Aderência ao tratamento da asma
Introdução
A asma é uma doença inflamatória crónica associada a hiperreactividade das vias
aéreas, com episódios recorrentes de obstrução reversível das mesmas, causando
sibilância, dispneia, aperto torácico e tosse
1
.
A asma é uma das doenças crónicas mais prevalentes em todo o mundo, sendo que a
Europa Ocidental tem uma das prevalências mais altas: 13,0% entre as crianças e
8,4% entre os adultos
2
,
3
.
O tratamento da asma envolve dois tipos de fármacos:
' fármacos de controlo (por exemplo, corticosteróides inalatórios (ICS)), que
devem ser tomados diariamente para manter a asma sobre controlo, principalmente
pelo seu efeito anti-inflamatório;
' e fármacos para alívio rápido dos sintomas [como agonistas dos receptores â2
adrenérgicos de curta duração de acção (SABA)] que devem ser usados nas
exacerbações para reverter a broncoconstrição e, assim, aliviar os sintomas1.
A Global Initiative For Asthma(GINA)1 define 6 objectivos para um controlo
adequado da asma:
1 ' sintomas diários mínimos (≤2 vezes/semana);
2 ' ausência de limitações nas actividades diárias (incluindo exercício
físico);
3 ' ausência de sintomas nocturnos ou despertar causado pela asma;
4 ' necessidade mínima de recurso a agonistas â2 (≤2 vezes/semana);
5 ' PEF (peak expiratory flow) normal ou próximo do normal;
6 ' ausência de exacerbações.
Vários trabalhos
4
,5,
6
mostraram que parte da população estudada tinha um nível inadequado de
controlo da asma, continuando a ter sintomas, ficando assim aquém dos
objectivos propostos pela GINA1.
Uma das principais razões para o controlo inadequado da asma é a deficiente
aderência ao tratamento por parte dos doentes
7
.
Como ficou demonstrado em vários estudos, a não aderência à terapêutica na asma
está associada a pior controlo da doença e, consequentemente, a maior
morbilidade e mortalidade
8-14
.
Este trabalho tem como objectivo abordar razões que permitam compreender a
aderência diminuída ao tratamento da asma e, a partir destas, expor estratégias
e a sua eficácia para resolver este problema.
Aderência ao tratamento
Aderência ao tratamento (em inglês: adherence) é definida como a medida em que
o comportamento do doente corresponde às recomendações concordadas com o
prescritor.
Este termo foi implementado como alternativa ao vocábulo inglês compliancenuma
tentativa de realçar a liberdade de decisão do doente em aderir às
recomendações médicas e de que o doente não deve ser culpabilizado pela falha
na aderência. No fundo, aderência expande a definição de compliancepor relevar
a necessidade de concordância entre as duas partes, e não a imposição de uma
sobre a outra
15
.
A não aderência ao tratamento na asma está bem documentada. As taxas de
aderência variam de menos de 30% até 70 -80%, com menos de 50% das crianças a
aderirem aos esquemas de medicação inalatória prescritos
16-20
.
Estes dados estão de acordo com os obtidos em grandes estudos sobre o controlo
da asma. No estudo AIRE (Asthma Insights and Reality in Europe)4, realizado em
1999, verificou-se que apenas 63% dos asmáticos tinham usado medicação de
alívio rápido e 23% ICS. O estudo AIR (Asthma Insights and Reality)5, de 2004,
mostrou que o uso de ICS era de 26% na Europa Ocidental. O estudo INSPIRE
(International Asthma Patient Insight Research)6, de 2006, mostrou que 74% dos
doentes usavam diariamente SABA, apesar da prescrição de medicação de controlo.
Na literatura, frequentemente classifica-se a não aderência em não intencional
e intencional
21
. Para além do interesse de classificação, esta divisão é também importante
para definir as estratégias para ultrapassar a não aderência (ver à frente).
A não aderência não intencional ocorre quando o doente, apesar da sua intenção
de tomar a medicação como prescrita, é impedido de o fazer. Como exemplos
temos:
' não compreensão do esquema prescrito;
' barreiras linguísticas;
' uso incorrecto do inalador21.
