Prematuridade Tardia: Experiência da Maternidade Júlio Dinis
Prematuridade Tardia: Experiência da Maternidade Júlio Dinis
Cristina Godinho1
1Maternidade Júlio Dinis - MJD/CHP
INTRODUÇÃO
A definição de prematuridade tardia (LPT) diz respeito aos recém-nascidos (RN)
com uma idade gestacional entre as 34 e as 36 semanas e 6 dias. O total de
nascimentos destes RN pré-termo em relação ao número de nados vivos tem vindo a
aumentar progressivamente. (Tomashek, J. Pediatr, 2007). Há quem se tenha
referido a este aumento como uma nova epidemia, porque este grupo é
fisiológica e metabolicamente imaturo e tem uma grande morbilidade e mortalidade
(quatro vezes superior à apresentada pelos RN de termo). Daí que seja
importante conhecer as suas particularidades e alertar toda a comunidade
(médica e não só), a fim de prevenir as suas consequências e diminuir a sua
incidência.
Sendo a Maternidade Júlio Dinis (MJD) um Hospital de Apoio Perinatal
Diferenciado, referência a nível da região Norte ' no tratamento dos RN pré-
termo, consideramos importante saber o que se passa com este grupo específico.
Este interesse pela prematuridade tardia não é novo, a MJD apresentou no ano
passado na XXI Reunião do H. de Crianças Maria Pia, um trabalho de revisão dos
prematuros tardios nascidos na Instituição em 2008.
OBJECTIVOS
Conhecer a população de LPT nascidos no CHP-MJD, durante o ano de 2009
relativamente à sua prevalência, características e morbilidade e comparar estes
resultados com o estudo efectuado no ano anterior. Verificar se o conhecimento
de algumas particularidades deste grupo e a implementação de algumas propostas
de trabalho, influenciou de alguma forma a nossa abordagem a estes RNs de
risco.
MATERIAL E MÉTODOS
População alvo: RN nascidos na MJD no ano de 2009, com a idade gestacional
compreendida entre as 34s+0d e36s+6d. Estudo retrospectivo, com consulta dos
processos clínicos.
RESULTADOS
Num total de 3050 RN nados vivos, a taxa de prematuridade (IG inferior a 37
semanas) foi de 10,5%, o que correspondeu a 309 RN, dos quais 196 (61,4%) eram
LPT. O número de RN estudados foi de 190 (em 6, não foi possível consultar o
processo clínico), 99 (52%) eram do sexo masculino. Em relação à idade
gestacional constatou-se que 21% tinham 34s, 26% 35s e 53% 36s; O peso médio
ao nascimento foi de 2479gr (min = 1530 gr e max = 4110 gr) e em 95% dos casos
era adequado à idade gestacional. O parto foi eutócico em 82 casos (43%). A
cesariana ocorreu em 99 casos (52%), a maioria delas 47 (47%), em grávidas de
36 semanas. Os motivos apresentados para a sua realização, por ordem
decrescente foram: apresentação pélvica ' 18%, pré-eclampsia '12,1%,
descolamento da placenta/placenta prévia total ' 10%, sofrimento fetal agudo '
9%, oligoâmnios ' 8% e RCIU ' 6%. De referir que em 11,1% dos casos, o motivo
da cesariana não estava registado.
A gravidez foi vigiada na maioria dos casos (96,8%) e relativamente aos
antecedentes maternos, apenas a referir hipertensão arterial em 5,2% das
grávidas. Em relação às intercorrências durante a gravidez, observou-se que 10%
tiveram diabetes gestacional, 8,4% história de ITU, 6,8% metrorragias e em 11%
dos casos havia história prévia de ameaça de parto prematuro. Em 19% dos casos
tinha sido efectuada corticoterapia profiláctica pré-natal.
O tempo de internamento dos RN foi em média de 6,8 dias, com uma mediana de 4
dias. Metade, permaneceram junto da mãe e uma pequena percentagem (13%)
necessitou de uma vigilância especial no berçário, os restantes 71 (37,4%)
foram internados na Unidade de Neonatologia, 18 (9,5%) por necessidade de apoio
ventilatório (2 deles com ventilação mecânica). Fizeram nutrição parentérica 17
(8,9%).
Os diagnósticos mais frequentes foram a icterícia neonatal'82,1%, dificuldades
alimentares'53,7%, hipoglicemia'12,4 % e dificuldade respiratória'30,5%
(gemido, TTRN ou DMH). Efectuaram rastreio infeccioso 98 (52%), mas apenas em 3
casos (1,6%) este foi positivo. Fizeram antibioterapia 23 (12%). De salientar
que, dos LPT de 34s, 92,5% fizeram rastreio.
À data de alta, houve registo do peso em 166 (87%). A perda ponderal média foi
de 7% (0-21,8%).
A ecografia transfontanelar foi realizada em 101 casos (53,2%). Em 62 casos a
ecografia foi efectuada ainda no internamento e repetida em 42 casos às 40
semanas de idade pós menstrual. Em 39 casos só foi efectuada às 40 semanas de
idade pós menstrual. A alteração mais frequentemente descrita foi
hiperecogenicidade periventricular em 24 casos; destes, 15 normalizaram às 40
semanas. Assim, do total de LPT que efectuaram ecografia transfontanelar, apenas
18 mostraram alterações às 40 semanas de idade pós-menstrual. As alterações
descritas foram: dilatação ventricular (4 casos), vasculopatia lenticulo-
estriada (3 casos), hemorragia ventricular (2 casos), quisto'periventricular/
coroideu (2 casos), alargamento da cisura inter hemisférica (2 casos),
assimetria ventricular (2 casos), agenesia do corpo caloso (1 caso),
hiperecogenicidade dos núcleos da base (1 caso) e alargamento da cisterna magna
(1 caso).
