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EuPTCVHe0872-81782006000100004

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National varietyEu
Year2006
SourceScielo

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IATROGENIA EM ENDOSCOPIA - PARTE II

INFECÇÃO E ENDOSCOPIA As complicações infecciosas são consequências raras da endoscopia gastrointestinal. Podemos dividi-las em três áreas principais: as complicações infecciosas resultantes da própria flora microbiana do doente; infecções transmitidas de doente para doente através do endoscópio; infecções transmitidas entre o doente e o pessoal de saúde.

A frequência média da bacteriémia pós-endoscopia alta diagnóstica referida em diferentes publicações é muito heterogénea, mas uma compilação de nove estudos encontrou uma média de 4,2% (275). O principal organismo encontrado em hemoculturas após endoscopia alta diagnóstica foi o Streptococcus sp. (275). A dilatação de estenoses esofágicas é o procedimento gastrointestinal com maior taxa de bacteriémia, registando-se em 8 estudos, que incluíram 368 exames, uma taxa média de 22,8% (276-283). A escleroterapia de varizes esofágicas também se associa a uma taxa elevada de bacteriémia.

Quer quando é efectuada no contexto de uma hemorragia aguda, quer no decorrer de um programa de erradicação de varizes esofágicas, foram registadas taxas de bacteriémia oscilando entre 0% e 52%, com uma frequência média de 15,4% (284-296). Como foi assinalado, a laqueação elástica de varizes veio diminuir para metade a taxa de complicações comparada com a esclerose de varizes. Com efeito, a taxa média de bacteriémia após a laqueação de varizes em 4 estudos envolvendo 179 exames foi de 8,9% (294, 296-298). Em qualquer caso a duração da bacteriémia é curta, não ultrapassando em regra os 30 minutos e quase sempre assintomática, o que torna pouco clara a relevância clínica desta ocorrência. Apesar de se efectuarem milhões de endoscopias altas em todo o mundo, houve 12 casos referidos de endocardite associada à endoscopia nos últimos 20 anos, sendo a maioria mal documentados e fornecendo apenas uma associação temporal (297, 299-307).

Quanto à endoscopia baixa, a sigmoidoscopia flexível, apesar de se tratar de um exame num meio altamente contaminado, mesmo num intestino bem preparado, tem uma taxa de bacteriémia baixa, com uma taxa média de 0,5% (308, 309). Quanto à colonoscopia, uma revisão de 13 estudos que incluíram 528 doentes referiu uma taxa média de bacteriémia de 2,2% (275), não se registando diferenças significativas entre colonoscopia apenas ou colonoscopia com biopsia ou polipectomia (310).

Surpreendemente, os organismos mais frequentemente encontrados nas hemoculturas dos doentes com bacteriémia pós-endoscopia baixa foram semelhantes aos da endoscopia alta.

A CPRE envolve a injecção de contraste em ductos biliares. Se estes estiverem obstruídos e colonizados por bactérias, a própria pressão da injecção pode levar à translocação de bactérias para a circulação. O mesmo pode acontecer aquando da dilatação de estenoses, colocação de próteses ou na esfincterotomia. A bacteriémia após CPRE em ductos biliares normais ou não obstruídos é de cerca de 5,6%, enquanto que se for efectuada em ductos biliares obstruídos por colecodolitíase ou neoplasia, aproxima-se dos 11% (275). Os organismos mais frequentemente encontrados em hemoculturas após CPRE são a Escherichia coli, a Klebsiella sp, a Pseudomonas aeruginosa e o Enterobacter sp.

Profilaxia para Procedimentos Endoscópicos Gastrointestinais A Associação Americana de Cardiologia (AHA) e a Associação Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) publicaram recomendações para a administração de profilaxia antibiótica em procedimentos endoscópicos gastrointestinais (311, 312), que estão resumidas no Quadro 5. A Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED), de acordo com os consensos da ASGE, da AHA e da Sociedade Europeia de Endoscopia Digestiva (ESGE), fez as seguintes recomendações (313):

a) Profilaxia da endocardite infecciosa - Situações cardíacas de alto risco - Prótese valvular mecânica - Antecedentes de endocardite infecciosa - Shunt cirúrgico sistémico pulmonar - Situações cardíacas de baixo risco - Malformações cardíacas congénitas - Disfunção valvular reumatismal - Cardiomiopatia hipertrófica - Shunt ventrículo-peritoneal - Transplante cardíaco

As recomendações sobre profilaxia antibiótica para as situações referidas, devem ter em linha de conta dois tipos de técnicas distintas: 1. Exames endoscópicos associados a baixas taxas de bacteriémia, tais como: endoscopia alta, colonoscopia, sigmoidoscopia (quer tenham ou não sido feitas biopsias), polipectomia, hemostase de lesões não varicosas.

Nestes casos não se recomenda profilaxia nos doentes de baixo risco. Nos de alto risco, a decisão deve ser ponderada caso a caso.

2. Exames endoscópicos associados a altas taxas de bacteriémia que incluem a dilatação esofágica, esclerose de varizes e CPRE em doentes com obstrução biliar. É obrigatório fazer profilaxia nos doentes de alto risco, não havendo consenso em relação aos outros doentes.

b) Profilaxia em doentes com próteses ortopédicas Não existem dados que levem a pensar haver risco endoscópico nestas situações.

c) Profilaxia em doentes com enxertos vasculares Apenas é recomendada profilaxia durante o primeiro ano do enxerto e no caso de técnicas de alto risco: dilatação esofágica, esclerose de varizes e CPRE em doentes com obstrução.

d) Profilaxia em doentes com pseudoquisto pancreático e/ou obstrução biliar Recomenda-se antibioterapia em todos os casos em que seja feita CPRE, independentemente da desobstrução biliar que deve ser feita.

e) Profilaxia em doentes com gastrostomia endoscópica percutânea No sentido de evitar a infecção local, recomenda-se antibioterapia em todos os casos.

f) Profilaxia nos doentes com cirrose hepática, ascite, imunodeprimidos Neste grupo, recomenda-se antibioterapia nos doentes que façam algum dos seguintes exames: dilatação esofágica, esclerose de varizes, CPRE.

