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EuPTCVHe0871-97212015000100003

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National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Um caso peculiar de anafilaxia a maçã e feijão-verde

INTRODUÇÃO A alergia alimentar é defi nida como uma resposta adversa resultante de uma reação imunológica específi ca, que ocorre de forma reprodutível, na exposição a um determinado alimento e estima-se que atinja 2 a 10% da população mundial.

Entre as reações imunológicas observadas na alergia alimentar as mais frequentemente descritas são as imediatas, mediadas por IgE, após ingestão, inalação ou contato com proteínas alimentares1. As manifestações de alergia alimentar podem variar de ligeiras a graves, desde uma manifestação exclusivamente cutânea ou gastrointestinal ligeira até formas associadas a asma ou até mesmo choque anafi lático, com risco de vida. A gravidade das reações depende de vários factores, por exemplo a quantidade de alimento ingerido, concentração do alergénio no alimento causal, co-ingestão de outros alimentos, bebidas alcoólicas, tipo de processamento e fatores dependentes do doente como a idade, estados de hiperabsorção intestinal (hipertiroidismo, jejum prolongado, exercício físico), doenças concomitantes (asma) e o grau de educação do doente para a doença (negação, desconhecimento do plano de ação)1.

Na alergia alimentar a reatividade cruzada é frequente e ocorre quando um alergénio apresenta homologia com outra proteína alimentar que se encontra num alimento diferente ou até mesmo num aeroalergénio.

Os pacientes com clínica e sensibilização primária a pólenes frequentemente exibem reações adversas após a ingestão de uma ampla variedade de alimentos.

Deste modo a alergia alimentar pode ainda ser classificada em reações de classe 1 e classe 2, sendo esta última caracterizada por reatividade cruzada entre aeroalergénios e alergénios alimentares, de que são exemplo as várias síndromes pólen -fruto (SPF)2. Os alergénios alimentares envolvidos nas reações de classe 2 são, na sua maioria, termolábeis e sensíveis à digestão enzimática gástrica sendo a estabilidade durante o processo de digestão um factor de risco para reações mais graves.

Outros fatores que influenciam a existência de reação compreendem fatores geográficos e culturais como o tipo de alimentação e a prevalência de determinado pólen numa região, condicionando diferentes padrões clínicos na SPF2.

A manifestação clínica mais frequente na SPF é a síndrome de alergia oral (SAO), caracterizada por manifestações clínicas restritas à cavidade oral como prurido, rouquidão, edema labial ou da língua, faringite e edema laríngeo, habitualmente sem obstrução. No entanto, podem também ocorrer reações sistémicas graves, como edema obstrutivo da laringe, urticária, asma ou mesmo choque anafilático3.

Algumas das estruturas proteicas principais responsáveis pelo desenvolvimento da SPF são as profilinas, as proteínas de transferência de lipídios (LTPs) e as proteínas homólogas da Bet v 1. As profilinas são consideradas panalergenios, presentes em todas as células eucariotas exibindo extensa reatividade cruzada imunológica entre alergénios inalantes e alimentares3. São termolábeis e altamente susceptíveis à digestão pela pepsina mas não à saliva humana sendo esta a razão para a sua principal manifestação clínica ser a SAO.

Profilinas alergénicas estão descritas em vários pólenes, frutos, produtos hortícolas e no látex3-4. A relevância clínica da sensibilização a profilinas alimentares é ainda discutível embora inequivocamente demonstrada na alergia ao melão, tomate e banana, nos países mediterrâneos, e uma vez excluída sensibilização ao látex e LTPs5. As LTPs são consideradas um panalergénio e encontram -se em pólenes, em fontes alimentares vegetais e também no látex. Com um peso molecular que varia de 7kDa a 9kDa, pertencem ao grupo das proteínas do tipo PR-14 e estão preferencialmente localizadas na pele dos alimentos. A sensibilização a estas proteínas é especialmente marcada na área mediterrânica, sendo consideradas alergénios majorna alergia a Rosaceas.São proteínas termoestáveis e com elevada resistência à digestão pela pepsina3-4. Por esta razão, as manifestações clínicas são habitualmente mais graves.

A Bet v 1, é uma proteína do grupo das proteínas PR-10, e o alergénio majordo pólen de Betula sp6. Caracteristicamente a sensibilização primária no SPF, no caso de pólen de Betula sp.,ocorre por via inalada particularmente nas áreas de maior frequência deste pólen como no Centro e Norte da Europa, sendo uma das causas mais comuns de asma e rinoconjuntivite6,7. Com um peso molecular entre 17 a 18 kDa os homólogos da Bet v 1 são termolábeis e susceptíveis à digestão pela pepsina 8. Estão descritas em inúmeros alimentos como na avelã, amendoim, kiwi, aipo, cenoura e frutas da família das Rosaceas (maçã, pêssego, cereja, pêra)6.