A não aderência intencional ocorre quando o doente decide não tomar a medicação
ou tomá-la de forma diferente das recomendações, isto é, o doente compreende a
terapêutica, mas não a segue. Como exemplos deste tipo de não aderência temos:
' crenças do doente (medicação desnecessária, ineficaz, receio de efeitos
adversos);
' custos da terapêutica;
' esquecimento;
' stresse estilo de vida ocupado;
' esquemas terapêuticos complexos;
' factores psicológicos (por exemplo, depressão)21.
De seguida serão explorados de forma mais detalhada os factores e barreiras que
levam a uma aderência inadequada ao tratamento da asma. Os factores associados
a não aderência serão agrupados em inerentes ao doen te e inerentes à
terapêutica devido às especificidades de cada um destes grupos.
Factores associados a não aderência inerentes ao doente
Género
Há evidência na literatura a sugerir que o sexo feminino está associado a menor
aderência ao tratamento. Por exemplo, Williams et al.
22
,
23
, em dois estudos de 2007, mostraram que o sexo feminino é factor de risco para
não aderência ao tratamento da asma. Mas esta associação não é unânime. Por
exemplo, Naleway et al.
24
, num estudo de 2006, não encontraram diferenças de género na aderência.
Num estudo realizado com idosos verificou-se que o género não parece
influenciar a aderência depois dos 60 anos
25
.
Raça
Os doentes de raça negra têm menor aderência à terapêutica da asma, e isto
mantém-se verdadeiro, mesmo após controlo para nível socioeconómico e outros
factores22,23,
26
.
Nível socioeconómico
Não há unanimidade sobre a relação entre o nível socioeconómico e a aderência
ao tratamento na asma.
Vários estudos mostram que baixo nível sócio económico está associado a não
aderência médica na asma22,20,
27
.
No contexto social, é de referir que uma família numerosa e um ambiente
doméstico caótico têm um impacto negativo na aderência à terapêutica
28
. Segundo Wamboldt et al.
29
, níveis elevados de organização e coesão familiar aumentam a adesão da criança
à terapia, enquanto conflitos familiares e desaprovação estão associados a
aderência problemática.
Szilagyi et al.
30
afirmaram, contudo, que em geral o estatuto socioeconómico não prediz
claramente as taxas de aderência. A aderência está apenas positivamente
correlacionada com o rendimento quando o doente paga pelo tratamento, e pode
ser aumentada oferecendo cuidados adequados grátis aos doen tes com baixo
rendimento familiar.
Idade
Em crianças, vários estudos mostraram que com o aumento da idade há uma
diminuição da aderência. McQuaid et al.
31
verificaram que a idade tinha uma associação negativa com aderência, numa
amostra de crianças com idades entre 8 e 17 anos. Labrecque et al.
32
encontraram um uso apropriado mais alto da terapêutica entre as crianças mais
novas. Jónasson et al.
33
verificaram que no grupo de crianças mais velhas havia menor aderência do que
no grupo de mais novas.
Em adultos, Horne e Weinman
34
constataram que o aumento da idade tinha uma associação positiva com
aderência. Contudo, num estudo com doentes idosos mostrou-se que indivíduos com
mais de 60 anos têm menor aderência à medicação para a asma25.
Os factores supracitados são apenas correlações e não implicam necessariamente
uma relação causal. Mas ter presentes estas correlações pode ajudar o clínico a
identificar a não aderência como causa potencial de terapêutica ineficaz em
alguns doentes26.
Factores psicológicos
Depressão, sintomas depressivos e ansiedadepodem aumentar a não aderência e,
consequentemente, aumentar os sintomas e piorar a qualidade de vida
36-40
.
Segundo Smith et al.
37
, doentes com sintomas depressivos tinham um risco cinco vezes maior de usar
menos de metade da medicação prescrita para a asma. Como razões possíveis para
a fraca aderência nesta população, apontaram: apatia, pessimismo, défice de
atenção e sensibilidade aumentada a efeitos laterais37.
Medos relacionados com a medicação
Quando se fizeram entrevistas de resposta aberta em asmáticos, verificou-se que
o medo dos efeitos laterais da medicação era uma razão importante para a não
aderência ao tratamento da asma
41
. Outras razões apontadas para não aderência foram: medo de dependência, medo
de perder a identidade, medo de serem rotulados como tendo uma doença crónica,
falta de confiança no médico prescritor e nas empresas farmacêuticas41.
