Estes estudos não demonstraram redução na capacidade de exercício em crianças
com DBP quando comparadas com crianças de termo33ou pré-termo35controlo, ou
sobreviventes após ventilação mecânica.34Santuz e colaboradores37contudo,
demonstraram diminuição na capacidade máxima de exercício num grupo de 12
crianças entre 6-12 anos com DBP ligeira, mas estes achados não foram
confirmados numa publicação mais recente referindo uma capacidade máxima de
exercício dentro do normal em crianças com displasia severa.36neste último
estudo, as crianças com DBP usaram uma grande percentagem da sua reserva
respiratória.
Asma e hiperreactividade brônquica
A hiperreactividade brônquica tem sido documentada nas crianças com DBP.33,38-
44no estudo de Halvorsen T e colaboradores,43a prevalência de asma e
hiperreactividade brônquica foi superior no grupo de recém-nascidos pré-termo
em relação aos controlos de termo, bem como a presença do metabolito E4 do
leucotrieno urinário. No grupo controlo a presença de asma e hiperreactividade
brônquica associaram-se a um padrão hereditário, alérgico, inflamatório das
vias aéreas e exposição a fumo de cigarro. Nos pré-termos, tanto a asma como a
hiperreactividade brônquica apresentaram menor associação a estes factores. Por
outro lado, a hiperreactivdade brônquica apresentou forte associação a DBP e a
tratamento prolongado com oxigénio suplementar no período neonatal. Os autores
concluem afirmando que asma e hiperreactividade brônquica subsequentes a
nascimento pré-termo diferem dos padrões habituais de asma típica da infância e
que a hiperreactividade brônquica se deve a factores neonatais. Estas
manifestações respiratórias parecem, portanto, representar entidades clínicas
distintas.
Mesmo no adulto jovem, os que sofreram DBP, em 52% a doença das vias aéreas era
reactiva com resposta positiva a broncodilatador ou metilcolina, no entanto 24%
apresentaram obstrução fixa.45
Morbilidade não pulmonar
A par da morbilidade pulmonar do doente e com DBP, encontramos, também,
morbilidade não pulmonar, sobretudo com manifestações a nível do crescimento,
neuro-desenvolvimento e sistema cardiovascular.
Em relação ao crescimento, o peso e comprimento na alta da unidade de cuidados
intensivos neonatais estão habitualmente inferiores ou no percentil três,
estando este atraso no crescimento parcialmente relacionado com a maior demanda
metabólica pelo maior trabalho respiratório.44O crescimento tende a acelerar à
medida que a função pulmonar melhora com a idade. O atraso de crescimento nos
primeiros anos de vida está em relação com a maior severidade da doença e dos
sintomas respiratórios, bem como com o maior número de internamentos
hospitalares por patologia respiratória. Crianças com DBP apresentam maior
risco de atraso de crescimento no segundo ano de vida em relação a outros
recém-nascidos pré-termo com doença das membranas hialinas que não
desenvolveram DBP. 46As crianças com DBP apresentam, também, menor ingestão
calórica apesar de maior consumo energético que os controlos, no entanto, a sua
capacidade de absorção calórica é idêntica.47na idade escolar, as crianças com
DBP não apresentam menor crescimento que os controlos, devido a um crescimento
de recuperação durante a infância.48
A morbilidade neurológica e diminuição da função cognitiva são mais frequentes
nas crianças com DBP que nos outros recém-nascidos pré-termo sem hemorragia
intra-ventricular ou leucomalácia periventricular.49É comum o atraso de
desenvolvimento psicomotor, o qual apresenta correlação directa com a
hospitalização prolongada e a necessidade de terapêutica com oxigénio
suplementar.48,51Cerca de 34% das crianças apresentam alguma sequela
neurológica major: paralisia cerebral, atraso intelectual, surdez ou
cegueira.52Na idade escolar, as crianças com DBP severa apresentam maior
incidência de défices cognitivo, da percepção visual-motora e desempenho.53
A morbilidade cardiovascular traduz-se pela persistência na elevação da pressão
na artéria pulmonar e resistência vascular pulmonar aumentada, mais frequentes
nos casos de DBP severa. A hipertensão pulmonar pode ser avaliada por
cateterismo cardíaco ou ecocardiografia doppler. A hipertensão arterial
sistémica é também comum nos casos de DBP severa.53
Um estudo54sobre avaliação da função renal em ex grande pré-termos, efectuado
por Bacchetta J e colaboradores, demonstrou a existência de uma pressão
arterial no limite superior da normalidade e de dimensões renais no limite
inferior do normal, dados a favor de uma redução do número de nefrónios. O
seguimento deve ter atenção a factores de risco para redução do número de
nefrónios, como sejam a hiperuricemia, a dislipidemia, o excesso de peso, a
própria hipertensão arterial, o tabagismo e o uso de fármacos nefrotóxicos,
nomeadamente os anti-inflamatórios não esteróides. A presença de micro-
albuminúria significativa pode ser indicação para o uso de um inibidor daenzima
de conversão.
Conclusão
É mandatório o seguimento cuidadoso do extremo pré-termo após a alta da unidade
de cuidados intensivos, independentemente do suporte ventilatório utilizado
durante o período neonatal, de modo a minorar a morbilidade a longo prazo e
determinar a trajectória de crescimento pulmonar. Não se pode deixar de avaliar
o doente como um todo, com especial atenção para os aspectos nutricionais do
neuro desenvolvimento, cardiovascular e renal, que muitas vezes estão alterados
no doente com DBP e exigem intervenção precoce.