Hemangioendotelioma epitelióide da pleura - Uma apresentação rara a propósito
de um caso clínico
Introdução
O hemangioendotelioma epitelióide (HEE) é um tumor de origem vascular,
convencionalmente considerado de evolução intermédia relativamente ao
hemangioma e angiossarcoma
1-3
. A sua forma de apresentação é mais frequente a nível do osso, fígado, tecidos
moles e pulmão e com raro atingimento das membranas serosas
4-6
; pode ser um tumor único e local ou múltiplo e poliostótico.
O prognóstico do HEE é variável, não sendo a clínica e a histopatologia só por
si preditivas, estando também dependente do seu local de origem.
A relevância do caso clínico apresentado prende-se com a raridade desta
entidade patológica, do local envolvido e do comportamento agressivo observado.
Caso clínico
Doente do sexo feminino, 65 anos, raça caucasiana, casada, natural e residente
em Anadia, que em Agosto de 2005 sofre queda com traumatismo torácico à
direita. Por persistência de quadro de toracalgia anterolateral direita, de
características pleuríticas, foi instituída terapêutica analgésica sem alívio
sintomático.
Em Março de 2006 recorre ao Serviço de Urgência dos HUC por agravamento do
quadro álgico, associado a dispneia de esforço progressiva, astenia, anorexia e
emagrecimento (14 kg/5 meses).
A doente sofria de hipertensão arterial e estava medicada com irbesartan 150 mg
id e mexazolam 1mg 3id. Sem hábitos tabágicos e etílicos. Era costureira desde
há 30 anos e negava exposição a radiações, asbestos ou químicos. Os
antecedentes familiares eram irrelevantes.
Ao exame físico encontrava-se apirética, normotensa, eupneica em repouso e
acianótica. Sem adenopatias periféricas palpáveis. Sem alterações
auscultatórias a nível cardíaco. Do foro pulmonar verificou-se ausência do
murmúrio vesicular nos dois terços inferiores do hemitórax direito.
As radiografias do toráx (Fig. 1) apresentavam opacidade homogénea, ocupando a
metade inferior do campo pulmonar direito.
Fig. 1 – Radiografia do tórax (PA e perfi l direito) – Opacidade homogénea
ocupando a metade inferior do campo pulmonar direito
Foi internada no Serviço de Pneumologia para estudo da situação clínica.
Efectuou-se toracocentese diagnóstica, drenou-se apenas 80cc de líquido pleural
de aspecto seroso. O estudo bioquímico do líquido mostrou tratar-se de um
exsudato, o doseamento da ADA era de 24 u/l e a celularidade total de células
de 1200/ /mm3 (linfócitos – 90%; outras células – 7%). O estudo microbiológico
do líquido pleural, exames directos e culturais, foi negativo. A citologia
revelou a presença de pequenos linfócitos, células mesoteliais reaccionais e
ausência de células neoplásicas.
Dos marcadores tumorais apenas o Ca125-41U/Ml (N<27) apresentava valor elevado.
A TC torácica (Fig. 2) revelou derrame pleural direito de volume moderado,
condicionando colapso compressivo dos lobos médio e inferior direito; ausência
de adenopatias mediastino-hilares.
Fig. 2 – TC Toráx – Mostrava derrame pleural direito de volume moderado,
condicionando colapso compressivo dos lobo médio e inferior direitos e ausência
de adenopatias mediastino-hilares
A broncofibroscopia não mostrou alterações endobrônquicas referenciáveis. Na
citologia do aspirado e escovado brônquicos foram observadas células brônquicas
ciliadas reaccionais, células inflamatórias e polimorfonucleares neutrófilos;
não se identificaram células neoplásicas.
O estudo funcional respiratório revelou alterações compatíveis com síndroma
restritiva ligeira e a gasometria arterial a FiO2 21 % era normal. Ecografia
abdominal sem alterações relevantes.
Foi orientada para a consulta da Dor e medicada com analgésicos opióides, anti-
inflamatórios não esteróides e antidepressivos.
