Papel da ecoendoscopia na abordagem dos tumores mesenquimatosos do tubo
digestivo alto
Papel da ecoendoscopia na abordagem dos tumores mesenquimatosos do tubo
digestivo alto
Role of endoscopic ultrasound in the management of mesenchymal tumors of the
upper digestive tract
José Manuel Pontes
Os tumores subepiteliais do tubo digestivo alto (TSE) constituem um achado
endoscópico relativamente comum, sendo na maioria dos casos diagnosticados
incidentalmente. O seu diagnóstico diferencial levanta frequentemente
dificuldades, sendo a endoscopia por regra incapaz de caracterizar a sua
natureza. Os tumores mesenquimatosos do tubo digestivo superior (TMS)
representam a maioria dos TSE, constituindo um espectro de lesões com potencial
de malignidade muito variado. Este grupo de neoplasias inclui leiomiomas,
leiomiossarcomas, tumores neurais e tumores do estroma gastrointestinal (GIST).
A maioria dos TSE com origem na muscularis propria do estômago ou do duodeno
são GIST, um grupo de neoplasias mesenquimatosas com características
histológicas e imunohistoquímicas peculiares, designadamente imunorreactividade
para o antigénio CD 117 (c-kit). O diagnóstico de GIST tem importantes
implicações prognósticas e terapêuticas, já que estes tumores estão associados
a um potencial de malignidade imprevisível.
A ecoendoscopia (EUS) tem sido utilizada como método de eleição para a
caracterização destas lesões, permitindo avaliar com precisão o seu tamanho,
camada de origem parietal e diversas características morfológicas. Contudo, a
considerável sobreposição dos aspectos imagiológicos torna a EUS insuficiente
para estabelecer por si só o diagnóstico definitivo de TMS e para prever o seu
potencial de malignidade
1-3
A punção guiada por EUS permite a caracterização dos TMS com uma acuidade
diagnóstica muito variável nas séries reportadas, de 19 a 100%
4-10
. A colheita de material pode ser realizada com agulha fina (PAF) ou com agulha
de biópsia trucut(BAT), que possibilita o estudo histológico e
imunohistoquímico. As actuais agulhas de biópsia trucutnão parecem contudo
proporcionar vantagens significativas comparativamente à PAF4,
6
,
8
. Num estudo prospectivo recente6, a eficácia no diagnóstico de GIST gástrico
foi idêntica para as duas agulhas (70% para PAF, 60% para BAT), permitindo a
caracterização imunohistoquímica (52% para PAF, 55% para BAT).
Embora a punção possa ser útil no diagnóstico de GIST, o seu papel na prática
clínica é actualmente limitado pela frequente insuficiência do material colhido
(40 – 80% casos). A consistência fibrótica dos TMS torna frequentemente difícil
a penetração da agulha no tumor e a colheita de material adequado. A distinção
entre GIST benigno e maligno na amostra colhida é quase sempre difícil, e nas
lesões com menos de 2 cm torna-se geralmente impossível conseguir um fragmento
adequado para estudo histológico e imunohistoquímico. Além disso, o índice
mitótico (IM) determinado na amostra de biópsia trucut não se correlaciona com
o IM avaliado na peça de ressecção cirúrgica4. O fragmento obtido é demasiado
pequeno para determinação fiável do IM, impossibilitando a previsão do
potencial de malignidade dos GIST.
A punção-biópsia de TMS deverá ser reservada a casos seleccionados, como
doentes de elevado risco cirúrgico ou tumores de difícil abordagem (como no
cárdia), e doentes com tumores irressecáveis ou com metástases em que é
necessário o diagnóstico histológico para início de quimioterapia com
inibidores dos receptores da tirosina-cinase. A punção está também indicada
quando o aspecto endoscópico ou ecoendoscópico é atípico, ou quando o contexto
clínico levanta outras suspeitas diagnósticas como metástases, linfoma,
carcinoma ou invasão por tumores extrínsecos.
O principal benefício da punção não reside pois na previsão do risco de
malignidade, mas no diagnóstico de GIST e na possibilidade de identificar
outras lesões não-GIST, mais raras mas que requerem diferentes abordagens. No
futuro o papel da punção na abordagem dos TMS dependerá do aperfeiçoamento das
agulhas e do desenvolvimento de novas técnicas de colheita tecidular. A
identificação de novos marcadores moleculares pesquisados nas amostras colhidas
na punção poderá ajudar a prever o potencial de malignidade dos GIST,
permitindo adaptar terapêuticas adjuvantes ou neo-adjuvantes.
