Stress e doença alérgica: Mecanismos subjacentes
INTRODUÇÃO
O termo stress refere-se à resposta adaptativa do organismo perante um estímulo
gerador de tensão ou sobrecarga, perigo de descompensação ou perda da
homeostase. Deste modo, o stress pode ser físico, psicológico ou uma combinação
dos dois. Dependendo da sua duração, pode definir-se como agudo (horas ou dias)
ou crónico (meses a anos).
O stress foi inicialmente considerado por Hans Selye1, em 1936, um denominador
comum a todas as reacções adaptativas do organismo, não sendo directamente
lesivo para a saúde. Só mais tarde surgiria o conceito de stress como indutor
de alterações fisiopatológicas (stress distress), definindo-se esta resposta
como uma reacção psicofisiológica a estímulos nocivos físicos ou
psicológicos1,2.
Antes da sua base inflamatória ter sido descoberta na segunda metade do século
XX, as doenças alérgicas eram consideradas psicogénicas, tendo a asma e a
dermatite atópica sido incluídas entre as sete doenças psicossomáticas
clássicas3. Mais tarde, George Salomón foi o primeiro a afirmar a interferência
dos estados emocionais (stress psicológico) com as células NK, aumentando a
susceptibilidade a infecções; posteriormente, demonstrou correlação entre o
nível de stress e a resposta linfoproliferativa4.
O reconhecimento da interregulação recíproca entre os sistemas nervoso e
imunológico deu origem a um novo campo de estudo, a Psiconeuroimunologia. De
facto, o stress crónico tem sido associado a múltiplas patologias, nomeadamente
cardiovasculares (hipertensão arterial, arteriosclerose, miocardiopatia
isquémica), psiquiátricas (depressão), endócrinas (diabetes mellitus,
dislipidemia), gastrintestinais (síndrome do cólon irritável), neurológicas
(acidentes cerebrovasculares) e infecciosas5. O inverso também ocorre, com as
doenças orgânicas a influenciarem o humor e a desencadearem stress,
verificando-se assim uma relação bidireccional6.
A resposta ao stress depende de vários factores, nomeadamente do tempo (stress
agudo versus crónico) e intensidade de exposição, do tipo de stress mas também
da idade, do sexo, da personalidade, da existência de psicopatologia prévia,
dos mecanismos de defesa cognitivos e comportamentais, da predisposição
genética, entre outros.
O stress é reconhecido como um factor importante no desencadeamento,
agravamento e diminuição da resposta ao tratamento de várias doenças alérgicas,
nomeadamente da conjuntivite, rinite, asma e dermatite atópica.
Contudo, os seus mecanismos etiopatogénicos continuam mal esclarecidos. Neste
artigo os autores pretendem rever os conhecimentos actuais relativos aos
mecanismos potencialmente envolvidos no impacto do stress sobre a doença
alérgica.
MECANISMOS
O stress induz uma série de respostas fisiológicas, emocionais e
comportamentais com o intuito de proteger o hospedeiro e de restabelecer a
homeostase. Quando as respostas são excessivas ou prolongadas, como acontece na
exposição crónica ao stress, podem tornar-se deletérias para o organismo7,8. Os
mecanismos que, de forma independente ou interligada, ajudam a explicar a
relação entre o stress e a doença alérgica, têm sido alvo de grande interesse.
Stress e sistema neuroendócrino
A intercomunicação entre o sistema nervoso central (SNC) e o sistema imune é
feita através do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HHSR) e do sistema
nervoso autónomo (SNA). Esta comunicação é mediada pela acção de hormonas
(adrenalina e corticosteróides), neurotransmissores (acetilcolina,
noradrenalina (NA), serotonina, histamina, ácido glutâmico, ácido gama-
aminobutírico (GABA), neuropéptidos (hormona adrenocorticotrófica (ACTH),
hormona antidiurética (ADH), prolactina, bradicinina, somatostatina, péptido
intestinal vasoactivo (VIP), substância P (SP), neuropéptido Y, encefalina,
endorfina), neurotrofinas (factor de crescimento do nervo ' NGF) e citocinas9
(Figura 1).