Face a ausência de conclusão diagnóstica por biópsia pleural, foi proposta para
biopsia cirúrgica e transferida para o serviço de pleuro pulmonar por
toracotomia. Na intervenção cirúrgica observou-se a “presença de volumoso
derrame citrino (1200 cc) e sinais de infiltração do parênquima pulmonar,
pleura e diafragma”. Realizou exame extemporâneo, que revelou neoplasia
provavelmente de origem epitelial e metastática. Ao exame anatomopatológico
posterior dos fragmentos de pleura parietal, observaram-se fenómenos de
pleurite crónica colagenizante e angiogénese, além da presença de células de
citoplasma claro, onde focalmente parecia haver um lúmen com célula sanguínea,
área de proliferação de células epitelióides, sem atipia nuclear ou mitoses, em
estroma mixóide. Os aspectos histológicos descritos eram compatíveis com o
diagnóstico de hemangioendotelioma epitelióide da pleura, confirmado com
imunomarcação positiva das células tumorais isoladas para os marcadores
vasculares CD31 e CD34 (Fig. 3).
Fig 3 – Células com morfologia epitelióide em estroma mixóide, de citoplasma
claro, focalmente com um lúmen citoplasmático preenchido por célula sanguínea
(?). HE ×400 e CD31 ×400
A doente iniciou quimioterapia com carboplatina e etoposido e manteve
seguimento regular na consulta da Dor. Desenvolveu aplasia medular após o 3.º
ciclo, tendo vindo a falecer seis meses após o diagnóstico.
Discussão
O hemangioendotelioma epitelióide é um tumor com origem nas células vasculares
“epitelióides”, tendo sido descrito pela primeira vez em 1975 por Dail e Liebow
como “tumor intravascular bronquioloalveolar” e assim classificado até
reconhecida a sua natureza endotelial.
3
,
5
,
7
Caracteriza-se em termos evolutivos como uma neoplasia de baixo ou intermédio
grau de malignidade, com comportamento clínico entre o hemangioma benigno e o
angiossarcoma.
A sua localização primitiva ao nível da pleura é extremamente rara; os poucos
casos descritos na literatura apresentam um comportamento mais agressivo,
semelhante ao do angiossarcoma, com uma sobrevida de apenas alguns meses após o
diagnóstico3,5,
6
.
O diagnóstico com esta forma de apresentação é efectuado habitualmente numa
fase sintomática, com um quadro clínico que se caracteriza por toracalgia,
dispneia e emagrecimento6,7, que neste caso se traduz por queixas de evolução
progressiva após traumatismo torácico. Imagiologicamente traduz-se de forma
semelhante ao mesotelioma maligno, através da presença de derrame, espessamento
ou formações nodulares pleurais7-9,
14
. O estudo citológico do líquido pleural é geralmente inconclusivo, sendo a
biópsia pleural o exame gold standardno reconhecimento desta patologia.
Microscopicamente, os tumores de origem vascular apresentam células com
morfologia epitelióide, o que dificulta a sua distinção relativamente aos
outros tumores mais comuns da pleura, como o mesotelioma, e invasão por
metástases de outros tumores 4.
O estudo imunoistoquímico é essencial para estabelecer o diagnóstico
diferencial entre o mesotelioma e os tumores vasculares epitelióides,
demonstrando a forte reactividade para os marcadores endoteliais, como CD31,
CD34, Fli-1 e factor VIII (factor von Willebrand’s) 4,10,
13-15
.
O tratamento de eleição desta patologia é a ressecção cirúrgica. Na maioria dos
casos, este procedimento não é possível, optando-se muitas vezes pela
descorticação pleural paliativa 1,
11
.
Dada a pouca experiência, pela raridade dos casos descritos, ainda não são
conhecidos os benefícios da radioterapia e da quimioterapia. No entanto, estas
terapêuticas não se têm mostrado muito eficazes em estádios avançados da
doença6,13,14.
Nos doentes com HEE, os indicadores de pior prognóstico incluem: sintomas à
apresentação, disseminação linfangítica, metastizacão hepática e adenopatias
periféricas7,11-13. Os casos descritos a nível pleural apresentam um
comportamento altamente agressivo mesmo na ausência de sinais histológicos de
elevado grau de malignidade, sendo por isso considerados altamente malignos,
quer nas formas histológicas de HEE ou angiossarcoma epitelióide4,7.
Conclusão
No caso clínico apresentado, o traumatismo torácico antecedeu o diagnóstico,
tal como anteriormente descrito3. No entanto, não existem estudos que
estabeleçam esta relação causal, considerado apenas factor precipitante do
desenvolvimento de derrame pleural3,
15
. O diagnóstico foi estabelecido através de biopsia cirúrgica, o que está de
acordo com o procedimento habitual neste tipo de patologia. A sua evolução,
apesar de instituída quimioterapia, foi rapidamente fatal, o que comprova mais
uma vez a agressividade conhecida deste tipo de envolvimento tumoral.