IATROGENIA EM ENDOSCOPIA - PARTE II
INFECÇÃO E ENDOSCOPIA
As complicações infecciosas são consequências raras da
endoscopia gastrointestinal. Podemos dividi-las em três
áreas principais: as complicações infecciosas resultantes
da própria flora microbiana do doente; infecções transmitidas de doente para doente através do endoscópio;
infecções transmitidas entre o doente e o pessoal de
saúde.
A frequência média da bacteriémia pós-endoscopia alta
diagnóstica referida em diferentes publicações é muito
heterogénea, mas uma compilação de nove estudos
encontrou uma média de 4,2% (275). O principal organismo encontrado em hemoculturas após endoscopia alta
diagnóstica foi o Streptococcus sp. (275). A dilatação de
estenoses esofágicas é o procedimento gastrointestinal
com maior taxa de bacteriémia, registando-se em 8 estudos, que incluíram 368 exames, uma taxa média de
22,8% (276-283). A escleroterapia de varizes esofágicas
também se associa a uma taxa elevada de bacteriémia.
Quer quando é efectuada no contexto de uma hemorragia aguda, quer no decorrer de um programa de erradicação de varizes esofágicas, foram registadas taxas de
bacteriémia oscilando entre 0% e 52%, com uma frequência média de 15,4% (284-296). Como já foi assinalado, a laqueação elástica de varizes veio diminuir para
metade a taxa de complicações comparada com a esclerose de varizes. Com efeito, a taxa média de bacteriémia
após a laqueação de varizes em 4 estudos envolvendo
179 exames foi de 8,9% (294, 296-298). Em qualquer
caso a duração da bacteriémia é curta, não ultrapassando
em regra os 30 minutos e quase sempre assintomática, o
que torna pouco clara a relevância clínica desta ocorrência. Apesar de se efectuarem milhões de endoscopias
altas em todo o mundo, só houve 12 casos referidos de
endocardite associada à endoscopia nos últimos 20 anos,
sendo a maioria mal documentados e fornecendo apenas
uma associação temporal (297, 299-307).
Quanto à endoscopia baixa, a sigmoidoscopia flexível,
apesar de se tratar de um exame num meio altamente
contaminado, mesmo num intestino bem preparado, tem
uma taxa de bacteriémia baixa, com uma taxa média de
0,5% (308, 309). Quanto à colonoscopia, uma revisão de
13 estudos que incluíram 528 doentes referiu uma taxa
média de bacteriémia de 2,2% (275), não se registando
diferenças significativas entre colonoscopia apenas ou
colonoscopia com biopsia ou polipectomia (310).
Surpreendemente, os organismos mais frequentemente
encontrados nas hemoculturas dos doentes com bacteriémia pós-endoscopia baixa foram semelhantes aos da
endoscopia alta.
A CPRE envolve a injecção de contraste em ductos biliares. Se estes estiverem obstruídos e colonizados por
bactérias, a própria pressão da injecção pode levar à
translocação de bactérias para a circulação. O mesmo
pode acontecer aquando da dilatação de estenoses, colocação de próteses ou na esfincterotomia. A bacteriémia
após CPRE em ductos biliares normais ou não obstruídos é de cerca de 5,6%, enquanto que se for efectuada
em ductos biliares obstruídos por colecodolitíase ou neoplasia, aproxima-se dos 11% (275). Os organismos mais
frequentemente encontrados em hemoculturas após
CPRE são a Escherichia coli, a Klebsiella sp, a
Pseudomonas aeruginosa e o Enterobacter sp.
Profilaxia para Procedimentos Endoscópicos Gastrointestinais
A Associação Americana de Cardiologia (AHA) e a
Associação Americana de Endoscopia Gastrointestinal
(ASGE) publicaram recomendações para a administração de profilaxia antibiótica em procedimentos
endoscópicos gastrointestinais (311, 312), que estão
resumidas no Quadro 5. A Sociedade Portuguesa de
Endoscopia Digestiva (SPED), de acordo com os consensos da ASGE, da AHA e da Sociedade Europeia de
Endoscopia Digestiva (ESGE), fez as seguintes
recomendações (313):
a) Profilaxia da endocardite infecciosa
- Situações cardíacas de alto risco
- Prótese valvular mecânica
- Antecedentes de endocardite infecciosa
- Shunt cirúrgico sistémico pulmonar
- Situações cardíacas de baixo risco
- Malformações cardíacas congénitas
- Disfunção valvular reumatismal
- Cardiomiopatia hipertrófica
- Shunt ventrículo-peritoneal
- Transplante cardíaco
As recomendações sobre profilaxia antibiótica para as
situações referidas, devem ter em linha de conta dois
tipos de técnicas distintas:
1. Exames endoscópicos associados a baixas taxas de
bacteriémia, tais como: endoscopia alta, colonoscopia,
sigmoidoscopia (quer tenham ou não sido feitas biopsias), polipectomia, hemostase de lesões não varicosas.
Nestes casos não se recomenda profilaxia nos doentes
de baixo risco. Nos de alto risco, a decisão deve ser ponderada caso a caso.
2. Exames endoscópicos associados a altas taxas de bacteriémia que incluem a dilatação esofágica, esclerose de
varizes e CPRE em doentes com obstrução biliar. É obrigatório fazer profilaxia nos doentes de alto risco, não
havendo consenso em relação aos outros doentes.
b) Profilaxia em doentes com próteses ortopédicas
Não existem dados que levem a pensar haver risco
endoscópico nestas situações.
c) Profilaxia em doentes com enxertos vasculares
Apenas é recomendada profilaxia durante o primeiro
ano do enxerto e no caso de técnicas de alto risco:
dilatação esofágica, esclerose de varizes e CPRE em
doentes com obstrução.
d) Profilaxia em doentes com pseudoquisto pancreático e/ou obstrução biliar
Recomenda-se antibioterapia em todos os casos em que
seja feita CPRE, independentemente da desobstrução
biliar que deve ser feita.
e) Profilaxia em doentes com gastrostomia endoscópica percutânea
No sentido de evitar a infecção local, recomenda-se
antibioterapia em todos os casos.
f) Profilaxia nos doentes com cirrose hepática, ascite,
imunodeprimidos
Neste grupo, recomenda-se antibioterapia nos doentes
que façam algum dos seguintes exames: dilatação
esofágica, esclerose de varizes, CPRE.