Figura 1. Stress e sistema neuroendócrino
A percepção de stress induz a activação do núcleo paraventricular do
hipotálamo, com secreção de hormona libertadora de corticotropina (CRH) e de
ADH, bem como a activação do locus coeruleus, centro produtor de NA e que
também é activado pela CRH5. A CRH e a ADH activam o eixo HHSR, estimulando a
produção de ACTH pelo lobo anterior da hipófise, com consequente activação da
secreção de cortisol e catecolaminas (adrenalina e NA) pelo córtex e medula da
glândula suprarrenal, respectivamente5.
Este aumento de cortisol e catecolaminas permite uma rápida mobilização de
energia e oxigénio para os locais necessários, nomeadamente para os músculos e
cérebro.
O cortisol, com a sua acção anti-inflamatória, tem ainda um papel fundamental
na defesa contra os efeitos deletérios da resposta pró-inflamatória que é
activada pelo stress10.
Em resposta ao stress prolongado, a expressão de RNAm da CRH no hipotálamo e da
pró'opiomelanocortina (POMC) na hipófise anterior, precursor da ACTH, aumentam
simultaneamente a hipersecreção de CRH e ACTH. Contudo, a exposição continuada
à CRH induz uma diminuição da expressão dos receptores CRH-R1 na hipófise por
feedback negativo, com consequente diminuição da produção de ACTH em resposta à
CRH e diminuição da secreção de cortisol7,11. Apesar de a expressão basal de
ADH pelo hipotálamo ser baixa, o seu aumento em resposta ao stress crónico é
substancial. Deste modo, na presença de CRH (mas não de forma isolada), a ADH
actua sinergicamente para potenciar a produção de ACTH através da ligação a um
receptor da ADH, sem afectar a transcrição de POMC, permitindo manter a
resposta da ACTH a novos estímulos indutores de stress, apesar da diminuição
dos receptores CRH-R1 secundária à activação prolongada do eixo HHSR11,12.
Na exposição aguda ao stress, o aumento do cortisol contraria o agravamento da
inflamação alérgica7. Alguns autores têm reportado um menor aumento dos níveis
de cortisol em resposta ao stress em doentes alérgicos, comparativamente a
controlos saudáveis13, embora não haja estudos prospectivos que esclareçam se
esta diferença é causa ou consequência da doença alérgica. Outros autores
mostraram que crianças e adultos com resolução mais rápida das exacerbações de
asma alérgica apresentam uma maior elevação dos níveis de cortisol durante a
exacerbação, comparativamente àqueles com resolução mais lenta14,15.
Estes estudos deixam patente a importância da integridade do eixo HHSR no curso
da doença alérgica, podendo justificar um maior impacto negativo do stress nos
doentes com supressão deste eixo. O cortisol tem ainda um papel regulador
fundamental sobre o eixo HHSR: diminui a síntese e secreção de CRH e ACTH por
feedback negativo sobre o hipotálamo e a hipófise, respectivamente16; diminui a
expressão de CRH-R1 na hipófise, ocorrendo simultaneamente a diminuição da
resposta destes ao efeito estimulador da CRH16; ao ligar-se aos receptores de
corticosteróides (GR) presentes no hipocampo, regula negativamente o núcleo
paraventricular do hipotálamo e o eixo HHSR17.