Sugerem-se os seguintes esquemas: a) Prevenção da endocardite infecciosa 1. Regime geral - ampicilina (2 gr EV/IM) + gentamicina (1,5 mg/kg EV/IM) administradas 30 minutos antes do exame, seguido de amoxicilina (1,5 gr per os), administrada 6 horas após o exame.

2. Doentes alérgicos à penicilina - gentamicina (1,5 mg/kg EV/IM) administrada uma hora antes do exame, mais vancomicina (1 gr EV) administrada em perfusão durante uma hora.

b) Prevenção da colangite e infecção do pseudoquisto pancreático Os antibióticos devem ser administrados antes e depois do exame, segundo as situações clínicas.

Embora não haja consenso, recomenda-se o uso de cefalosporinas (cefoxitina, cefotaxime), quinolonas (ciprofloxacina) ou piperacilina.

c) Prevenção da infecção local na gastrostomia endoscópica percutânea Recomenda-se o uso de cefalosporinas, administradas antes do exame.

Transmissão de Infecção de Doente para Doente Este problema tem conhecido uma evolução que acompanhou, por um lado, a complexidade crescente dos endoscópios e, por outro lado, a implementação de normas de desinfecção cada vez mais eficazes.

A preocupação com este aspecto, a transmissão de infecção entre doentes através dos endoscópios é realçada na revisão efectuada por Spach e col (314), que incluiu 281 casos publicados de transmissão de infecção relacionada com a endoscopia, entre 1966 e 1992. O agente infeccioso mais comum foi a Pseudomonas aeruginosa (geralmente associada a sistemas de águas contaminados ou à não secagem dos canais do elevador do duodenoscópio), seguindo-se as Salmonellas.

A crescente preocupação com esta complicação levou a ASGE e a Sociedade Inglesa de Gastrenterologia a publicar em 1988 normas de limpeza e desinfecção dos endoscópios (315, 316), as quais sublinhavam os seguintes aspectos: 1. A importância da limpeza manual cuidadosa do aparelho e de todos os seus canais.

2. Desinfecção de alto nível com uma solução líquida química esterilizadora.

3. Remoção desta solução através de múltiplas lavagens com água, afim de remover todos os resíduos.

4. Secagem do aparelho e canais com álcool e ar forçado.

A revisão de Spach (314) verificou que em cada um dos casos de infecção transmitida por endoscopia houve quebra das normas de limpeza e desinfecção resumidas acima. É de realçar que apenas 28 dos 281 casos foram publicados após o advento destas normas.

Foram ainda identificados 2 casos de transmissão do vírus da hepatite C durante a colonoscopia, verificandose não cumprimento das normas de desinfecção em ambos os casos (317).

Uma preocupação mais recente diz respeito à possibilidade de transmissão do vírus da encefalopatia espongiforme, muito resistente à desinfecção com os agentes convencionais (318). Não casos relatados de transmissão deste vírus através da endoscopia. A Organização Mundial de Saúde considerou que a saliva, o tecido gengival, o tecido intestinal, as fezes e o sangue não têm infecciosidade por priões detectável e são vistos como não infecciosos para efeitos de controlo de infecção (318). A ESGE publicou as suas recomendações neste contexto, que incluem a utilização de pinças de biopsia disposable para a realização de biopsias do íleon terminal (podem ser encontrados priões patológicos em pequena quantidade nas placas de Peyer e no apêndice de indivíduos saudáveis, que possam estar em período de incubação), reforço dos cuidados de manutenção dos aparelhos e acessórios, reforço das medidas de limpeza manual dos equipamentos endoscópicos e a utilização de escovas disposable para a limpeza do canal de biopsia dos aparelhos (319).

As recomendações da ASGE foram revistas em 2001 (320). Desta revisão destacam-se alguns aspectos: 1. A necessidade da limpeza manual cuidadosa 2. A desinfecção química de alto nível, para a qual a FDA aprovou 5 substâncias: glutaraldeído, ácido peracético, peróxido de hidrogénio, ácido peracético/peróxido de hidrogénio e orthophtaldeído 3. A necessidade de monitorizar estes produtos pelo menos uma vez por dia, afim de determinar se a solução tem uma concentração germicida mínima eficaz 4. A necessidade absoluta de imersão completa dos endoscópios, não sendo actualmente admissível a utilização de endoscópios não imersíveis; a necessidade de irrigação completa de todos os canais 5. A necessidade de dar formação especializada das normas de limpeza e desinfecção ao pessoal que vai ter a responsabilidade da desinfecção do equipamento endoscópico, incluindo os seus acessórios.

Infecções Transmitidas Entre os Doentes e o Pessoal de Saúde Nunca foi referida a transmissão de um agente infeccioso de um endoscopista para um doente durante o exame (321). O inverso é possível, sabendo-se que o maior risco para o pessoal de endoscopia deriva não do endoscópio, mas da possibilidade de picada acidental de uma agulha utilizada num doente infectado. A probabilidade de infecção viral por uma picada acidental foi estimada em 15% para o vírus da hepatite B, 4% para o vírus da hepatite C e 0,24% para o vírus da imunodeficiência humana (322).

As recomendações do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças incluem a utilização de luvas, batas, máscaras e protecção ocular adequados ao grau de exposição previsto em cada exame (323).

Por último, foi referido em 5 estudos um aumento da prevalência de anticorpos ao Helicobacter pylori em endoscopistas, comparando com outros médicos de outras especialidades (324-328). Contudo 2 outros estudos não demonstraram uma prevalência superior de anticorpos para o Helicobacter pylori em pessoal da unidade de endoscopia quando comparados com outro pessoal hospitalar (329, 330).