A SPF por reatividade cruzada a Bet v1 é clinicamente caraterizada por uma SAO.

No entanto, reações mais raras como urticária, asma e mesmo choque anafilático podem ocorrer. A proteína homóloga Bet v1 da soja (Gly m 4) está associada com reações graves no consumo de soja e é considerada um marcador de gravidade na alergia alimentar7.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLINICO Doente do sexo masculino de 54 anos, caucasiano, residente em Leiria e construtor civil, enviado à consulta de Imunoalergologia por provável reação anafilática a maçã e feijão verde. A primeira reacção decorre alguns minutos após ingestão de maçã crua, com casca, caracterizada por edema peri-ocular, urticária, dispneia com sibilância audível e opressão torácica que resolveu espontaneamente.

Este quadro repetiu-se posteriormente duas vezes com nova ingestão de maçã (crua, com casca), o último com necessidade de recorrer ao serviço de urgência, sendo medicado para ambulatório com levocetirizina e indicação de evicção de maçã. Este quadro repete-se, meses após os anteriores, com a ingestão de sopa de feijão-verde. Na colheita detalhada da história foram descritos episódios de angioedema palpebral com consumo de pêra (crua, com casca), cereja e amêndoa, que o doente sempre desvalorizou. O doente nega reacção com outras leguminosas, pelo que mantém consumo, e nunca ingeriu soja ou derivados. Após interrogado, nega contribuição de outros factores adjuvantes da reacção tais como a prática de exercício físico imediatamente antes ou após o consumo destes alimentos, intercorrência infecciosas ou consumo de álcool. Trata-se de um doente com antecedentes conhecidos de rinoconjuntivite, exclusivamente sintomática no período de abril a junho com inicio pelos 30 anos de idade, hipertensão arterial e dislipidémia encontrando-se medicado com indapamida, sinvastatina e omeprazol; sem hábitos tabágicos, etílicos ou toxicómanos. Na primeira consulta de Imunoalergologia é medicado com adrenalina sc (Anapen®), recomendada evicção de frutos Rosaceas e feijão-verde e é'lhe cedido um plano de emergência.

Realizaram-se testes cutâneos prick com extratos comerciais a aeroalergénios (bateria Ga2len9), alimentos (frutos frescos e produtos hortículas) e alergénios moleculares disponíveis (Pru p 3, Pru p 4); testes prick-to'prick a maçã, pêra e feijão-verde; doseamentos de IgE total e específicas (ImmunoCAP, Phadia)em conformidade com os testes cutâneos e suspeita clínica; hemograma e estudo bioquímico; pletismografia respiratória; immunoblottingpelo método SDS - PAGE com extratos de Betula sp., maçã e feijão-verde e estudo por inibição com feijão verde como fase sólida e como inibidores o pólen de bétula e maçã.

Dos resultados salientam-se testes cutâneos e/ou IgE específica positivos para pólen de Betula sp.e Quercus sp., maçã, outros frutos da família Rosaceae e feijão-verde.

Foram negativos os testes a produtos hortícolas e restantes leguminosas.

Relativamente aos alergénios moleculares, o doente apresentou um perfil de sensibilização a PR -10 com Gly m 4 positivo (Quadro_I ). O estudo por SDS - PAGE Immunoblotting(Figura_1_'_A) demonstrou ligação da IgE a bandas de peso molecular de 17kDa nos extratos de pólen de Betula sp, maçã e feijão-verde e o estudo por inibição demonstrou inibição total da ligação de IgE à banda de 17 - kDa do feijão -verde (fase sólida) quando se utilizaram pólen de Betula spe maçã como inibidores (Figura_1_-_B). Observa -se ainda uma banda de fixação de IgE no peso molecular de 30 -45kDa que surgindo simultaneamente no soro do paciente e no soro do controlo não se valorizou. Relativamente ao hemograma, estudo bioquímico geral e pletismografia respiratória não se registaram alterações e o valor de IgE total foi de 101UI/ml.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Estão descritos 5 padrões de alergia a Rosaceas por envolvimento das proteínas homólogas Bet v 1, LTPs e profilinas de forma isolada ou combinada. Na Europa do Norte e Central a monosensibilização a proteínas homólogas de Bet v 1 é o perfil mais comum responsável pela alergia às Rosaceas,podendo ser também por co-sensibilização com profilina ou mesmo por monossensibilização a esta última.