Sugerem-se os seguintes esquemas:
a) Prevenção da endocardite infecciosa
1. Regime geral - ampicilina (2 gr EV/IM) + gentamicina (1,5 mg/kg EV/IM) administradas 30 minutos antes
do exame, seguido de amoxicilina (1,5 gr per os), administrada 6 horas após o exame.
2. Doentes alérgicos à penicilina - gentamicina (1,5
mg/kg EV/IM) administrada uma hora antes do exame,
mais vancomicina (1 gr EV) administrada em perfusão
durante uma hora.
b) Prevenção da colangite e infecção do pseudoquisto
pancreático
Os antibióticos devem ser administrados antes e depois
do exame, segundo as situações clínicas.
Embora não haja consenso, recomenda-se o uso de
cefalosporinas (cefoxitina, cefotaxime), quinolonas
(ciprofloxacina) ou piperacilina.
c) Prevenção da infecção local na gastrostomia endoscópica percutânea
Recomenda-se o uso de cefalosporinas, administradas
antes do exame.
Transmissão de Infecção de Doente para Doente
Este problema tem conhecido uma evolução que acompanhou, por um lado, a complexidade crescente dos
endoscópios e, por outro lado, a implementação de normas de desinfecção cada vez mais eficazes.
A preocupação com este aspecto, a transmissão de
infecção entre doentes através dos endoscópios é realçada na revisão efectuada por Spach e col (314), que
incluiu 281 casos publicados de transmissão de infecção
relacionada com a endoscopia, entre 1966 e 1992. O
agente infeccioso mais comum foi a Pseudomonas
aeruginosa (geralmente associada a sistemas de águas
contaminados ou à não secagem dos canais do elevador
do duodenoscópio), seguindo-se as Salmonellas.
A crescente preocupação com esta complicação levou a
ASGE e a Sociedade Inglesa de Gastrenterologia a publicar em 1988 normas de limpeza e desinfecção dos
endoscópios (315, 316), as quais sublinhavam os
seguintes aspectos:
1. A importância da limpeza manual cuidadosa do aparelho e de todos os seus canais.
2. Desinfecção de alto nível com uma solução líquida
química esterilizadora.
3. Remoção desta solução através de múltiplas lavagens
com água, afim de remover todos os resíduos.
4. Secagem do aparelho e canais com álcool e ar forçado.
A revisão de Spach (314) verificou que em cada um dos
casos de infecção transmitida por endoscopia houve
quebra das normas de limpeza e desinfecção resumidas
acima. É de realçar que apenas 28 dos 281 casos foram
publicados após o advento destas normas.
Foram ainda identificados 2 casos de transmissão do
vírus da hepatite C durante a colonoscopia, verificandose não cumprimento das normas de desinfecção em
ambos os casos (317).
Uma preocupação mais recente diz respeito à possibilidade de transmissão do vírus da encefalopatia espongiforme, muito resistente à desinfecção com os agentes
convencionais (318). Não há casos relatados de transmissão deste vírus através da endoscopia. A
Organização Mundial de Saúde considerou que a saliva,
o tecido gengival, o tecido intestinal, as fezes e o sangue
não têm infecciosidade por priões detectável e são vistos
como não infecciosos para efeitos de controlo de
infecção (318). A ESGE publicou as suas recomendações neste contexto, que incluem a utilização de
pinças de biopsia disposable para a realização de biopsias do íleon terminal (podem ser encontrados priões
patológicos em pequena quantidade nas placas de Peyer
e no apêndice de indivíduos saudáveis, que possam estar
em período de incubação), reforço dos cuidados de
manutenção dos aparelhos e acessórios, reforço das
medidas de limpeza manual dos equipamentos
endoscópicos e a utilização de escovas disposable para a
limpeza do canal de biopsia dos aparelhos (319).
As recomendações da ASGE foram revistas em 2001
(320). Desta revisão destacam-se alguns aspectos:
1. A necessidade da limpeza manual cuidadosa
2. A desinfecção química de alto nível, para a qual a
FDA aprovou 5 substâncias: glutaraldeído, ácido peracético, peróxido de hidrogénio, ácido peracético/peróxido de hidrogénio e orthophtaldeído
3. A necessidade de monitorizar estes produtos pelo
menos uma vez por dia, afim de determinar se a solução
tem uma concentração germicida mínima eficaz
4. A necessidade absoluta de imersão completa dos
endoscópios, não sendo actualmente admissível a utilização de endoscópios não imersíveis; a necessidade de
irrigação completa de todos os canais
5. A necessidade de dar formação especializada das normas de limpeza e desinfecção ao pessoal que vai ter a
responsabilidade da desinfecção do equipamento
endoscópico, incluindo os seus acessórios.
Infecções Transmitidas Entre os Doentes e o Pessoal
de Saúde
Nunca foi referida a transmissão de um agente infeccioso de um endoscopista para um doente durante o
exame (321). O inverso é possível, sabendo-se que o
maior risco para o pessoal de endoscopia deriva não do
endoscópio, mas da possibilidade de picada acidental de
uma agulha utilizada num doente infectado. A probabilidade de infecção viral por uma picada acidental foi estimada em 15% para o vírus da hepatite B, 4% para o vírus
da hepatite C e 0,24% para o vírus da imunodeficiência
humana (322).
As recomendações do Centro de Controlo e Prevenção
de Doenças incluem a utilização de luvas, batas, máscaras e protecção ocular adequados ao grau de exposição
previsto em cada exame (323).
Por último, foi referido em 5 estudos um aumento da
prevalência de anticorpos ao Helicobacter pylori em
endoscopistas, comparando com outros médicos de outras especialidades (324-328). Contudo 2 outros estudos
não demonstraram uma prevalência superior de anticorpos para o Helicobacter pylori em pessoal da unidade de
endoscopia quando comparados com outro pessoal hospitalar (329, 330).
