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EuPTCVHe0872-81782007000400005

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National varietyEu
Year2007
SourceScielo

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QUISTO DO COLÉDOCO COMO CAUSA DE OBSTRUÇÃO BILIAR NO ADULTO

INTRODUÇÃO Os quistos do colédoco são dilatações quísticas que envolvem as vias biliares extra-hepáticas, intra-hepáticas, ou ambas. São entidades raras, cuja prevalência varia entre 1 em cada 13 000 e 1 em cada 2 milhões de nados-vivos, sendo mais frequentes na população asiática e no sexo feminino (razão feminino/masculino 3-4:1) (1). A sua etiologia não está completamente esclarecida, parecendo resultar de anomalias congénitas na formação dos ductos biliares, ou a nível da junção biliopancreática. O diagnóstico dos quistos do colédoco é feito, geralmente, na infância, mas 20-30% dos casos manifestam-se apenas no adulto, com quadros clínicos variados e inespecíficos (2).

CASO CLÍNICO Homem de raça eurocaucasiana, 46 anos, com história de episódios recorrentes de febre, icterícia, colúria, acolia e prurido nos últimos 4 anos. Inicialmente, estes episódios ocorriam 2 a 3 vezes por ano, com febre (temperatura axilar: 38-39ºC) de predomínio vespertino, icterícia, colúria, acolia e prurido generalizado, que regrediam espontaneamente ao longo de 1 a 2 semanas. Os episódios não eram acompanhados por dor abdominal. Nos últimos 2 anos, tornaram-se mais frequentes (1 a 2 vezes por mês) e passaram a ser acompanhados de epigastralgia tipo cólica, intensa, com irradiação em cinturão e sem factores de alívio ou agravamento. O doente referia também perda ponderal de 8 kg (10% do peso habitual) ao longo de 2 anos e astenia de agravamento progressivo.

Havia história de hábitos alcoólicos de 150g etanol/d e hábitos tabágicos de 12UMA até 2 anos antes, estando o doente em abstinência desde então. Referia ainda diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2 2 anos, estando medicado com um antidiabético oral. Não havia outros antecedentes pessoais ou familiares relevantes, nem história epidemiológica de risco.

Cerca de 2 anos antes, recorrera a outro hospital, onde realizara diversos exames complementares, desconhecendo o diagnóstico estabelecido. Fora submetido, desde então, a 4 colangiopancreatografias retrógradas endoscópicas (CPREs), com esfincterotomia e posterior colocação/substituição de endopróteses biliares (a última das quais 4 meses antes). O doente era portador dos relatórios destes exames, que referiam dilatação das vias biliares (VB) intra e extra-hepáticas e compressão da porção terminal da via biliar principal (VBP) por formação quística. Era também portador de uma Colangio-Ressonância Magnética Nuclear (RMN), que era concordante com esta descrição (Figura 1).

À entrada, apresentava-se emagrecido, anictérico, sem estigmas de doença hepática crónica, apirético e com tensão arterial e auscultação cardio-pulmonar normais.

Apresentava hepatomegalia palpável cerca de 2 cm abaixo do rebordo costal inferior direito, de consistência elástica, bordo rombo e superfície lisa, dolorosa à palpa- ção. Não havia outras alterações no exame do abdómen ou restante exame objectivo.

A avaliação laboratorial revelou hemograma e coagulação dentro da normalidade, proteína C reactiva de 1,46 mg/dL (< 0,3), gama-glutamil transpeptidase de 179 UI/L (2-30) e restantes provas hepáticas normais.

Realizou uma tomografia axial computorizada (TAC), que revelou ectasia das VB intra e extra-hepáticas, com prótese biliar no terço distal do colédoco. Evidenciava-se ainda uma discreta hipodensidade da porção cefálica do pâncreas, compatível com processo inflamatório, não existindo outras alterações. Uma vez que a prótese fora colocada mais de 3 meses, realizou-se CPRE.

Constatou-se volumosa procidência na porção duodenal, peri-papilar (Figura 2) e presença de endoprótese biliar, que se retirou. A colangiografia revelou volumosa formação quística (cerca de 3 cm de diâmetro) com comunicação com a porção terminal da VBP, que se encontrava estenosada na zona de transição com o quisto, com dilatação a montante (Figura 3). Não havia alterações do ducto pancreático. Nesta data não foi possível colocar prótese biliar, ocorrendo, cerca de 24 horas depois, quadro de colangite com choque séptico, com necessidade de suporte dopaminérgico. Às 72h, realizou nova CPRE, com colocação de endoprótese biliar de 10 Fr/10 cm, havendo resolução do quadro clínico com a drenagem biliar e antibioterapia. Para uma melhor caracterização da formação quística, realizou-se ecoendoscopia, mas não foi possível, por dificuldade técnica, definir a parede do quisto.