ANTICOAGULAÇÃO E ENDOSCOPIA O número de doentes anticoagulados para prevenção de doença tromboembólica tem aumentado nos últimos anos, calculando-se que nos Estados Unidos mais de 1 milhão de doentes estejam anticoagulados anualmente (331).

Hemorragia Digestiva Aguda no Doente Anticoagulado O local mais comum de hemorragia significativa em doentes medicados com anticoagulação oral é o tracto gastrointestinal (332). Uma história prévia de hemorragia gastrointestinal, constitui um factor de risco aumentado de hemorragia gastrointestinal grave durante a terapêutica com varfarina (333). O risco de hemorragia gastrointestinal aumenta também quando o INR tem valores supra-terapêuticos e pela utilização simultânea de aspirina, sendo que o local da hemorragia é habitualmente uma lesão identificável por endoscopia alta, sendo as lesões mais frequentes as úlceras duodenais ou gástricas (334).

Recomendações (335): A decisão de reverter a anticoagulação deve ser tomada tendo em conta o risco de complicações tromboembólicas, por um lado, e o risco de hemorragia continuada/agravada pela anticoagulação, por outro lado.

Um INR supraterapêutico pode ser tratado com plasma fresco congelado, que consegue uma correcção mais rápida do que a administração de vitamina K (335). A correcção do INR para valores entre 1,5 e 2,5 permite a realização de endoscopia diagnóstica e terapêutica com taxas de sucesso sobreponíveis às obtidas em doentes não anticoagulados (334). De qualquer forma Rubin e col (336) sublinham que a alta frequência de lesões clinicamente significativas observadas na endoscopia alta e baixa em doentes com INR supraterapêutico (INR = 4) no contexto de hemorragia digestiva aguda justifica plenamente a realização de exames endoscópicos neste grupo de doentes.

Endoscopia Electiva em Doentes Anticoagulados Quando a anticoagulação é temporária, como para a trombose venosa profunda, devem adiar-se os procedi- mentos electivos, se possível, até não ser necessária a anticoagulação. Deve equacionar-se a atitude a tomar de acordo com o risco das técnicas endoscópicas e com o risco de complicação tromboembólica (335, 313): Risco das técnicas endoscópicas Baixo risco Endoscopia alta, fibrossigmoidoscopia, colonoscopia (com ou sem biopsia), CPRE diagnóstica, colocação de prótese biliar sem ETE prévia, ecoendoscopia e enteroscopia.

Alto risco Polipectomia alta e baixa, electrocoagulação e destruição tecidual com laser, ETE, dilatações, PEG, terapêutica de varizes esofágicas, biopsia guiada por ecoendoscopia.

Risco de complicação tromboembólica Baixo risco Fibrilhação auricular (aguda ou crónica) não associada a doença valvular, prótese valvular biológica, prótese mecânica ( válvula aórtica), trombose venosa profunda.

Alto risco Fibrilhação auricular associada a doença cardíaca valvular, prótese mitral mecânica, prótese mecânica em doentes que sofreram um episódio tromboembólico prévio.

O risco absoluto de um evento embólico (major, minor ou trombose valvular) num doente de baixo risco em quem a anticoagulação é suspensa por um período de 47 dias é estimado em 1-2 por 1000 (335, 313).

Recomendações - Técnicas de baixo risco: não alterar a terapêutica anticoagulante, desde que o INR esteja dentro dos limites terapêuticos.

- Técnicas de alto risco em doentes de baixo risco tromboembólico: suspender varfarina 3-5 dias antes do exame e avaliar o INR antes da endoscopia. A anticoagulação com fraxiparina ou dalteparina deverá ser ponderada caso a caso.

- Técnicas de alto risco em doentes de alto risco tromboembólico: suspender varfarina 3-5 dias antes do exame. A decisão de administrar heparina EV (e/ou heparina de baixo peso molecular) se a anticoagulação tiver que ser mantida deve ser individualizada. A heparina, se for utilizada, deverá ser suspensa 4 a 6 horas antes do exame e reiniciada 2-6 horas após. A varfarina pode ser iniciada na noite do exame. Deverá haver sobreposição de infusão de heparina e de varfarina oral durante um período de 4-5 dias ou até o INR ter alcançado o valor terapêutico por um período de 2-3 dias. É de realçar que o risco de hemorragia grave após ETE ronda os 10-15%, se se reinstituir anticoagulação nos 3 dias que se seguem à ETE. Nestes casos, deve ser cuidadosamente equacionado o risco de tromboembolismo versus o risco de hemorragia pós-ETE.

Recomenda-se a discussão da estratégia com o médico responsável pela instituição da terapêutica anticoagulante.

Aspirina e Anti-inflamatórios Não Esteróides (AINEs) A maioria dos AINEs, incluindo o ácido acetilsalicílico, inibe a ciclogenase plaquetária, suprimindo o tromboxano A2 do qual depende a agregação plaquetária. Os dados existentes sugerem que a administração de aspirina e AINEs em doses terapêuticas não aumenta o risco de hemorragia significativa após procedimentos que incluem a endoscopia alta com biopsia, a colonoscopia com biopsia, a polipectomia alta ou baixa ou a ETE (219, 228, 337).

Recomendações Na ausência de condição hemorrágica pré-existente podem efectuar-se procedimentos endoscópicos em doentes medicados com aspirina e outros AINEs em doses terapêuticas.

Quanto a outros inibidores da agregação plaquetária como a ticlopidina e o dipiridamol, não existem dados suficientes para fazer recomendações, Assim é duvidoso interromper a sua toma uma semana antes da técnica endoscópica de risco.

PERFURAÇÃO NA ENDOSCOPIA Esta complicação da endoscopia foi abordada aquando da discussão das complicações de cada técnica endoscópica. Contudo, as particularidades do diagnóstico e sobretudo do tratamento das perfurações endoscópicas, merece aqui um breve comentário.

