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EuPTCVHe0873-21592009000400004

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National varietyEu
Year2009
SourceScielo

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Associação de sintomas de rinoconjuntivite e asma em adolescentes

Introdução Desde aproximadamente seis décadas, tem sido registada na literatura a interrelação entre rinite e asma, através de estudos fisiopatológicos, epidemiológicos e clínicos, o que forneceu as bases para a hipótese de que rinite seria factor de risco para o desenvolvimento da asma1,2,3. No ano de 1999, Mygind e Dahl coordenaram uma extensa revisão da literatura, com a participação de vários especialistas, cujo objectivo foi descrever os fenómenos moleculares e celulares que ocorrem no nariz e no pulmão e que contribuíram para a estruturação de um novo paradigma: o da unicidade das vias aéreas4.

Em 2001, essa abordagem foi o foco de uma iniciativa conhecida como allergic rhinitis and its impact on asthma(ARIA), adaptada para uso em diferentes países, cuja finalidade foi fornecer um guia para orientação de especialistas, clínicos gerais e pediatras, actualizando os conhecimentos sobre a rinite alérgica e o seu impacto na asma1.

Nos últimos dez anos, estabeleceu-se um consenso de que um processo inflamatório único explica as alterações fisiopatológicas observadas na rinite alérgica e na asma, fazendo surgir o conceito de que se trata de manifestações clínicas de uma mesma doença: a síndroma alérgica respiratória crónica 1,4,5,6,7 .

Baseado no facto de os doentes asmáticos com frequência apresentarem sintomas de rinite, alguns autores, na última década, vêm sugerindo a hipótese de que a presença de doença respiratória baixa seja indicativa de doença alérgica respiratória crónica mais grave8,9,10.

Ao longo dos anos, de acordo com os resultados de vários estudos multicêntricos, como o The European Community Respiratory Health Survey (ECRHS); International Study on Asthma and Allergy Asthma in Childhood (ISAAC); Swiss Study on Air Pollution and Lung Diseases in Adults (SAPALDIA); Swiss Study on Chidhood Allergy and Respiratory Symptoms with Respect to Air Pollution, Climate and Pollen (SCARPOL), tornou-se possível comparar as prevalências das doenças alérgicas entre as diferentes regiões 11,12,13 .

Evidências epidemiológicas têm consistentemente demonstrado a frequente coexistência de asma e rinite alérgica em muitos doentes, sugerindo que os elos existentes não se devem ao acaso14,15.

O aumento da prevalência de asma e rinite alérgica foi atribuído a diversos factores relacionados com o estilo de vida e a exposição aos aeroalergénios ambientais 16 . No Brasil, é observada uma variação significativa nas prevalências de rinite alérgica e asma nas diferentes cidades do país 17,18,19 , o que poderia ser atribuído à sua grande extensão geográfica, com condições climáticas e ambientais peculiares.

É importante determinar a frequência dessa associação em nosso meio, tendo em vista que o reconhecimento da síndroma alérgica respiratória crónica alerta o médico para a existência de um grupo de doentes de risco que necessita de maiores cuidados. O inadequado controlo dos sintomas de rinite alérgica em doentes que tenham também sintomas de asma pode contribuir para o aumento da frequência e da gravidade das crises, dificultando o controlo clínico, levando a uma maior necessidade do uso de fármacos, quando comparado com indivíduos sem sintomas nasais20,21,22.

O objectivo deste estudo foi determinar a prevalência da associação de sintomas de rinoconjuntivite e asma em adolescentes escolares, verificar se a gravidade dos sintomas de asma é maior entre os que também são portadores de sintomas de rinoconjuntivite e avaliar se os adolescentes reconhecem que são provavelmente portadores de rinoconjuntivite.

Métodos O desenho do estudo foi do tipo corte transversal, com dois componentes: um estudo de prevalência e um estudo entre casos (sintomas de rinoconjuntivite) e um grupo de comparação (ausência de sintomas de rinoconjuntivite).

Este estudo foi realizado na cidade do Recife a partir das informações contidas nos questionários da fase 3 do protocolo ISAAC, respondido por adolescentes de 13 e 14 anos no ano de 200211.

O tamanho da amostra foi calculado através do softwareEpi-Info 6.0, com o objectivo de assegurar que o número de questionários disponíveis era suficiente para a realização deste estudo. Considerando a prevalência da associação num mesmo doente de sintomas de rinoconjuntivite e asma de 5,1%, a variação em torno dessa prevalência de 30% e o intervalo de confiança de 95%, o número obtido foi de 726. Optou-se por se utilizar todos os questionários disponíveis com informações completas (940), para dar maior consistência à análise estatística. As questões utilizadas para a composição do banco de dados estão listadas no Tabela I. O banco de dados foi digitado em dupla entrada e posteriormente validado.