ANTICOAGULAÇÃO E ENDOSCOPIA
O número de doentes anticoagulados para prevenção de
doença tromboembólica tem aumentado nos últimos
anos, calculando-se que nos Estados Unidos mais de 1
milhão de doentes estejam anticoagulados anualmente
(331).
Hemorragia Digestiva Aguda no Doente Anticoagulado
O local mais comum de hemorragia significativa em
doentes medicados com anticoagulação oral é o tracto
gastrointestinal (332). Uma história prévia de hemorragia gastrointestinal, constitui um factor de risco aumentado de hemorragia gastrointestinal grave durante a terapêutica com varfarina (333). O risco de hemorragia
gastrointestinal aumenta também quando o INR tem
valores supra-terapêuticos e pela utilização simultânea
de aspirina, sendo que o local da hemorragia é habitualmente uma lesão identificável por endoscopia alta,
sendo as lesões mais frequentes as úlceras duodenais ou
gástricas (334).
Recomendações (335): A decisão de reverter a anticoagulação deve ser tomada tendo em conta o risco de complicações tromboembólicas, por um lado, e o risco de
hemorragia continuada/agravada pela anticoagulação,
por outro lado.
Um INR supraterapêutico pode ser tratado com plasma
fresco congelado, que consegue uma correcção mais
rápida do que a administração de vitamina K (335). A
correcção do INR para valores entre 1,5 e 2,5 permite a
realização de endoscopia diagnóstica e terapêutica com
taxas de sucesso sobreponíveis às obtidas em doentes
não anticoagulados (334). De qualquer forma Rubin e
col (336) sublinham que a alta frequência de lesões
clinicamente significativas observadas na endoscopia
alta e baixa em doentes com INR supraterapêutico (INR
= 4) no contexto de hemorragia digestiva aguda justifica plenamente a realização de exames endoscópicos
neste grupo de doentes.
Endoscopia Electiva em Doentes Anticoagulados
Quando a anticoagulação é temporária, como para a
trombose venosa profunda, devem adiar-se os procedi-
mentos electivos, se possível, até já não ser necessária a
anticoagulação. Deve equacionar-se a atitude a tomar de
acordo com o risco das técnicas endoscópicas e com o
risco de complicação tromboembólica (335, 313):
Risco das técnicas endoscópicas
Baixo risco
Endoscopia alta, fibrossigmoidoscopia, colonoscopia
(com ou sem biopsia), CPRE diagnóstica, colocação de
prótese biliar sem ETE prévia, ecoendoscopia e enteroscopia.
Alto risco
Polipectomia alta e baixa, electrocoagulação e destruição tecidual com laser, ETE, dilatações, PEG, terapêutica de varizes esofágicas, biopsia guiada por ecoendoscopia.
Risco de complicação tromboembólica
Baixo risco
Fibrilhação auricular (aguda ou crónica) não associada a
doença valvular, prótese valvular biológica, prótese
mecânica (só válvula aórtica), trombose venosa profunda.
Alto risco
Fibrilhação auricular associada a doença cardíaca valvular, prótese mitral mecânica, prótese mecânica em
doentes que sofreram um episódio tromboembólico
prévio.
O risco absoluto de um evento embólico (major, minor
ou trombose valvular) num doente de baixo risco em
quem a anticoagulação é suspensa por um período de 47 dias é estimado em 1-2 por 1000 (335, 313).
Recomendações
- Técnicas de baixo risco: não alterar a terapêutica anticoagulante, desde que o INR esteja dentro dos limites
terapêuticos.
- Técnicas de alto risco em doentes de baixo risco tromboembólico: suspender varfarina 3-5 dias antes do
exame e avaliar o INR antes da endoscopia. A anticoagulação com fraxiparina ou dalteparina deverá ser ponderada caso a caso.
- Técnicas de alto risco em doentes de alto risco tromboembólico: suspender varfarina 3-5 dias antes do
exame. A decisão de administrar heparina EV (e/ou
heparina de baixo peso molecular) se a anticoagulação
tiver que ser mantida deve ser individualizada. A heparina, se for utilizada, deverá ser suspensa 4 a 6 horas antes
do exame e reiniciada 2-6 horas após. A varfarina pode
ser iniciada na noite do exame. Deverá haver sobreposição de infusão de heparina e de varfarina oral
durante um período de 4-5 dias ou até o INR ter alcançado o valor terapêutico por um período de 2-3 dias. É de
realçar que o risco de hemorragia grave após ETE ronda
os 10-15%, se se reinstituir anticoagulação nos 3 dias
que se seguem à ETE. Nestes casos, deve ser cuidadosamente equacionado o risco de tromboembolismo versus
o risco de hemorragia pós-ETE.
Recomenda-se a discussão da estratégia com o médico
responsável pela instituição da terapêutica anticoagulante.
Aspirina e Anti-inflamatórios Não Esteróides (AINEs)
A maioria dos AINEs, incluindo o ácido acetilsalicílico,
inibe a ciclogenase plaquetária, suprimindo o tromboxano A2 do qual depende a agregação plaquetária. Os
dados existentes sugerem que a administração de aspirina e AINEs em doses terapêuticas não aumenta o risco
de hemorragia significativa após procedimentos que
incluem a endoscopia alta com biopsia, a colonoscopia
com biopsia, a polipectomia alta ou baixa ou a ETE
(219, 228, 337).
Recomendações
Na ausência de condição hemorrágica pré-existente
podem efectuar-se procedimentos endoscópicos em
doentes medicados com aspirina e outros AINEs em
doses terapêuticas.
Quanto a outros inibidores da agregação plaquetária
como a ticlopidina e o dipiridamol, não existem dados
suficientes para fazer recomendações, Assim é duvidoso
interromper a sua toma uma semana antes da técnica
endoscópica de risco.
PERFURAÇÃO NA ENDOSCOPIA
Esta complicação da endoscopia já foi abordada aquando da discussão das complicações de cada técnica
endoscópica. Contudo, as particularidades do diagnóstico e sobretudo do tratamento das perfurações endoscópicas, merece aqui um breve comentário.