Apesar dos avanços verificados em vários aspectos da endoscopia, como o aperfeiçoamento dos endoscópios e acessórios, atenção ao treino durante o período de aprendizagem, ao curriculum necessário para efectuar técnicas endoscópicas, à possibilidade em alguns centros de se recorrer ao treino em simuladores de endoscopia, etc, continuam a registar-se perfurações relacionadas com a realização dos vários tipos de endoscopia, mesmo nos melhores centros (16). É de realçar que as séries mais recentes têm uma taxa de complicações mais baixa do que as séries mais antigas (16), como foi referido atrás e que as taxas de perfuração relacionadas com a endoscopia terapêutica são significativamente superiores às da endoscopia diagnóstica.

As perfurações relacionadas com a endoscopia alta ocorrem sobretudo após dilatação de estenoses, particularmente em estenoses malignas. O risco de perfuração aumenta em determinadas situações, como estenoses complexas (mais estreitas ou mais anguladas) (338), estenoses malignas com lúmen muito reduzido (339) e estenoses cáusticas (338,340). Não é claro qual a técnica de dilatação que leva a maior número de perfurações.

Parece contudo que tentativas de ultrapassar estenoses complexas sem o auxílio da endoscopia ou da fluoroscopia estão associadas a maior risco de lesão esofágica (341). Também deve ser referido que a dilatação esofágica é um dos procedimentos mais dependentes do endoscopista, sendo que a taxa de complicações varia inversamente com a experiência do endoscopista (107109).

Os doentes com perfuração esofágica podem ter dois tipos de apresentação, conforme se trate de uma perfuração aguda ou crónica (342). No primeiro caso, os doentes apresentam-se com dor torácica ou abdominal, dispneia, febre e crepitação torácica ou cervical, enquanto no segundo caso, os doentes podem apresentar-se com disfagia ou dor torácica ou abdominal e febre. O diagnóstico de perfuração esofágica permanece difícil, baseando-se sobretudo num elevado grau de suspeição.

É mais fácil de fazer num quadro de apresentação aguda.

O estudo radiológico do esófago, considerado o teste mais seguro e mais sensível, tem uma taxa de insucesso no diagnóstico até 25%, sobretudo nos casos de apresentação aguda (342), pelo que deve ser complementado pela tomografia computorizada do tórax, com contraste esofágico.

A maioria dos doentes com perfurações pós-dilatação esofágica pode ser tratada com medidas conservadoras, que incluem ausência de ingestão alimentar per os, aspiração naso-esofágica activa, solutos endovenosos, alimentação parentérica total e antibioterapia de largo espectro (243). Caso se trate de uma perfuração em estenose maligna, identificada topograficamente, poderá colocar-se uma prótese expansível coberta (343).

Perfurações de grandes dimensões após dilatação de uma estenose esofágica benigna, de uma acalásia num doente com bom estado geral e/ou comunicação livre com a cavidade pleural ou peritoneal, são indicações para cirurgia precoce, sobretudo se o estado clínico do doente se deteriora rapidamente nas primeiras 24 horas (344).

A respeito das perfurações pós-colonoscopia, Way e col realçam que a maioria ocorre quando menos se espera, ou seja, quando o exame correu bem, não se tendo aplicado força excessiva na progressão/rectificação do colonoscópio e quando a corrente aplicada na remoção de pólipos não foi excessiva (345). Vários autores realçaram factores de risco para a perfuração póscolonoscopia, como referimos atrás, incluindo preparação do cólon, colite isquémica, outras colites (inflamatória, rádica), estenoses, diverticulose, obstrução intestinal e insuficiência renal em hemodiálise, além do tipo e tamanho do pólipo, no caso da polipectomia (158-164, 145). É de notar que a taxa de perfurações varia inversamente com a experiência do endoscopista, como foi demonstrado pelos estudos de Fruhmorgen, Geenen, Macree e Andersen (146, 346, 148, 347).

A perfuração pós-colonoscopia diagnóstica é habitualmente devida à progressão do colonoscópio com estiramento excessivo do cólon, associado à formação de ansas e/ou distensão por insuflação excessiva de ar.

Nestes casos a perfuração é habitualmente de dimensões apreciáveis, obrigando à cirurgia (348).

As perfurações resultantes de polipectomia são geralmente pequenas, cobertas rapidamente por peritoneu ou vísceras adjacentes e não levam obrigatoriamente a intervenção cirúrgica. Vários autores têm realçado o papel da terapêutica conservadora nestes doentes (348, 349). Vários factores se conjugam para permitir uma terapêutica conservadora, incluindo uma boa preparação intestinal com escassa contaminação peritoneal, a pequena dimensão da perfuração, o que permite a sua rápida resolução (e dificulta, por outro lado, a sua detecção aquando de uma eventual cirurgia) e uma boa evolução clínica.

A abordagem terapêutica da perfuração pós-colonoscopia sofreu uma grande viragem nos últimos anos, que vários autores têm vindo a sugerir a possibilidade de uma terapêutica não cirúrgica nestes casos (348, 349).

Way resume as indicações para cirurgia versus terapêutica conservadora na perfuração iatrogénica pós-colonoscopia (345): Indicações para cirurgia: 1. Diagnóstico imediato de uma perfuração de grandes dimensões (como a visualização da cavidade peritoneal durante a colonoscopia); 2. Sinais de peritonite; 3. Deterioração do estado geral do doente sob terapêutica conservadora e vigilância apertada (taquicardia,febre, diminuição da tensão arterial, diminuição dos ruídos hidro-aéreos, sépsis, agravamento do pneumoperitoneu; 4. Presença de obstrução distal ao local da perfuração; 5.Patologia cólica grave coexistente; Indicações para considerar terapêutica conservadora: 1. Diagnóstico tardio num doente estável; 2. Ausência de sinais peritoneais; 3. Melhoria sintomática sob terapêutica conservadora dentro de 24 horas; 4. Ausência de agravamento de pneumoperitoneu; 5. Síndomes pós-polipectomia (síndrome de coagulação pós-polipectomia).

