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EuPTCVHe0873-21592010000100011

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National varietyEu
Year2010
SourceScielo

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Pneumomediastino espontâneo multiloculado em recém-nascido: Caso Clínico

Introdução Pneumomediastino é definido como a presença de ar dentro do mediastino 1 , 2 , 3 .

Surge habitualmente em doentes com patologia pulmonar subjacente, submetidos a ventilação mecânica ou associado a procedimentos técnicos invasivos, endotraqueobrônquicos ou esofágicos, cateterismos cardíacos, cirurgia torácica ou a traumatismos torácicos1,2.

ainda os casos, mais raros, que surgem não associados a nenhuma das situações referidas, em doentes sem doença pulmonar concomitante, denominados pneumomediastinos espontâneos”1,3.

O pneumomediastino no período neonatal ocorre em cerca de 2,5 casos por cada 1000 nados-vivos1, 4 . Quando isolado, é geralmente assintomático, mas deve ser considerado sempre que o recém-nascido apresenta dispneia ou polipneia súbita, sem doença pulmonar aparente1. Na maioria dos casos, surge associado a patologia pulmonar do recém- nascido, nomeadamente a síndroma de aspiração meconial, a pneumonia, a doença das membranas hialinas, à ventilação mecânica ou a traumatismos associados ao parto1.

O pneumomediastino espontâneo é muito raro neste grupo etário e, quando surge, pode ter tendência à loculação2, 5 .

Caso clínico Recém-nascido de termo, sexo masculino, filho de mãe saudável com 34 anos.

Trata-se de uma primeira gestação, vigiada, com serologias e marcadores víricos negativos. Na ecografia pré-natal, realizada às 12 semanas de gestação, foi detectada translucência da nuca aumentada, pelo que foi efectuada amniocentese às 16 semanas, que revelou um cariótipo normal (46, XY). O ecocardiograma fetal às 25 semanas e as ecografias fetais posteriores foram normais.

O parto ocorreu às 38+1 semanas de gestação, por cesariana (trabalho de parto estacionário e risco infeccioso), num hospital privado.

Fez duas doses de ampicilina profiláctica antes do parto, por ter rastreio para Streptococcus agalactaepositivo às 34 semanas.

A ruptura da bolsa amniótica decorreu no período perioperatório e o líquido amniótico era normal. Foi-lhe atribuído um índice de Apgar de 9/10 ao 1.º e 5.º minutos de vida, respectivamente.

O RN, de sexo masculino, não necessitou de reanimação e apresentava uma antropometria adequada à idade gestacional: peso de 3290 g (P25), comprimento de 50 cm (P50), perímetro cefálico de 35,5 cm (P25-75).

O exame físico ao nascimento era normal.

História da doença Às 2 horas de vida iniciou gemido expiratório associado a taquipneia (FR 80-100 cpm) e tiragem sub e intercostal ligeira a moderada, com agravamento progressivo e necessidade de oxigénio suplementar, pelo que foi transferido para o nosso serviço às 5 horas de vida.

À admissãoapresentava razoável aspecto geral, boa perfusão periférica, em ventilação espontânea com oxigénio suplementar (FiO2 30%), SatpO2 97%, taquipneia (FR~75cpm) e tiragem subcostal. À auscultação pulmonar, murmúrio vesicular mantido e crepitações dispersas.

O restante exame objectivo era normal. Analiticamente apresentava hemograma normal e marcadores de infecção negativos.

A radiografia do tórax era compatível com taquipneia transitória do RN (Fig.

1).

Fig. 1

Por risco infeccioso e por suspeita de sépsis neonatal precoce iniciou antibioticoterapia com ampicilina e gentamicina.

Evolução no internamento:Manteve-se sempre em ventilação espontânea, sem necessidade de O2 suplementar, embora com sinais de dificuldade respiratória ligeiros a moderados (taquipneia e tiragem subcostal) até D6. Repetiu radiografia do tórax em D2 de vida (Fig. 2), a qual evidenciou imagem de hipertransparência de limites bem definidos nas regiões paracardíaca esquerda e retroesternal (setas), parecendo haver o sinal da vela (ponta de seta) e hipotransparência do lobo superior esquerdo.

Fig. 2

Para melhor caracterização desta imagem realizou tomografia axial computorizada torácica em D5, que revelou no mediastino ântero-superior esquerdo uma lesão de conteúdo puramente aéreo, com finos septos internos, medindo cerca de 5cm, desviando súpero-lateralmente o timo. Esta lesão era independente dos campos pulmonares, sendo compatível com pneumomediastino multiloculado(Figs. 3 a 8).

Fig. 3

Fig. 4

Fig. 5

Fig. 6

Fig. 7

Fig. 8

Iniciou oxigenoterapia suplementar (3L/min), na tentativa de mais rápida resolução do pneumomediastino, que manteve até D10.