A activação do SNA é outro pilar fundamental na resposta ao stress e na
intercomunicação entre o SNC e o sistema imune, uma vez que inerva órgãos e
sistemas com uma importante função no sistema imune, nomeadamente fígado, baço,
timo, medula óssea, gânglios linfáticos, pele, sistemas digestivo e
respiratório. O SNA é constituído pelo sistema nervoso simpático (SNS) ou
noradrenérgico, pelo sistema nervoso parassimpático (SNP) ou colinérgico, e
pelo sistema não adrenérgico não colinérgico (SNANC) ou peptidérgico. A NA e a
acetilcolina são os neurotransmissores do SNS e SNP, respectivamente, pelo que
a NA secretada pelo locus coeruleus contribui para a activação do SNS. O SNS e
o SNP têm acções antagónicas e é do equilíbrio entre estes dois sistemas que
resulta o funcionamento normal dos órgãos. Enquanto o SNS é responsável pela
mobilização de energia e oxigénio necessários à resposta de luta ou fuga
perante uma situação de stress (aumenta a frequência cardíaca, a pressão
arterial e o metabolismo, diminui as secreções e a peristalse, induz
vasoconstrição e broncodilatação), o SNP tem os efeitos opostos, induzindo
aumento das secreções, vasodilatação e edema e sendo o principal responsável
pela broncoconstrição18. O SNANC tem vários mediadores, nomeadamente o VIP, a
SP, as neurocininas A e B e o péptido relacionado com o gene da calcitonina
(CGRP), particularmente envolvidos na inflamação neurogénica (como abordado em
secção própria).
Stress e sistema imune
A activação dos sistemas nervoso e endócrino pelo stress influencia fortemente
o comportamento das células do sistema imune. A CRH, produzida pelo hipotálamo
e perifericamente pelos tecidos lesados, pode ligar-se aos receptores de CRH
presentes na superfície mastocitária e induzir a sua desgranulação, com a
libertação de citocinas e mediadores pró-inflamatórios19. Por outro lado, os
próprios mastócitos sintetizam e secretam CRH em resposta à estimulação do seu
receptor FcεRI20.
Alguns estudos sugerem que a desregulação do equilíbrio Th1/Th2 no sentido Th2
pode ser um mecanismo importante nas alterações imunes induzidas pelo
stresscrónico21. Os corticosteróides e as catecolaminas, ao inibirem a produção
de IL-12 pelas células apresentadoras de antigénios (o principal indutor da
resposta Th1 por estimular a secreção de IFN-γ pelas células T e NK), estimulam
o predomínio do perfil Th2, com produção de IL-4, IL-10 e IL-1322,23. O VIP,
conhecido como neuropéptido anti-inflamatório, também estimula o perfil Th2.
Além do mecanismo referido, o VIP induz a expressão de moléculas
coestimuladoras em macrófagos inactivados e em células dendríticas imaturas,
além de poder exercer a sua acção directamente sobre os linfócitos T CD4+,
promovendo a diferenciação Th224. Também as neurotrofinas contribuem para o
desvio do equilíbrio Th1/Th2 no sentido Th2, podendo contribuir para o
agravamento da inflamação alérgica em resposta ao stress, bem como a
reactivação de vírus latentes em doentes sob maior stress psicológico, o que já
foi demonstrado in vitro25.
As neurotrofinas e os neuropéptidos são os principais mediadores da inflamação
neurogénica (Quadro 1), uma resposta inflamatória resultante da acção
moduladora destes neuromediadores sobre as células imunes e/ou estruturais26.
Da estimulação das terminações nervosas sensoriais em resposta ao stress e a
estímulos químicos (produzidos durante a inflamação e lesão tecidual) resulta a
secreção de neuropéptidos pró-inflamatórios que medeiam a função excitatória do
SNANC por ligação a três receptores específicos das taquicininas: NK-1
(específico para a SP), NK-2 (específico para a neurocinina A) e NK-3
(específico para a neurocinina B)27. O VIP medeia a função inibitória do
SNANC24. Os neuropéptidos são degradados rapidamente pela acção de peptidases,
nomeadamente a endopeptidase neutra (presente nas mucosa e submucosa das vias
aéreas) e a enzima conversora da angiotensina (presente nas células
vasculares)28. A degradação rápida dos neuropéptidos obriga a que as suas
acções sejam limitadas no tempo e restritas ao local onde são produzidas29,
sendo considerados importantes na iniciação da inflamação neurogénica30,31.