O grau de pneumoperitoneu ou de leucocitose não devem ser utilizados isoladamente como indicação para cirurgia (350-352). A ausência de sinais e sintomas de peritonite em doentes com boa preparação cólica, com uma apresentação tardia de perfuração pós-colonoscopia terapêutica deve levar-nos a considerar uma terapêutica conservadora.

As perfurações pós-CPRE são raras, com uma incidência inferior a 1% (219-221, 227-238). Dividem-se em 3 grupos principais: as perfurações retroperitoneais, geralmente causadas por uma ETE mais alargada, as perfurações intraperitoneais, resultantes da perfuração da parede do duodeno pelo endoscópio e as perfurações em qualquer localização, causadas por fio-guia ou próteses (271). Os factores de risco para perfuração pós-CPRE são difíceis de quantificar devido à raridade deste evento e às poucas séries publicadas sobre este tópico. É provável que a perfuração seja mais frequente nos indivíduos com Bilroth II, nas ETE realizadas fora da zona recomendada (sector entre as 11 e a 1h), sobretudo se for na direcção das 2h, com a utilização de pré-corte e nos doentes com suspeita de disfunção do Oddi (353, 220, 228). A incidência de perfuração não parece estar relacionada com a experiência do endoscopista (219).

O diagnóstico pode ser imediato, quando se observa ar ou contraste fora dos ductos biliares ou do duodeno, na altura da CPRE. Pode ser retardado, apresentando o doente um quadro de dor abdominal, geralmente com uma amilasémia normal ou pouco elevada, o que distingue a perfuração da pancreatite pós-CPRE (219). A presença de ar retroperitoneal na tomografia computorizada deve ser interpretada com cuidado, que não constitui um evento raro após uma CPRE com ETE, não sendo assim causa de alarme e não carecendo de intervenção cirúrgica (354).

Quanto ao tratamento das perfurações pós-CPRE, não é possível utilizar critérios rígidos. Os casos isolados referidos na literatura mostram que a maioria são tratados de forma conservadora, sem recurso à cirurgia (355361). A terapêutica conservadora inclui dieta zero, antibioterapia de largo espectro e aspiração nasogástrica ou nasoduodenal e eventualmente nasobiliar. A indicação para colocar um dreno nasobiliar é reforçada se o doente tiver um quadro de sepsis no qual a drenagem biliar é essencial para a melhoria clínica do doente, se este não puder ser submetido a drenagem cirúrgica (219). De qualquer forma a terapêutica conservadora pode ser considerada nas perfurações pequenas em doentes estáveis. Perfurações de maiores dimensões, com quadros de peritonite e/ou sépsis devem ser referenciadas para tratamento cirúrgico (219).

DOENTE DE RISCO E ENDOSCOPIA A utilização alargada das várias técnicas endoscópicas no campo diagnóstico e terapêutico tem levado à preocupação crescente da sua execução em doentes de alto risco. Estudos efectuados nos EUA mostram que mais de 100.000 doentes de alto risco são submetidos anualmente a exames endoscópicos (362). Nos doentes de alto risco incluem-se doentes idosos, com doenças graves associadas, com situações clínicas instáveis, como por exemplo hemorragia digestiva. Existem alguns grupos de doentes de risco, que foram estudados de forma sistemática por Cappell, nos EUA (362), que incluem grávidas, doentes com enfartes do miocárdio recentes, doentes com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em estádio avançado, doentes submetidos recentemente a cirurgia do tubo digestivo alto ou baixo e doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica.

Endoscopia e Gravidez A realização de exames endoscópicos durante a gravidez levanta o problema da segurança para o feto no útero devido ao risco de indução de parto prematuro. Como é evidente a realização de endoscopia durante a gravidez pode ser particularmente importante, que estudos radiológicos estão contraindicados devido à teratogenese por radiações (363, 364), terapêuticas medicamentosas empíricas sem diagnóstico endoscópico definitivo são indesejáveis devido à possibilidade de teratogenese medicamentosa (365, 366) e terapêutica cirúrgica, por exemplo, por hemorragia digestiva é indesejável pelo risco de morte fetal (367-369).

As vantagens da endoscopia devem ser ponderadas em função do risco para o feto, pela medicação utilizada durante a endoscopia, possibilidade de descolamento da placenta ou de traumatismo fetal durante a endoscopia, de lesão fetal devido a arritmias, hipotensão, hipertensão ou hipoxia transitória (370-374).

Endoscopia alta e gravidez - Cappell resumiu os estudos realizados em grávidas submetidas a endoscopia alta, os quais sugerem que os benefícios desta técnica, quando realizada por hemorragia digestiva alta evidente excedem os riscos, uma vez que tem uma elevada sensibilidade diagnóstica e possibilidade de hemostase endoscópica. Outras indicações como náuseas, vómitos e dor abdominal constituem indicações menos prementes para a realização da endoscopia alta durante a gravidez, devendo a sua realização ser ponderada caso a caso. A endoscopia deve ser realizada em doentes estáveis, com prévia consulta obstétrica, com monitorização electrocardiográfica e oximetria, após normalização de sinais vitais, com suplemento de 02 (375, 376). A monitorização cardíaca fetal poderá tornar a endoscopia mais segura ao detectar sofrimento fetal durante a endoscopia. pouca informação sobre o risco de hemostase endoscópica durante a gravidez, que foi utilizada apenas em casos isolados, nos quais não se registaram complicações (377).

CPRE e gravidez - existem poucos casos na literatura sobre a realização de CPRE durante a gravidez. Assim, a informação disponível é insuficiente para recomendar a realização de CPRE durante a gravidez, a qual poderá contudo ser considerada em doentes com icterícia obstrutiva por litíase, pancreatite ou colangite.

Recomenda-se que seja efectuada por um endoscopista experiente para limitar a exposição às radiações e que o feto seja protegido por uma protecção de chumbo, podendo eventualmente realizar-se sob controlo ecográfico (378).