Foi utilizado para identificar os casos de asma o critério de provável asma estabelecido por Ferrari et al(1988), e que considera como: Provável asma' Quatro ou mais crises nos últimos 12 meses, ou uma a três crises associada à alteração do sono por chiado, ou uma a três crises, sem alteração do sono, com chiado após exercício e/ou tosse seca à noite sem estar resfriado, enquanto o grupo de comparação foi o de adolescentes com sintomas de rinoconjuntivite proposto pelo manual do ISAAC; Rinoconjuntivite' Espirros, coriza, prurido nasal nos últimos 12 meses, associado a lacrimejamento e prurido ocular23. A definição de gravidade da asma foi baseada na IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma24; Provável asma intermitente' exacerbações raras (ter uma a três crises por ano sem alteração do sono), sem limitação de actividade (sem tosse noturna ou chiado após exercício), despertar nocturno raro (nenhuma vez acordou com chiado); Provável asma persistente' exacerbações que afectam o sono e a actividade (doente com mais de quatro crises por ano ou uma a três crises por ano com alteração do  sono), limitação da actividade (uma a três crises por ano com chiado após exercício e tosse nocturna), despertar nocturno (doentes que acordam por chiado menos que uma noite por semana e uma ou mais noites por semana).

Para a análise estatística, utilizou-se o programa estatístico Epi-Info, versão 6.0. Para analisar as diferenças de frequências entre os grupos, foi utilizado o teste do quiquadrado (χ2), aceitando-se o nível de significância de 5%.

Para verificar se o adolescente reconhecia ter sintomas de rinoconjuntivite, determinou-se o grau de concordância simples entre a opinião do adolescente sobre ser portador dessa condição e esse diagnóstico, segundo os critérios do estudo.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira ' IMIP. (Protocolo n.º 704).

Resultados A amostra foi composta por 431 (45,8%) adolescentes do sexo masculino e 509 (54,2%), do sexo feminino com idades de 13 a 14 anos.

A prevalência da associação de sintomas de rinoconjuntivite e de provável asma foi de 5,1% (48/940; IC 95%: 3,8 %-6,6%), de provável asma isoladamente de 10,9% (103/940; IC 95%: 9,1% -13,1%) e da rinoconjuntivite isolada de 9,7% (91/ 940; IC 95%: 7,9%-13%).

Entre os adolescentes do sexo masculino, a prevalência da associação rinoconjuntivite e de provável asma foi de 3,7% (16/431; IC 95%: 2,2%-5,8%), de provável asma de 9,5% (41/431; IC 95%: 7,0% -12,6%) e da rinoconjuntivite de 8,3% (36/431; IC 95%: 6,0% -11,2%); no sexo feminino, a prevalência da associação rinoconjuntivite e de provável asma foi de 6,3% (32/509; IC 95%: 4,4% -8,6%), de provável asma de 12,2% (62/509; IC 95%: 9,5% -15,2%) e da rinoconjuntivite, 10,8% (55/509; IC 95%: 8,3%- 13,7%). As razões de prevalências, em relação ao sexo encontram-se no Quadro II.

Entre os adolescentes que preencheram os critérios para provável asma, 31,8% (48/151) foram diagnosticados como portadores de rinoconjuntivite, e, entre os adolescentes sem sintomas de asma, a frequência de portadores de rinoconjuntivite foi de 11,5% (91/789), diferença com significância estatística (p<0,01). Entre os adolescentes com provável asma do sexo masculino, a associação rinoconjuntivite e de provável asma foi de 28,1% (16/57), enquanto nos adolescentes não asmáticos, a rinoconjuntivite estava presente em 9,6% (36/ 374), diferença com significância estatística (p <0,01). No sexo feminino, a associação rinoconjuntivite e de provável asma esteve presente em 34,1% (32/94) das adolescentes com provável asma e, nas adolescentes que não tinham sintomas de asma, a rinoconjuntivite estava presente em 13,2 % (55/415). Diferença com significância estatística (p <0,01).

A análise da gravidade da asma encontra'se no Quadro III. Dentre os doentes com rinoconjuntivite,   18,7% (9/48) tinham provável asma intermitente e 81,3% (39/ 48) provável asma persistente, diferença sem significância estatística (p =0,11).

Entre os adolescentes portadores de rinoconjuntivite, 65,1% (86/132) não reconheciam ser portadores da doença e, entre os que não tinham sintomas de rinoconjuntivite nos últimos doze meses, 17,6% (136/774) afirmavam ter a doença, sendo o grau de concordância de respostas dos verdadeiros positivos e verdadeiros negativos de 72,8%.