Apesar de os ICS serem geralmente seguros quando usados nas doses recomendadas,
a verdade é que a preocupação dos doentes com os efeitos laterais destes
fármacos tem sido consistentemente associada a fraca aderência34,42,
43
.
Chambers et al.
44
constataram que os doentes referiam como motivos para a não aderência a crença
de que os ICS eram desnecessários quando assintomáticos e a preocupação com
possíveis efeitos laterais. Horne e Weinman
45
mostraram, relativamente às taxas de aderência, que havia uma variação
considerável nas crenças dos doentes sobre a necessidade de ICS, e cerca de um
terço tinha preocupações importantes sobre os efeitos laterais dos ICS (não
necessariamente relacionadas com experiência real, mas antes com crenças sobre
a relação entre o uso regular e dependência ou outros efeitos laterais). Nesse
mesmo estudo mostrou-se também que os doentes com maiores dúvidas sobre a
necessidade de ICS, junto com a maioria das preocupações, tinham taxas mais
altas de não aderência; o contrário também era verdade
45
.
Apesar desta evidência, Riekert et al.
46
demonstram que os médicos tendem a subestimar os medos dos doentes
relativamente aos efeitos laterais e altas doses diárias. Face a estes dados,
os clínicos precisam de contrapor as dúvidas dos doentes sobre a necessidade do
tratamento e preocupações relacionadas com o mesmo15, de forma a tentar
melhorar a aderência ao tratamento (ver à frente).
É de referir um estudo de 20077 que demonstrou uma associação positiva entre o
uso de ICS e aderência ao tratamento (indivíduos usando ICS tinham
probabilidade significativamente maior de manterem a aderência). Isto mostra
que os medos sobre os efeitos laterais dos ICS podem ser ultrapassados,
provavelmente pela percepção dos benefícios de tomar os medicamentos e pela
informação apropriada7.
Incompreensão dos objectivos do tratamento
Há dados a sugerir que alguns doentes simplesmente não acreditam que as
medicações de controlo na asma sejam úteis41. Isto pode ser compreendido tendo
em vista que as medicações de controlo não proporcionam alívio imediato dos
sintomas35.
Esta falta de compreensão sobre a necessidade de tratamento a longo prazo leva
a aderência diminuída
47
. Por exemplo, Farber et al.
48
verificaram que 23% dos pais não compreenderam o papel dos ICS, acreditando
que era para o tratamento dos sintomas após estes terem ocorrido, e não para a
sua prevenção ' isto está associado a diminuição da aderência ao seu uso
diário.
Gravidade da doença
Como ficou demonstrado em vários estudos, a percepção da gravidade da asma pelo
doente difere em muito da gravidade dos sintomas avaliada por critérios
objectivos. Por exemplo, no estudo AIRE4, 50% dos doentes que referiam sintomas
graves persistentes consideravam a sua asma completamente ou bem controlada. Os
estudos AIR5 e INSPIRE6 apresentaram resultados sobreponíveis. Num outro estudo
49
, 58% dos doentes, antes de lhes serem mostrados os objectivos das
guidelinesGINA no tratamento da asma, referiam estar satisfeitos com o nível de
tratamento da asma; isto caiu para 33% após verem os objectivos do tratamento.
Segundo Williams et al., doença menos grave está associada a maior não
aderência à terapêutica prescrita22, logo esta discrepância entre a percepção e
a gravidade da asma coloca uma barreira significativa à aderência36; já que os
doentes que se sentem bem com a sua asma, preferem tomar a medicação com base
nas necessidades, em vez da medicação de controlo para prevenir os sintomas.
O subestimar da gravidade da doença conduz à falta de confiança na medicação
prescrita e, consequentemente, à redução da aderência
50
.
Factores associados a não aderência inerentes à terapêutica
Complexidade dos esquemas terapêuticos
A complexidade dos esquemas terapêuticos constitui uma barreira significativa à
aderência às medicações no tratamento da asma36.
A complexidade dos esquemas terapêuticos na asma depende de: 1) frequência de
administração; 2) número de fármacos prescritos; e 3) número de dispositivos
inaladores51.
Frequência de administração
A aderência à terapêutica foi relacionada com a frequência com que os fármacos
têm que ser tomados, sendo maior a aderência para menor número de tomas
diárias. Coutts et al.
