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EuPTCVHe0872-07542010000400012

EuPTCVHe0872-07542010000400012

National varietyEu
Year2010
SourceScielo

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Caso Electroencefalográfico

CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma jovem actualmente com 19 anos de idade, saudável até aos 14 anos, altura em que teve um episódio que se iniciou por uma sensação de desconforto e formigueiros no membro inferior esquerdo, seguindo-se perda de consciência, com duração aproximada de um minuto e recuperação espontânea.

Nesta altura iniciou medicação antiepiléptica, mantendo episódios estereotipados com duração de alguns segundos, caracterizados por parestesias dos membros esquerdos, avisando os presentes da crise; de seguida apresentava movimentos do membro inferior esquerdo (por vezes também do membro superior ipsilateral), sem perda de consciência. No final referia diminuição da força do membro inferior esquerdo, apresentando uma marcha claudicante à esquerda.

Ocasionalmente os episódios eram mais prolongados, os movimentos bilaterais e tinha perda de consciência, com quedas e traumatismos vários. Nesse período associaram-se alterações do comportamento, como ameaças de suicídio e ataques de pânico. Houve várias alterações terapêuticas, com introdução de medicação ansiolítica e antidepressiva, sem benefício clínico e com efeitos secundários, como sonolência e agravamento da frequência dos eventos paroxísticos.

Aos 15 anos foi internada por Pedopsiquiatria para estudo de uma perturbação conversiva. Durante o internamento apresentou vários episódios semelhantes, tanto no sono como na vigília. Foi medicada com neuroléptico, com agravamento da frequência destes episódios. Manteve um comportamento que oscilava entre uma atitude cooperante e adequada e períodos em que se mostrava hostil e reivindicativa. Apresentava uma atitude e conduta negativistas (com recusa alimentar e na realização da higiene pessoal), que justificava alegando receio de ter as crises e consequente queda. Foi, então, solicitada a avaliação por Neurologia Pediátrica. Ao exame neurológico apresentava um síndromo piramidal esquerdo não deficitário e hemi-hipostesia álgica esquerda.

Saliente-se que não havia história de antecedentes perinatais relevantes ou história de convulsões febris ou afebris. Tinha desenvolvimento psicomotor normal e bom aproveitamento escolar até ao ano de escolaridade. Manifestava marcadas dificuldades em lidar com as modificações corporais pubertárias (menarca e telarca). Não havia história familiar de epilepsia ou doenças psiquiátricas. Relativamente ao contexto psicossocial, tratava -se de filha única, vivendo com a mãe e não conhecendo o pai.

Qual o diagnóstico provável? O quadro clínico foi interpretado como epilepsia focal (crises com origem na região fronto-parietal direita). Realizou vídeo-EEG, em que foi registada uma crise epiléptica focal motora, durante a prova de hiperpneia, que foi sinalizada pela doente e se caracterizou por postura tónica dos membros superior e inferior esquerdos, seguida de movimentos clónicos dos mesmos segmentos, sem perda de consciência (Figura 1). Do ponto de vista eléctrico a crise caracterizou-se por atenuação inicial marcada da amplitude, globalmente, depois com sequência de ondas teta e alfa na região central direita (Figura 2).

Sem alterações no registo eléctrico interictal. A ressonância magnética encefálica foi normal. Iniciou tratamento com carbamazepina, com ajuste posterior da dose, com bom controlo das crises. Actualmente mantém-se sem crises epilépticas três anos.

Figura 1 ' Sequência da crise (vídeo): alterações sensoriais (percepção da crise), seguindo-se alteração postural sustentada dos membros esquerdos.

Figura 2 ' Sequência da crise: atenuação global da amplitude - actividade recrutante (alfa-teta) central direita - actividade lenta (teta-delta) fronto- centro-parietal direita.

DISCUSSÃO As crises de natureza não epiléptica (CNNE) são eventos paroxísticos que mimetizam muitas vezes crises epilépticas. Podem ser secundários a processos orgânicos, tais como convulsão sincopal, doenças do movimento ou do sono, ou de natureza psicossomática(1). O somatório de características clínicas, história familiar, social e psicológica, bem como achados do vídeo-EEG contribuem para um diagnóstico correcto. Contudo, esta diferenciação muitas vezes não pode ser feita com absoluta confiança, mesmo dispondo de vídeo-EEG(1).

A prevalência de CNNE varia entre 10% a 40% dos doentes enviados a centros de referência em epilepsia, como refractários à medicação antiepiléptica(2).

Ocorrem em doentes sem ou com crises epilépticas. A taxa de erro de diagnóstico de CNNE em doentes com epilepsia oscila entre 5 a 10%(3). A epilepsia do lobo frontal, com fenomenologia bizarra como a das crises hipermotoras, é a que mais frequentemente se confunde com CNNE(4,5). A semiologia deste tipo de crises frequentemente engloba: automatismos exuberantes, como pontapear ou pedalagem dos membros inferiores; movimentos bruscos de segmentos ou de todo o corpo, por vezes com características violentas; vocalizações, tais como gritos. Outros fenómenos adicionais incluem a preservação da consciência apesar da postura tónica bilateral (como nas crises da área suplementar motora), assim como a ausência de letargia ou confusão no período pós-crítico. Frequentemente estas manifestações clínicas atípicas acompanham-se de actividade interictal ou ictal indetectável no registo de EEG de superfície. Esta dificuldade de identificação no EEG resulta da elevada quantidade de artefactos de músculo ou movimento.

Existem algumas características clínicas que auxiliam na distinção entre as epilepsias do lobo frontal e as crises de natureza não epiléptica(4,5): 1) curta duração da crise (habitualmente menos de 60 segundos); 2) clara estereotipia dos episódios, incluindo o padrão dos automatismos complexos; 3) predomínios das crises durante o sono, embora também possam ocorrer em período de vigília (enquanto que as CNNE apenas existem durante a vigília); 4) semiologicamente caracterizam-se por uma postura tónica em abdução dos membros superiores, traduzindo envolvimento da área suplementar sensitivo-motora (nunca documentado nas CNNE). Existem CNNE descritas como surgindo no sono; no entanto, o registo vídeo-EEG posterior revelou a existência de padrão de vigília prévio ao início da crise(6).

No caso clínico descrito as crises têm aura sensitiva (parestesias no membro inferior esquerdo), seguida de movimentos clónicos no mesmo segmento, por vezes com envolvimento do hemicorpo esquerdo, de curta duração e com preservação da consciência (excepto naquelas com generalização secundária), com parésia de Todd no período pós-crítico. As crises ocorriam durante o sono e vigília, eram estereotipadas e anatomicamente congruentes (área sintomática) com a área sensitiva-motora primária contralateral (direita), isto é, na região medial da transição fronto-parietal direita. A importância do vídeo e registo electroencefalográfico de uma das crises foi crucial na confirmação do diagnóstico de epilepsia focal. O facto de a ressonância magnética cerebral ser normal sugere a hipótese de uma epilepsia provavelmente sintomática (sem identificação da etiologia). A clarificação do quadro clínico, com controlo das crises epilépticas, permitiu à doente uma readaptação psicossocial adequada.


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