Fibrossigmoidoscopia e colonoscopia e gravidez Cappell publicou em 1995 os resultados de um estudo de 45 grávidas submetidas a fibrossigmoidoscopia, não se registando nenhuma complicação nas mulheres ou nos fetos (379). Assim pode afirmar-se que a fibrossigmoidoscopia durante a gravidez não induz o parto nem causa malformações fetais. As doentes devem ser monitorizadas da forma descrita para a endoscopia alta.

Quanto à colonoscopia, não existem recomendações uma vez que não informação suficiente. Quatro publicações referem um total de 13 grávidas submetidas a colonoscopia por cancro do cólon ou por outras indicações pertinentes (380-383). Não houve complicações para as mulheres ou para os fetos directamente relacionadas com a colonoscopia. Assim esta deve ser considerada apenas para situações que coloquem em risco a vida das doentes ou quando a única alternativa é a cirurgia do cólon (362).

Enfarte Agudo do Miocárdio e Endoscopia A evolução clínica dos doentes com enfarte agudo do miocárdio pode acompanhar-se de hemorragia digestiva alta aguda. O compromisso hemodinâmico de uma hemorragia digestiva maciça pode induzir um enfarte do miocárdio (384). Por outro lado, a terapêutica anticoagulante ou trombolítica para o enfarte agudo do miocárdio pode induzir hemorragia gastrointestinal.

Os doentes, após um enfarte agudo do miocárdio ficam particularmente vulneráveis às complicações endoscópicas cardiopulmonares, incluindo depressão respiratória (385- 387), angina (388), hipotensão ou hipertensão (374) e arritmias (373, 388-390).

Endoscopia alta e enfarte agudo do miocárdio - Cappell publicou em 1993 o resultado de um estudo sobre a segurança da endoscopia alta por hemorragia digestiva alta em doentes que tinham sofrido um enfarte agudo do miocárdio menos de 3 semanas antes (390). Não ocorreram complicações nos doentes estáveis, mas 3 de 8 doentes instáveis tiveram complicações graves. O exame foi diagnóstico em 79% dos doentes.

Cappell sugere assim que a endoscopia alta é segura quando efectuada nas 3 semanas que se seguem a um enfarte agudo do miocárdio em doentes relativamente estáveis. Deve ser efectuada sob monitorização de pulso, tensão arterial e oximetria, após normalização de sinais vitais (362). O risco da endoscopia é elevado quando é efectuada em doentes clinicamente instáveis (com hipoxia, hipotensão, arritmias graves ou angina). A segurança da hemostase endoscópica após enfarte do miocárdio não foi adequadamente estudada. Sabe-se que a injecção de adrenalina pode ter efeitos sistémicos (57, 58), podendo ser associada a efeitos colaterais cardiovasculares.

Fibrossigmoidoscopia e enfarte agudo do miocárdio no contexto dos estudos sobre endoscopia em doentes de risco, Cappell estudou também o problema da segurança da fibrossigmoidoscopia em doentes que tiveram um enfarte do miocárdio 3 semanas antes (391). Não se registaram complicações em 7 doentes relativamente estáveis, mas um dos dois doentes muito instáveis desenvolveu um bloqueio do segundo grau e extrassistoles ventriculares prematuras 3 horas após o exame. Este estudo sugere que a fibrossigmoidoscopia não está contraindicada após o enfarte do miocárdio, devendo ser realizada em doentes relativamente estáveis, com hemorragia gastrointestinal significativa, após normalização dos sinais vitais.

Colonoscopia e enfarte agudo do miocárdio - referência à realização de colonoscopias em 9 doentes, menos de 3 semanas após enfarte do miocárdio, por hemorragia digestiva. O exame foi diagnóstico em 5 doentes (391). Os resultados deste estudo sugerem que o enfarte não constitui uma contraindicação absoluta para a colonoscopia e que esta poderá ser benéfica em doentes seleccionados, estáveis, com hemorragia gas- trointestinal significativa.

Quer a fibrossigmoidoscopia quer a colonoscopia após enfarte do miocárdio devem ser realizadas sob monitorização de pulso, tensão arterial e oximetria, após normalização de sinais vitais e após observação cardiológica.

Endoscopia em Doentes HIV Os doentes seropositivos para o vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV) têm alguns riscos acrescidos na endoscopia, como a hipóxia devido a infecção oportunística por Pneumocystis carinii, por exemplo, ou a perfuração por úlceras a cytomegalovirus. Um outro estudo de Cappell (392) não registou complicações num conjunto de 34 endoscopias altas, fibrossigmoidoscopias ou colonoscopia realizadas em doentes com doença avançada pelo HIV. Cello e Willcox sugerem que se utilizem pequenas doses de anestésicos, com monitorização, devido à ocorrência frequente de hipóxia, taquifilaxia ou respostas paradoxais em utilizadores habituais de drogas endovenosas (393).

Por outro lado, os endoscopistas devem ter cuidados acrescidos quando realizam exames em doentes com infecção HIV, incluindo o uso de luvas, máscaras, óculos e batas impermeáveis (394-396). Doentes agitados poderão necessitar de entubação endotraqueal para permitir uma sedação adequada e é preferível utilizar videoendoscópios do que fibroendoscópios. Também se deve utilizar acessórios descartáveis, quando possível. A possibilidade de sujar o pessoal de endoscopia com sangue proveniente de uma válvula do canal de biopsia deve ser reduzida colocando uma compressa sobre a válvula, aspirando para criar uma pressão negativa no canal de biopsia e dirigindo a válvula para fora do campo de acção do pessoal, aquando da remoção da pinça de biopsia (393).

Endoscopia em Doentes Submetidos Recentemente a Cirurgia Gastrointestinal A realização de endoscopia alta ou de colonoscopia no período de 3 semanas após cirurgia do tubo digestivo alto ou do cólon, respectivamente, poderá levar a deiscência de sutura, hemorragia ou perfuração (397, 398).

