Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0872-07542012000300003

EuPTCVHe0872-07542012000300003

National varietyEu
Year2012
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Recorrência do refluxo gastro-esofágico após fundoplicatura em crianças

INTRODUÇÃO A doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE) é definida como o conjunto de efeitos patológicos da passagem involuntária de conteúdo gástrico para o esófago (1).

Na população pediátrica, a DRGE tem uma variedade grande de formas de apresentação, incluindo: vómitos persistentes, atraso no crescimento, dor ab­dominal ou pirose, hemorragia gastrointestinal, disfagia e bron­cospasmo (2). Quando à DRGE se associa a presença de hér­nia do hiato ou quando a terapêutica médica falha, o tratamento indicado é a cirurgia anti-refluxo (3). A fundoplicatura de Nissen (aberta ou laparoscópica) é uma das cirurgias mais realizadas por cirurgiões pediatras (Figura 1) (4). A primeira fundoplicatura de Nissen laparoscópica foi realizada no adulto em 1991, e 2 anos depois, na criança (5).

Figura 1' Imagem endoscópica de uma fundoplicatura de Nissen, com as típicas pregas do fundo gástrico torcidas à volta do endoscópio em retroversão.

A incidência de recorrência do refluxo gastro-esofágico (rRGE) em doentes submetidos a procedimentos anti-refluxo va­ria entre 3,2% e 45% (6, 7). Vários factores de risco para rRGE têm sido apontados: compromisso neurológico grave, existência de patologia pulmonar prévia, idade precoce, história de mal- formações esofágicas congénitas, presença de hérnia do hiato, vómito forçado (retching) pós-operatoriamente, a colocação de gastrostomia prévia ou durante a cirurgia anti-refluxo e a neces­sidade de dilatações no período pós-operatório (8-13). No entanto, os estudos publicados não são concordantes na definição dos factores mais determinantes, nem sobre a estratégia a determi­nar nesses casos específicos (13).

O objectivo deste estudo foi perceber em que doentes sub­metidos a cirurgia anti-refluxo será mais provável a recorrência da doença e porquê, de forma a saber se existe alguma sub­-população de doentes que mereça uma abordagem alternativa à fundoplicatura de Nissen.

MATERIAL E MÉTODOS Foi realizada uma análise retrospectiva dos processos dos doentes submetidos a fundoplicatura de Nissen entre Feverei­ro de 2000 e Março de 2009, no nosso Hospital Pediátrico. Os doentes foram distribuídos por dois grupos: doentes com recor­rência da doença (rRGE) e os doentes sem rRGE (controlo). Os critérios de inclusão no grupo de rRGE foram: re-operação por recorrência do RGE, RGE confirmado por endoscopia alta ou outro exame auxiliar de diagnóstico, reinstituição de terapêutica anti-refluxo por mais de 8 semanas após a cirurgia.

Os dois grupos foram posteriormente comparados quanto ao sexo, idade e percentil de peso à data da cirurgia, à presença de hérnia do hiato ou outras comorbilidades, à presença de com­promisso neurológico grave, à história de convulsões, de medi­cação pulmonar crónica, de necessidade de O2 e/ou antibióticos cronicamente no período pré-operatório, à técnica usada (aberta ou laparoscópica), à colocação de gastrostomia (prévia ou simul­taneamente). Para efeitos de comparação estatística foi usado o teste exacto de Fischer, considerando-se significado estatístico quando p<0,05.

RESULTADOS Durante o período em análise, 65 crianças foram submeti­das a fundoplicatura de Nissen na nossa Instituição. Dez doentes foram incluídos no grupo rRGE, o que equivale a uma incidência de recorrência de 15,4%. Destes, dez tinham exames auxilia­res de diagnóstico que mostravam a rRGE, dez necessitaram de retomar medicação anti-refluxo e três foram reoperados por rRGE. Todas as revisões de fundoplicatura foram realizadas por via laparotómica.

Os parâmetros comparados estão resumidos no Quadro 1. Nenhum dos doentes em rRGE tinha doença muscular ou doen­ça cardíaca.

Quadro I ' Comparação entre doentes com recorrência da do­ença (rRGE) e os doentes sem rRGE (controlo).