Contudo, a diminuição da actividade das peptidases contribui para a perpetuação
deste processo inflamatório. Curiosamente, apesar de em resposta ao stress
crónico as neurotrofinas, que actuam como factores de crescimento do nervo32,
diminuirem em várias áreas cerebrais de ratos33, o mesmo não se verifica nos
locais de inflamação alérgica, onde a sua expressão aumenta34. Num modelo
murino de asma, Hahn t al demonstraram que a IL-1β, o TNF-α e as citocinas
Th2estimulam fortemente a produção do factor de crescimento do nervo (NGF) e do
factor neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) pelas células epiteliais das
vias aéreas, o que não acontece com o IFN-γ, uma citocina Th135. Apesar de a
exposição crónica ao stress não ter um efeito estimulador directo sobre as
neurotrofinas, a inflamação neurogénica (mediada pelos neuropéptidos secretados
em resposta ao stress) poderá ser responsável por induzir a produção local de
neurotrofinas. Assim, apesar de em condições fisiológicas as células do sistema
nervoso serem a fonte e alvo primários dos neuropéptidos e neurotrofinas,
durante a inflamação alérgica as células estruturais (queratinócitos, células
epiteliais, endoteliais e do músculo liso, células das glândulas submucosas) e
do sistema imune (monócitos, macrófagos, mastócitos, linfócitos T, eosinófilos)
também os podem produzir, constituindo também o seu alvo ao expressarem os seus
receptores36-40. As neurotrofinas actuam por ligação aos seguintes receptores
de superfície celular: p75NTR (receptor pan-neurotrofina ao qual se ligam, com
baixa afinidade e especificidade, todas a neurotrofinas maduras), TrkA
(tropomyosine-related kinase A, reconhecido especificamente pelo NGF), TrkB
(activado pelo BDNF, neurotrofina 4 e 5) e TrkC (reconhecido primariamente pela
neurotrofina 3)41.
Quadro 1. Principais mediadores da inflamação neurogénica
A produção local intensa e contínua de neurotrofinas durante a inflamação
alérgica (por células estruturais e imunes) estimula a secreção de
neuropéptidos pelas terminações nervosas sensoriais42, influenciando a
intensidade e duração das respostas imunes locais. Deste modo, as neurotrofinas
são importantes na amplificação e manutenção da inflamação neurogénica, um
ciclo vicioso de interacções neuroimunes que potenciam a inflamação
alérgica26,35,42. A inflamação neurogénica resulta do efeito vasodilatador
importante dos seus mediadores (a SP é um dos vasodilatadores conhecidos mais
potente, 100 vezes superior à histamina em concentrações molares idênticas43) e
da acção moduladora dos neuropéptidos e das neurotrofinas sobre as células do
sistema imune, as quais têm sido amplamente referidas na literatura40. A SP
actua sobre monócitos e macrófagos aumentando a produção de TNF-α e IL-12. Tem
ainda a capacidade de induzir directamente a desgranulação dos mastócitos44. O
NGF tem uma importante acção moduladora sobre mastócitos, recrutando-os,
influenciando o seu desenvolvimento e promovendo a sua sobrevivência como
cofactor do stem cell factor45,46. Num modelo murino de doença respiratória
alérgica, o bloqueio da sinalização do NGF pela aplicação intranasal de
anticorpos neutralizantes inibiu a resposta alérgica inicial induzida pelo
alergénio, a qual é mediada pela desgranulação dos mastócitos 47. Devido à sua
acção antiapoptótica, as neurotrofinas promovem a sobrevivência dos eosinófilos
durante a inflamação alérgica34,35,48, contribuindo para a eosinofilia, uma
fonte importante de citocinas inflamatórias (ex. IL-4, IL-13) e quimiocinas
(ex. RANTES, MCP-1), além de estimular a produção de mucina35. Alguns estudos
demonstraram a actividade quimiotática sobre eosinófilos do NGF, BDNF,
neurotrofina-3 e neurotrofina-435,49. De um modo geral, a inflamação
neurogénica contribui para as manifestações de doença alérgica em diferentes
órgãos (olhos, vias aéreas, pele) resultando em vasodilatação, aumento da
permeabilidade vascular e edema, prurido, recrutamento e activação de células
imunes. Nas vias aéreas aumenta a secreção de muco e ainda induz
