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EuPTCVHe0872-07542011000200003

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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Infecção pelo vírus Epstein Barr e hepatite

INTRODUÇÃO A infecção pelo vírus Epstein Barr (VEB) é muito comum, estimando-se que mais de 90% da população tenha sido infectada.(1) É um vírus do grupo herpes, transmitido essencialmente através das secreções orofaríngeas. Pode apresentar um período de latência (não associado a sinais ou sintomas) em que utiliza como células hospedeiras os linfócitos T, B, células epiteliais ou miócitos. Não é habitualmente citopático mas pode alterar a função linfocitária (induzindo a replicação, prolongando a sua sobrevida e estimulando a produção de imunoglobulinas).

A infecção primária quando surge durante a infância é quase sempre assintomática.(2) O espectro clínico é muito diversificado, podendo causar mononucleose infecciosa, infecções das vias aéreas superiores (ou outros sinais e sintomas inespecíficos) ou, raramente, doenças linfoproliferativas, autoimunes e neoplásicas.

A mononucleose infecciosa (MNI), síndrome caracterizada pela tríada de febre (geralmente elevada), faringite ou amigdalite com exsudado e adenopatias (habitualmente cervicais e com maior envolvimento das cadeias posteriores(3)), tem como agente etiológico mais comum o VEB. Os sintomas agudos surgem após um período de incubação de quatro a oito semanas.(4) O diagnóstico é presuntivo baseado na associação de sintomas típicos com a presença de linfócitos atípicos e pode ser confirmado através dos testes serológicos (inespecíficos como no caso dos anticorpos heterófilos ou específicos contra a cápside (VCA), antigénios precoces (EA) ou contra os antigénios nucleares (EBNA) do VEB).

Apesar da evolução geralmente benigna podem surgir complicações agudas graves, nomeadamente a insuficiência hepática, rotura esplénica, obstrução das vias aéreas e sín­drome hematofagocítico.(5) O envolvimento hepático traduz-se pela elevação leve e auto-limitada das transaminases e são raros os casos descritos de hepatite por VEB histologicamente comprovada.(6)A colestase é comum mas o seu mecanismo é desconhecido, no entanto a hiperbilirrubinemia (com valores de bilirrubina superiores a 8mg/dl) ocorre em menos de 3% dos doentes.(7) Os autores descrevem o caso de uma criança com forma pouco usual de lesão hepática causado pelo VEB.

CASO CLÍNICO Rapariga de nove anos, previamente saudável, referenciada ao Serviço de Urgência por febre elevada com 13 dias de evolução associada a dores abdominais generalizadas e cefaleias. É negada sintomatologia respiratória, vómitos, alteração do trânsito intestinal, dores articulares ou mialgias.

Sem história de conviventes doentes, viagens recentes, contacto com animais ou consumo de produtos lácteos não pasteurizados.

Sem antecedentes familiares de doenças hepáticas ou do foro auto-imune.

Ao exame objectivo apresentava bom aspecto geral, sem exantemas, com adenopatias cervicais e inguinais infracentrimétricas e orofaringe ruborizada mas sem exsudado. Não foram audíveis alterações na auscultação cardíaca e pulmonar. Apresentava fígado e baço palpáveis três centímetros abaixo da grade costal, sem outras alterações na palpação abdominal. Sem sinais inflamatórios articulares. Exame neurológico normal e sinais meníngeos negativos.

Os exames auxiliares de diagnóstico requisitados revelaram leucocitose (19x109/ l) com 25% de variantes de linfócitos, elevação moderada das transaminases (TGO-483 UI/l e TGP­457 UI/l), da fosfatase alcalina (FA-428 UI/l), da Gama glutamil transferase (GGT-291UI/l) e da desidrogenase láctica (DHL-3665 UI/l) com valores normais de bilirrubina. Na ecografia abdominal realizada à data da admissão o baço media 16,7cm e o fígado 15,4cm. A pesquisa de anticorpos heterófilos (reacção de Paul­Bunnel) e de anticorpos VEB-VCA (anti-cápside viral) IgG e IgM foi positiva o que confirmou o diagnóstico de mononucleose in­fecciosa por VEB.