52
demonstraram, com ICS, um aumento da taxa de aderência de 59 para 96,3%
através da redução do número de administrações diárias de 3 para 1 vez por dia.
Mann et al.
53
mostraram que com 4x/dia a aderência era menor do que com 2×/dia Purucker et
al.
54
, contudo, referem não existir vantagem em termos de aderência entre ICS
administrados 1×/dia e 2×/dia, havendo uma grande desvantagem com a monoterapia
diária, pelo que os autores desaconselharam o uso desta. Outro estudo corrobora
esta ideia, afirmando que, apesar de a aderência ser menor para esquemas mais
complexos, a não aderência significativa mantém-se mesmo quando a frequência de
administração é diminuída
55
.
É de referir que, apesar de a terapêutica administrada 1×/dia promover a
aderência, o controlo da asma a longo termo geralmente é pior do que para os
doentes com 2×/dia
56
.
Tipo de fármacos
A aderência aos ICS é geralmente pior do que aos broncodilatadores (agonistas
â2 adrenérgicos), como ficou bem patente nos estudos AIRE, AIR e INSPIRE4,5,6.
Isto foi atribuído à ausência de alívio imediato ou de efeito perceptível com
os ICS, em comparação com SABA
57
. O estudo INSPIRE6 mostrou mesmo que, apesar de a maioria dos doentes
reconhecer os sinais precoces de exacerbação, a resposta mais comum aos sinais
era aumentar o uso de agonista â2 de curta duração de acção (apesar da
terapêutica de controlo prescrita), com os ICS a serem usados num nível muito
menor e apenas quando os sintomas eram graves.
Milgrom et al.
10
verificaram que a medicação era tomada na altura certa como prescrito mais
vezes com agonistas â2 adrenérgicos que com ICS. Bender et al.
58
também encontraram maior aderência com agonistas â2 adrenérgicos do que com
ICS. Deve-se notar que nestes estudos os agonistas â2 adrenérgicos eram
provavelmente SABA, embora os fármacos não tenham sido identificadas ' não está
claro se seriam encontrados resultados similares se a aderência com ICS fosse
comparada com LABA (agonistas dos receptores â2 adrenérgicos de longa duração
de acção).
Número de dispositivos inaladores
A evidência sugere que a preferência por um inalador específico conduz a
melhoria da aderência à terapêutica
59
,
60
.
Dificuldades com as vias de administração
A via de administração preferencial na grande maioria dos doentes asmáticos
assintomáticos é a inalatória devido a: eficácia, baixo risco de efeitos
laterais e actividade local da medicação1. Contudo, os doentes preferem a
administração por via oral à via inalatória na asma
61-65
.
Kelloway et al.61 mostraram uma melhor aderência com administração por via oral
(teofilina) do que com fármacos inalatórios (ICS), com número semelhante de
administrações diárias.
Outros estudos
63-65
, comparando aderência dos doentes à terapêutica oral versusinalatória,
encontraram resultados sobreponíveis.
Contudo, nestes estudos ' ao contrário do estudo de Kelloway et al.61 ' havia
algum confundimento dos resultados entre a via de administração e a frequência
de administração, já que as drogas inalatórias tinham uma maior frequência de
administração (o que como já vimos está associado a menor taxa de aderência).
Dificuldade em usar medicamentos por via inalatória
Os doentes têm problemas em aderir à terapêutica de controlo com dispositivos
inalatórios35.
O treino inadequado da técnica inalatória leva à diminuição da aderência47 ' se
os doentes não dominarem a técnica inalatória, isto é, se a técnica não for
realizada correctamente, a medicação não vai ser eficaz, e isto leva a baixa
aderência
66
,
67
. A incapacidade de coordenar a inalação e accionamento do metered dose inhaler
(MDI) e a incapacidade de inspirar com força suficiente o dry powder inhaler
(DPI) são exemplos de dificuldades associadas aos inaladores68.
Apesar de o parecer simples com o uso de MDI, muitos doentes não têm a
coordenação necessária entre accionar e começar uma inspiração lenta67. Os DPI
podem remover a necessidade de coordenação mão-respiração necessária para os
MDI, pois são accionados pela respiração.
Há estudos a mostrar que o uso de DPI está associado a melhoria da aderência em
comparação com o MDI-padrão
69
, contudo um estudo realizado por Melani et al.