broncoconstrição por aumento da actividade colinérgica18, a qual é estimulada
por taquicininas50. As neurotrofinas também podem induzir hiperreactividade
brônquica (HRB), na presença e na ausência de inflamação das vias aéreas, como
demonstrado num modelo murino tratado com NGF em que a HRB foi induzida sem
inflamação prévia das vias aéreas51. O NGF também parece estar envolvido na
remodelação das vias aéreas ao induzir a produção de colagénio e migração de
fibroblastos e a sua diferenciação em miofibroblastos52,53; tem ainda um
importante papel no aumento da vascularização ao induzir a proliferação de
células endoteliais e células do músculo liso vascular e ao estimular a
libertação de factores pró-angiogénicos54. Um modelo murino de asma sugeriu o
papel directo das neurotrofinas na indução de um perfil Th2, uma vez que o
tratamento com anticorpos anti-NGF diminuiu a função das células Th2 e que o
receptor TrkC foi encontrado nestas células mas não em Th155. Também o BDNF
demonstrou aumentar a produção de IgE específica e reduzir as citocinas de tipo
Th1, favorecendo a resposta Th256.
Estudos recentes in vitro sugerem que a SP pode induzir um fenótipo Th17 em
indivíduos com distúrbio de ansiedade57. O mecanismo implicado não é conhecido
mas os mesmos autores especulam que a regulação insuficiente por células T
reguladoras (Treg) possa estar envolvida, uma vez que os níveis de IL-10 e de
IL-2 (citocina essencial na homeostase de Treg in vivo 58 e na sua função
imunossupressora n vitro59) estavam diminuidos. As células Th17 têm um papel
importante na defesa contra bactérias extracelulares e fungos60, promovendo uma
intensa quimiotaxia de neutrófilos para os locais de inflamação através da
secreção de IL-8 por fagócitos e células locais (activadas pelas citocinas IL-
17, IL-21, IL-1β,IL-6, TNF-α), o que torna o processo inflamatório resistente à
acção dos corticosteróides. A interacção entre o sistema nervoso e o sistema
imune é bidireccional, já que o sistema imune também modula a função do sistema
nervoso. Um dos mecanismos resulta das citocinas secretadas, nomeadamente em
resposta às infecções víricas. As infecções víricas podem agravar a resposta
alérgica por diferentes mecanismos: são o desencadeante de exacerbação de asma
mais frequente61, podem causar HRB inespecífica62, induzem a secreção de
citocinas com acção sobre o eixo HHSR63,64. A presença de vírus em células
infectadas é reconhecida pela detecção de moléculas de RNA de cadeia dupla
sintetizadas durante a replicação viral. Este sinal leva à transcrição e
secreção de interferões (IFN)-tipo I (IFN-α e IFN-β), TNF-α, IL-1 e IL-6 por
células imunes activadas, nomeadamente macrófagos (e microglia no SNC), células
endoteliais, fibroblastos e neurónios. Este ambiente pró-inflamatório e
antiviral protege as células vizinhas ainda não infectadas, tornando-as
resistentes à replicação viral. Os IFN-tipo I activam ainda as células NK
(função lítica; quando estimuladas por IL-12 secretam IFN-γ (IFN tipo II),
crucial no controlo da infecção antes da activação das células T) e aumentam a
expressão de MHC classe I, facilitando a apresentação de antigénio às células T
CD8+. Na presença de IL-12 (secretada por macrófagos e células dendríticas) e
IFN-γ, as células T CD4+ diferenciam-se no sentido Th1, promovendo a imunidade
celular através da activação de macrófagos (secreção IFN-γ) e células T CD8+
(secreção de IL-2). Estas citocinas ligam-se a receptores presentes a vários
níveis do eixo HHSR, estimulando a produção de cortisol por acção sobre o
hipotálamo (mecanismo principal) ou por acção directa sobre a hipófise ou
suprarrenal63. Há ainda citocinas produzidas localmente pelo cérebro, hipófise
anterior e suprarrenal, cuja acção parácrina parece amplificar e manter a
actividade do eixo HHSR durante a inflamação crónica63. A secreção adicional de
citocinas pelas células do sistema imune é, em circunstâncias normais, inibida
por feedback negativo do cortisol, protegendo o organismo de uma resposta
antiviral exagerada (lesão tecidual, resposta auto-imune ou choque séptico)63.