Ao 26º dia de doença mantinha febre (Figura 1) e apesar de manter um razoável aspecto geral e não apresentar clínica hemorrágica é constatado um agravamento da hepatomegalia (confirmado ecograficamente), associado a aumento das enzimas de citólise hepática com valores máximos de TGO de 1745 UI/l e TGP de1860 UI/l (Figura 2), da FA e GGT (valor máximo de 584UI/l e 310 UI/l respectivamente), com provas de função hepática (proteínas totais, albumina e tempo de protrombina) e níveis séricos de bilirrubina normais. Nesta altura, e perante a evolução prolongada e as alterações hepáticas, são colocadas as hipóteses de associação de coinfecção por outros agentes hepatotrópicos, hepatite autoimune ou imunodeficiência.

FIGURA 1 - Gráfico de temperatura

FIGURA 2 - Evolução dos valores das transaminases

As serologias efectuadas (Hepatite A; Hepatite C; HIV1/2; Toxoplasma; Citomegalovírus e Herpes simplex I/II) foram negativas. A serologia da hepatite B foi compatível com vacinação prévia. O estudo imunológico humoral e celular (Imunoglobulinas A, G, M e fenotipagem dos linfócitos periféricos) não revelou alterações relevantes. Os anticorpos antiKLM1, ANA e antineutrófilo (ANCAs) foram negativos.

O doseamento de paracetamol (pedido para excluir uma possível hepatite tóxica por este fármaco) revelou um valor inferior ao terapêutico.

Ficou apirética ao 30º dia de doença.

Foi ponderado efectuar biópsia hepática mas como se verificou uma redução gradual da hepatomegalia e normalização dos parâmetros analíticos (transaminases, FA, GGT e DHL) ao fim de dois meses, tal não foi necessário.

Foi acompanhada em consulta de Pediatria durante 12 meses sem qualquer outra clínica.

DISCUSSÃO O caso descrito apresenta algumas diferenças em relação à maioria dos casos publicados(3) não pela gravidade da lesão hepática mas também pela duração da febre. A infecção aguda sintomática pelo VEB, reconhecida clinicamente como mononucleose infecciosa, é caracterizada por febre, faringite, linfade­nopatia, muitas vezes por hepatoesplenomegalia e aumento do número de células T CD8+ activadas.(8)Apesar de estar descrito que os sintomas podem persistir até quatro semanas(9), a febre, que resulta da produção maciça de citoquinas pelas células T, raramente está presente mais do que três semanas.(8) Num quadro de mononucleose os anticorpos heterófilos positivos têm uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 94% para o diagnóstico de MNI por VEB. São geralmente negativos nos síndromes mononucleósicos por VIH, herpes vírus humano tipo 6 ou Toxoplasma gondii).(10) Neste caso a presen­ça de anticorpos heterófilos e de anticorpos VEB-VCA IgG e IgM foi positiva o que confirmou o diagnóstico de mononucleose infecciosa por VEB, no entanto era importante efectuar biópsia no sentido de obtermos uma confirmação histológica de hepatite por VEB, uma vez que os casos confirmados são raros.

Geralmente esta infecção associa-se a um aumento moderado das enzimas hepatocelulares (TGO; TGP e DHL) e da FA, que ocorre com maior frequência na segunda semana de doença e resolve num período de duas a seis semanas.(3)Ainda não é claro o mecanismo da hepatite por VEB, mas existem estudos que mostram o papel das células T infectadas pelo vírus na lesão dos hepatócitos.(11) Os valores de GGT observados sugerem também lesão dos colangiócitos.(7) A elevação das transaminases a valores dez vezes superiores ao normal, como sucedeu neste caso, é rara e por esse motivo outros diagnósticos foram considerados, nomeadamente a hepatite por paracetamol. A toxicidade por fármacos é responsável por 10% das hepatites agudas(6) e o quadro clínico é semelhante ao de uma hepatite vírica.

Na literatura, a maioria dos casos descritos de hepatite ful­minante associados ao VEB ocorrem em doentes imunocompro­metidos, mas existem relatos de casos em doentes imunocom­petentes.(12,13) Por outro lado, existem autores que adiantam a hipótese de a infecção por VEB, ao alterar a função linfocitária, poder desencadear a hepatite autoimune.(14) Nos casos descritos foi demonstrada a positividade dos anticorpos antiKLM1, ANA e antineutrófilo (ANCAs) juntamente com evidência de seroconver­são para o VEB.

Neste caso específico todos estes anticorpos foram nega­tivos.

Geralmente é uma doença auto-limitada e o tratamento é de suporte, incluindo repouso, antipiréticos e analgésicos. A utili­zação de corticosteróides e anti- víricos nos casos mais severos não mostrou qualquer eficácia.(3)


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