Apesar dos avanços verificados em vários aspectos da
endoscopia, como o aperfeiçoamento dos endoscópios e
acessórios, atenção ao treino durante o período de
aprendizagem, ao curriculum necessário para efectuar
técnicas endoscópicas, à possibilidade em alguns centros
de se recorrer ao treino em simuladores de endoscopia,
etc, continuam a registar-se perfurações relacionadas
com a realização dos vários tipos de endoscopia, mesmo
nos melhores centros (16). É de realçar que as séries
mais recentes têm uma taxa de complicações mais baixa
do que as séries mais antigas (16), como já foi referido
atrás e que as taxas de perfuração relacionadas com a
endoscopia terapêutica são significativamente superiores
às da endoscopia diagnóstica.
As perfurações relacionadas com a endoscopia alta ocorrem sobretudo após dilatação de estenoses, particularmente em estenoses malignas. O risco de perfuração
aumenta em determinadas situações, como estenoses
complexas (mais estreitas ou mais anguladas) (338),
estenoses malignas com lúmen muito reduzido (339) e
estenoses cáusticas (338,340). Não é claro qual a técnica
de dilatação que leva a maior número de perfurações.
Parece contudo que tentativas de ultrapassar estenoses
complexas sem o auxílio da endoscopia ou da fluoroscopia estão associadas a maior risco de lesão esofágica (341). Também deve ser referido que a dilatação
esofágica é um dos procedimentos mais dependentes do
endoscopista, sendo que a taxa de complicações varia
inversamente com a experiência do endoscopista (107109).
Os doentes com perfuração esofágica podem ter dois
tipos de apresentação, conforme se trate de uma perfuração aguda ou crónica (342). No primeiro caso, os
doentes apresentam-se com dor torácica ou abdominal,
dispneia, febre e crepitação torácica ou cervical, enquanto no segundo caso, os doentes podem apresentar-se com
disfagia ou dor torácica ou abdominal e febre. O diagnóstico de perfuração esofágica permanece difícil,
baseando-se sobretudo num elevado grau de suspeição.
É mais fácil de fazer num quadro de apresentação aguda.
O estudo radiológico do esófago, considerado o teste
mais seguro e mais sensível, tem uma taxa de insucesso
no diagnóstico até 25%, sobretudo nos casos de apresentação aguda (342), pelo que deve ser complementado
pela tomografia computorizada do tórax, com contraste
esofágico.
A maioria dos doentes com perfurações pós-dilatação
esofágica pode ser tratada com medidas conservadoras,
que incluem ausência de ingestão alimentar per os, aspiração naso-esofágica activa, solutos endovenosos, alimentação parentérica total e antibioterapia de largo
espectro (243). Caso se trate de uma perfuração em
estenose maligna, identificada topograficamente, poderá
colocar-se uma prótese expansível coberta (343).
Perfurações de grandes dimensões após dilatação de
uma estenose esofágica benigna, de uma acalásia num
doente com bom estado geral e/ou comunicação livre
com a cavidade pleural ou peritoneal, são indicações
para cirurgia precoce, sobretudo se o estado clínico do
doente se deteriora rapidamente nas primeiras 24 horas
(344).
A respeito das perfurações pós-colonoscopia, Way e col
realçam que a maioria ocorre quando menos se espera,
ou seja, quando o exame correu bem, não se tendo aplicado força excessiva na progressão/rectificação do
colonoscópio e quando a corrente aplicada na remoção
de pólipos não foi excessiva (345). Vários autores
realçaram factores de risco para a perfuração póscolonoscopia, como já referimos atrás, incluindo má
preparação do cólon, colite isquémica, outras colites
(inflamatória, rádica), estenoses, diverticulose,
obstrução intestinal e insuficiência renal em hemodiálise, além do tipo e tamanho do pólipo, no caso da
polipectomia (158-164, 145). É de notar que a taxa de
perfurações varia inversamente com a experiência do
endoscopista, como foi demonstrado pelos estudos de
Fruhmorgen, Geenen, Macree e Andersen (146, 346,
148, 347).
A perfuração pós-colonoscopia diagnóstica é habitualmente devida à progressão do colonoscópio com estiramento excessivo do cólon, associado à formação de
ansas e/ou distensão por insuflação excessiva de ar.
Nestes casos a perfuração é habitualmente de dimensões
apreciáveis, obrigando à cirurgia (348).
As perfurações resultantes de polipectomia são geralmente pequenas, cobertas rapidamente por peritoneu ou
vísceras adjacentes e não levam obrigatoriamente a
intervenção cirúrgica. Vários autores têm realçado o
papel da terapêutica conservadora nestes doentes (348,
349). Vários factores se conjugam para permitir uma
terapêutica conservadora, incluindo uma boa preparação
intestinal com escassa contaminação peritoneal, a
pequena dimensão da perfuração, o que permite a sua
rápida resolução (e dificulta, por outro lado, a sua
detecção aquando de uma eventual cirurgia) e uma boa
evolução clínica.
A abordagem terapêutica da perfuração pós-colonoscopia sofreu uma grande viragem nos últimos anos, já
que vários autores têm vindo a sugerir a possibilidade de
uma terapêutica não cirúrgica nestes casos (348, 349).
Way resume as indicações para cirurgia versus terapêutica conservadora na perfuração iatrogénica pós-colonoscopia (345):
Indicações para cirurgia:
1. Diagnóstico imediato de uma perfuração de grandes
dimensões (como a visualização da cavidade peritoneal
durante a colonoscopia);
2. Sinais de peritonite;
3. Deterioração do estado geral do doente sob terapêutica conservadora e vigilância apertada (taquicardia,febre, diminuição da tensão arterial, diminuição dos ruídos hidro-aéreos, sépsis, agravamento do pneumoperitoneu;
4. Presença de obstrução distal ao local da perfuração;
5.Patologia cólica grave coexistente;
Indicações para considerar terapêutica conservadora:
1. Diagnóstico tardio num doente estável;
2. Ausência de sinais peritoneais;
3. Melhoria sintomática sob terapêutica conservadora
dentro de 24 horas;
4. Ausência de agravamento de pneumoperitoneu;
5. Síndomes pós-polipectomia (síndrome de coagulação
pós-polipectomia).