Stress e via oxidativa
O desequilíbrio entre espécies reactivas de oxigénio (ERO) e antioxidantes
denomina-se stress oxidativo. A denominação ERO resulta da sua elevada
capacidade de oxidar proteínas, lípidos e ADN, levando a danos estruturais
importantes. As ERO são ubiquitárias no meio intra e extracelular, sendo
produzidas por fontes endógenas (ex. produtos do metabolismo celular) e
exógenas (ex. poluição atmosférica, fumo de tabaco)65. O stress psicológico tem
sido apontado como um factor ambiental adicional com acção pró-oxidativa66,
embora a forma como isso acontece não esteja esclarecida. Os antioxidantes
endógenos são a primeira linha de defesa contra as ERO, incluindo enzimas
antioxidantes (ex. famílias da superóxido dismutase, catalase, glutationa-
peroxidase, glutatião S-transferase e tioredoxina) e mecanismos não enzimáticos
(de baixo peso molecular: glutationa, ascorbato, urato, bilirrubina, ácido
lipóico; de alto peso molecular: albumina, proteínas ligadas a metais livres,
como a transferrina)65. O equilíbrio dinâmico entre a produção de ERO e a
resposta antioxidante é fundamental, sob pena de haver dano celular. Li N t al
propuseram um modelo hierárquico para explicar a resposta ao stress oxidativo
(Figura 2) 67,68. Assim, baixos níveis de stress oxidativo (Nível 1) levam à
transactivação do factor de transcrição factor nuclear derivado de eritróide 2
(Nrf-2), responsável pela activação da transcrição de mais de 200 genes com
funções antioxidantes, anti-inflamatórias e citoprotectoras.
Figura 2.Modelo hierárquico da resposta ao stress oxidativo (adaptado da
referência 68)
Quando a capacidade de defesa desta via é ultrapassada por uma maior produção
de ERO, ocorre a activação de outras cascatas de sinalização intracelular
potencialmente lesivas, como é o caso da activação da proteína cinase activada
por mitogénio (MAPK) e do factor nuclear kB (NF-kB) (Nível 2), os quais induzem
a expressão de agentes pró-inflamatórios, nomeadamente citocinas (IL-4, IL-5,
IL-8, IL-10, IL-13, TNF-α), quimiocinas (MIP-1α, MCP-3, RANTES) e moléculas de
adesão (ICAM-1, VCAM-1). Ao aumentar a activação e recrutamento de células
efectoras através dos produtos libertados, esta resposta de defesa contribui
para perpetuar a inflamação alérgica. Um nível ainda superior de stress
oxidativo pode, em último caso, desencadear uma resposta citotóxica com origem
na mitocôndria, culminando em apoptose celular ou necrose (Nível 3). O papel
desta última resposta na patogénese da doença alérgica é desconhecido.