O reinternamento ocorreu em 44 (23,2%) dos LPT. O motivo principal foi a
icterícia (86%) associada ou não a dificuldades alimentares e perda ponderal.
Em 3 casos (7%), o motivo foi ALTE. A idade à data do reinternamento foi em 57%
dos casos entre quatro a sete dias de vida.
A primeira consulta ocorreu em média aos 20 dias de vida, sendo que 53% dos RNs
estavam com leite materno exclusivo.
CONCLUSÕES
A incidência de prematuridade tardia na MJD é inferior à referida na
literatura'71%, o que pode ser justificado pela MJD ser um Hospital de Apoio
Perinatal Diferenciado. No entanto a incidência aumentou nos últimos dois
anos'56% em 2008 para 61,4% em 2009. Este aumento da incidência da
prematuridade tardia também tem sido observado noutros países, não se
conhecendo a verdadeira etiologia do fenómeno. Há quem refira que se deve
bastante à intervenção médica nos factores obstétricos maternos, embora os
dados sejam limitados. Na nossa casuística, podemos verificar que um dos
motivos para cesariana foi apresentação pélvica em 18%. A incidência de
gemelaridade nesta amostra foi de 18%.
Relativamente ao grupo de LPT, constatou-se que em 2009 o grupo das 36 semanas
foi maior, 53% versus 46,2% em 2008. A média da idade gestacional foi de 35,3
semanas, sobreponível à de 2008.
Na apresentação da casuística dos LPT de 2008 no nosso Serviço de Neonatologia,
foi elaborada uma proposta de trabalho de abordagem destes RN, para uma melhor
vigilância e detecção precoce das co-morbilidades deste grupo específico. Uma
das propostas era aumentar o tempo do internamento para um mínimo de 3 dias.
Desta forma, certos problemas como a icterícia poderiam ser rastreados e
tratados mais precocemente. Esta prática aumentou o tempo médio de
internamento de 5,9 dias em 2008 para 6,4 dias em 2009.
Em 2009 tivemos de facto mais icterícias (82,1% versus 66,3% em 2008), 67,4%
com critérios para fototerapia.
Outra das propostas foi fazer a determinação das glicemias nas primeiras 2h de
vida a fim de detectar precocemente uma hipoglicemia e tratá-la de forma
adequada. Obtivemos 84,7% de registos e foi detectada hipoglicemia em 12,4% dos
LPT versus 11,2% em 2008, o que justifica a manutenção deste procedimento.
Outra orientação foi a avaliação da lactação nas primeiras 24h, estabelecendo
um plano alimentar para o internamento e para o domicílio, com documentação da
percentagem de peso perdida e reavaliação em 24h, caso se justificasse. Deste
modo tivemos um registo de peso à data de alta em 87% dos casos (versus 49% em
2008). A perda ponderal média foi de 7% com um mínimo de 0 e um máximo de
21,8%. Os dias em que se verificaram uma maior perda ponderal foram em D3 e D4
(46%).
A taxa de reinternamento foi de 23,2% (44 casos), versus 14,2% (24 casos) em
2008. O motivo principal do internamento foi a icterícia em 86% dos RNs,
associada ou não a dificuldades alimentares com perda ponderal. Este aumento
poderá ser justificado pelo maior número de RN com idade gestacional de 36
semanas, nesta casuística. Como é referido na literatura o reinternamento nos
LPT é mais frequente quanto maior for a idade gestacional uma vez que estes RN
têm habitualmente um maior peso e há tendência a terem altas mais precoces.
Neste estudo se analisarmos os reinternamentos relativamente à idade
gestacional verificamos que apenas 11% dos RN de 34 semanas foram reinternados
versus 59% dos RN com 36 semanas. Outro dos motivos será provavelmente a
reavaliação que é feita 24 a 48h após a alta naqueles RNs que por qualquer
motivo (icterícia sem critérios para fototerapia à data da alta ou por
dificuldades alimentares) necessitam de uma maior vigilância. Como se pode
constatar a idade do reinternamento foi em 57% dos casos na primeira semana de
vida (D4 -D7), o período de maior fragilidade. O ideal seria a vigilância
domiciliar.
Uma outra proposta surgiu do conhecimento de que estes RN são mais susceptíveis
pela sua imaturidade a lesões cerebrais. Neste trabalho verificou-se que de
facto houve um esforço no sentido de efectuar ecografia transfontanelar ao maior
número de LPT (53,2% versus 33,7% em 2008). Dos que realizaram ecografia, 45,2%
apresentaram alterações, a mais frequentemente descrita foi a
hiperecogenicidade periventricular com 21 (33,9%) casos. Do total de LPT que
efectuaram ecografia transfontanelar às 40 sem de idade pós-menstrual 18
(17,8%) mostraram alterações. Nesta altura o prognóstico das lesões
apresentadas é bem diferente do mostrado no internamento, pois como se
verificou, 24% destas lesões desaparecem.
Estes trabalhos de revisão, mostram-nos que há sempre procedimentos que podemos
melhorar e aperfeiçoar e não nos devemos esquecer que é com a avaliação dos
resultados de todo um trabalho em equipa que podemos validar os nossos
conhecimentos, implementar as estratégias mais adequadas, reforçando a vontade
de trabalhar cada vez melhor.