70
encontrou percentagens similares de uso reduzido pelos doentes de MDI em
comparação com DPI.
O uso de espaçadores para os MDI convencionais optimiza a entrega do fármaco e
diminui a complexidade da inalação da medicação
71
.
O uso destes dispositivos melhora a aderência em adultos, mas não em crianças
72
.
Necessidade de automonitorização
A automonitorização é um componente necessário à terapia da asma, sendo
recomendado o uso de PEF em casa para monitorizar o tratamento da asma1.
Ohm et al.
73
mostraram que doentes com variações superiores a 20% nas suas medições de peak
flowtinham maior probabilidade de aderirem à terapêutica. Uma razão possível
para isso é que os doentes com maior variabilidade na função respiratória
lembrar-se-iam disto quando anotassem valores anormais no diário. Uma outra
razão é que maior variabilidade é um marcador de doença mais grave, a qual está
associada a aderência aumentada (ver antes).
Alguns doentes não têm simplesmente capacidade de monitorizar os sintomas,
tomar a medicação de alívio sintomático e ajustar as doses de medicação de
controlo quando necessário36. Isto conduz a não aderência não intencional.
Estratégias para aumentar a aderência
De seguida serão apresentadas estratégias que se podem implementar para tentar
aumentar a aderência ao tratamento e as que oferecem melhores resultados e
melhor razão custo-benefício.
Comunicação
Uma boa comunicação com o doente parece ser essencial para melhorar a aderência
à terapêutica da asma35. Com uma boa comunicação, os profissionais de saúde
podem ser capazes de identificar melhor os problemas com a aderência,
identificar razões para a não aderência, e procurar soluções apropriadas.
Lewis e Fink
75
defendem que os profissionais de saúde devem ser capazes de ajudar o doente a
compreender a doença e a incentivar o self-management. Devem endereçar e tentar
corrigir as crenças dos doentes que podem diminuir a aderência, como as dúvidas
sobre a necessidade de medicação e preocupação sobre os efeitos adversos e
dependência75. Os médicos devem questionar activamente os doentes sobre as
crenças da doença e tratamento, pois apesar das crenças governarem atitudes em
relação à terapia, estas crenças não são fundamentadas e podem ser alteradas
através da educação e negociação, conduzindo a uma melhor compreensão da asma,
que pode promover comportamentos mais adequados e eficazes45.
Os doentes com pensamentos positivos sobre a sua medicação aderem mais
provavelmente à terapêutica da asma7. Isto sugere que proporcionar ao doente
boa informação sobre os riscos e benefícios das medicações de controlo, como
ICS, pode conduzir a aderência melhorada à terapêutica.
Existe uma correlação significativa entre a crença dos doentes que têm uma
doença grave e melhor aderência aos ICS
74
. Desta forma, Ulrik et al.74 postularam que o facto de os clínicos comunicarem
a opinião da gravidade da doença aos seus doentes é uma forma eficaz que pode
aumentar a aderência.
A incompreensão de como tomar a medicação de controlo constitui uma barreira à
aderência41.
Por isso, uma forma particular de melhorar a comunicação é incorporar um plano
de acção para a asma (um conjunto de instruções específico e detalhado que é
dado aos doentes após revisão meticulosa) que dá instruções sobre
automonitorização, administração de medicação de controlo e quando usar
medicação de alívio sintomático.
Van der Palen et al.
76
constataram que a aderência à terapêutica melhorou após sessões de educação e
guidelinesescritas sobre como ajustar o plano terapêutico. Mas, fornecer
informação clara, apesar de essencial, não é suficiente para garantir a
aderência
77
. Brown
78
sugere que alterar o comportamento de doentes e médicos ao longo do tempo, em
particular motivando aqueles a envolverem -se activamente no tratamento da sua
asma, pode ser a chave para uma aderência óptima.
Educação para a asma
A carga da não aderência não intencional pode ser revertida com melhor educação
dos doentes, mas continua a ser problemático pôr em prática esta medida
79
.
Segundo Janson et al.
80
, um simples programade educação para a asma pode melhorar significativamente a
aderência ao tratamento, e isto correlacionou-se com melhores resultados
clínicos. Gallefoss e Bakke
81
também mostraram que a aderência a ICS era maior entre os doentes que
participaram em sessões de educação.