O stress oxidativo, além da sua acção pró-inflamatória, parece ter um papel
adjuvante na sensibilização a aeroalergénios69,70. Este papel pode ser
explicado, pelo menos em parte, pelo seu impacto sobre as células
apresentadoras de antigénios, nomedamente as células dendríticas (CD). Num
estudo com CD murinas, o stress oxidativo resultante da exposição a substâncias
químicas eliminadas por um tubo de escape inibiram a sua maturação induzida
pela ligação de lipopolissacáridos (LPS) aos Toll-like receptors (TLR), bem
como a secreção de IL-1271. Este efeito pode interferir na produção de IFN-γ
pelas células T, suprimindo a diferenciação Th1e favorecendo um desvio Th2.
Outro estudo em modelo animal mostrou que a diminuição dos níveis de glutationa
nas CD em resposta ao stressoxidativo diminuiu a resposta Th1, mas que o
tratamento destas CD com N-acetilcisteína, um precursor tiol, restaurou a
imunidade Th172,73.
Stress e corticorresistência
Os corticosteróides, pela sua potente acção anti-inflamatória, são o grupo
farmacológico mais usado no tratamento das doenças alérgicas, induzindo ou
inibindo a expressão de genes-alvo. Contudo, sabe-se que um subgrupo de doentes
não responde à corticoterapia apesar do uso de altas doses, o que resulta da
interacção de vários factores, nomeadamente genéticos, ambientais e
imunológicos74.
Admite-se que a exposição crónica ao stress, ao activar o eixo HHSR de forma
prolongada, pode resultar numa resposta contra-reguladora, com subregulação da
expressão e/ou funcão dos GR, levando a uma resistência funcional
adquirida7,11,74,75. Num estudo in vitro, Miller et al observaram que as
células mononucleares circulantes de adolescentes e pré-adolescentes asmáticos
com famílias disfuncionais eram mais resistentes aos efeitos da hidrocortisona
quanto à expressão de citocinas (IL-5 e IFN-γ) e à activação de eosinófilos,
comparativamente àqueles com maior apoio parental76. A subregulação do gene que
codifica o GR poderá, pelo menos em parte, justificar este fenómeno de corticor
resistência74-76. Outro mecanismo possível é a incapacidade de o GR sofrer
translocação para o núcleo ou de se ligar ao ADN, onde interfere com a
expressão génica77. A diminuição do RNAm do GR e da sua expressão proteica
também foram descritos78. Não está claro se a diminuição do RNAm resulta da
supressão da activação do promotor, de diminuição da sua estabilidade ou de
ambos79. A expressão do GR é subregulada pela ligação do cortisol em situações
em que o stresse a inflamação alérgica coexistem, mas outras causas podem estar
envolvidas, nomeadamente a inibição da expressão do gene da isoforma GRα pelo
factor nuclear-kB (NF-kB) nos tecidos inflamados79,80. Bailey MT et almostraram
que a expressão aumentada do NF-kB no núcleo de células do sistema imune ocorre
em simultâneo com a incapacidade de o GR sofrer translocação para o núcleo, de
se ligar ao ADN e com a diminuição da expressão do GR78. Apesar de a expressão
do GR ser ubiquitária, a regulação do gene GR induz diferenças na expressão do
seu RNAm e da sua proteína em diferentes subtipos celulares81. Alguns estudos
têm demonstrado que o impacto do stresscrónico sobre a produção de citocinas
dependente dos TLR, nomeadamente do TLR-4, também pode contribuir para esta
corticorresistência82,83. Também as vias do stressoxidativo têm sido implicadas
na asma corticorresistente pelo predomínio de inflamação neutrofílica (e não
eosinofílica), como observado num modelo murino de exacerbação de asma84.
Noutra perspectiva, estudos de genética e epigenética têm demonstrado que a
exposição a uma resposta alterada dos GR durante a fase inicial do
desenvolvimento (incluindo in utero) induz grandes alterações nos mecanismos
neuroendócrinos e imunes, podendo potenciar o risco de asma85.