A alergia à maçã é a mais frequente contrariamente ao sul europeu onde a mais frequente é ao pêssego. As manifestações clinicas da alergia alimentar associadas a esta polinose são ligeiras (SAO) mas estão descritas reações mais graves apesar de raras, particularmente se existir co-sensibilização. Os pacientes com sensibilização a profilina destacam-se por terem outras manifestações alérgicas na presença de vários pólenes e na ingestão de outros alimentos para além das Rosaceas6. Em contraste, na zona do Mediterrâneo, a alergia a Rosaceas é essencialmente por monossensibilização a LTPs, monossensibilização a profilinas ou co-sensibilização de ambas, sendo rara a associação desta alergia a Bet v 1. Na sensibilização a LTP, quando em monossensibilização, as manifestações clínicas de alergia tendem a ser mais graves, podendo variar desde uma reação cutânea ligeira ao choque anafilático.

Quando em co-sensibilização com a profilina o quadro clinico é tendencialmente de SAO o mesmo se verificando na monossensibilização a profilina6. Especula-se que estas diferenças geográficas são explicadas pelos hábitos alimentares particulares de cada região e pela exposição a diferentes pólenes4.

A apresentação sistémica e a gravidade da sintomatologia do doente pareciam sugerir um caso de sensibilização a LTP. No entanto, confirmou-se uma sensibilização intensa a Betulasp.e PR-10. Este é um padrão típico da Europa do Norte e não Mediterrânico, num doente que nunca residiu fora do país. Para esclarecimento deste caso foram testados várias espécies de pólenes que poderiam reagir cruzadamente com o pólen de Betulasp., nomeadamente outro pólen da família Betulaceae, o pólen de amieiro, este mais frequente em Portugal que, no entanto, foi negativo, e pólenes da família das Fagaceae, como o pólen de carvalho, este positivo. O calendário de sintomas do doente é compatível com o período de polinização da família Betulaceae e Fagaceae. Uma possível explicação para a sensibilização deste doente será a reactividade cruzada a proteínas PR-10 presentes nos dois tipos de pólenes.

A ocorrência de múltiplos episódios sistémicos, na ausência de factores adjuvantes de reação enquadrados nos resultados obtidos, reforça a originalidade deste caso.

Relativamente aos alimentos envolvidos, são todos da família das Rosaceas, excepto o feijão-verde. A presença do feijão-verde como alimento desencadeante motivou o estudo por immunoblotting, pois à data do estudo apenas estavam descritas proteínas LTP na sua composição (Pha v 3)10. No entanto, recentemente, foram identificadas proteínas PR-10 neste alimento (Pha v 6)11. O estudo por immunoblottingmostrou ligação da IgE a uma banda de 17kDa no pólen de bétula, maçã e feijão-verde, compatível com proteínas homólogas da Bet v 18. O estudo por inibição demonstrou inibição total da ligação de IgE à banda de 17 -kDa do feijão-verde (fase sólida) quando se utilizaram pólen de Betula spe maçã como inibidores e este resultado apoia a sensibilização primária descrita na síndrome polén Betula sp-maçã. Também digno de nota neste doente é a sensibilização a Gly m 4, identificada como a proteína homóloga PR-10 da soja, um conhecido marcador de gravidade na alergia alimentar7, que poderá ter contribuído para a intensidade das reações.

A imunoterapia específica (SIT) é um tratamento conhecido e eficaz para alergia ao pólen e estudos sugerem efeitos benéficos da SIT a pólen de Betulaspna alergia alimentar por reatividade cruzada com envolvimento de proteínas PR- 1012, como a que se encontra no presente caso clínico. Foi proposto ao doente imunoterapia a pólen de Betulaspencontrando-se atualmente com 1 ano de tratamento, sem qualquer tipo de reação adversa.

Destaca-se que ao longo deste ano o doente se mantém clinicamente estabilizado.

Aconselhou-se evicção de todas as frutas da família das Rosaceas dado tratar-se de um panalergénio distribuído de forma comum nestes alimentos e tendo em conta a probabilidade de reacção e a gravidade da mesma. Apesar deste conselho o doente referiu consumo inadvertido de amêndoa e, consequentemente, edema pálpebral bilateral ligeiro que cedeu à levocetirizina. Manteve desde sempre evicção a feijão-verde sendo também aconselhado a não ingerir soja dados os resultados aferidos e o facto de nunca ter consumido.

Não se aconselhou à evicção de outras leguminosas uma vez que têm sido consumidas sem reacção.

Este caso alerta para a importância do estudo imunológico e molecular aprofundado tendo em vista a melhor caracterização do perfil de sensibilização individual, particularmente nos casos com apresentação menos comum.


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