O grau de pneumoperitoneu ou de leucocitose não
devem ser utilizados isoladamente como indicação para
cirurgia (350-352). A ausência de sinais e sintomas de
peritonite em doentes com boa preparação cólica, com
uma apresentação tardia de perfuração pós-colonoscopia
terapêutica deve levar-nos a considerar uma terapêutica
conservadora.
As perfurações pós-CPRE são raras, com uma incidência inferior a 1% (219-221, 227-238). Dividem-se em 3
grupos principais: as perfurações retroperitoneais, geralmente causadas por uma ETE mais alargada, as perfurações intraperitoneais, resultantes da perfuração da
parede do duodeno pelo endoscópio e as perfurações em
qualquer localização, causadas por fio-guia ou próteses
(271). Os factores de risco para perfuração pós-CPRE
são difíceis de quantificar devido à raridade deste evento e às poucas séries publicadas sobre este tópico. É
provável que a perfuração seja mais frequente nos indivíduos com Bilroth II, nas ETE realizadas fora da zona
recomendada (sector entre as 11 e a 1h), sobretudo se for
na direcção das 2h, com a utilização de pré-corte e nos
doentes com suspeita de disfunção do Oddi (353, 220,
228). A incidência de perfuração não parece estar relacionada com a experiência do endoscopista (219).
O diagnóstico pode ser imediato, quando se observa ar
ou contraste fora dos ductos biliares ou do duodeno, na
altura da CPRE. Pode ser retardado, apresentando o
doente um quadro de dor abdominal, geralmente com
uma amilasémia normal ou pouco elevada, o que distingue a perfuração da pancreatite pós-CPRE (219). A
presença de ar retroperitoneal na tomografia computorizada deve ser interpretada com cuidado, já que não
constitui um evento raro após uma CPRE com ETE, não
sendo assim causa de alarme e não carecendo de intervenção cirúrgica (354).
Quanto ao tratamento das perfurações pós-CPRE, não é
possível utilizar critérios rígidos. Os casos isolados
referidos na literatura mostram que a maioria são tratados de forma conservadora, sem recurso à cirurgia (355361). A terapêutica conservadora inclui dieta zero,
antibioterapia de largo espectro e aspiração nasogástrica
ou nasoduodenal e eventualmente nasobiliar. A indicação para colocar um dreno nasobiliar é reforçada se o
doente tiver um quadro de sepsis no qual a drenagem
biliar é essencial para a melhoria clínica do doente, se
este não puder ser submetido a drenagem cirúrgica
(219). De qualquer forma a terapêutica conservadora só
pode ser considerada nas perfurações pequenas em
doentes estáveis. Perfurações de maiores dimensões,
com quadros de peritonite e/ou sépsis devem ser referenciadas para tratamento cirúrgico (219).
DOENTE DE RISCO E ENDOSCOPIA
A utilização alargada das várias técnicas endoscópicas
no campo diagnóstico e terapêutico tem levado à
preocupação crescente da sua execução em doentes de
alto risco. Estudos efectuados nos EUA mostram que
mais de 100.000 doentes de alto risco são submetidos
anualmente a exames endoscópicos (362). Nos doentes
de alto risco incluem-se doentes idosos, com doenças
graves associadas, com situações clínicas instáveis,
como por exemplo hemorragia digestiva. Existem
alguns grupos de doentes de risco, que foram estudados
de forma sistemática por Cappell, nos EUA (362), que
incluem grávidas, doentes com enfartes do miocárdio
recentes, doentes com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em estádio avançado, doentes submetidos recentemente a cirurgia do tubo digestivo alto ou baixo
e doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica.
Endoscopia e Gravidez
A realização de exames endoscópicos durante a gravidez
levanta o problema da segurança para o feto no útero
devido ao risco de indução de parto prematuro. Como é
evidente a realização de endoscopia durante a gravidez
pode ser particularmente importante, já que estudos
radiológicos estão contraindicados devido à teratogenese por radiações (363, 364), terapêuticas medicamentosas empíricas sem diagnóstico endoscópico definitivo
são indesejáveis devido à possibilidade de teratogenese
medicamentosa (365, 366) e terapêutica cirúrgica, por
exemplo, por hemorragia digestiva é indesejável pelo
risco de morte fetal (367-369).
As vantagens da endoscopia devem ser ponderadas em
função do risco para o feto, pela medicação utilizada
durante a endoscopia, possibilidade de descolamento da
placenta ou de traumatismo fetal durante a endoscopia,
de lesão fetal devido a arritmias, hipotensão, hipertensão
ou hipoxia transitória (370-374).
Endoscopia alta e gravidez - Cappell resumiu os estudos
realizados em grávidas submetidas a endoscopia alta, os
quais sugerem que os benefícios desta técnica, quando
realizada por hemorragia digestiva alta evidente excedem os riscos, uma vez que tem uma elevada sensibilidade diagnóstica e possibilidade de hemostase
endoscópica. Outras indicações como náuseas, vómitos
e dor abdominal constituem indicações menos prementes para a realização da endoscopia alta durante a
gravidez, devendo a sua realização ser ponderada caso a
caso. A endoscopia deve ser realizada em doentes
estáveis, com prévia consulta obstétrica, com monitorização electrocardiográfica e oximetria, após normalização de sinais vitais, com suplemento de 02 (375,
376). A monitorização cardíaca fetal poderá tornar a
endoscopia mais segura ao detectar sofrimento fetal
durante a endoscopia. Há pouca informação sobre o
risco de hemostase endoscópica durante a gravidez, já
que foi utilizada apenas em casos isolados, nos quais não
se registaram complicações (377).
CPRE e gravidez - existem poucos casos na literatura
sobre a realização de CPRE durante a gravidez. Assim,
a informação disponível é insuficiente para recomendar
a realização de CPRE durante a gravidez, a qual poderá
contudo ser considerada em doentes com icterícia
obstrutiva por litíase, pancreatite ou colangite.
Recomenda-se que seja efectuada por um endoscopista
experiente para limitar a exposição às radiações e que o
feto seja protegido por uma protecção de chumbo,
podendo eventualmente realizar-se sob controlo ecográfico (378).