Stress e genética
Alguns estudos demonstraram a influência dos factores genéticos nos níveis
basais de cortisol e nas suas variações ao acordar em adultos e crianças, o que
pode interferir na actividade do eixo HHSR86. Polimorfismos do gene do GR
modificam a sensibilidade ao cortisol produzido em resposta ao stress,
afectando também o eixo HHSR21,87. Num estudo com crianças asmáticas, Miller GE
et al observaram que a exposição crónica ao stress diminuiu a expressão dos
genes codificadores dos GR e dos receptores adrenérgicos β2 88. O mesmo não se
verificou com a exposição aguda isolada, embora quando sobreposta à exposição
crónica tenha acentuado o impacto sobre a expressão génica. Estas crianças sob
stress agudo e crónico simultâneo apresentaram uma redução de 5,5 vezes do RNAm
do GR e de 9,5 vezes do RNAm do receptor adrenérgico β2, comparativamente a
crianças asmáticas sem esta exposição. Também os polimorfismos dos genes que
codificam factores envolvidos nos mecanismos de feedback na resposta dos
glicocorticóides ao stress, tais como o receptor da CRH (genes CRHR1 e CRHR2),
o TNF-α e outros loci de citocinas, parecem estar envolvidos86,87. A variante
CRHR1, o receptor predominante na hipófise e pulmões, tem sido associada a uma
melhor resposta à corticoterapia inalada89.
Polimorfismos genéticos de enzimas antioxidantes podem contribuir para a
ineficácia deste mecanismo de defesa (ex. polimorfismo da glutationa-S-
transferase (GST)M1 e GSTP1). Num estudo com crianças asmáticas verificou-se
sintomatologia respiratória mais importante nas crianças com os genótipos GSTM1
null ou GSTP1 Val/Val. Na presença dos dois genótipos, os sintomas
respiratórios eram ainda mais graves90. Curiosamente, os polimorfismos
referidos estão presentes em aproximadamente 50% e 40% da população,
respectivamente, o que revela o seu impacto na saúde91.
Stresse doença alérgica
O stress é reconhecido como um factor com impacto negativo sobre a doença
alérgica, nomeadamente na conjuntivite37,92, rinite93,94,
asma7,14,15,30,31,88,95,96 e dermatite atópica24,97,98. Embora se tenha
abordado cada um dos mecanismos de forma independente, a interacção entre o
stress e a doença alérgica é extremamente complexa, verificando-se uma
importante interligação e interregulação entre os diferentes mecanismos. A
importância do sistema neuroimune-endócrino está bem definida e foi alvo de
consideração neste artigo. Mais recentemente foi descrito o sistema neuroimune-
cutâneo, particularmente relevante na inflamação neurogénica a nível cutâneo e
cujo papel na patogénese das doenças cutâneas alérgicas e inflamatórias tem
assumido um impacto crescente. Este tema foi revisto por outros autores,
ultrapassando o objectivo deste artigo24,98.
CONCLUSÃO
Não há dúvida que a relação entre os sistemas nervoso e imune é real, complexa
e bidirecional. A dificuldade em quantificar o impacto clínico da exposição
crónica ao stress na doença alérgica leva a que na maioria das vezes este seja
menosprezado. Os mecanismos que, de forma independente ou interligada, ajudam a
explicar esta relação têm sido alvo de grande interesse, havendo ainda muito
por descobrir. Os conhecimentos actuais sugerem que, em indivíduos
geneticamente predispostos, a exposição crónica ao stress pode favorecer a
expressão de doença alérgica, bem como complicar o controlo da mesma. A melhor
elucidação dos mecanismos responsáveis pela interação entre o stress e a doença
alérgica poderá ajudar a identificar novos alvos terapêuticos, melhorando a
abordagem da doença alérgica.