Contudo, um estudo no qual se realizou endoscopia alta em 60 doentes no período de 24 dias após cirurgia do tubo digestivo alto mostrou que os benefícios foram superiores aos riscos neste grupo de doentes, com uma elevada sensibilidade diagnóstica (399). Não se registaram complicações endoscópicas. A suspeita de deiscência de sutura ou de perfuração intestinal constituem contraindicações para a endoscopia alta. Da mesma forma um estudo que incidiu sobre 35 doentes submeti- dos a CPRE, em média, 21 dias após colecistectomia laparoscópica, também não registou complicações.

Quanto à segurança da fibrossigmoidoscopia, um estudo sobre 36 doentes submetidos a fibrossigmoidoscopia no período de 3 semanas após cirurgia do cólon mostrou que os benefícios ultrapassavam os riscos (400). Neste estudo se registou uma complicação, que consistiu num episódio de hipotensão transitório. Nenhum doente teve deiscência de sutura. Este estudo sugere que a cirurgia cólica recente não é uma contraindicação absoluta para a realização de fibrossigmoidoscopia e que esta pode estar indicada, em casos seleccionados, no período de 3 semanas após a cirurgia, para avaliação de estenoses, massas ou hemorragia aguda. O mesmo estudo avaliou 16 doentes submetidos a colonoscopia 3 semanas após cirurgia do cólon, registando-se uma complicação grave, num doente com uma perfuração diverticular coberta que se tornou livre para o peritoneu.

Assim, a colonoscopia também não parece contraindicada após cirurgia do cólon. Deve ser adiada até 1 semana após a cirurgia, uma vez que as anastomoses são mais frágeis 2-4 dias pós-cirurgia, tornando-se progressivamente mais fortes após este período (398, 401-403).

Deve-se evitar insuflação excessiva, formação de ansas, procedimentos longos e traumatismo e biopsias no local da anastomose.

Endoscopia em Doentes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) Estes doentes são particularmente vulneráveis à hipoxia derivada de medicação administrada, broncospasmo mediado pelo vago e compressão laríngea durante a endoscopia alta (373, 389). Apesar destas preocupações, de uma forma geral, a endoscopia alta é bastante bem tolerada nestes doentes. O exame deve ser adiado em doentes com uma saturação basal de 02 < 90%. Pode administrar-se 02 durante o exame, mas deverá ter-se em atenção que doentes com DPOC podem perder o estímulo respiratório com uma administração elevada de 02.

A realização de fibrossigmoidoscopia ou de colonoscopia em doentes com DPOC inspira menos preocupações porque o risco de hipóxia é menor. Aqui o maior risco é constituído pela administração de sedação, que deverá ser cuidadosamente monitorizada.

EXPERIÊNCIA DO ENDOSCOPISTA HOSPITAL DE ENSINO A ocorrência de complicações pós-exames endoscópicos está naturalmente relacionada, em muitos casos, com a experiência do endoscopista. Tal facto é realçado na publicação conjunta pela ASGE, pela Sociedade Americana de Cirurgiões Endoscopistas Gastrointestinais e pela Sociedade Americana de Cirurgiões Colorrectais de uma declaração sobre o treino apropriado em endoscopia gastrointestinal (404).

Um estudo sobre complicações pós-colonoscopia realizado num período de 10 anos num Hospital com ensino na Austrália mostrou contudo que o grau de experiência do endoscopista não tinha um efeito significativo na incidência de hemorragia ou perfuração pós-colonoscopia (143). De facto, a taxa de complicações dos internos e dos especialistas era praticamente a mesma (0,2%).

Os autores comentam que este facto pode reflectir um treino e uma supervisão adequadas ou, por outro lado, um nível de complexidade diferente dos doentes submetidos a colonoscopia por um interno ou por um especialista. Outros autores encontraram uma relação clara entre o maior treino do endoscopista e o menor número de complicações (347, 154).

Bini e col publicaram um estudo realizado num hospital com ensino em Nova York, nos EUA, avaliando as complicações 30 dias após a realização de endoscopia alta, colonoscopia, endoscopia alta e colonoscopia combinadas e fibrossigmoidoscopia por internos de gastrenterologia do , e , sob a supervisão de gastrenterologistas (405). A análise multivariada mostrou que os factores preditivos de complicações incluíam a dose administrada de midazolam durante o exame, a presença de doenças associadas, o tratamento com anticoagulantes orais e a idade do doente. A frequência de complicações foi mais elevada para os exames efectuados por internos do ano, decrescendo no e ainda mais no ano do internato.

Outra área em que a experiência do endoscopista é frequentemente citada como sendo uma causa importante para a ocorrência de complicações é a CPRE. Este assunto não é fácil de estudar, pois a maioria dos trabalhos vêm de centros especializados, centros de referência onde, por um lado, se encontram os endoscopistas biliares e pancreáticos com maior experiência e onde, por outro lado, são referenciados os doentes mais complicados, porventura previamente submetidos a CPRE em centros com menos experiência. Tal como é referido por Freeman num editorial publicado em 1998, os centros com menos experiência não estão tão vocacionados para publicar os seus resultados e mesmo se o fizessem, a comparação com os centros de referência poderia não ser possível, dada a diferença de complexidade entre os doentes e as técnicas realizadas nuns e noutros centros (406). De qualquer forma o estudo multicêntrico publicado por Freeman no N Engl J Med, em 1996, mostra claramente que a experiência do endoscopista tem um papel independente e fundamental na determinação de complicações pós-CPRE (228). Este aspecto é realçado no estudo multicêntrico de Loperfido e col, em Itália, no qual se verifica que os centros com baixo volume de CPRE/ano têm menor sucesso na sua realização e mais complicações (220).

A preocupação com a ocorrência de complicações no decurso do treino em endoscopia tem constituído um dos estímulos para o desenvolvimento de simuladores para treino em endoscopia digestiva (407). Contudo ainda não é possível tirar conclusões quanto à sua aplicabilidade na prática clínica ou quanto à possibilidade de redução de complicações. Hochberger e col comentam mesmo que o treino em simuladores poderá induzir uma falsa sensação de segurança, levando a um número maior de complicações em especial a perfuração (407).