Para exclusão de possíveis causas de pneumomediastino secundário, em D8 realizou trânsito esofágico contrastado que excluiu perfuração esofágica (Figs.

9 e 10). Note–se que mantinha imagem de pneumomediastino (setas).

Fig. 9

Fig. 10

Foi programada broncofibroscopia para exclusão de perfuração da traqueia, não efectuada por recusa dos pais.

Do restante estudo, foram detectados, em ecocardiograma realizado em D3 de vida, comunicação interventricular (CIV) médio-septal com shuntesquerdo-direito restritivo sem significado hemodinâmico e foramen ovalepatente mínimo.

Em D10 foi realizada radiografia do tórax, que mostrou reabsorção parcial do pneumomediastino (Fig. 11), tendo sido posteriormente transferido para o serviço de pediatria, para manutenção dos cuidados.

Fig. 11

A evolução clínica foi favorável, mantendo-se sem sinais de dificuldade respiratória, hemodinamicamente estável, a alimentar-se bem, com boa tolerância e com boa evolução ponderal.

O controlo imagiológico em D17 foi normal (Fig. 12).

Fig. 12

O RN teve alta ao 17.º dia de vida, orientado para as consultas de pediatria/ pneumologia (CHP) e de cardiologia pediátrica (HSJ).

Aos 45 dias de idade efectuou tomografia axial computorizada torácica de controlo, que demonstrou completa resolução do pneumomediastino multiloculado, sem quaisquer alterações pleuropulmonares associadas.

Aos 9 meses de idade, apresenta uma boa evolução com crescimento estaturoponderal e desenvolvimento psicomotor adequados.

Discussão Nos recém-nascidos, o pneumomediastino pode ser loculado e multisseptado, ao contrário do que acontece nas crianças mais velhas e adultos. A forma loculada é devida à limitação pela fáscia que envolve o timo e que se continua com a fáscia fibrosa do pericárdio, com a pleura parietal e com a persistência do ligamento esternopericárdico1,6.

O sinal da vela, semelhante à vela de um barco, traduzindo a dissecção lateral do timo em relação ao pericárdio pelo ar, é formado e mantido na posição por tecido fascial2,4,5,6.

O ar disseca o tecido conjuntivo e interlobular da cápsula tímica dando a aparência multisseptada2,5,6. O caso clínico apresentado ilustra exactamente esta entidade. A forma loculada e o sinal da vela são bem visíveis nas imagens de radiografia do tórax e a tomografia axial computorizada torácica evidencia a presença dos múltiplos septos internos que a definem.

Nas crianças mais velhas e nos adultos, em que o timo e a fáscia tímica se encontram atróficos e o ligamento esternopericárdico não existe, o ar que se encontra no mediastino estende-se ao tecido celular subcutâneo do pescoço, traduzindo-se clinicamente por enfisema subcutâneo1,3,5, 7 .

A forma loculada de pneumomediastino pode simular outras patologias que se apresentam habitualmente sob a forma de bolha de gás intratorácico, nomeadamente a malformação adenomatóide quística pulmonar, o enfisema lobar congénito e os quistos tímicos5. No caso clínico apresentado, estas patologias eram muito improváveis, uma vez que as ecografias fetais eram normais e a primeira radiografia do tórax também não evidenciava alterações do parênquima pulmonar. A realização da tomografia axial computorizada torácica foi fundamental para excluir estas patologias e estabelecer o diagnóstico.

O pneumomediastino espontâneo num recém-nascido de termo, sem ter sido submetido a ventilação mecânica ou sem patologia pulmonar subjacente, é muito raro1,5. No caso apresentado, o recém-nascido não tinha sido submetido a ventilação mecânica, nem sequer a ventilação com autoinsuflador manual ao nascimento, nem havia evidência radiológica de lesão pulmonar intrínseca, pelo que se considerou a hipótese de se tratar de um pneumomediastino espontâneo. No entanto, com o objectivo de detectar possíveis causas secundárias do pneumomediastino que pudessem pôr em risco a vida do doente, foi efectuado estudo radiológico contrastado do esófago, que permitiu excluir a perfuração esófagica, e foi programada broncoscopia para exclusão de perfuração da traqueia, que não chegou a ser realizada inicialmente por recusa dos pais nem numa fase mais tardia pela evolução clínica e imagiológica.

Nos casos com evolução favorável, com exclusão prévia de malformações pulmonares associadas, a tomografia axial computorizada torácica de controlo é discutível, devendo ser ponderada caso a caso.

O pneumomediastino espontâneo, isolado, geralmente tem resolução espontânea, sem necessitar de tratamento específico. No RN de termo, uma elevada concentração de oxigénio inspirado está associada à reabsorção do ar extraalveolar1,4, pelo que foi esta a opção terapêutica no caso apresentado. A drenagem do pneumomediastino é difícil porque o ar está colectado, mas está recomendada em casos raros de pneumomediastino maligno ou sob tensão com compromisso cardiovascular1,4.


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