Côté et al.
82
defendem que, apesar dos programas de educação aumentarem a aderência ao
tratamento a curto prazo, não resultaram em alteração no que diz respeito à
morbilidade.
Contudo, este estudo não nega os benefícios dos programas de educação em alguns
grupos. De igual forma, Bernard'Bonnin et al.
83
mostram que os programas de educação para a asma geralmente não resultam em
alterações significativas da morbilidade.
A educação do doente permanece um componente importante do tratamento
abrangente da asma, mas provavelmente só provoca alterações no grupo daqueles
para o qual a falta de informação é a razão primária da não aderência83.
Alertas audiovisuais
Uma das razões da não aderência é o esquecimentopor parte do doente.
Charles et al.
84
mostraram que um alarme sonoro e visual colocado no MDI melhorava
significativamente a aderência à terapêutica com ICS. Contudo, não existem
actualmente inaladores com alarme sonoro ou visual disponíveis no mercado.
Como alternativa, pode-se considerar associar o uso do inalador com a medicação
de controlo a outra actividade que seja feita aproximadamente com a mesma
frequência (p.e., usar o ICS logo após escovar os dentes de manhã e à noite;
isto tem ainda a vantagem de estimular a aderência à recomendação de lavar os
dentes logo após usar ICS).
Agendar proactivamente as consultas médicas
Doentes que visitam regularmente o médico têm maior probabilidade de aderirem à
medicação da asma7. Isto pode dever-se a constante encorajamento ou reforço. As
recomendações actuais preconizam um seguimento trimestral1.
Um estudo
85
comparou três grupos de doentes que recorreram ao serviço de urgência por
crise de asma: doentes com cuidados habituais; doentes com medicações e
transporte grátis; doentes com seguimento médico programado. O único grupo que
mostrou melhoria da aderência ao tratamento foi aquele com visitas médicas
regulares.
Esta evidência é suportada por outro estudo, já referido, que aponta como
únicos preditores de aumento da aderência ao tratamento: consultas regulares; e
pensamentos positivos sobre a medicação7.
O facto de ter um seguimento regular também facilita a comunicação, melhora a
educação do doente, ou seja, ajuda a modificar muitos dos factores de risco
para a não aderência.
Terapêutica combinada
Simplificar a prescrição usando terapêutica que combina ICS e LABA no mesmo
dispositivo é superior em termos de aderência a usar estes agentes
separadamente ' os doentes que usavam terapêutica combinada tinham uma taxa de
aderência duas vezes superior à dos que usavam os fármacos separadamente ao fim
de um ano
86
.
Stoloff
et al.
87 corroboraram que a combinação de dois fármacos numa única formulação para
inalação leva a uma duplicação da taxa de aderência. O mesmo foi encontrado por
O'Connor et al.
88
.
Usar dispositivos que combinem classes diferentes de fármacos facilita a toma
de todas as medicações prescritas, aumentando deste modo especialmente a
aderência aos ICS, que geralmente é inferior aos agonistas â2 adrenérgicos (ver
antes).
Num estudo de Bosley et al.
89
não se verificou uma maior aderência nos doentes usando formulações de
combinação, mas estes resultados podem dever-se a terem usado SABA, que
requerem uso mais frequente por dia do que agentes de longa duração ' e, como
já se mostrou, com maior frequência de administração é menor a aderência.
Conclusão
Vários estudos mostraram uma elevada frequência de não aderência à terapêutica
da asma, o que resulta em mau controlo da doença, e, consequentemente, em
aumentos da morbilidade e mortalidade.
São várias as causas que permitem explicar essa aderência reduzida ao
tratamento, como: não compreensão pelo doente da necessidade da medicação,
medos relativamente aos efeitos laterais, questões psicológicas, não percepção
da gravidade da doença, dificuldades com a adaptação aos esquemas terapêuticos
complexos e aos dispositivos inaladores.
A demonstração destes factores como causa de não aderência releva a necessidade
de estabelecer uma boa comunicação com o doente, informando-o sobre a gravidade
da sua doença, a importância da medicação e a importância da monitorização e
seguimento. Para além de melhorarem a comunicação, os clínicos devem ainda
esforçar-se por simplificarem a prescrição e por incentivarem os doentes a
serem seguidos regularmente, marcando nova consulta a cada visita.