Fibrossigmoidoscopia e colonoscopia e gravidez Cappell publicou em 1995 os resultados de um estudo de
45 grávidas submetidas a fibrossigmoidoscopia, não se
registando nenhuma complicação nas mulheres ou nos
fetos (379). Assim pode afirmar-se que a fibrossigmoidoscopia durante a gravidez não induz o parto nem causa
malformações fetais. As doentes devem ser monitorizadas da forma já descrita para a endoscopia alta.
Quanto à colonoscopia, não existem recomendações
uma vez que não há informação suficiente. Quatro publicações referem um total de 13 grávidas submetidas a
colonoscopia por cancro do cólon ou por outras indicações pertinentes (380-383). Não houve complicações
para as mulheres ou para os fetos directamente relacionadas com a colonoscopia. Assim esta deve ser considerada apenas para situações que coloquem em risco a
vida das doentes ou quando a única alternativa é a cirurgia do cólon (362).
Enfarte Agudo do Miocárdio e Endoscopia
A evolução clínica dos doentes com enfarte agudo do
miocárdio pode acompanhar-se de hemorragia digestiva
alta aguda. O compromisso hemodinâmico de uma
hemorragia digestiva maciça pode induzir um enfarte do
miocárdio (384). Por outro lado, a terapêutica anticoagulante ou trombolítica para o enfarte agudo do miocárdio pode induzir hemorragia gastrointestinal.
Os doentes, após um enfarte agudo do miocárdio ficam
particularmente vulneráveis às complicações endoscópicas cardiopulmonares, incluindo depressão respiratória
(385- 387), angina (388), hipotensão ou hipertensão
(374) e arritmias (373, 388-390).
Endoscopia alta e enfarte agudo do miocárdio - Cappell
publicou em 1993 o resultado de um estudo sobre a
segurança da endoscopia alta por hemorragia digestiva
alta em doentes que tinham sofrido um enfarte agudo do
miocárdio menos de 3 semanas antes (390). Não ocorreram complicações nos doentes estáveis, mas 3 de 8
doentes instáveis tiveram complicações graves. O exame
foi diagnóstico em 79% dos doentes.
Cappell sugere assim que a endoscopia alta é segura
quando efectuada nas 3 semanas que se seguem a um
enfarte agudo do miocárdio em doentes relativamente
estáveis. Deve ser efectuada sob monitorização de pulso,
tensão arterial e oximetria, após normalização de sinais
vitais (362). O risco da endoscopia é elevado quando é
efectuada em doentes clinicamente instáveis (com
hipoxia, hipotensão, arritmias graves ou angina). A segurança da hemostase endoscópica após enfarte do miocárdio não foi adequadamente estudada. Sabe-se que a
injecção de adrenalina pode ter efeitos sistémicos (57,
58), podendo ser associada a efeitos colaterais cardiovasculares.
Fibrossigmoidoscopia e enfarte agudo do miocárdio no contexto dos estudos sobre endoscopia em doentes de
risco, Cappell estudou também o problema da segurança
da fibrossigmoidoscopia em doentes que tiveram um
enfarte do miocárdio 3 semanas antes (391). Não se registaram complicações em 7 doentes relativamente
estáveis, mas um dos dois doentes muito instáveis desenvolveu um bloqueio do segundo grau e extrassistoles
ventriculares prematuras 3 horas após o exame. Este
estudo sugere que a fibrossigmoidoscopia não está contraindicada após o enfarte do miocárdio, devendo ser
realizada em doentes relativamente estáveis, com
hemorragia gastrointestinal significativa, após normalização dos sinais vitais.
Colonoscopia e enfarte agudo do miocárdio - há referência à realização de colonoscopias em 9 doentes,
menos de 3 semanas após enfarte do miocárdio, por
hemorragia digestiva. O exame foi diagnóstico em 5
doentes (391). Os resultados deste estudo sugerem que o
enfarte não constitui uma contraindicação absoluta para
a colonoscopia e que esta poderá ser benéfica em
doentes seleccionados, estáveis, com hemorragia gas-
trointestinal significativa.
Quer a fibrossigmoidoscopia quer a colonoscopia após
enfarte do miocárdio devem ser realizadas sob monitorização de pulso, tensão arterial e oximetria, após normalização
de sinais vitais e após observação cardiológica.
Endoscopia em Doentes HIV
Os doentes seropositivos para o vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV) têm alguns riscos acrescidos na endoscopia, como a hipóxia devido a infecção
oportunística por Pneumocystis carinii, por exemplo, ou
a perfuração por úlceras a cytomegalovirus. Um outro
estudo de Cappell (392) não registou complicações num
conjunto de 34 endoscopias altas, fibrossigmoidoscopias
ou colonoscopia realizadas em doentes com doença
avançada pelo HIV. Cello e Willcox sugerem que se utilizem pequenas doses de anestésicos, com monitorização, devido à ocorrência frequente de hipóxia, taquifilaxia ou respostas paradoxais em utilizadores habituais
de drogas endovenosas (393).
Por outro lado, os endoscopistas devem ter cuidados
acrescidos quando realizam exames em doentes com
infecção HIV, incluindo o uso de luvas, máscaras, óculos
e batas impermeáveis (394-396). Doentes agitados
poderão necessitar de entubação endotraqueal para permitir uma sedação adequada e é preferível utilizar
videoendoscópios do que fibroendoscópios. Também se
deve utilizar acessórios descartáveis, quando possível. A
possibilidade de sujar o pessoal de endoscopia com
sangue proveniente de uma válvula do canal de biopsia
deve ser reduzida colocando uma compressa sobre a
válvula, aspirando para criar uma pressão negativa no
canal de biopsia e dirigindo a válvula para fora do campo
de acção do pessoal, aquando da remoção da pinça de
biopsia (393).
Endoscopia em Doentes Submetidos Recentemente a
Cirurgia Gastrointestinal
A realização de endoscopia alta ou de colonoscopia no
período de 3 semanas após cirurgia do tubo digestivo
alto ou do cólon, respectivamente, poderá levar a deiscência de sutura, hemorragia ou perfuração (397, 398).