A história natural dos TMS é mal conhecida, o que tem dificultado o
estabelecimento de normas orientadoras da estratégia de abordagem e vigilância
destas lesões. Na maioria dos casos estas lesões são assintomáticas e têm um
comportamento benigno, mas a evolução é imprevisível. Estima-se que 10-30% dos
casos de GIST sejam malignos no momento do diagnóstico, desconhecendo-se os
factores de risco que determinam a degeneração maligna destas lesões
11-12
. Algumas características endossonográficas têm sido associadas a um risco
aumentado de malignidade nos GIST, embora não seja consensual o seu valor
prognóstico: tamanho > 4 cm, contorno externo irregular, ecotextura
heterogénea, focos ecogénicos, cavitações quísticas, adenopatias regionais2,3,
9
.
Neste número do GE é publicado um trabalho retrospectivo por H. Santos etal.
onde a EUS foi utilizada para monitorizar a evolução dos TMS, procurando-se
identificar características ecoendoscópicas associadas à progressão das lesões
13
. O estudo incluiu 82 doentes com TMS submetidos a vigilância regular por EUS
por um período médio de 34 meses. A maioria das lesões (85,4%) não apresentou
alteração das características iniciais durante o seguimento, resultado
provavelmente condicionado pelo predomínio de lesões de localização esofágica
nesta série (56% dos casos), quase sempre leiomiomas. Estratificados os
resultados por localização anatómica, 30% dos tumores gástricos apresentaram
alteração das características iniciais, o que traduzirá o maior potencial de
malignidade dos TMS gástricos (GIST na maioria dos casos).
No mesmo trabalho, as características EUS associadas à alteração dos achados
iniciais no follow-upforam a localização no antro, a dimensão > 20 mm e
sobretudo a heterogeneidade ecotextural. As alterações ocorreram mais
frequentemente nos primeiros 12 meses de seguimento, sugerindo os autores uma
vigilância inicial mais estreita para estas lesões. A alteração das
características EUS iniciais ocorreu em 14,6% dos casos, um resultado
sobreponível aos dados publicados noutras séries12,
14
,
15
. Nos casos operados, nenhuma lesão apresentava critérios histopatológicos de
alto risco de malignidade. Deste modo, o aumento de dimensão não deverá ser
considerado um indicador de malignidade.
Embora não seja especificado o aumento de dimensões observado, é reportado
nesse trabalho um incremento dimensional em lesões infra-centimétricas. Importa
referir que a EUS é uma técnica consideravelmente operador-dependente, pelo que
a interpretação dos resultados está condicionada à subjectividade do
ecoendoscopista. A medição de lesões de diminutas dimensões está sujeita a um
grau de erro ainda maior, sendo questionável o benefício do seu seguimento
ecoendoscópico. A fraca concordância inter-observador na avaliação das
características endossonográficas dos TMS constitui uma limitação reconhecida
da EUS1.
Na falta de estudos prospectivos, continua a ser controversa a abordagem mais
indicada nos pequenos TMS e com características EUS consideradas “benignas”.
Nas lesões pequenas (menos de 2 cm) e sem características EUS suspeitas, a
opção de vigilância EUS é uma estratégia válida e segura, sendo o risco de
malignização bastante reduzido. Contudo deve ter-se em conta que a adesão dos
doentes à vigilância seriada por EUS é baixa, com abandono do follow-upaos 12
meses por 50% dos doentes3. A periodicidade óptima da vigilância EUS permanece
por definir, devendo ser considerada caso a caso. Tem sido proposta uma
vigilância anual, mas alguns contextos clínicos poderão justificar controlos
mais frequentes.
Na verdade a decisão entre vigilância periódica por EUS ou ressecção cirúrgica
torna-se frequentemente um difícil dilema, não existindo actualmente nenhum
método capaz de prever pré-operatoriamente quais os GIST que irão progredir
para a malignização. Nos TMS gástricos com mais de 2 cm, a probabilidade de se
tratar de GIST é 70 – 75%6,7,11. A exérese sistemática destes tumores,
independentemente do seu tamanho, tem sido defendida por alguns autores,
considerando a incerteza do potencial de malignidade associado e a
possibilidade de metastização descrita mesmo para pequenos tumores9,11.
Enquanto não for clarificado o papel da imunohistoquímica e da análise
molecular/genética nas amostras obtidas por punção na determinação do potencial
maligno dos GIST, a decisão continuará a depender das características
morfológicas avaliadas pela EUS.
No futuro serão necessários estudos que avaliem o impacto dos programas de
vigilância destes doentes, para se definir o papel da EUS na abordagem dos TMS.