Discussão O International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) foi um marco importante entre os estudos epidemiológicos sobre prevalência de asma e doenças alérgicas em crianças e adolescentes, permitindo avaliar a prevalência dessas doenças em diferentes partes do mundo, através de um questionário escrito autoaplicável e/ou videoquestionário11.

O Brasil teve participação na primeira e última fases do protocolo com recolha de informações em 20 cidades nas várias regiões do país, na fase 317. Definindo provável asma e rinoconjuntivite de modo semelhante a esse estudo, Riede et al 25 observaram que, entre adolescentes escolares de Curitiba, a prevalência da associação rinoconjuntivite e de provável asma na fase 3 do ISAAC-Brasil foi de 5,2%. A prevalência dessa associação ainda não havia sido determinada em Recife, o que foi objectivo do estudo. Baseado nos questionários do protocolo ISAAC, aplicados em Recife no ano de 2002, essa prevalência foi de 5,1%; (IC 95%: 2,2% -5,8%), corroborando dados publicados por vários autores8,11,19,25, nos últimos anos, que mostram uma elevada associação desses sintomas num mesmo indivíduo.

Algumas perguntas padronizadas, estabelecidas no protocolo ISAAC, foram utilizadas para o diagnóstico de asma provável; entretanto deve salientar-se que o questionário foi elaborado para análise epidemiológica, ficando limitado, seu uso a uma análise de interesse clínico, pois as perguntas isoladas não podem levar ao diagnóstico clínico definitivo.

Neste estudo, observou-se uma prevalência mais elevada para a associação rinoconjuntivite e provável asma no sexo feminino, em relação ao sexo masculino, sendo maior a razão de prevalência da associação rinoconjuntivite e de provável asma. Esta frequência de doenças alérgicas maior em raparigas foi concordante com resultados obtidos em outros estudos15,18.

Existem diferenças na prevalência de asma e doenças atópicas em relação ao sexo, com predomínio dos sintomas no sexo masculino antes da puberdade e inversão dessa relação após a puberdade e durante a fase reprodutiva.

Algumas hipóteses podem justificar essa diferença, dentre elas o facto de o desenvolvimento das vias aéreas no sexo masculino ser desacelerado em relação ao sexo feminino até à puberdade, quando ocorre uma aceleração de todos os índices de função pulmonar em rapazes e melhoria da musculatura respiratória durante esse período 26 .

Mudanças hormonais também parecem estar associadas à inversão desta relação de doença quanto ao sexo; enquanto a testosterona é um imunossupressor e, provavelmente, tem acção protectora, os esteróides femininos são pró- inflamatórios e aumentam a susceptibilidade à atopia26.

A elevada prevalência de doenças alérgicas em todo o mundo e a frequente associação de rinite alérgica/asma sustentação à hipótese que atribui à presença de sintomas nasais e pulmonares no mesmo indivíduo com uma doença de maior gravidade. Este facto acarreta considerável número de atendimento nos serviços de saúde, elevando os custos com esses doentes devido a um maior número de internamentos e da necessidade de se usar uma maior quantidade de fármacos para se obter o controlo da doença10,20,21.

Kocevar et al, numa coorte retrospectiva envolvendo 2961 crianças asmáticas menores de 15 anos, observaram que crianças com rinite alérgica e asma necessitavam de mais fármacos para controlar a doença, frequentavam mais vezes os serviços de saúde e se internavam mais que crianças que apresentavam apenas asma, corroborando o conceito de que a associação asma/rinite alérgica é uma condição associada a maior gravidade22.

Estes resultados foram confirmados por outros autores20,21.

No presente estudo, foi avaliada a frequência de rinoconjuntivite entre prováveis asmáticos e observou-se que os sintomas nasais entre os adolescentes com asma foi maior do que naqueles sem provável asma, o que fortalece a hipótese do elo entre as vias aéreas superiores e inferiores.

Em 2004, foi realizado um grande estudo clínico em 31 centros na Europa, Estados Unidos e Nova Zelândia, que analisou a relação entre rinite alérgica e asma na população.