PREVENIR COMPLICAÇÕES A prevenção das complicações depende muito do cumprimento de regras simples, bem estabelecidas, e da utilização do bom senso.

Antes da realização de qualquer técnica endoscópica é necessário assegurarmo-nos que estão reunidas as seguintes condições: Instalações Adequadas Uma Unidade de Endoscopia moderna assemelha-se na sua complexidade a um Bloco Operatório. Da mesma forma devem ser respeitadas as suas necessidades em espaço físico, que incluem: salas de exames com dimensões adequadas aos exames que se realizam (p. ex. a realização de ecoendoscopia ou a utilização de laser ou a realização de CPRE pressupõem salas de maiores dimensões do que a endoscopia ou a fibrossigmoidoscopia diagnósticas); sala de desinfecção correctamente ventilada; recobro com capacidade adequada ao número/complexidade de exames efectuados, particularmente se é utilizada sedação por rotina, ponderando a necessidade de vigilância por enfermeira permanente; salas de ensino, de preparação, de médicos, de enfermeiros, armazém, de sujos, pausa de pessoal, vestiário, sala de espera, recepção.

Equipamento Endoscópico e Acessórios Adequados e em Boas Condições de Desinfecção e Funcionamento Acessórios que Possam Previsivelmente ser Necessários se Ocorrer Alguma Complicação Não se podem efectuar exames endoscópicos sem se assegurar que os aparelhos estejam em boas condições, o que obriga ao cumprimento de normas de desinfecção e à revisão periódica dos aparelhos. O mesmo se aplica aos acessórios. A crescente complexidade das técnicas efectuadas actualmente obriga ao conhecimento de uma série crescente de acessórios, que devem estar disponíveis para resolver situações tecnicamente complicadas ou mesmo para resolver complicações. A título de exemplo podemos citar os clips, cuja aplicação no mesmo acto endoscópico pode evitar intervenções cirúrgicas em doentes com hemorragias ou perfurações póspolipectomia. Não é boa prática médica realizar certos procedimentos sem dispor dos acessórios necessários para resolver os problemas que possam ocorrer, obrigando a internamentos prolongados e/ou intervenções cirúrgicas com maior morbilidade e mortalidade.

Material de Reanimação Não é demais insistir que em todas as Unidades de Endoscopia deve existir um carro de reanimação devidamente equipado, cuja responsabilidade seja entregue a uma enfermeira, a qual seja encarregue de verificar periodicamente se o material e medicamentos se encontram em condições de utilização.

Pessoal em Número e Com as Qualificações Necessárias, de Acordo com o Procedimento que Vai Ser Realizado Acesso ao Anestesista/Intensivista, Sobretudo se o Exame a Realizar Comporta Riscos Acrescidos É óbvio que a realização de exames endoscópicos diagnósticos se pode efectuar com um médico e uma enfermeira apenas. Contudo, o mesmo não se aplica a exames terapêuticos, como a CPRE ou a colocação de PEG ou a exames com sedação. Nesses casos poderá ser necessária a presença de 2 médicos com experiência e/ou de 2 enfermeiras.

Caso se trate de fazer um exame num doente com doenças graves associadas, ou num doente instável, com perturbações da consciência, ou hemodinamicamente instável, por uma hemorragia digestiva alta e, sobretudo, se o exame for urgente/emergente, não se deve iniciar sem antes se pedir a presença quer do médico de urgência interna, quer do anestesista/intensivista. Pelo menos, deverão ser avisados pessoalmente do que se vai passar e prevenidos da eventual necessidade de serem chamados com carácter de urgência à Unidade de Endoscopia.

O número de telefone ou do bip desses colegas deve estar em local bem visível na Unidade de Endoscopia.

A competência em técnicas de reanimação é desejável no pessoal que trabalha na Unidade de Endoscopia.

Contudo, se não existir, deverá recorrer-se a pessoal com experiência nessa área, sempre que seja necessário.

Contacto com o Cirurgião Antes/Durante/Após Exames em que a Sua Colaboração Possa Ser Necessária Consentimento Informado

É obrigatória a obtenção de consentimento informado para todos os exames endoscópicos.

Informação Clínica Completa Aquando do Pedido de um Exame Endoscópico, Sobretudo se se Tratar de um Exame Terapêutico Não é raro receber um pedido de endoscopia, sobretudo da urgência, no qual são totalmente omitidos dados sobre as doenças associadas e a medicação que o doente eventualmente esteja a tomar. Esta informação pode ser vital para o sucesso da endoscopia e para evitar complicações. Por exemplo, é fundamental saber se houve cirurgia cardíaca para equacionar a prevenção da endocardite, saber se o doente está anticoagulado, etc.

Caso a Avaliação Clínica (Incluindo a Indicação para o Exame, o Estado Clínico do Doente) Mostre que os Riscos Ultrapassam os Benefícios do Exame, Saber Recusá-lo/Adiá-lo Este aspecto é particularmente pertinente nos doentes com alterações do estado de consciência e com hemorragia digestiva activa, que têm um risco elevado de aspiração, nos doentes terminais, em quem a realização de um exame endoscópico pouco ou nada irá acrescentar em termos de terapêutica curativa ou paliativa.

A realização de um exame de risco, particularmente se não for uma emergência, poderá ser efectuada com maior segurança numa altura em que se encontrem reunidas melhores condições, nomeadamente, a colaboração de colegas mais experientes ou a utilização de acessórios mais adequados. Nalguns casos haverá que saber referenciar doentes a centros com maior experiência.

A iatrogenia em endoscopia é um aspecto importante da prática de técnicas endoscópicas e deve ser salientada a importância da sua prevenção, quer na formação (pré e pós-graduada) dos endoscopistas e de todo o pessoal que trabalha na Unidade de Endoscopia, quer ao nível das pessoas responsáveis pela gestão da instituição onde a Unidade de Endoscopia se encontra inserida.


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