Caso electroencefalográfico
CASO CLÍNICO
Expõe-se o caso de um adolescente com 13 anos de idade na data em que foi
referenciado ao nosso hospital.
Dos antecedentes patológicos, salientava-se história de sarampo aos sete meses
de idade, com resolução do quadro sem intercorrências, e epilepsia focal
idiopática com crises motoras do hemicorpo esquerdo de início aos 12 meses de
idade e remissão aos três anos. Apresentava até à data do quadro clínico
descrito um desenvolvimento psicomotor normal.
Aos 12 anos de idade começou a manifestar deterioração cognitiva, com
perturbações mnésicas ligeiras e mau aproveitamento escolar. Posteriormente
surgiram abalos com desequilíbrio e quedas bruscas. Foram ainda notadas
posturas anómalas sustentadas. O quadro teve agravamento progressivo ao longo
de um ano, particularmente célere nos três meses antes da admissão. Nesta
altura apresentava abalos mais intensos e repetitivos, discurso
incompreensível, incapacidade para a marcha sem apoio e perda de autonomia para
as actividades de vida diária. O exame neurológico mostrava deterioração
cognitiva; disartria marcada; síndrome piramidal irritativo bilateral,
deficitário à esquerda; ataxia cerebelosa; distonia generalizada, mais marcada
nos membros inferiores; e mioclonias faciais, distais dos membros superiores e
axiais, estas muitas vezes com quedas associadas. O fundo ocular era normal.
Efectuou EEG que mostrou surtos generalizados de ondas lentas delta a 1,5-2 Hz,
associando alguns potenciais abruptos (pontas), com duração até 2 segundos, que
se repetiam periodicamente a intervalos de cerca de 5 segundos. (Figura 1). Por
vezes apresentava mioclonias negativas concomitantes.
Figura 1 - Complexos periódicos característicos da panencefalite esclerosante
subaguda. (Base de tempo 15 mm/s)
Qual o seu diagnóstico?
DIAGNÓSTICO
Panencefalite Esclerosante Subaguda (pós-sarampo)
A ressonância magnética cerebral evidenciou ligeiro hipersinal em T2 da
substância branca das regiões posteriores. A pesquisa de bandas oligoclonais no
líquido cefalorraquidiano (LCR) foi positiva e foram detectados níveis elevados
de anticorpos IgG anti-sarampo no LCR e soro. Estes resultados laboratoriais
confirmaram, assim, o diagnóstico clínico e electroencefalográfico. Iniciou
tratamento com isoprinosina oral, não tendo sido possível reunir condições para
terapêutica intratecal. As mioclonias foram tratadas com associação de
fármacos, que incluíram carbamazepina, clonazepam e levetiracetam; outros dos
tratamentos sintomáticos incluíram tri-hexifenidilo, biperideno, baclofeno e
toxina botulínica. Após um período de rápida deterioração clínica, houve
estabilização dos défices neurológicos. Actualmente, com 17 anos de idade,
apresenta défice cognitivo grave, quase sem linguagem, tetraparésia espástica
com hemiplegia esquerda e distonia generalizada.
DISCUSSÃO
A Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES) é uma doença degenerativa do
sistema nervoso central, lentamente progressiva, provocada pela infecção
persistente por uma forma mutante do vírus do sarampo (1 -4).
Era, já no passado, uma entidade pouco comum, tornando-se ainda mais rara nos
países desenvolvidos desde a implementação da vacinação contra o sarampo(1 -4).
É mais frequente no sexo masculino, havendo aumento da susceptibilidade quando
a doença exantemática ocorre antes dos dois anos de idade(1,3 -5). O tempo de
latência até ao aparecimento dos sintomas neurológicos varia habitualmente
entre seis a 15 anos (3 -5).
A forma de apresentação da doença é variável, embora classicamente se descreva
uma evolução estereotipada (Estadios de Jabbour)(2). As alterações
comportamentais e a deterioração cognitiva são frequentemente as primeiras
manifestações da doença, a que se seguem, semanas ou meses depois, as
mioclonias características. À medida que a doença progride associam-se sinais
piramidais, cerebelosos e extrapiramidais, crises convulsivas, alterações
visuais e, finalmente, um estado vegetativo que culmina com a morte do doente
(1 -4).
O electroencefalograma (EEG) evidencia tipicamente complexos periódicos (a cada
4 a 15 segundos) de ondas delta de alta voltagem, com 0,5 a 2 segundos de
duração(1-5), frequentemente concomitantes com espasmos mioclónicos axiais ou
das extremidades. Este padrão do EEG pode, contudo, não ser evidente em fases
precoces ou avançadas da doença(4). A ressonância magnética cerebral apresenta
alterações inespecíficas, como hipersinal cortical ou subcortical na sequência
T2 e atrofia cortical de grau variável(2,4,5). O LCR revela frequentemente
hiperproteinorraquia, gamaglobulina elevada (com presença de bandas
oligoclonais) e títulos elevados de anticorpos anti-sarampo (>1:4). Estes
títulos são também elevados no soro (>1:256)(4). A biópsia cerebral, efectuada
em casos excepcionais, mostra corpos de inclusão intranucleares ou
citoplasmáticos que contêm antigénios virais(4,5).
À luz dos conhecimentos actuais, nenhum fármaco modifica a evolução da doença
e, em 80% dos casos, a morte ocorre num período de três a cinco anos após o
início dos sintomas, variando a apresentação clínica de quadros fulminantes a
doença crónica prolongada(1). A terapêutica combinada com isoprinosina oral e
interferão-alfa intratecal é a que tem demonstrado maiores benefícios(2,4,5). O
tratamento sintomático visa o controlo das mioclonias, crises convulsivas,
distonia e espasticidade(2,4). Considerando a evolução da doença e a ausência
de tratamentos eficazes, a vacinação constitui a alternativa para evitar esta
complicação tardia do sarampo, rara, mas invariavelmente fatal. Contudo, o seu
risco mantém-se sobretudo nos casos de sarampo mais precoces.
O diagnóstico de PEES deve ser sempre considerado em crianças ou adolescentes
com deterioração cognitiva, alterações de comportamento e mioclonias, sobretudo
se houver história de sarampo em idades precoces.