Foram aplicados questionários a 90 478 doentes entre 20 e 44 anos de idade, dos quais 10 210 responderam de modo adequado às informações sobre asma e rinite, realizaram testes alérgicos, espirometria, broncoprovocação com metacolina e dosagem total de IgE. A prevalência de asma foi de 2% nos indivíduos sem rinite e de 13% nos indivíduos com rinite. Aproximadamente 71% dos doentes com asma referiram sintomas de rinite, interpretado pelos autores como uma confirmação do elo entre rinite e asma. Nesse mesmo estudo, a hiperresponsividade brônquica medida pela estimulação com metacolina foi duas vezes mais frequente nos doentes com rinite (19,3%), quando comparado com doentes sem rinite (8,7%), na população de doentes sem asma. Os autores sugerem que rinite e asma são partes de uma mesma doença das vias aéreas13.

Linnenberg et al, em importante estudo longitudinal na Dinamarca27, observaram que rinite alérgica e asma tendem a ocorrer como resposta ao mesmo alérgeno porém os doentes com rinite alérgica ao pólen apresentam menos sintomas de asma do que os doentes com rinite alérgica decorrente da exposição aos alérgenos persistentes no ambiente (ácaros e pêlos de animais), o que pode significar uma maior gravidade da síndroma alérgica respiratória crónica. Guerra et al,utilizando parte da amostra (1655 doentes) do Tucson Epidemiology Study of Obstructive Lung Disease,observaram que mais de 76% dos asmáticos tinham rinite alérgica14. Solé et alencontraram, na cidade de São Paulo, uma prevalência de rinite alérgica entre adolescentes asmáticos de 42%8.

Foram utilizadas algumas perguntas do questionário ISAAC para diagnosticar a gravidade da asma, pois nenhuma pergunta isolada é suficiente para definir esse problema18,25.

Isto deve ser visto com cautela, uma vez que o questionário foi elaborado para embasar estudos epidemiológicos e a sua utilização para responder a perguntas, que são de interesse para a clínica, fica limitada. Outrossim, adaptar conceitos de directrizes clínicas às categorizações utilizadas no ISAAC tem as suas limitações. Os estudos epidemiológicos visam informar a distribuição de um evento na população, enquanto as directrizes têm como prioridade definir condutas individuais.

O facto de o ISAAC ter sido validado para asma e rinite alérgica na cidade de São Paulo e para asma em Curitiba, na fase 1, não garante que o entendimento das questões se faça de modo adequado em outros locais do país, o que pode vir a ser uma limitação quando o questionário é aplicado em outras regiões. Por outro lado, reconhecer a presença da síndroma alérgica respiratória crónica é de grande importância para o médico, pois a abordagem terapêutica será diferente da instituída em doentes com sintomas apenas no nariz ou no pulmão. É importante também o reconhecimento destas condições por parte do indivíduo acometido, para que o mesmo evite exposição aos factores de risco. Por não ser a rinite alérgica considerada uma doença grave, muitas vezes os sintomas não são valorizados, apesar do comprometimento da qualidade de vida do doente e seus familiares, enquanto, por parte do médico, durante a consulta de rotina, o nariz é um órgão pouco abordado aquando da realização da anamnese, do interrogatório sintomatológico e do exame físico.

Um dos objectivos do estudo foi observar se os sintomas de prurido nasal, coriza, espirros e lacrimejamento eram reconhecidos pelos adolescentes como sintomas de rinoconjuntivite.

Neste estudo, 65,2%(86/139) dos adolescentes responderam não ter rinoconjuntivite, embora preenchessem os critérios para este diagnóstico clínico. Por outro lado, apenas 17,6% (136/774) afirmaram ter rinoconjuntivite, sem preencher os critérios estabelecidos.

A maioria dos adolescentes com rinoconjuntivite não sabia que apresentava esta doença, o que pode estar relacionado com o subdiagnóstico ou a não valorização dos sintomas relacionados com a condição. O facto de não identificar os sintomas de rinoconjuntivite como uma das manifestações clínica da doença alérgica respiratória crónica pode ser factor importante na resposta inadequada ao tratamento instituído para os sintomas pulmonares, muitas vezes realizado sem que se considerem os sintomas nasais.

O curso natural das doenças alérgicas é conhecido como marcha atópica 28 , em que ocorre uma sequência típica de progressão de sinais clínicos de dermatite atópica, alergia alimentar e alergia respiratória.

A identificação da rinite associada à asma é importante para a tomada de decisão terapêutica e pode contribuir para o controlo mais efectivo dos sintomas, em relação aos casos onde o tratamento medicamentoso da asma é priorizado. Os relatos de diferentes autores corroboram o conceito da unicidade da via aérea, que preconiza para esta doença um tratamento único. O reconhecimento dos sintomas nasais como um dos pilares da síndroma alérgica respiratória crónica, implica uma abordagem terapêutica mais abrangente, que culminará no controle adequado dos sintomas, repercutindo a melhoria da qualidade de vida do indivíduo acometido, bem como dos seus familiares.


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