DISCUSSÃO Os factores de risco para recorrência de DRGE têm sido alvo de um intenso debate. Tem sido genericamente aceite que crianças com compromisso neurológico grave, que representam 24-54% dos doentes pediátricos submetidos a fundoplicatura, têm um risco maior de rRGE (2). No entanto, alguns estudos re­centes apontam para o facto de o compromisso neurológico gra­ve não ser um factor de risco independente para rRGE, sendo-o apenas quando associado a convulsões (12, 14). Em 2007, Ngern­cham et al. levaram a cabo um estudo retrospectivo de 116 casos e 209 controlos emparelhados para o cirurgião, para o tipo de procedimento (aberto/laparoscópico), técnica (parcial/completa), e data aproximada da intervenção (13). Este estudo concluiu que são factores de risco independente para rRGE a idade menor que 6 anos, a presença de hérnia do hiato, o vómito forçado pós­-operatório e a dilatação esofágica. Mais, o estudo afirma que o compromisso neurológico não é por si um factor de risco para rRGE.

O objectivo principal do nosso estudo foi perceber se, na nossa população, alguns dos factores descritos representam ris­co para rRGE. Não foi incluído nos parâmetros avaliados o vómi­to forçado pós-operatório. Este conceito traduzido do Inglês re­tching é um comportamento mal definido, que parece ter origem neurológica central e é comum nos doentes neurológicos graves, quer pré- quer pós-operatoriamente (15). Na maioria das vezes ele é confundido com engasgamento ou expressões faciais de dor e é desvalorizado pelos pais e pelos clínicos. Daí que, não poderí­amos afirmar com certeza que eles não existissem pelo facto de não os vermos registados no  processo clínico.

A taxa de incidência de rRGE encontrada no nosso estudo (15,4%) é baixa. Se tivermos em conta apenas os doentes neu­rologicamente comprometidos operados (n=48), a taxa de incidência de rRGE é de apenas 12,5%. Por outro lado, a taxa de incidência naqueles que necessitaram gastrostomia (n=12) sobe para 41,7%.

Estes valores não surpreendem, pois não diferem do que é referenciado na literatura (6, 7, 15).

No nosso estudo, foi apenas possível estabelecer uma re­lação com significado estatístico (p<0,05) entre rRGE e a coloca­ção de gastrostomia prévia ou simultaneamente à fundoplicatura (Figura 2). Jolly et al. relacionam a colocação de tubo de gas­trostomia com alterações nas pressões do esfíncter esofágico inferior e que estas poderiam ser a causa do aumento de RGE (11).

Noutro estudo, os autores sugerem mesmo a confecção de uma fundoplicatura profiláctica nos doentes com gastrostomia (16). Este procedimento está longe de ser consensual, havendo vários autores que defendem que o procedimento aumenta a morbilidade cirúrgica, devendo ser reservado aos doentes que mantêm RGE após a colocação do tubo de gastrostomia (17).

Figura 2 ' Imagem endoscópica de uma hérnia do hiato vista através de um endoscópio introduzido através da gastrostomia.

Por outro lado, a necessidade de gastrostomia pode ser vis­ta como um sinal indirecto da gravidade do compromisso neuro­lógico. Analisando os dados recolhidos não foi possível graduar o compromisso neurológico, mas a necessidade de gastrostomia reflecte uma incapacidade na deglutição que geralmente está presente nos casos mais graves. Para estes doentes, Morabito et al. recomendam a dissociação esofago-gástrica total (DEGT) (18). Esta técnica, que consiste na secção da junção esofago-gástrica com posterior anastomose do esófago distal a uma ansa de je­juno em Y de Roux, tem uma pequena percentagem de compli­cações e uma incidência de rRGE de 0%. No entanto, trata-se de uma cirurgia mais longa e agressiva do ponto de vista cirúrgi­co, exigindo três a cinco dias de internamento até a alimentação ser restabelecida pela sonda de gastrostomia. Recentemente, Boubnova et al. conseguiram fazer este procedimento, também chamado de procedimento de Bianchi, por via laparoscópica em duas crianças (20). Esta poderá ser uma boa opção em crianças neurologicamente comprometidas com RGE dependentes de sonda de gastrostomia para alimentação.

CONCLUSÕES A fundoplicatura de Nissen tem uma pequena incidência de rRGE. Esta é maior nos doentes a quem foi colocada gas­trostomia prévia ou simultaneamente. Esta pode ser interpretada como um sinal indirecto de um compromisso neurológico mais grave, embora não fosse encontrado significado estatístico para os restantes parâmetros comparados. Serão necessários mais estudos e com um maior número de casos para conclusões mais seguras.


Download text