Contudo, um estudo no qual se realizou endoscopia alta
em 60 doentes no período de 24 dias após cirurgia do
tubo digestivo alto mostrou que os benefícios foram
superiores aos riscos neste grupo de doentes, com uma
elevada sensibilidade diagnóstica (399). Não se registaram complicações endoscópicas. A suspeita de deiscência de sutura ou de perfuração intestinal constituem
contraindicações para a endoscopia alta. Da mesma
forma um estudo que incidiu sobre 35 doentes submeti-
dos a CPRE, em média, 21 dias após colecistectomia
laparoscópica, também não registou complicações.
Quanto à segurança da fibrossigmoidoscopia, um estudo
sobre 36 doentes submetidos a fibrossigmoidoscopia no
período de 3 semanas após cirurgia do cólon mostrou
que os benefícios ultrapassavam os riscos (400). Neste
estudo só se registou uma complicação, que consistiu
num episódio de hipotensão transitório. Nenhum doente
teve deiscência de sutura. Este estudo sugere que a cirurgia cólica recente não é uma contraindicação absoluta
para a realização de fibrossigmoidoscopia e que esta
pode estar indicada, em casos seleccionados, no período
de 3 semanas após a cirurgia, para avaliação de
estenoses, massas ou hemorragia aguda. O mesmo estudo avaliou 16 doentes submetidos a colonoscopia 3
semanas após cirurgia do cólon, registando-se uma complicação grave, num doente com uma perfuração diverticular coberta que se tornou livre para o peritoneu.
Assim, a colonoscopia também não parece contraindicada após cirurgia do cólon. Deve ser adiada até 1 semana
após a cirurgia, uma vez que as anastomoses são mais
frágeis 2-4 dias pós-cirurgia, tornando-se progressivamente mais fortes após este período (398, 401-403).
Deve-se evitar insuflação excessiva, formação de ansas,
procedimentos longos e traumatismo e biopsias no local
da anastomose.
Endoscopia em Doentes com Doença Pulmonar
Obstrutiva Crónica (DPOC)
Estes doentes são particularmente vulneráveis à hipoxia
derivada de medicação administrada, broncospasmo
mediado pelo vago e compressão laríngea durante a
endoscopia alta (373, 389). Apesar destas preocupações,
de uma forma geral, a endoscopia alta é bastante bem
tolerada nestes doentes. O exame deve ser adiado em
doentes com uma saturação basal de 02 < 90%. Pode
administrar-se 02 durante o exame, mas deverá ter-se em
atenção que doentes com DPOC podem perder o estímulo respiratório com uma administração elevada de 02.
A realização de fibrossigmoidoscopia ou de colonoscopia em doentes com DPOC inspira menos preocupações porque o risco de hipóxia é menor. Aqui o maior
risco é constituído pela administração de sedação, que
deverá ser cuidadosamente monitorizada.
EXPERIÊNCIA DO ENDOSCOPISTA
HOSPITAL DE ENSINO
A ocorrência de complicações pós-exames endoscópicos
está naturalmente relacionada, em muitos casos, com a
experiência do endoscopista. Tal facto é realçado na
publicação conjunta pela ASGE, pela Sociedade
Americana de Cirurgiões Endoscopistas Gastrointestinais e pela Sociedade Americana de Cirurgiões
Colorrectais de uma declaração sobre o treino apropriado em endoscopia gastrointestinal (404).
Um estudo sobre complicações pós-colonoscopia realizado num período de 10 anos num Hospital com ensino na Austrália mostrou contudo que o grau de experiência do endoscopista não tinha um efeito significativo
na incidência de hemorragia ou perfuração pós-colonoscopia (143). De facto, a taxa de complicações dos internos e dos especialistas era praticamente a mesma (0,2%).
Os autores comentam que este facto pode reflectir um
treino e uma supervisão adequadas ou, por outro lado,
um nível de complexidade diferente dos doentes submetidos a colonoscopia por um interno ou por um especialista. Outros autores encontraram uma relação clara
entre o maior treino do endoscopista e o menor número
de complicações (347, 154).
Bini e col publicaram um estudo realizado num hospital
com ensino em Nova York, nos EUA, avaliando as complicações 30 dias após a realização de endoscopia alta,
colonoscopia, endoscopia alta e colonoscopia combinadas e fibrossigmoidoscopia por internos de gastrenterologia do 1º, 2º e 3º, sob a supervisão de gastrenterologistas (405). A análise multivariada mostrou
que os factores preditivos de complicações incluíam a
dose administrada de midazolam durante o exame, a presença de doenças associadas, o tratamento com anticoagulantes orais e a idade do doente. A frequência de
complicações foi mais elevada para os exames efectuados por internos do 1º ano, decrescendo no 2º e ainda
mais no 3º ano do internato.
Outra área em que a experiência do endoscopista é frequentemente citada como sendo uma causa importante
para a ocorrência de complicações é a CPRE. Este assunto não é fácil de estudar, pois a maioria dos trabalhos
vêm de centros especializados, centros de referência
onde, por um lado, se encontram os endoscopistas biliares e pancreáticos com maior experiência e onde, por
outro lado, são referenciados os doentes mais complicados, porventura previamente submetidos a CPRE em
centros com menos experiência. Tal como é referido por
Freeman num editorial publicado em 1998, os centros
com menos experiência não estão tão vocacionados para
publicar os seus resultados e mesmo se o fizessem, a
comparação com os centros de referência poderia não ser
possível, dada a diferença de complexidade entre os
doentes e as técnicas realizadas nuns e noutros centros
(406). De qualquer forma o estudo multicêntrico publicado por Freeman no N Engl J Med, em 1996, mostra
claramente que a experiência do endoscopista tem um
papel independente e fundamental na determinação de
complicações pós-CPRE (228). Este aspecto é realçado
no estudo multicêntrico de Loperfido e col, em Itália, no
qual se verifica que os centros com baixo volume de
CPRE/ano têm menor sucesso na sua realização e mais
complicações (220).
A preocupação com a ocorrência de complicações no
decurso do treino em endoscopia tem constituído um dos
estímulos para o desenvolvimento de simuladores para
treino em endoscopia digestiva (407). Contudo ainda
não é possível tirar conclusões quanto à sua aplicabilidade na prática clínica ou quanto à possibilidade de
redução de complicações. Hochberger e col comentam
mesmo que o treino em simuladores poderá induzir uma
falsa sensação de segurança, levando a um número
maior de complicações em especial a perfuração (407).