Assim, colocando as hipóteses diagnósticas de quisto do colédoco (tipo II da classificação de Todani) versus quisto de duplicação duodenal, programou-se cirurgia electiva.

No acto operatório, constatou-se marcada dilatação do colédoco, com quisto na sua porção terminal e adenopatias retrocoledócicas e retroduodenais. Foi feita colecistectomia e ressecção do colédoco extra-pancreático, com anastomose hepato-jejunal em Y de Roux. O pós-operatório decorreu sem complicações.

O exame anatomo-patológico da peça operatória revelou quisto do colédoco (quisto de parede fibrosa revestido por epitélio biliar) com inflamação intensa, vesícula com lesões de colecistite crónica e gânglios reactivos.

O doente está assintomático dez meses após a cirurgia.

DISCUSSÃO Embora a maioria das lesões congénitas do aparelho digestivo seja reconhecida na infância, algumas não são detectadas até à idade adulta, quer por permanecerem assintomáticas, quer por originarem sintomas inespecíficos, que dificultam o diagnóstico. Numa revisão de 17 casos de lesões congénitas sintomáticas do tracto digestivo em adultos, a duração média dos sintomas à data do diagnóstico era de 6,5 anos e um diagnóstico pré-operatório correcto foi possível em 35% dos casos (3).

No caso particular dos quistos do colédoco, a tríade clínica clássica (icterícia, dor no quadrante superior direito do abdómen e massa palpável) surge com muito maior frequência na infância que na idade adulta, altura em que a dor abdominal é o sintoma mais frequente (2). A avaliação laboratorial pode mostrar alterações discretas das provas hepáticas e da amilase, mas também estas são inespecíficas. Em relação aos exames imagiológicos, quer a ecografia, quer a TAC podem sugerir o diagnóstico, mas este requer sempre uma colangiografia, seja ela obtida por RMN, CPRE, ou por via percutânea.

Os quistos do colédoco são geralmente classificados, segundo Todani, em 5 tipos (4): o tipo I consiste na dilatação sacular ou fusiforme de todo o canal hepático comum e do colédoco, ou de segmentos de cada, o tipo II corresponde a divertículos que se projectam da parede do colédoco, o tipo III, ou coledococelo, é uma dilatação limitada à porção intra-duodenal do colédoco, o tipo IV consiste em múltiplas dilatações das VB intra e extra-hepáticas e o tipo V, ou doença de Caroli, corresponde a dilatações quísticas das VB intra-hepáticas. Quer na criança, quer no adulto, os tipos I (que corresponde a cerca de 80% dos casos) e IV são os mais comuns e o tipo II, a que corresponde o caso descrito pelos autores, o mais raro (cerca de 2% dos casos) (2,4).

A importância dos quistos do colédoco reside nas suas potenciais complicações, que incluem litíase biliar, pancreatite recorrente, colangite (que pode ser a primeira manifestação clínica no adulto, como no caso descrito), cirrose biliar secundária e colangiocarcinoma. Uma vez estabelecido o diagnóstico, a cirurgia, com excisão do quisto e hepatojejunostomia, é a terapêutica de escolha, diminuindo drasticamente o risco de complicações. No entanto, é essencial realçar que estão descritos casos raros de carcinomas das VB intra-hepáticas que surgiram mesmo após cirurgia, todos eles em doentes com quistos que envolviam a árvore biliar intra-hepática (1,5).

Os principais diagnósticos diferenciais dos quistos do colédoco são os pseudoquistos pancreáticos (geralmente, distinguíveis pela história clínica e exames imagiológicos) e os quistos de duplicação duodenal (6). Estes últimos são uma entidade congénita rara, que se caracteriza pela presença de uma estrutura geralmente esférica no lado mesentérico da ou porção duodenal, com ou sem comunicação com o lúmen, cuja parede contem uma camada de músculo liso e que é, normalmente, revestida por epitélio duodenal (7,8). No adulto, as duplicações duodenais podem manifestar-se por obstrução biliar e o diagnóstico diferencial definitivo com os quistos do colédoco é estabelecido histologicamente (6).

No caso descrito pelos autores, a sintomatologia inespecífica levou a um atraso de diagnóstico de 4 anos, que poderia ter acarretado complicações graves. Os achados da Colangio-RMN e das CPREs limitaram o diagnóstico diferencial a duas entidades clínicas, o quisto do colédoco e o quisto de duplicação duodenal, para as quais a terapêutica de primeira linha é a cirurgia. Assim, programou-se uma intervenção curativa, que simultaneamente estabeleceu o diagnóstico definitivo. Este caso realça a importância de se considerarem patologias congénitas no leque de diagnósticos diferenciais no adulto.


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