PREVENIR COMPLICAÇÕES
A prevenção das complicações depende muito do
cumprimento de regras simples, já bem estabelecidas, e
da utilização do bom senso.
Antes da realização de qualquer técnica endoscópica é
necessário assegurarmo-nos que estão reunidas as
seguintes condições:
Instalações Adequadas
Uma Unidade de Endoscopia moderna assemelha-se na
sua complexidade a um Bloco Operatório. Da mesma
forma devem ser respeitadas as suas necessidades em
espaço físico, que incluem: salas de exames com dimensões adequadas aos exames que aí se realizam (p. ex. a
realização de ecoendoscopia ou a utilização de laser ou
a realização de CPRE pressupõem salas de maiores
dimensões do que a endoscopia ou a fibrossigmoidoscopia diagnósticas); sala de desinfecção correctamente
ventilada; recobro com capacidade adequada ao
número/complexidade de exames efectuados, particularmente se é utilizada sedação por rotina, ponderando a
necessidade de vigilância por enfermeira permanente;
salas de ensino, de preparação, de médicos, de enfermeiros, armazém, de sujos, pausa de pessoal, vestiário,
sala de espera, recepção.
Equipamento Endoscópico e Acessórios Adequados e
em Boas Condições de Desinfecção e Funcionamento
Acessórios que Possam Previsivelmente ser Necessários se Ocorrer Alguma Complicação
Não se podem efectuar exames endoscópicos sem se
assegurar que os aparelhos estejam em boas condições,
o que obriga ao cumprimento de normas de desinfecção
e à revisão periódica dos aparelhos. O mesmo se aplica
aos acessórios. A crescente complexidade das técnicas
efectuadas actualmente obriga ao conhecimento de uma
série crescente de acessórios, que devem estar
disponíveis para resolver situações tecnicamente complicadas ou mesmo para resolver complicações. A título
de exemplo podemos citar os clips, cuja aplicação no
mesmo acto endoscópico pode evitar intervenções cirúrgicas em doentes com hemorragias ou perfurações póspolipectomia. Não é boa prática médica realizar certos
procedimentos sem dispor dos acessórios necessários
para resolver os problemas que possam ocorrer, obrigando a internamentos prolongados e/ou intervenções cirúrgicas com maior morbilidade e mortalidade.
Material de Reanimação
Não é demais insistir que em todas as Unidades de
Endoscopia deve existir um carro de reanimação devidamente equipado, cuja responsabilidade seja entregue a
uma enfermeira, a qual seja encarregue de verificar periodicamente se o material e medicamentos se encontram
em condições de utilização.
Pessoal em Número e Com as Qualificações Necessárias, de Acordo com o Procedimento que Vai Ser
Realizado
Acesso ao Anestesista/Intensivista, Sobretudo se o
Exame a Realizar Comporta Riscos Acrescidos
É óbvio que a realização de exames endoscópicos diagnósticos se pode efectuar com um médico e uma enfermeira apenas. Contudo, o mesmo não se aplica a exames terapêuticos, como a CPRE ou a colocação de PEG
ou a exames com sedação. Nesses casos poderá ser
necessária a presença de 2 médicos com experiência
e/ou de 2 enfermeiras.
Caso se trate de fazer um exame num doente com
doenças graves associadas, ou num doente instável, com
perturbações da consciência, ou hemodinamicamente
instável, por uma hemorragia digestiva alta e, sobretudo,
se o exame for urgente/emergente, não se deve iniciar
sem antes se pedir a presença quer do médico de urgência interna, quer do anestesista/intensivista. Pelo menos,
deverão ser avisados pessoalmente do que se vai passar
e prevenidos da eventual necessidade de serem chamados com carácter de urgência à Unidade de Endoscopia.
O número de telefone ou do bip desses colegas deve
estar em local bem visível na Unidade de Endoscopia.
A competência em técnicas de reanimação é desejável
no pessoal que trabalha na Unidade de Endoscopia.
Contudo, se não existir, deverá recorrer-se a pessoal com
experiência nessa área, sempre que seja necessário.
Contacto com o Cirurgião Antes/Durante/Após
Exames em que a Sua Colaboração Possa Ser
Necessária
Consentimento Informado
É obrigatória a obtenção de consentimento informado
para todos os exames endoscópicos.
Informação Clínica Completa Aquando do Pedido de
um Exame Endoscópico, Sobretudo se se Tratar de
um Exame Terapêutico
Não é raro receber um pedido de endoscopia, sobretudo
da urgência, no qual são totalmente omitidos dados
sobre as doenças associadas e a medicação que o doente
eventualmente esteja a tomar. Esta informação pode ser
vital para o sucesso da endoscopia e para evitar complicações. Por exemplo, é fundamental saber se houve
cirurgia cardíaca para equacionar a prevenção da endocardite, saber se o doente está anticoagulado, etc.
Caso a Avaliação Clínica (Incluindo a Indicação para
o Exame, o Estado Clínico do Doente) Mostre que os
Riscos Ultrapassam os Benefícios do Exame, Saber
Recusá-lo/Adiá-lo
Este aspecto é particularmente pertinente nos doentes
com alterações do estado de consciência e com hemorragia digestiva activa, que têm um risco elevado de aspiração, nos doentes terminais, em quem a realização de
um exame endoscópico pouco ou nada irá acrescentar
em termos de terapêutica curativa ou paliativa.
A realização de um exame de risco, particularmente se
não for uma emergência, poderá ser efectuada com
maior segurança numa altura em que se encontrem
reunidas melhores condições, nomeadamente, a colaboração de colegas mais experientes ou a utilização de
acessórios mais adequados. Nalguns casos haverá que
saber referenciar doentes a centros com maior experiência.
A iatrogenia em endoscopia é um aspecto importante da
prática de técnicas endoscópicas e deve ser salientada a
importância da sua prevenção, quer na formação (pré e
pós-graduada) dos endoscopistas e de todo o pessoal que
trabalha na Unidade de Endoscopia, quer ao nível das
pessoas responsáveis pela gestão da instituição onde a
Unidade de Endoscopia se encontra inserida.